o significado da anemia falciforme na política racial

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  • 8/8/2019 O significado da anemia falciforme na poltica racial

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    v. 12, n. 2, p. 347-70, maio-ago. 2005 347

    O SIGNIFICADO DA ANEMIA FALCIFORME

    O significado daanemia falciforme

    no contexto dapoltica racial dogoverno brasileiro

    1995-2004 *

    The significance of

    sickle cell anemiawithin the contextof the Brazilian

    governments racial policies (1995-2004)

    Peter H. FryProfessor do Departamento de Antropologia Cultural

    Instituto de Filosofia e Cincias Sociais daUniversidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ)

    Largo de S. Francisco 120051-070 Rio de Janeiro RJ Brasil

    [email protected]

    FRY, P. H.: O significado da anemia falciformeno contexto da poltica racial do governoBrasileiro 1995-2004.Histria, Cincias, Sade Manguinhos ,v. 12, n. 2, p. 374-70, maio-ago. 2005.O objetivo deste ensaio refletir sobre osignificado social de um crescente interessepela anemia falciforme e outras doenasassociadas ao corpo negro no Brasil.Investigarei a rede discursiva que se formouem torno da doena no contexto social da suaproduo. Comeo resumindo a analise feitado antroplogo Melbourne Tapper, doprograma de combate Anemia Falciformenos Estados Unidos nos anos 70, logo apsas vitrias dos negros na luta pelos direitoscivis. Tapper (1999) argumenta que uma das

    conseqncias dessa poltica foi a criao deuma comunidade negra cidad e responsvel.O Programa de Anemia Falciforme,desenvolvido pelo governo brasileiro comparticipao de ativistas negros a partir dadcada de 1990, tambm contribui para aformao e de uma comunidade negraresponsvel. O argumento do artigo que aanemia falciforme torna-se muito mais queuma doena a ser erradicada. O discurso emtorno dela um poderoso elemento noprocesso de naturalizao da raa negra(e, por oposio lgica e poltica, da raa branca) num pas que se imaginava como biolgica e culturalmente hbrido.

    PALAVRAS-CHAVE: Anemia falciforme;relaes raciais; movimento negro.

    FRY, P. H.: The significance of sickle cellanemia within the context of the Braziliangovernments racial policies (1995-2004).Histria, Cincias, Sade Manguinhos ,v. 12, n. 2, p. 347-70, May-Aug. 2005.This essay reflects on the social significance of growing interest in sickle cell anemia and otherillnesses associated with the black body in Brazil.I explore the discursive network that has takenshape around the disease within the social contextof its production. I first summarize anthropologist

    Melbourne Tappers analysis of the United States program to fight sickle cell anemia in the 1970s,shortly after blacks attained victories in the civilrights movement. Tapper (1999) argues that oneof the consequences of this policy was the creationof a responsible black citizenry. In the late 1990s,the Brazilian government developed a program(Programa de Anemia Falciforme) that countedon the heavy participation of black activists andthat also contributed to the formation of aresponsible black community. My argument isthat sickle cell anemia becomes much more thanan illness to be eradicated. The discoursesurrounding it is a powerful element in the processof naturalization of the black race (and, by

    logical and political complement, the whiterace) in a country that until recently imagineditself a biologically and culturally hybrid nation.KEYWORDS: Sickle cell anemia; race relations;black movement.

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    PETER FRY

    They [sickle cell researchers] have appropriated sickling to support the particular interpretation of the relationship between nature and culturewithout which the notion of race would cease to make sense.

    Melbourne Tapper

    Introduo

    Ao longo dos ltimos dez anos vem surgindo no Brasil umrenovado interesse pela anemia falciforme, interesse que co-incide com mudanas radicais no posicionamento do Estado brasi-

    leiro perante a questo racial. justamente no bojo do Progra-ma de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardo-so, anunciado em novembro de 1995, que o Estado reconhece aexistncia do racismo no Brasil, prope aes afirmativas a favordos negros e inaugura um Grupo de Trabalho Interministerial paraValorizao da Populao Negra (GTI), cujo subgrupo dedicado sade comeou a desenvolver programas dirigidos populaonegra, em particular o PAF.

    O principal objetivo deste ensaio refletir sobre o significadosocial desse crescente interesse pela anemia falciforme e por outras

    doenas associadas ao corpo negro. Para tanto, investigarei a redediscursiva (pronunciamentos da mdia, textos acadmicos e pro-gramas governamentais)1 que se formou em torno da doena nocontexto social da sua produo. Fica evidente, portanto, que oque me interessa aqui no a anemia falciforme em si, mas a ma-neira pela qual ela se torna um fato social. Para colocar a redediscursiva brasileira em perspectiva, comeo resumindo a anlisefeita pelo antroplogo Melbourne Tapper, do programa de comba-te Anemia Falciforme nos Estados Unidos nos anos 70, logo apsimportantes vitrias dos negros na luta pelos direitos civis. Tapper(1999) argumenta que uma das conseqncias dessa poltica foi acriao de uma comunidade negra cidad e responsvel. O Progra-ma de Anemia Falciforme desenvolvido pelo governo brasileiro,com uma destacada participao de ativistas negros a partir do fi-nal da dcada de 1990, tambm tem buscado a formao de umacomunidade negra responsvel, e, ainda mais significativo, o for-talecimento da prpria categoria social de negro. Argumento quea anemia falciforme se torna muito mais que uma doena sob agide unicamente da medicina. O discurso em torno dela um po-deroso elemento no processo de naturalizao da raa negra (e,por oposio lgica e poltica, da raa branca) no Brasil.Antes de iniciar a discusso, porm, necessrio descreverem linhas gerais o discurso da cincia contempornea sobre essadoena.

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    O SIGNIFICADO DA ANEMIA FALCIFORME

    A cincia e a anemia falciforme

    A cincia define a anemia falciforme por meio de quatro discur-sos dominantes: da biologia molecular, da medicina clnica, da an-tropologia biolgica e da gentica (Tapper, 1999). A biologiamolecular explica a anemia como uma mutao da hemoglobinaque leva as clulas a se parecerem com foices. A medicina clnica sedebrua sobre as vrias manifestaes e conseqncias desseafoiamento das clulas, bem como sobre os tratamentos maisadequados. Uma das caractersticas da doena a sua variabilidadeclnica, envolvendo desde pacientes com inmeras complicaes efreqentes hospitalizaes a outros quase assintomticos. As ma-nifestaes clnicas so anemia crnica acompanhada por doresosteoarticulares, dores abdominais, infeces e enfartes pulmona-res, retardo no crescimento e na maturao sexual, acidentevascular cerebral e comprometimento crnico de mltiplos rgos,sistemas ou aparelhos, como o sistema circulatrio, rins, olhos epele, alm do aparecimento de lceras. A cincia gentica define aanemia falciforme como de herana mendeliana, associada a umamutao especfica. Em 1949 James V. Neel e E. A. Beet estabelece-ram a distino gentica entre o trao falciforme e a anemia pro-priamente dita. O indivduo que recebe o gene de apenas um dosseus genitores, portanto heterozigoto, apenas portador do tra-o. Ele no desenvolve a doena, mas pode transmitir o gene paraseus filhos. Quando recebe o mesmo gene de ambos os pais, o indi-vduo (no caso, homozigoto) tem a anemia falciforme. A antropo-logia biolgica e a gentica populacional consideram a anemiafalciforme, sob certas condies, como uma instncia de adaptaoao meio ambiente sob influencia da seleo natural. A relativa imu-nidade malria por parte de indivduos heterozigticos (aquelesque recebem o gene de um dos parentes) invocada pelos pesquisa-dores para explicar a sobrevivncia dessa mutao justamente nasreas onde a malria endmica, a frica ocidental (sobretudo),Grcia e sul do Mediterrneo, e o sul da ndia.

    A rede discursiva sobre anemia falciformenos Estados Unidos

    A primeira identificao da anemia falciforme foi feita nos Esta-dos Unidos por James B. Herrick em um estudante negro proveni-ente do Caribe, em 1910. Desde ento a condio foi associada aocorpo negro, a tal ponto que entre as dcadas de 1920 e 1940 elaserviu como uma espcie de marcador racial definidor de quem se-ria ou no negro.Aps a descoberta da lgica mendeliana da transmisso da doen-a em 1949, poder-se-ia supor que o discurso sobre a relao entreraa e anemia falciforme perdesse a sua fora. Segundo Tapper, a

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    descoberta de Neel deveria ter mudado o discurso sobre oafoiamento, tornando irrelevantes ou fora de moda ... as abor-dagens arcaicas da antropologia racialista e da eugenia ... Espe-rar-se-ia que termos como raa, o Negro (compreendido comorepresentante de wm tipo racial), pessoas de cor, e o indivduosubnormal ... tivessem se tornado sem sentido, sendo substitu-dos pelas noes da biologia molecular. (Ibidem, p. 39, 40)

    Contudo, isso no aconteceu.

    Desde a dcada de 1950, na literatura sobre a anemia falciforme,a eugenia e a gentica no se excluram mutuamente, masfreqentemente co-existiram ou se fundiram para produzir uma

    nova e poderosa antropologia racialista que foi informada eautorizada pela linguagem da biologia molecular (sobretudo odiscurso sobre genes de grupos sangneos). (Ibidem, p. 40)

    De fato, a teoria da relao entre o corpo negro e a anemiafalciforme era to hegemnica e inquestionvel que elaboraessecundrias2 eram invocadas para preservar a teoria perante fa-tos que a contradiziam. Cada vez que a prtica parecia contradizera teoria, os fatos eram modificados para poupar a teoria. Por exem-plo, os brancos diagnosticados como portadores da doena eramimediatamente suspeitos de serem de fato negros.

    Na dcada de 1970, seguindo a luta pelos direitos civis, o gover-no americano elegeu o controle e a preveno de anemia falciformecomo uma medida para corrigir a histria de segregao e discrimi-nao contra os afro-americanos. Findou por se tornar um emble-ma, a meta de uma cidadania plena para eles.

    Tapper mostra que, ao longo das dcadas de 1950, 1960 e 1970, odiscurso que se formou em torno da anemia falciforme foienfatizando cada vez mais o eu e a responsabilidade do indivduoperante a sndrome: A gesto de anemia falciforme envolveu uma

    espcie de cuidado intensivo doself e, por extenso, da raa (Tapper,op. cit., p. 97). Um marco nessadmarche teria sido o trabalho deRobert B. Scott,3 que observou que, em comparao com outrasdoenas com menor incidncia, a anemia falciforme recebiapouqussimos recursos destinados pesquisa e investigao cl-nica. Scott argumentou que a anemia falciforme representava umproblema social; s poderia ser combatida pelos prprios negros apartir de informaes sobre a doena. Assim, esse autor sugeriuaconselhamento gentico para noivos. Tapper comenta:

    O trao (e no a anemia em si) providenciaria em ltima instn-cia um locus para vigiar o comportamento reprodutivo dos afro-americanos. Mais precisamente, tornou-se o veculo para a cons-tituio de um tipo particular de sujeitos afro-americanos, que,armados com conhecimento graas eficcia da mdia como

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    O SIGNIFICADO DA ANEMIA FALCIFORME

    diria Scott tomariam decises bem fundamentadas. Esses su- jeitos, supostamente diferentes das geraes anteriores de afro-americanos, preencheram os requisitos para a cidadania plena epassaram a possuir o conhecimento daquilo que precisavam fa-zer para servir o seu prprio interesse e o da comunidade.(Ibidem, p. 106, traduo minha.)

    Segundo Tapper, ento, o texto de Scott criou as condies paraa formulao de polticas pblicas, em particular o National Sickle CellAnemia Control Act, logo modificada para National SickleCell AnemiaPrevention Act (grifo meu).

    Essa legislao e os debates que a precederam insistiram na im-portncia da participao da comunidade negra no enfrentamentodo afoiamento. Tapper sagazmente lembra que, anteriormente aessa discusso, a comunidade negra nem existia sequer como fi-gura de retrica. O Relatrio Moynihan de 1965, por exemplo, fala-va de desintegrao familiar, da criminalidade e da anomia da socie-dade negra (Moynihan, 1965). Assim, afirma Tapper, a legislaorelacionada anemia falciforme teve como efeito a construo deuma comunidade real e responsvel. Por todo o pas, negros seorganizaram para passarem por testes e para encorajar os outros ase testarem tambm, buscando averiguar se seriam ou no porta-dores do gene.

    Em pouco tempo, alguns estados consideraram introduzir tes-tes compulsrios para cidados negros e, em alguns casos, porta-dores do trao perderam a chance de emprego em algumas profis-ses (aeromoa, por exemplo) ou de ingressar em academias milita-res e da aeronutica. Em Mississippi, a legislao autoriza o con-selho estadual de sade a estabelecer um programa de testagempara a anemia falciforme entre aquelas pessoas que, por raa, gru-po tnico ou por outras razes, so determinadas como particular-mente suscetveis condio. O conselho tambm autorizado a

    preparar e distribuir materiais educacionais relacionados anemiafalciforme.4No entanto, mesmo que a idia fosse a de envolver a comuni-

    dade negra (assim constituindo-a, segundo Tapper), o programaenfureceu alguns negros (infelizmente Tapper no os identifica so-ciologicamente):

    Eventualmente muitos negros viram a gesto da anemiafalciforme como uma conspirao uma forma insidiosa de dis-criminao, at genocdio. A identificao da populao negracomo alvo nico ... foi vista com ceticismo por muitos negros. Aoseparar a populao negra para interveno, o governo no es-taria contribuindo para a estigmatizao dos negros em vez dedesencoraj-la? Dado que o afoiamento ocorre mesmo commenor freqncia em outras populaes, como poderia o go-

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    verno justificar o seu foco exclusivo na comunidade negra? Quaisas possveis implicaes em termos de maior discriminao dessa prtica? (Ibidem, p. 121, traduo minha.)

    Contudo, mesmo assim, o programa e a rede discursiva engen-drada tiveram o efeito de produzir uma comunidade negra orga-nizada para o bem-estar dos seus membros.

    O dilema que enfrentaram os proponentes do programa de ane-mia falciforme foi o de ... que no existia ... uma comunidadenegra unificada e bem definida; ela tinha que ser produzida. Osproponentes da iniciativa procuraram oferecer uma imagempositiva daquilo que precisava ser governado a comunidadenegra e tambm enfatizaram as boas intenes do governo,organizando a sua apresentao em torno de termos-chave comonegligncia (a ser corrigida), responsabilidade individual (apre-sentada como uma categoria universal), urgncia ... e autodeter-minao... (Ibidem, p. 123, traduo minha.)

    Em resumo, Tapper argumenta que a rede discursiva em tornoda anemia falciforme nos Estados Unidos (eu me refiro predomi-nantemente a textos cientficos e governamentais, mas Tapper in-clui artigos veiculados na mdia da poca) teve como conseqncia

    fundamental a formao da noo de uma comunidade negra res-ponsvel, redefinindo os negros como cidados plenos, com a obri-gao de participar na produo do bem comum, neste caso atravsda preveno da anemia falciforme. Evidentemente, no por aca-so que esse discurso surgiu no bojo da emancipao civil dos ne-gros americanos, seguindo a luta para os direitos civis da dcadade 1960. Representava, para o governo, um compromisso com asade dos negros e uma vontade de se redimir perante as falhas dopassado.

    O importante a observar neste ponto, porm, que emboraTapper tenha conseguido relativizar a categoria comunidade ne-gra, ele no chegou a fazer o mesmo com as categorias raciaisnegro ou afro-americano e branco, que so tratadas como sefossem categorias pr-discursivas. Esse escorrego de umfoucaultiano confesso s pode ser entendido pela aura de naturali-dade que a taxonomia racial bipolar possui nos Estados Unidos.Tapper relata casos de dvidas sobre algumas instncias de classifi-cao se tal branco fosse de fato branco, por exemplo mas ascategorias em si no eram postas em questo. Embora Tapper cer-tamente perceba que a lgica dos discursos sobre anemia falciformepressupe e torna possvel o conceito de raa (a epgrafe deste ar-tigo so palavras suas), essa no uma questo que Tapper tenhatratado em seu livro. Olhando agora para o Brasil, onde, argu-mentaremos, h uma disputa de legitimidade entre pelo menos dois

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    sistemas de classificao racial, observaremos que a rede discursivaem torno da anemia falciforme tem a conseqncia de no apenas

    produzir uma comunidade negra cidad e responsvel, como for-talecer o seu antecedente lgico: uma taxonomia racial bipolar.

    A anemia falciforme no Brasil da dcada de 1990: a histria a mesma ou outra?

    Logo no inicio do seu governo, o presidente Fernando HenriqueCardoso lanou o Programa Nacional de Direitos Humanos, quecontinha uma srie de atividades planejadas no interesse da co-munidade negra. Inclua-se entre elas a criao de um Grupo de

    Trabalho Interministerial (GTI) para a Valorizao da PopulaoNegra. O GTI foi institudo pela Medida Provisria de 20 de no-vembro de 1995, na ocasio da Marcha Zumbi dos Palmares Con-tra o Racismo, pela Igualdade e pela Vida, que mobilizou milharesde militantes negros e simpatizantes do pas inteiro.

    Em 1996, o subgrupo de sade organizou uma Mesa Redondasobre a Sade da Populao Negra, que chegou a reconhecer qua-tro blocos de doenas que afetam a populao negra.

    O primeiro bloco o grupo das doenas geneticamente determi-nadas. So doenas que tm bero hereditrio, ancestral e tnico.Nesse grupo, destaca-se a anemia falciforme, por ser uma doenaque incide predominantemente sobre afro-descendentes. Tambmso doenas ou agravos desse grupo a hipertenso arterial, o dia- betes melito e uma forma de deficincia de enzima heptica, a glicose-6-fosfato desidrogenase, incidentes sobre outros grupos raciais/t-nicos, porm mais graves ou de tratamento mais difcil quandoacometem pretos e pardos.

    Osegundo bloco o conjunto de ocorrncias, condies, doenase agravos adquiridos, derivados de condies socioeconmicas eeducacionais desfavorveis, alm da intensa presso social: alcoo-lismo, toxicomania, desnutrio, mortalidade infantil elevada, abor-tos spticos, anemia ferropriva, DST/Aids, doenas do trabalho etranstornos mentais.

    O terceiro bloco constitudo por doenas cuja evoluo agrava-se ou cujo tratamento dificultado pelas condies negativas ante-riormente citadas: hipertenso arterial, diabetes melito,coronariopatias, insuficincia renal crnica, cnceres e miomas. Issoquer dizer que, apesar de incidentes sobre toda a sociedade, essasdoenas se tornam mais graves na populao negra, em razo dascarncias econmicas, sociais e culturais a que est submetida.

    Oquarto bloco o conjunto de condies fisiolgicas que sofreminterferncia das condies negativas anteriormente mencionadas,contribuindo para sua evoluo para doenas: crescimento, gravi-dez, parto e envelhecimento. Equivale dizer que esses quatro fatos

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    biolgicos naturais, quando afetados pelas condies negativasreferidas, constituem, para grande parcela da populao negra, si-

    tuaes de risco para o aparecimento de doenas (Brasil, 1998).Quais so os pressupostos que subjazem a essa taxonomia? Emprimeiro lugar, o que significa relacionar doenas como a anemiafalciforme a um bero hereditrio, ancestral e tnico? Os trs ad- jetivos hereditrio, ancestral e tnico sugerem que a anemiafalciforme seja uma caracterstica de um grupo social que comparti-lha a mesma ascendncia e, portanto, o mesmo conjunto gentico.A frase bero hereditrio, ancestral e tnico de fato um eufemis-mo para doena racial. O segundo bloco das doenas com cau-salidade mais social, em particular a pobreza e intensa presso

    social. H aqui a idia de que a discriminao racial pode ter efei-tos deletrios sobre a sade do discriminado. Esse pressuposto di-fere do primeiro porque no presume nenhum essencialismo nocorpo ou na cultura negra. Em vez disso, pressupe que a discri-minao racial exercida contra as pessoas mais escuras pode pro-duzir efeitos deletrios em relao sade. O terceiro e quarto blo-cos acrescentam a noo de carncias econmicas, sociais e cultu-rais. J que nem todos os pobres so negros, essa noo introduzo pressuposto de que a populao negra possui uma cultura pr-pria, que pode levar contrao de determinadas doenas. Afirmar

    a existncia de uma cultura negra afirmar a existncia de umaidentidade negra compartilhada pelos que se definem como pretosou pardos. Esse pressuposto vem consolidar a noo de etniaenunciada no primeiro bloco. Descrever essa cultura como umacarncia vai, estranhamente, um passo alm no sentido de sugerirque a cultura negra ajuda a fomentar estados de doena entre osnegros.

    Resumindo, podemos ver que o discurso produzido pela MesaRedonda de 1996 produz a imagem da populao negra que muitomais que a soma dos indivduos que se definem como pretos oupardos nos recenseamentos nacionais. Essa populao se tornauma etnia, constituda por uma herana biolgica e cultura (infe-rior) compartilhada. A importncia desse discurso no pode serignorada, j que as concluses da Mesa Redonda se tornaram pon-to de partida para toda a poltica pblica dirigida populao ne-gra desde ento.

    Em 2001, o Ministrio publicou o seu Manual de doenas maisimportantes, por razes tnicas, na populao brasileira afro-des-cendente, onde o pensamento do Ministrio se desenvolve aindamais no sentido de definir a populao negra (Hamann & Tauil,2001). O manual inicia a reflexo sobre a populao negra brasilei-ra afirmando que esta diferente das de outros pases da Amrica e,tambm, da prpria frica, graas sobretudo intensa miscigena-o entre africanos de diferentes regies da frica e entre esses e a

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    populao branca e, em menor escala, com a populao indgena(ibidem, p. 9). Depois de comentar a relativa pobreza da populao

    negra, conclui que do ponto de vista das doenas com forte deter-minao gentica, a populao brasileira afro-descendente possamanifest-las com caractersticas prprias, no sendo correta a sim-ples transposio dos resultados das pesquisas sobre essas doenasrealizadas em outros pases (ibidem).

    Dessa forma, longe de colocar em questo a propriedade de sepensar o Brasil em termos de raas estanques, a miscigenao sur-ge apenas para estabelecer uma especificidade brasileira, uma po-pulao afro-descendente com caractersticas prprias. Novamen-te, no discurso do Ministrio, a populao negra se caracteriza

    como um grupo, uma etnia. O que digno de nota aqui quenenhuma meno feita s outras possveis especificidades do Bra-sil, como, por exemplo, a maneira de classificar as pessoas racial-mente mais pela aparncia (marca) que pela ascendncia (origem)(Nogueira, 1991), a falta de consenso sobre quem quem racial-mente, a ausncia de ntidas identidades negra e branca, e oconcomitante fato de o Brasil no ter legalmente discriminado osnegros desde a inaugurao da Repblica. Mas essas possveisespecificidades talvez no pudessem ser mencionadas num docu-mento que tem por finalidade definir doenas importantes por ra-

    zes tnicas. Raas e etnias exigem claras fronteiras entre seusmembros e os Outros.O Manual contm um longo captulo da autoria de Marco A.

    Zago, professor titular de clinica mdica da Faculdade de Medicinade Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo que se debruasobre a anemia falciforme, considerada desde a Mesa Redonda umadoena incidente predominantemente sobre a populao afro-des-cendente ... com sinalizadores estatsticos suficientes e convincen-tes para justificar sua prioridade como problema de sade pbli-ca. Zago comea constatando que a anemia falciforme a doenahereditria mais comum do Brasil. Faz meno a informaesfilogenticas sobre a origem do gene, observando que chegou sAmricas pela imigrao forada de 3 4 milhes de africanostrazidos ao pas como escravos (Zago, 2001). Em seguida, observaque a doena predominante entre negros e pardos, porm tam- bm ocorre entre brancos (ibidem, p. 15). Observa ainda que ocorrecom mais freqncia onde a populao negra mais numerosa. NoSudeste a prevalncia mdia de heterozigotos (portadores) de2%, valor que sobe a cerca de 6% 10% entre negros e pardos e [sic]no Nordeste do pas (ibidem). Estima que dois milhes de brasilei-ros sejam portadores do gene e oito mil manifestem a doena.A anlise do professor Zago se diferencia dos demais pronunci-amentos que compem o documento do Ministrio da Sade. Em- bora reconhea que a origem racial e o predomnio entre negros e

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    mulatos um aspecto de significativa importncia quando se con-sidera a doena do ponto de vista de sade coletiva e se pretende

    estabelecer estratgias para seu controle, no fala de grupo tni-co. Alm disso, enfatiza que a doena falciforme no se restringe populao negra e, reconhecendo a lgica mendeliana da trans-misso da doena, advoga polticas de combate de cunhouniversalista. Estratgias que visem ao controle das doenasfalciformes, ele comenta, para serem eficientes, devem estar asso-ciadas melhoria das condies de higiene, sade pblica e educa-o dos focos de misria. Advoga um sistema de diagnstico pre-coce, uma forte nfase na educao da comunidade e dos profissio-nais de sade, e aconselhamento gentico conforme os referenciais

    da biotica. (ibidem, p. 30). Conclui falando do PAF, que contem-pla um conjunto de aes de promoo do seu conhecimento, pre-veno da doena, a facilitao do acesso aos servios de diagnsti-co e tratamento, bem como as aes educativas dirigidas aos pro-fissionais de sade e populao (ibidem). Entre as aes previs-tas pelo programa, incluem-se a ampliao de diagnstico e de tra-tamento, a capacitao de profissionais, a busca ativa de pessoasafetadas, e o levantamento, cadastramento e busca de parceriascom instituies e ONGs com atuao na rea da doena falciforme.Em momento algum h qualquer referncia explcita a organiza-

    es negras. Mesmo assim, como veremos a seguir, intelectuais ne-gros, entre eles muitas mulheres, tiveram e tm papel de destaqueem iniciativas voltadas para a anemia falciforme no mbito dasade coletiva.

    O ativismo negro

    Como vimos, as origens do PAF remontam a novembro de 1995,em ntima associao com a Marcha Zumbi dos Palmares Contra oRacismo, pela Igualdade e pela Vida. Nasce, portanto, no contextode uma inflexo importante na poltica do governo brasileiro emrelao ao racismo. O fato de surgir logo aps essa marcha caracte-riza-o como uma resposta clara do governo s reivindicaes dosmovimentos negros.

    Embora o Programa, como descrito no Manual de doenas maisimportantes, por razes tnicas, na populao brasileira afro-des-cendente, no faa nenhuma referncia ao ativismo negro, ele ,desde o inicio, intimamente ligado a indivduos e organizaes ne-gros, tanto governamentais (os conselhos estaduais e municipais)como no governamentais. medida que os estados vo instituin-do seus programas de combate anemia falciforme, essa mensagemvai aos poucos se capilarizando na sociedade brasileira. E, como oprograma tende a ser acoplado s atividades dos conselhos negros,o combate anemia falciforme potencialmente acaba produzindo

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    O SIGNIFICADO DA ANEMIA FALCIFORME

    uma espcie de solidariedade racial entre as maiores vtimas po-tenciais da doena.

    Assim, por exemplo, a Lei Estadual n 12.131, de 12 de maro de2002, que instituiu o Programa no estado de Santa Catarina, garante aparticipao de tcnicos e representantes do Movimento Negro nogrupo a ser constitudo para a implantao do Programa. No Par,a Lei Estadual n 6.457 de 30 de abril de 2002, prev no seu Artigo 2,pargrafo XV, a realizao de parcerias junto ao movimentonegro. Em So Paulo, a Coordenadoria Especial do Negro (CONE),que o rgo do governo municipal responsvel pelo fomento eelaborao de polticas pblicas voltadas para a insero do negrona sociedade, superando as desigualdades raciais, desenvolve um

    Programa Negra Cidade de Combate ao Racismo e de Garantiada Diversidade tnica. Esse programa foi criado pela prefeituraatravs da Coordenadoria Especial do Negro, para diminuir a dis-criminao contra os afro-descendentes. Um dos componentes doNegra Cidade um programa para reduzir a taxa de mortalidadepor anemia falciforme em recm-nascidos e crianas com menos deum ano (www.portalafro.com.br/entidades/cone/internet/cone.htm, acessado em 9.12.2004). No Rio de Janeiro, o Centro deReferncia Nazareth Cerqueira contra o Racismo e Anti-semitismo(Cerena), rgo ligado Secretaria Estadual de Justia e Direitos

    do Cidado, e cuja funo principal acolher e investigar casos deracismo, promove uma srie de encontros do Frum Permanentede Anemia Falciforme. Esses encontros tm como objetivo a difu-so de informaes sobre a doena e a melhoria da qualidade devida de falcmicos, atravs de aes integradas do poder pblicocom a Sociedade Civil (www.sbhh.com.br/menu/noticias.asp?newsID=1293, acessado em 11.12.2004).

    No campo das organizaes no governamentais pr-negro, apresena de mulheres ativistas predominante.5 Uma das mais pro-eminentes Edna Roland, psicloga, presidente do Conselho Dire-tor da Fala Preta! Organizao de Mulheres Negras, e representan-te do Brasil na Conferncia de Durban. Roland tem trabalhado nosentido de investigar as relaes entre raa e sade reprodutivafeminina. Como intelectual e ativista, argumenta que as mulheresnegras, atravs das organizaes e movimentos de que fazem parte,constituem vozes importantes para reivindicar do Estado as con-dies necessrias para que possam exercer sua sexualidade e seusdireitos reprodutivos, controlando a prpria fecundidade (Roland,2001). Fundou uma ONG chamada Fala Preta!, cuja cartilha Ani-me-se informe-se anemia falciforme resultou de uma parceria como Programa de Sade Reprodutiva da Mulher Negra do Cebrap. Jurema Batista, mdica e fundadora da ONG carioca Crioula, tambm presena importante em discusses sobre a doena, e co-autora de uma coletnea sobre a sade das mulheres negras

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    (Werneck, Mendona et al., 2000). Uma terceira ativista importan-te Ftima Oliveira, mdica integrante da Comisso de Cidadania

    e Reproduo da Unio Brasileira de Mulheres e da Sociedade Bra-sileira de Biotica. Oliveira concebe a sade como um campo poss-vel de luta contra o racismo e considera a ateno sade uminstrumento eficiente no combate ao racismo, ao preconceito e sdiscriminaes. Ela aponta para a discriminao contra pacientesnegros e para a falta de rigor legal e tico de agncias governa-mentais na rea de sade ou de laboratrios que submetem os pa-cientes negros a experimentos de alto risco, sobretudo nos EstadosUnidos, Gr-Bretanha, Qunia e Serra Leoa. Oliveira argumentaque tais formas de discriminao podem ser combatidas atravs de

    polticas pblicas orientadas s necessidades do segmento negroda populao, e do controle do deslocamento das pesquisas dospases ricos para os pobres.

    Uma quarta personagem na luta pela sade da populao negra a enfermeira, mestre em educao, presidente fundadora da Asso-ciao de Anemia Falciforme do Estado de So Paulo, BereniceKikuchi. No artigo Anemia falciforme e legislao, Kikuchi des-creve a anemia falciforme como uma doena com prevalncia em 1entre cada 500 afro-descendentes nascidos vivos no Brasil. Co-menta que a situao de desigualdade experimentada pela popula-

    o descendente dos escravos que foram trazidos para as Amricas um dos determinantes na epidemiologia da doena. Credita mis-cigenao e migrao regional a presena da molstia na popula-o de todos os estados brasileiros (Kikuchi, 2003). O projeto Sa-de Reprodutiva e Organizao Social dos Doentes Falciformes, desua autoria e apoiado pela Fundao MacArthur, objetivou redu-zir a discriminao de doentes e seus familiares nas instituies desade e educao. Talvez a mais importante contribuio de Kikuchitenha sido a participao na elaborao do PAF.

    Na prtica, portanto, as iniciativas governamentais voltadaspara a anemia falciforme no Brasil, como nos Estados Unidos, es-to intimamente ligadas s organizaes da militncia negra, o queacaba por enfatizar a relao entre a doena e as pessoas afro-descendentes. Mesmo que se reconhea que a doena dissemina-secom a miscigenao para os quatro cantos do pas, a anemiafalciforme fica cada vez mais associada populao negra.

    A mdia

    Num artigo recente, Dbora Diniz e Cristiano Guedes analisa-ram as matrias sobre anemia falciforme publicadas entre 1998 e2002 nos jornais A Tarde (de Salvador) eFolha de S. Paulo. Exami-nando 41 matrias do jornal baiano e 25 do paulista, verificaram aforte associao entre a anemia falciforme e a populao negra:

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    O SIGNIFICADO DA ANEMIA FALCIFORME

    Na maior parte das vezes, o jornal A Tarde noticiou a anemiafalciforme antes como uma questo de sade pblica do interes-se da populao negra, que mesmo como uma doena gentica ...Se fosse possvel identificar o tema prioritrio que gerou as pau-tas sobre anemia falciforme nos dois jornais analisados, arrisca-ramos dizer que era o tema da sade da populao negra noBrasil. E, nesse recorte, no haveria como evitar o tema da ane-mia falciforme. (Diniz & Guedes, 2004)

    Em seguida, indagaram sobre as razes desse equvoco, levan-tando a hiptese de que, do ponto de vista da populao como umtodo, a gentica percebida como a cincia que informa sobre agnese individual e sobre as origens e diferenas de distintas iden-tidades:

    Raros devem ser os profissionais biomdicos consultados pelos jornais que desconhecem o fato de que a anemia falciforme no uma doena exclusiva de negros e pardos, o que torna aindamais interessante a anlise das razes que conduziram a esteequvoco nas matrias. Uma possvel explicao para o fenme-no que a associao da anemia falciforme aos negros um temacom forte impacto miditico, fortalecendo a expectativa sociol-gica de que a gentica uma informao sobre a gnese indivi-dual. Caso esta hiptese esteja correta, circunscrever a anemiafalciforme aos negros e pardos significa tambm falar sobre suasorigens e diferenas. (Ibidem)

    Essa hiptese se torna mais plausvel se examinarmos uma im-portante cartilha intitulada Anemia Falciforme viajemos por essa his-tria... , cuja responsvel tcnica Berenice Kikuchi. A cartilha foipublicada pela Associao de Anemia Falciforme do Estado deSo Paulo, pela Coordenadoria Especial do Negro do Municpiode So Paulo, e pelo Movimento Negro Unificado (MNU). Recebeutambm o apoio de diversas entidades negras como o MovimentoHip Hop, o U Negro, o Grupo Fora e Raa, a Associao CulturalRuth de Souza e o Coletivo da Liga Humanitria dos Homens deCor, entre outras.

    A capa do folheto mostra uma famlia nuclear negra, pai, me efilho (este jogando bola), e ao lado h um outro personagem, tam- bm negro, vestido de branco, e carregando um estetoscpio, evi-dentemente um mdico. Assim, retrata-se desde o incio uma doenade negros tratada por negros, algo deveras incomum no Brasil.

    A cartilha em forma de histria em quadrinhos (Figura 1) contacomo os pais de Thiaguinho aprendem que ele tem anemiafalciforme, o que a doena e como trat-la. Comea com o lugarde origem da anemia, uma frica representada como um conti-nente rico e misterioso, cheio de histria na cidade, a vida sim-ples nas aldeias, sua riqueza e a sua cultura.

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    A doena j era conhecida na frica (Figura 2). Os negros sotrazidos para o Brasil como escravos, mas lutam muito mais para

    ter de volta a sua liberdade, erguendo vrias bandeiras, e aindahoje continuam lutando por sua cidadania e igualdade.Em seguida (Figura 3), aparece o mdico que diz : Como des-

    cendente deste povo importante saber que a doena comeou l.Porm, outros povos tambm sofrem com essa doena. Dessa for-ma, utilizando o conceito de povo, a cartilha faz uma clara rela-o no entre indivduo e gene, mas entre povo e doena. Revela,pois, a natureza gentica, de transmisso mendeliana, do gene res-ponsvel pela doena.

    O pai e a me de Thiaguinho (Figura 4) querem entender por

    que seu filho sofre da doena e eles no. O mdico aproveita paradiscorrer sobre o que o trao falciforme a dar conselhos mdicos,assegurando que, cuidando bem do Thiaguinho, nada o impedirde se tornar um grande homem.

    O folheto como um todo (Figura 5), com seus personagens to-dos negros, com a exaltao da frica e com a noo de que a doen-a de povos, transmite uma fortssima, quase exclusiva, relao

    Figura 1

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    Figura 2 Figura 3

    Figura 4 Figura 5

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    entre anemia falciforme e o corpo negro, mesmo com uma breveressalva de que outros povos podem tambm apresentar a doena.

    Mas, mesmo os folhetos no exclusivamente ligados militncianegra enfatizam a relao entre essa doena e raa. Um exemplomuito interessante o Manual do paciente da Agncia Nacional deVigilncia Sanitria (Figura 6). No interior do folheto a ilustraoda natureza gentica e da transmisso mende-liana da molstia mos-tra uma famlia monogmica branca.

    Na capa (Figura 7), porm, aparece um mdico branco e um pa-ciente, que, se no negro, certamente no branco.

    Figura 6

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    A ttulo de concluso voltando a comparar

    Passemos agora para uma comparao do caso brasileiro com onorte-americano.

    A grande semelhana entre as duas situaes , sem duvida, a nfa-se na histria africana da anemia falciforme e na produo de umacomunidade negra responsvel e cidad. Onde foram implementadosprogramas voltados para a anemia falciforme, a relao entre a doenae a comunidade negra fica explcita tanto na legislao quanto nasprticas institudas. A comunidade negra aparece ora atravs dos con-selhos estabelecidos no bojo dos estados e municpios, ora atravs deorganizaes no governamentais negras. Embora se reconhea,

    Figura 7

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    a, a natureza gentica da molstia, o afoiamento adquiriu defi-nitivamente ostatus de doena associada populao negra, ber-

    o hereditrio, ancestral e tnico.As diferenas, porm, so significativas. Em primeiro lugar, pa-rece que no caso brasileiro havia e h uma presena muito maismarcante de militantes negros na formulao e disseminao deprogramas voltados para a anemia falciforme que nos EstadosUnidos. Alm disso, impossvel no ignorar a maior presenafeminina e feminista entre esses ativistas negros. Entre 1988 e 1997,Edna Roland, como Diretora e coordenadora-executiva do Geleds Instituto da Mulher Negra, onde coordenou o Programa de Sa-de e foi responsvel pela introduo da questo da sade como

    temtica prioritria para o Movimento Negro brasileiro, produziuos Cadernos Geleds, intitulados Mulher Negra e Sade eEsteriliza-o: Impunidade ou Regulamentao? , primeiras publicaes editadasno Brasil com a perspectiva das mulheres negras na rea da sade.Os sujeitos, os objetos e os critrios de validao dos estudos de-senvolvidos nesse campo se constituram como tal a partir dessemomento. Sem a contribuio do movimento de mulheres negras,esse processo certamente teria assumido outra feio.

    Mas talvez mais significativo de que constatar a presena dasmulheres ativistas na produo do PAF reconhecer que o progra-

    ma visto por elas como uma conquista do movimento negro.E isso aponta para mais uma diferena em relao ao cenriodescrito por Tapper nos Estados Unidos. No s a preeminnciada militncia negra brasileira na formulao do programa que cha-ma a ateno, como tambm a ausncia de qualquer critica daintelectualidade negra. Ao que sabemos no h vozes preocupadascom os ecos eugnicos no aconselhamento gentico, nem comum aumento no controle sobre a cidadania que o PAF introduz, emuito menos com a possibilidade de a nfase da relao entre aanemia falciforme e a populao negra aumentar a estigmatizaodos negros. Antes pelo contrrio, o folheto Anemia Falciforme via- jemos por essa histria tem o efeito surpreendente de transformar osofrimento compartilhado numa espcie de orgulho de raa.

    Esse valor icnico da anemia falciforme talvez marque a maiordiferena entre a situao que Tapper descreve nos Estados Unidos ea que estamos desenhando aqui no Brasil. Nos Estados Unidos ascategorias negro e branco so tidas como naturais de acordocom a regra da gota nica que reza que o indivduo com umantepassado africano, por mais distante que seja, negro. Hpouqussima ambigidade no sistema, e tentativas por parte depessoas com aparncia muito branca de assumir uma identidade branca ( passing) so muito mal vistas. A diferenciao entre ne-gros e brancos marcada por uma srie de sinais culturaisdiacrticos que so entendidos por todos. Como mostra Tapper, a

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    rede discursiva sobre a anemia falciforme , acima de tudo, umacrtica ao descaso dos brancos para com os negros e, como vimos,

    um forte produtor de uma comunidade negra cidad.Parece-me que, no Brasil, o apoio aparentemente total que osativistas negros prestam ao PAF significa que a anemia falciformetornou-se, muito mais que uma doena a ser detectada e tratada,um poderoso elemento no processo da naturalizao da raa ne-gra (por oposio lgica e poltica a raa branca). Em outras pa-lavras, um marcador de diferena num pas onde as delimitaesraciais so imprecisas e ambguas.

    Ao longo da histria, a classificao racial dos indivduos noBrasil tem obedecido a pelo menos duas taxonomias: uma, binria,

    divide a populao entre brancos e pretos ou entre brancos ehomens de cor; a segunda, de mltiplas categorias, decorre de umataxonomia complexa que reconhece uma gama de combinaes in-termedirias. Os critrios de classificao para ambas as taxonomiasso construdos basicamente sobre as aparncias dos indivduos, oua marca, segundo Oracy Nogueira, que contrastou esse sistema declassificao com o dos Estados Unidos onde o critrio bsico seria asuposta descendncia biolgica dos indivduos (Nogueira,1991[1954]). evidente que h muito mais consenso sobre quem quem, racialmente falando, nos Estados Unidos que no Brasil.

    Como vimos ao longo deste artigo, durante o ultimo meio scu-lo a tendncia dos cientistas sociais brasileiros, concomitantementecom os militantes dos movimentos negros, tem sido de fortalecercada vez mais a primeira taxonomia em prejuzo da segunda. Aintroduo de aes afirmativas a partir do Programa Nacionaldos Direitos Humanos, de 1995, fortaleceu ainda mais a taxonomia binria, pois no h meio termo entre quem tem direito a uma cotareservada para negros e quem no tem. Aos poucos, ento, o Brasil imaginado no mais como um pas de mistura racial, mas deduas categorias raciais estanques, brancos e negros.

    Talvez fique mais claro o argumento se mostramos, ainda querapidamente, como os cientistas sociais desenharam raa e classeno Brasil na dcada de 1950 e meio sculos depois. Os pesquisado-res do Projeto Unesco, Marvin Harris e Fred Zimmerman, imagi-naram a zona rural baiana em termos de tringulos e trapezides.

    Figura 8

    Fonte: Harris, 1951, p. 86.

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    Pesquisadores contemporneos utilizam grficos de barras, quedividem nitidamente a populao em negros e brancos.

    Fonte: Henriques, 2001.

    Figura 9

    A hierarquia de raas e classes representada pelo tringulo ce-deu lugar a um simples grfico de barras que representa uma socie-

    dade cruelmente dividida em duas categorias estanques e separa-das. Esse tipo de grfico revela um Brasil diferente daquele descritopor Harris e Zimmerman. O tringulo ritualizava a hierarquia e arelao; o grfico de barras ritualiza uma sociedade dividida emsuas personalidades coletivas estanques.6

    Agora comea a ficar mais claro por que os ativistas negros to-maram a frente na luta pelo PAF no Brasil. A notria dificuldade depersuadir os mulatos, cafuzos, mamelucos, morenos escuros e cla-ros a se juntarem numa nica categoria negro tem marcado omovimento negro moderno desde a sua criao, na dcada de 1970.Parece razovel supor que a anemia falciforme veio no sentido delegitimar esse processo, talvez como a Aids foi utilizada por algunspara legitimar a idia de que os homens que praticam sexo comoutros homens so, todos, homossexuais/gays.

    Desde a publicao em 1903 de Algumas formas primitivas de clas-sificao , de Durkheim e Mauss (1981), entende-se que sistemas declassificao so socialmente construdos, mas que derivam a suaeficcia e legitimidade da sua suposta naturalidade. Como a doena compreendida como algo natural, alberga as caractersticas ideaispara se tornar um smbolo natural do grupo ou da categoria so-cial aos quais associada. por isso, sugiro, que a rede discursivaem torno do afoiamento que o define como doena racial e nocomo uma doena que se desenvolve ou no atravs de combina-es de genes recessivos, acompanha e legitima mais ainda a cres-

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    cente naturalizao da taxonomia racial bipolar no Brasil. O usopoltico que a anemia falciforme pode assumir nesse contexto mais

    que evidente.Mas, como se diz, o Brasil no para principiantes, e eu esta-ria sendo muito ingnuo se no terminasse este ensaio relativizandoo meu prprio argumento. Enquanto verdade que a rede discursivaem geral enfatiza as origens africanas do afoiamento e tem comoalvo a populao negra, a lgica gentica, que no respeita su-postas barreiras raciais da molstia, no nunca esquecida. Aocontrrio dos Estados Unidos, aonde se chegou a propor o testeexclusivamente para os negros, no Brasil o PAF visa auniversalizao do teste do trao falciforme. Em Santa Catarina,

    por exemplo, a lei reza: Fica assegurado o exame de diagnsticode hemoglobinopatias a todas as crianas recm-nascidas, que de-ver ser realizado em todas as maternidades e hospitais congneresno Estado e demais integrantes do Sistema nico de Sade.

    J vimos como o panfleto da Anvisa acende uma vela para Deuse outra para o Diabo quando retrata o paciente como no branco,o mdico como branco e os portadores do trao falciforme comotodos brancos! O folheto da HemoRio vai para outro extremo, nofalando rigorosamente nada sobre a filognese do gene nem sobrequalquer associao epidemiolgica entre a molstia e pessoas des-

    cendentes de africanos. No diagrama da transmisso gentica con-tido no folheto, as figuras no possuem uma raa definida, ten-dendo, quem sabe, para a brancura.

    Figura 10

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    O reconhecimento da lgica da transmisso mendeliana dadoena e do trao falciforme, o que implica que qualquer brasi-

    leiro, por mais branco que possa parecer, pode contrair a anemiafalciforme, traz tona a mistura gentica brasileira. A publicaode Retrato molecular do Brasil , em 2000 (Pena, Carvalho-Silva et al.,2000) deu respaldo cientfico crena na natureza tri-hbrida dapopulao brasileira, proveniente de amerndios, europeus e afri-canos. Mais recentemente, os geneticistas J. Alves-Silva e SrgioPena, entre outros, tm demonstrado que pelo menos 40% dosmarcadores detectados naqueles brasileiros que se auto-declaram brancos so de origem africana. (Alves-Silva, Santos et al., 2000;Pena, 2002). Embora a anemia falciforme aparea, de fato, com mais

    freqncia em populaes de pessoas com fentipo mais africano,ela se encontra tambm em pessoas que em nada parecemafro-des-cendentes. O inverso tambm verdadeiro. Uma pesquisa recenteem 24 comunidades definidas como quilombos em todas as cincoregies do Brasil revelou que a freqncia do trao falciforme variade zero, nas comunidades Itamoari (no Par) e Paredo (no RioGrande do Sul), at 13%, em Riacho de Sacutiaba (na Bahia)(Pedrosa, Ferreira et al., 2004). Os pesquisadores concluem que con-siderando todos os remanescentes de quilombos estudados, a fre-qncia mdia desse alelo [o trao falciforme] foi de 3,7%, bem abai-

    xo dos 8,7% observados nos pases africanos, de onde veio a maio-ria dos escravos (ibidem).7 Como Parra e outros mostraram re-centemente, a aparncia um fraco indicador da composio gen-tica dos indivduos (Parra, Amado et al., 2003). Por mais que aimplementao do PAF tenha enfatizado a relao entre a doena ea populao afro-descendente, as prticas de deteco, calcadas nodiscurso da cincia gentica, tratam, felizmente, essa molstia comouma doena que potencialmente de todos.

    NOTAS

    1 Tapper utiliza esse conceito, que toma emprestado (Kitler, 1990): Discourse networks are complex andheterogeneous assemblages of inscriptive devices. They give a phenomenon like sickling a particular conceptualshape which, in turn, makes is responsive to specific types of action, whether regulatory, therapeutic, orinvestigative (Tapper, op. cit., p. 6).2 Esse termo de E. E. Evans-Pritchard. No seu estudo sobre a feitiaria entre os Azande (Evans-Pritchard, 1965[1937]), reparou que eram invocadas elaboraes secundrias para dar conta de situaes inesperadas e quepoderiam colocar a teoria em questo. Por exemplo, se um ritual de cura no deu certo e o paciente morreu, eraporque era mal feito ou porque entrara em jogo a ao de feiticeiros infinitamente mais poderosos.3 Scott, R. B. Health Care Priorities and Sickle Cell Anemia among Negroes in Richmond, Va. Journal of the American Medical Association , v. 214, n. 4, p. 731-4. 19704 Authorizes the state board of health to establish a program to test for sickle cell anemia of those persons who, because of race, ethnic group or other reasons are determined to be particularly susceptible to the condition.The board is also authorized to prepare and distribute educational materials related to sickle cell anemia.Disponvel em www.ncsl.org/programs/health/sickle.htm.

    * Agradeo osgenerosos conselhosde Marcos ChorMaio, que meincentivou a escrevereste trabalho, e deRicardo VenturaSantos, que tentoureduzir a minhaingenuidade no quediz respeito gentica.

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    5 Estou muito grato a Consolao Lucinda para a sua contribuio a esta seo. Ela me chamou a ateno paraa importncia dessas mulheres e me familiarizou com o folheto Anemia Falciforme viajemos por essahistria....6

    Para um desenvolvimento mais detalhado desse argumento, ver Fry e Maggie (2003). Ver tambm Carvalho(2004), onde Jos Murilo de Carvalho afirma que a eliminao dos mulatos, caboclos etc. pode ser entendidacomo um genocdio estatstico.7 Os autores da pesquisa sobre quilombos argumentam que no possvel, no caso da anemia falciforme,estabelecer uma poltica nica de sade pblica para todas essas populaes. Cada uma delas deve receberateno individualizada, de acordo com suas caractersticas especificas (Ibidem).

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    Recebido para publicao em dezembro de 2004.Aprovado para publicao em abril de 2005.