o mito da juventude “o problema de envelhecer é dos velhos”

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5/3/2014 O mito da juventude: “O problema de envelhecer é dos velhos”. Entrevista especial com Ted Polhemus http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/528670-o-mito-da-juventude-o-problema-de-envelhecer-e-dos-velhos-entrevista-especial-com-ted-polhemus?tmpl=co… 1/5 Quarta, 05 de março de 2014 Foto: Lulu Entrevistas O mito da juventude: “O problema de envelhecer é dos velhos”. Entrevista especial com Ted Polhemus “Se há um problema que me preocupa sobre a juventude de hoje é que muitos dos jovens parecem viver sob a sombra da minha geração”, afirma o antropólogo. “A ideia de que nós, os Boomers , criávamos, inventávamos e éramos definidos por nossa ‘juventude’ era tão pervasiva, que nos tornamos a primeira geração que nunca lidou bem com o envelhecimento.” A declaração é do antropólogo Ted Polhemus , em entrevista concedida à IHU On-Line , por e-mail, e faz parte de sua análise em compreender o mito da juventude presente na sociedade. Segundo ele, diante da “inabilidade de crescer e envelhecer, os Boomers tentaram colar em si mesmos uma etiqueta de ‘Jovens para sempre’ que, em certo sentido, nega a juventude àqueles que realmente são jovens”. Autor do livro BOOM! A Baby Boom Memoir , Polhemus evidencia um processo de “juvenilização”, ou seja, “a transferência da cultura da juventude do domínio estrito dos jovens para a penetração em todos os grupos etários e na cultura em seu sentido mais amplo”. E explica: “não é que simplesmente um novo mercado foi criado dentro da indústria da moda para lidar com aqueles que eram jovens, mas que jovens modelos e criações apropriadas apenas para corpos jovens empurraram tudo o mais para a indústria da moda”. O resultado desse processo, adverte, são “ adultos-infantis , que vão envelhecendo e que tentam desesperadamente ‘enturmar-se com as crianças’. Minha esperança é de que assim que a minha geração for — finalmente — para aquele grande Festival de Rock no céu, o mundo possa voltar a ter uma percepção mais normal e sensível de que a criatividade e os valores não estão limitados a nenhuma faixa etária”. E dispara: “Hoje — diferentemente dos anos 1950 e 1960 — apenas os velhos estão presos no modelo de juvenilização”. Ted Polhemus é antropólogo com formação pela Temple University, Filadélfia. Confira a entrevista. IHU On-Line - Por que há um mito em torno da Compartilhar Imprimir Enviar por e-mail Diminuir / Aumentar a letra

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5/3/2014 O mito da juventude: “O problema de envelhecer é dos velhos”. Entrevista especial com Ted Polhemus

http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/528670-o-mito-da-juventude-o-problema-de-envelhecer-e-dos-velhos-entrevista-especial-com-ted-polhemus?tmpl=co… 1/5

Quarta, 05 de março de 2014

Foto: Lulu

Entrevistas

O mito da juventude: “O problema de envelhecer é dos velhos”.Entrevista especial com Ted Polhemus

“Se há um problema que me preocupa sobre a juventude de hoje é que muitos dos jovens parecem

viver sob a sombra da minha geração”, afirma o antropólogo.

“A ideia de que nós, os Boomers, criávamos,

inventávamos e éramos definidos por nossa ‘juventude’ era

tão pervasiva, que nos tornamos a primeira geração que

nunca lidou bem com o envelhecimento.” A declaração édo antropólogo Ted Polhemus, em entrevista concedida à

IHU On-Line, por e-mail, e faz parte de sua análise em

compreender o mito da juventude presente na sociedade.

Segundo ele, diante da “inabilidade de crescer e envelhecer,

os Boomers tentaram colar em si mesmos uma etiqueta de‘Jovens para sempre’ que, em certo sentido, nega a

juventude àqueles que realmente são jovens”.

Autor do livro BOOM! A Baby Boom Memoir,

Polhemus evidencia um processo de “juvenilização”, ou

seja, “a transferência da cultura da juventude do domínio

estrito dos jovens para a penetração em todos os grupos

etários e na cultura em seu sentido mais amplo”.

E explica: “não é que simplesmente um novo mercado foi criado dentro da indústria da moda para lidar com

aqueles que eram jovens, mas que jovens modelos e criações apropriadas apenas para corpos jovens

empurraram tudo o mais para a indústria da moda”.

O resultado desse processo, adverte, são “‘adultos-infantis’, que vão envelhecendo e que tentam

desesperadamente ‘enturmar-se com as crianças’. Minha esperança é de que assim que a minha geração for— finalmente — para aquele grande Festival de Rock no céu, o mundo possa voltar a ter uma percepção

mais normal e sensível de que a criatividade e os valores não estão limitados a nenhuma faixa etária”. E

dispara: “Hoje — diferentemente dos anos 1950 e 1960 — apenas os velhos estão presos no modelo de

juvenilização”.

Ted Polhemus é antropólogo com formação pela Temple University, Filadélfia.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que há um mito em torno da

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5/3/2014 O mito da juventude: “O problema de envelhecer é dos velhos”. Entrevista especial com Ted Polhemus

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Foto: Urban Fieldnotes

“Tenho 67anos e não

faço a menor

juventude?

Ted Polhemus - A partir das décadas de 1950 e 1960,

surgiu o mito de que é na juventude que tudo acontece —que todos os avanços criativos vêm dos jovens. Isso

derrubou o (também absurdo) mito de que a juventude

nada tem a contribuir. O verdadeiro mito (e perigo) é a

presunção de que a criatividade é definida pela idade. No

fundo, somos mais importantes que nossa idade.

IHU On-Line - Que entendimento os Boomers tinham

da juventude? Em que medida a cultura que os

envolvia contribuiu para sua compreensão de juventude?

Ted Polhemus – Nós, Baby Boomers, crescemos em um mundo (logo após a Segunda Guerra

Mundial) no qual nos diziam constantemente que éramos a "juventude" e, como tal, éramos especiais. Acoisa realmente interessante é que toda a criatividade associada ao rock n’roll, ao Swinging London

Fashion (expressão comumente utilizada para descrever a efervescência cultural dos anos 1960 naInglaterra), veio de uma geração ligeiramente mais velha, que havia nascido durante ou mesmo antes da

Segunda Guerra. Os primeiros Baby Boomers, como eu (nascido em 1947), não tinham se tornadoadolescentes até 1960, enquanto o rock n’roll, os primeiros estilos de rua, o jazz moderno, os poetas

beats, haviam todos sido criados por adultos jovens que já não eram mais adolescentes há tempos. Mas aideia de que nós, os Boomers, criávamos, inventávamos e éramos definidos por nossa "juventude" era tão

pervasiva, que nos tornamos a primeira geração que nunca lidou bem com o envelhecimento.

IHU On-Line - O senhor diz que essa geração afetou “como um tsunami” as outras gerações,“distorcendo e metamorfoseando toda a cultura ocidental”. Como e em que medida issoaconteceu? Quais são os reflexos nas gerações futuras?

Ted Polhemus - Uma vez firmada a ideia de que a juventude, e apenas a juventude, tinha a chave mágica

para onde tudo acontece, todas as gerações mais velhas passaram a ser vistas como "quadrados", velhos,sem esperança e que não compreendiam nada, e todas as gerações subsequentes (ou, ainda mais importante,

os homens e mulheres da publicidade, que desejavam atingi-los) aceitaram sem questionar a presunção deque a vida termina quando sua juventude acaba. Veja a moda, por exemplo: estilistas como Dior, cujo "new

look" tomou o mundo de assalto em 1947, criava para mulheres, não garotas (que tradicionalmenteseguiriam as tendências estabelecidas por suas mães). De fato, a moda sempre focou nas mulheres e não nas

garotas, nos homens e não nos meninos. Mas os estilistas dos anos 1960 (que, ironicamente, não eram elesmesmos adolescentes), como Mary Quant, criaram moda focando nas garotas adolescentes. Hoje existem

grandes debates sobre modelos tamanho zero e assim por diante, mas a essência dessa preocupação nãosão as medidas corporais — é a idade. "Tamanho zero" denota garotas, não mulheres. Pessoalmente,penso que é hora de dissociar a moda e o estilo dessa restrição centrada na idade.

IHU On-Line - A geração atual de jovens ainda sofre os efeitos da

geração Boomers? Em que aspectos?

Ted Polhemus - Em sua inabilidade de crescer e envelhecer, os Boomerstentaram colar em si mesmos uma etiqueta de "Jovens para sempre" que, em

certo sentido, nega a juventude àqueles que realmente são jovens. Quando issoaconteceu, nos anos 1970 — todos aqueles velhos hippies controlando a

indústria da música —, o triunfo final da juventude e da geração que era

5/3/2014 O mito da juventude: “O problema de envelhecer é dos velhos”. Entrevista especial com Ted Polhemus

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ideia sobre osjovens de

hoje”

realmente jovem foi o punk. Mas o problema, hoje, é mais insidioso na medidaem que iguala "onde as coisas acontecem" com "juventude" e procura

aprisionar aqueles que são jovens numa categoria que é dominada puramentepela idade. De fato, a partir do que eu vejo, a juventude de hoje tem tido a

sensibilidade de se apartar desse modelo etário — nos processos de escolhasde estilo, música, ideologia, padrões de consumo, etc., estão os indicadores de

identidade realmente significativos, e estes cruzam a passos largos as fronteiras de idade.

IHU On-Line - Existe um processo generalizado de conflito de gerações na sociedade ocidental?Se sim, em que termos?

Ted Polhemus - Havia nos anos 1970, quando os jovens rebeldes do punk miravam os "velhos chatos".

O que me impressiona é como o conflito geracional parece ser tão pequeno hoje. E é preciso ser mais doque jovem para responsabilizar a nós, os velhos, por estragar o mundo. Apontou-se estatisticamente que a

geração Boomer teve seu próprio modo de fazer as coisas: iam sorrindo aos bancos e destruíam o planetacomo ninguém antes deles havia feito.

De fato, se me é permitido dizer, penso que esse tipo de argumento (como tem sido exposto em um grandenúmero de livros campeões de vendas recentemente) recai na mesma absurdidade de centrar-se na idade.

Havia Boomers que dirigiam ônibus e ganhavam salários muito baixos, enquanto outros — como Mark

Zuckerberg — que não são Boomers, mas têm feito dinheiro suficiente para manter uma pequena naçãofuncionando. É absolutamente verdade que foi durante o tempo de vida dos Boomers que a destruição de

nosso planeta conheceu uma aceleração. Mas, novamente, não acho que seja justo colar este juízo em cadaum dos Baby Boomers. Contudo, a despeito dessas retratações, eu consigo entender facilmente que as

gerações mais jovens ressintam o fato de que tantos Boomers estão gozando de rendas confortáveis (paranão dizer que estão usufruindo de todas as vantagens da medicina), enquanto muitos de sua geração não

conseguem nem arrumar emprego.

IHU On-Line - Em que consiste esse processo de “juvenilização” de que o senhor fala?

Ted Polhemus - Por "juvenilização" eu entendo a transferência da cultura da juventude do domínio estrito

dos jovens para a penetração em todos os grupos etários e na cultura em seu sentido mais amplo. Por

exemplo, como mencionei antes, não é que simplesmente um novo mercado foi criado dentro da indústria da

moda para lidar com aqueles que eram jovens, mas que jovens modelos e criações apropriadas apenas paracorpos jovens empurraram tudo o mais para a indústria da moda; veja a música pop.

Nós esquecemos que este não é um fenômeno natural: durante 99,9% da sua história, nossos ancestraishumanos reverenciaram o antigo por sua sabedoria. Hoje, o resultado final são os "adultos-infantis", que

vão envelhecendo e que tentam desesperadamente "enturmar-se com as crianças". Minha esperança é que

assim que a minha geração for — finalmente — para aquele grande Festival de Rock no céu, o mundo

possa voltar a ter uma percepção mais normal e sensível de que a criatividade e os valores não estãolimitados a nenhuma faixa etária.

IHU On-Line - É possível romper com esse processo de juvenilização inaugurado com os

Boomers? Qual seria o mito social subsequente?

Ted Polhemus - É só parar, como eu digo, de pensar que quem nós somos é definido pela nossa idade. O

principal personagem e narrador do romance do final dos anos 1950, Absolute Beginners, teme que ao

fazer 19 anos ele ultrapassaria o seu prazo de validade. Que tamanha bobagem — não o romance, que é

5/3/2014 O mito da juventude: “O problema de envelhecer é dos velhos”. Entrevista especial com Ted Polhemus

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“Nunca antes na

história humana o

Homo Sapiens tevetal possibilidade de

se inventar a si

mesmo”

ótimo, mas a noção de que a certa idade você está passado.

IHU On-Line - Como se dá o processo identitário de jovens hoje em dia, ecomo este processo se difere do conceito de "juventude" originado a

partir dos Boomers?

Ted Polhemus - Isso é exatamente o que alguém tem que começar a perguntaraos jovens. Eu tenho 67 anos e não faço a menor ideia sobre os jovens de hoje.

É isso que quero que alguém faça: algum tipo de pesquisa que peça aos jovens

para listarem o significado de vários fatores (idade, nacionalidade, classes,marcas, música, estilo, religião, raça, valores, etc.), do mais importante para o

menos importante. Aqui vai uma observação que fiz por mim mesmo: na cidade

de Hastings, no Reino Unido, onde eu vivo, quando o tempo melhora (se é que

melhora), há um monte de crianças, predominantemente novas, andando depatins e skates no calçadão à beira da praia. Eu digo crianças predominantemente novas — e aqui está o

meu ponto —, mas noto que, quando chega alguma pessoa mais velha que é boa nos patins ou no skate, ela

é bem-vinda e respeitada, ao passo que algumas crianças que não têm habilidade são ignoradas. Compare

com a minha geração que dizia "Nunca".

IHU On-Line - Essa autocompreensão de “juvenilização” faz com que os jovens não desenvolvam

características próprias da idade adulta? Quais, por exemplo? Como a “juvenilização” afeta a vida

adulta?

Ted Polhemus - Eu penso que o outro lado dessa moeda seja mais significativo: como aqueles que não são

jovens se esforçam para viver suas vidas como se fossem jovens, quando na verdade não o são. Meu palpiteseria de que hoje — diferentemente dos anos 1950 e 1960 — apenas os velhos estão presos no modelo de

juvenilização.

Novamente, penso que a juventude de hoje lida bem, enquanto o problema de envelhecer é dos velhos. Sehá um problema que me preocupa sobre a juventude de hoje é que muitos desses jovens parecem viver sob

a sombra da minha geração. Estudantes dizem para mim: "deve ter sido tão legal viver nos anos 1960". Bem,

sim e não. A história tem uma mania de ignorar todas as coisas chatas e repetir em um "loop" infinito aquele

clipe de Woodstock no qual a mágica acontecia. Nos anos 1950 quando, na minha visão, as reaisrevoluções aconteceram, tratava-se ainda mais da questão de uma pequena minoria estatisticamente

inundada por uma corrente extremamente tediosa. E não nos esqueçamos de que Jack Kerouack e Neal

Cassidy, de On the road, desperdiçaram muito de suas vidas — e estragaram a vida de muitos outros ao

seu redor, especialmente das mulheres que passaram por suas vidas. O que é tão significativo e excitante éque o que era a preocupação de uma maioria, hoje tornou-se a preocupação da massa. Muitas pessoas hoje

— de todas as idades — se esforçam para criar uma identidade única para si e expressam essa identidade

em seus estilos ou palavras, música, ou seja lá o que for. E isso é global.

Lembre-se que lá atrás, nos anos 1950 e 1960, a maioria se conformava muito mais do que se expressava a

si mesma, e mesmo os Beats, Hippies, Bikers eram conformes às demandas de suas subculturas. A moda

dizia às pessoas o que era in ou out. Nunca antes na história humana o Homo Sapiens teve tal possibilidadede se inventar a si mesmo.

Para ler mais:

14/02/2014 - OIT diz que 7,8 milhões de jovens da América Latina não conseguem emprego

5/3/2014 O mito da juventude: “O problema de envelhecer é dos velhos”. Entrevista especial com Ted Polhemus

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10/02/2014 - Geração Y: superpreparados e frustrados30/11/2013 - Cresce 'geração canguru', que não sai de casa

20/09/2013 - Geração Y é menos dependente de carro, expõe pesquisa

30/07/2013 - A geração tecnomilitante: mudar o mundo a partir da Web

15/05/2011 - Geração Y e as novas relações do saber. Entrevista especial com Mário Corso14/05/2011 - A gerações Y e as novas relações trabalhistas. Entrevista especial com Sidnei Oliveira

Veja também:

Cinco gerações contemporâneas. Uma descrição. Revista IHU On-Line, nº. 361