o lugar da população negra no telejornalismo...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 1 ¹ Trabalho apresentado no IJ01 Jornalismo do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado de 5 a 9 de setembro de 2016. ² Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e- mail: [email protected] ³ Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e-mail: [email protected] O Lugar da População Negra no Telejornalismo Capixaba¹ Gabriela Vasconcelos Soares COSTA² Rafael da Silva Paes HENRIQUES³ Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Vitória, ES RESUMO Este trabalho analisa o espaço que é destinado à população negra no telejornalismo capixaba. Através de um levantamento histórico, busca-se compreender os fatores que levaram esta população à exclusão social e a pouca representatividade nos meios de comunicação. Para testar a hipótese levantada, foi realizada pesquisa quantitativa e qualitativa com amostragem de três semanas visando apreender a representatividade negra nos telejornais capixabas. Enquanto o branco aparece 12 vezes mais como fonte confiável de informação científica, o negro aparece 3 vezes mais como suspeito de crimes, por exemplo. Concluiu-se que o espaço dos negros no telejornalismo capixaba é desqualificado. PALAVRAS-CHAVE: Telejornalismo; População Negra; Representatividade; Racismo. 1 INTRODUÇÃO Apesar dos 128 anos da abolição da escravatura e de o Brasil ser considerado o paraíso das três raças e da miscigenação, a cor da pele e os traços físicos dos negros ainda são motivo de agressões, preconceito e piada. 50,7% da população brasileira é constituída por negros e pardos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas muitas pesquisas que serão citadas ao longo do trabalho tem demonstrado que essa não é a porcentagem de negros que aparecem na TV. Pensar que a população negra não é bem retratada na TV é pensar que a maior parte dos brasileiros e brasileiras não possui representatividade adequada no maior meio de

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

1 ¹ Trabalho apresentado no IJ01 – Jornalismo do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado

de 5 a 9 de setembro de 2016.

² Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e-

mail: [email protected]

³ Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e-mail:

[email protected]

O Lugar da População Negra no Telejornalismo Capixaba¹

Gabriela Vasconcelos Soares COSTA²

Rafael da Silva Paes HENRIQUES³

Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Vitória, ES

RESUMO

Este trabalho analisa o espaço que é destinado à população negra no telejornalismo

capixaba. Através de um levantamento histórico, busca-se compreender os fatores que

levaram esta população à exclusão social e a pouca representatividade nos meios de

comunicação. Para testar a hipótese levantada, foi realizada pesquisa quantitativa e

qualitativa com amostragem de três semanas visando apreender a representatividade

negra nos telejornais capixabas. Enquanto o branco aparece 12 vezes mais como fonte

confiável de informação científica, o negro aparece 3 vezes mais como suspeito de

crimes, por exemplo. Concluiu-se que o espaço dos negros no telejornalismo capixaba é

desqualificado.

PALAVRAS-CHAVE: Telejornalismo; População Negra; Representatividade;

Racismo.

1 INTRODUÇÃO

Apesar dos 128 anos da abolição da escravatura e de o Brasil ser considerado o paraíso

das três raças e da miscigenação, a cor da pele e os traços físicos dos negros ainda são

motivo de agressões, preconceito e piada. 50,7% da população brasileira é constituída

por negros e pardos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), mas muitas pesquisas que serão citadas ao longo do trabalho tem

demonstrado que essa não é a porcentagem de negros que aparecem na TV.

Pensar que a população negra não é bem retratada na TV é pensar que a maior parte dos

brasileiros e brasileiras não possui representatividade adequada no maior meio de

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comunicação do país. A mesma lógica é válida para o Espírito Santo, que, de acordo

com o censo 2010 do IBGE, o mais recente de classificação de cor ou raça por

município, tem uma população de mais de 3,5 milhões de pessoas, das quais 57,2% são

negras ou pardas.

Diante disso, o objetivo do trabalho é testar a hipótese de que o telejornalismo capixaba

tem uma representatividade negra secundária e desqualificada. Para isso, faremos um

breve levantamento histórico da condição social do negro após o fim da escravidão e as

consequências desse período para a vida dos negros até os dias atuais. Também haverá

um rápido histórico das emissoras que serão objetos de pesquisa (TV Tribuna, TV

Gazeta e TV Vitória). Por fim, serão apresentados os dados coletados durante três

semanas entre março e abril de 2016 dos telejornais Bom Dia Espírito Santo, ESTV 1ª e

2ª edição, Balanço Geral, ES no Ar, Jornal da TV Vitória, Tribuna Notícias 1ª e 2ª

edição e Ronda Geral.

Foram analisadas 145 edições desses veículos, com o objetivo apreender a presença de

negros enquanto fontes e produtores de notícias. A partir dos resultados obtidos, espera-

se ampliar as discussões sobre as maneiras de modificar essa realidade, e que os

resultados também possam incrementar e pautar o debate sobre racismo, cotas e

representatividade negra.

2 CONDIÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO NEGRA PÓS-ABOLIÇÃO

Dentro da transição social e econômica emergente do século XIX, os negros foram

excluídos como categoria social das tendências de expansão do capitalismo. Os brancos

encararam tal fenômeno como “falta de ambição” por parte dos negros, e este seria o

fator determinante para sua condição miserável (FERNANDES, 1978). A população

negra foi preparada apenas para papéis servis, que eram considerados pela elite como

essenciais à economia e ao equilíbrio da sociedade. Enquanto qualquer tentativa de

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organização e união dos libertos era rechaçada, através da violência. O negro tornou-se

um inimigo público, que ameaçava a paz das grandes famílias brancas.

É possível afirmar que a realidade do mercado de trabalho pós-abolição para o negro era

uma espécie de escravidão disfarçada. Os baixos salários, as humilhações e a ausência

de benefícios faziam com que muitos recusassem os trabalhos disponíveis. Esse fator foi

decisivo para o desajustamento econômico e social desta parcela da população.

A Abolição e a implantação da República criaram a falsa ideia de que foi estabelecida

uma democracia racial no país, pois todos passaram a ser iguais perante a Lei, mas na

prática, as opressões ao povo negro continuaram. Uma verdadeira democracia racial

pós-abolição consistiria em reparações aos oprimidos, na criação de soluções para os

problemas sociais gerados pela escravidão. Mas a marginalização do negro foi ignorada.

Esse discurso ainda permanece nos dias atuais, quando surgem pautas sobre o racismo e

a sociedade ainda pensa que é desnecessário debater o tema, sob o argumento de que

isso incitaria ainda mais o racismo. Porém, existem evidências sólidas de que a

escravidão ainda tem consequências para a atual condição social do negro no Brasil. A

classe dominante ainda é notadamente branca, enquanto a grande maioria negra vive em

condições precárias de existência.

Em 2014, os negros (pretos e pardos) representavam a maioria da população brasileira

(53,6%), mas eram apenas 17,4% da parcela mais rica do país. Dentro desta classe ultra

rica (1% da população), 79% são brancos, de acordo com dados do IBGE. Já entre

população mais pobre, que tem renda média mensal de R$ 130 por pessoa, os negros

são maioria, representando atualmente 76%, ainda de acordo com o IBGE. E do total de

negros no país, 38,5% estão entre os mais pobres. Do outro lado, o percentual de pobres

brancos diminuiu, passando de 26,5% para 22,8%, em 2014.

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Dados ainda mais significativos são os referentes às mortes por armas de fogo. O Mapa

da Violência de 2015 informa que em 2012, morreram quase três vezes mais pessoas

negras vítimas de homicídio por arma de fogo em relação à quantidade de vítimas

brancas no Brasil. Foram 28.946 vítimas negras e 10.632 brancas. E também chama

atenção o fato de que essa taxa cresce ao longo dos anos. Enquanto os homicídios de

brancos diminuem em 18,7% entre 2003 e 2012, os homicídios de negros aumentam

14,1% no mesmo período.

Ou seja, por mais que se insista em dizer que o motivo da desigualdade social no Brasil

tem mais a ver com a renda do que com a raça, percebe-se a partir de dados como esses

que, dentro da população mais pobre, a população negra é a que mais sofre com a falta

de políticas públicas efetivas de inclusão e direitos.

3 REPRESENTATIVIDADE

Num mundo cada vez mais tecnológico e pautado por imagens, a representatividade é

determinante para o reconhecimento da identidade e do valor de um grupo que está

inserido nessa lógica. E o negro, nas escassas vezes em que aparece na mídia, ainda é

retratado como um cidadão de segunda classe. Essa postura reforça a ideia de que ele

existe apenas para ser um personagem secundário num mundo onde o branco é sempre o

protagonista. Para Sodré (1999), a sociedade brasileira é regida por um paradigma

branco e a clareza da pele continua sendo “a marca simbólica de uma superioridade

imaginária atuante em estratégias de distinção social” (p. 234).

Os discursos sociais desempenham um papel decisivo na reprodução do preconceito e

do racismo. E é de tais discursos que surgem os modelos cognitivos e as atitudes

relativas às minorias, especialmente aos negros numa sociedade eurocêntrica Ocidental

(SODRÉ, 1999). Os meios de comunicação de massa têm o poder de difundir

expressões políticas e institucionais sobre as relações inter-raciais, geralmente partindo

de um ponto de vista elitista, legitimando a desigualdade social pelo racismo.

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A televisão no Brasil, apesar de necessitar de concessões do governo, nasceu da

iniciativa privada e se desenvolveu como um bem patrimonial. Por isso, os formadores

da opinião pública são as famílias ricas, predominantemente. Logo, as influências

políticas, econômicas e ideológicas provenientes da televisão vão sempre favorecer os

interesses da elite, que é manter-se com seus privilégios, como aponta Sodré:

A mídia é o intelectual coletivo desse poderio, que se empenha em

consolidar o velho entendimento de povo como “público”, sem

comprometer-se com causas verdadeiramente públicas nem com a afirmação

da diversidade da população brasileira. O racismo modula-se e cresce à

sombra do difusionismo culturalista euramericano e do entretenimento

rebarbativo oferecido às massas pela televisão e outros ramos industriais do

espetáculo (SODRÉ, 1999, p. 244).

Como já foi apontado, a elite brasileira é majoritariamente branca. Logo, podemos

afirmar que o interesse dos produtores de televisão tende a ser a perpetuação do racismo

e da exclusão social. Desde o século passado, os negros existem no imaginário das elites

como “seres fora da imagem ideal do trabalhador livre, por motivos eurocentrados”

(SODRÉ, 1999, 244). Esse imaginário racista continua a ser reproduzido hoje através de

representações pejorativas do cidadão negro.

Vale citar um caso recente do programa Zorra Total (Globo), que exibiu um quadro de

conteúdo racista entre 2012 e 2013 com uma personagem chamada “Adelaide”.

Estereótipo de mulher negra, periférica e pobre, a personagem contava com falas como:

“Durante a enchente não pude ficar sem minha palha de aço, daí, corri atrás para pegá-la

e quando vi, eram os cabelos da minha filha”.

Como se não bastasse o teor racista das falas, a personagem era interpretada por um

homem que teve a pele escurecida e usou prótese no nariz para ficar alargado. A prática

se chama blackface e é uma espécie de glamourização do racismo, gerando a exclusão

de atores e atrizes negras, bem como a perpetuação do preconceito. O blackface teve

início no século XIX nos Estados Unidos e era realizado em ministrel shows (jograis),

em que os atores brancos utilizavam carvão para pintar o rosto, contribuindo muito para

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a proliferação de estereótipos em relação aos afro-americanos. No início do século XX a

prática ramificou-se e tornou-se um gênero de teatro próprio, até desaparecer durante o

movimento dos direitos civis dos negros nos EUA em 1960 (MAHAR, 1999). Mas

ainda é o nível de racismo apresentado na mídia brasileira.

Em termos qualitativos, no telejornalismo, o negro aparece em peso como personagem

marginal, como o bandido, sempre exposto e humilhado. Já enquanto protagonistas,

fontes oficiais ou profissionais do campo jornalístico, o percentual é drasticamente

reduzido. De acordo com a pesquisa de Silva e Moraes (2015), o percentual de

profissionais negros no telejornalismo do Bom Dia Brasil da Rede Globo, por exemplo,

é de 2,49%, em contraste abismal com os outros 97,51% de brancos.

A abordagem do racismo na mídia não retrata o problema como um todo. Apresenta

casos isolados, como de um negro que foi barrado em uma loja. O caso é quase sempre

apresentado como um episódio exótico. Mas não há uma cobertura diária sobre o fato de

que a grande maioria da população negra é tratada de forma inferior todos os dias. O

negro não é representado conforme a realidade étnica vivida na sociedade, e o problema

da desigualdade racial não é abordado de forma efetiva. Dessa forma, a mídia contribui

para a permanência do racismo, além de agravá-lo através da estereotipização da

imagem do negro.

4 A TV NO ESPÍRITO SANTO

Pouco mais de uma década depois de ser inaugurada no Brasil a TV é implantada no

Espírito Santo num cenário de transformação e disputa, de acordo com Martinuzzo

(org., 2006). Em 1962, a antena da TV Vitória foi instalada no Morro da Fonte Grande,

um dos pontos mais altos da cidade. No início, a TV apenas repetia a programação da

TV Tupi. Depois foram criados programas locais que eram exibidos ao vivo. Entre as

emissoras que serão analisadas, é a que possui mais programas regionais. Só de

jornalísticos são sete transmitidos diariamente.

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Mais tarde, em 1976, a TV Gazeta vai ao ar, como a 18ª afiliada da Rede Globo no país

e a primeira afiliada no Estado. Os principais atrativos que marcaram o início da

transmissão foram as novelas, shows e filmes que eram exibidos com mais qualidade

técnica do que as concorrentes. Depois, o jornalismo passou a ser o principal formato

explorado, porque o entretenimento vinha da programação nacional da Globo.

Em 1984, a partir de uma greve de jornalistas do impresso A Tribuna, o grupo Nassau

fechou o jornal, com um recesso. Então teve início a construção de todo o complexo de

rádios, jornal e TV Tribuna. Além disso, parte da equipe que trabalhava no impresso foi

remanejada para a constituição da emissora. O canal entrou no ar em 1985 com

retransmissões da programação do SBT. Depois, os programas locais começaram a ser

produzidos (Martinuzzo, org., 2006).

5 RESULTADOS DA PESQUISA

Foram analisadas 145 edições de nove (9) telejornais de três (3) emissoras capixabas,

entre os dias 13/03/2016 e 03/04/2016 (amostragem de três semanas): Balanço Geral,

Jornal da TV Vitória e ES no Ar (TV Vitória); ESTV 1ª e 2ª edição e Bom Dia ES (TV

Gazeta); Tribuna Notícias 1ª e 2ª edição e Ronda Geral (TV Tribuna). Por problemas

técnicos, não foram incluídas as edições dos dias 19, 25 e 26/03/2016 do Balanço Geral

e as edições dos dias 18 e 25/03/2016 do Jornal da TV Vitória.

O critério de escolha das emissoras foi audiência, pois o objetivo é falar sobre a

representatividade da população negra e parda na TV aberta, visto que é o meio de

comunicação com maior abrangência no país. A TV é o principal meio de informação

das classes mais baixas, onde se encontra o maior número de negros, como foi visto.

Gostaríamos de ter analisado todos os telejornais capixabas, mas essa amostragem foi a

possível de se fazer no momento.

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Foram produzidas três tabelas de quantificação para cada telejornal, que aqui foram

transformadas em gráficos. A primeira quantifica a presença de fontes negras e brancas

nos telejornais, de acordo com as seguintes classificações: personagem, autoridade e

especialista. A segunda indica a quantidade de fontes negras, brancas e não identificadas

nas reportagens policiais. São classificadas vítimas, suspeitos, parentes e testemunhas,

delegados e policiais, que aparecem como fontes ou que têm a imagem exposta de

alguma forma (vídeo ou foto). Finalmente, a terceira tabela classifica a aparição de

jornalistas, contando a quantidade de produtores de notícias negros e brancos que

apareceram em cada edição. Quantos repórteres negros, quantos brancos, nas funções de

apresentadores, repórteres e participações em estúdio, quantificados pelas vezes em que

aparecem.

Muito se discute sobre o uso do termo “pardo”, e a sociedade ainda tem dúvidas sobre o

que define se alguém pode ser chamado de negro ou não. Acreditamos que ser negro é

ter traços físicos de negros além do tom de pele, bem como sofrer a opressão que recai

sobre este grupo, como já foi visto. Alguns dos personagens e jornalistas inicialmente

classificados como negros disseram que se consideram pardos. Por essa razão e pela

classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acrescentamos o

termo para classificar os não brancos. Sendo assim, classificamos como negras ou

pardas todas as pessoas que possuem dois ou mais fenótipos negros, como o tom da

pele, o cabelo crespo e o nariz largo.

Não há outra forma de dizer: os dados obtidos refletem as consequências da escravidão,

confirmando a hipótese inicial deste trabalho. Os resultados gerais são indicadores do

padrão que se repete em praticamente todos os telejornais analisados, com raras

variações, que são pouco ou nada significativas. O número de fontes brancas supera o

de fontes negras em 87% como pode ser conferido no gráfico 1. Esse valor corresponde

a quase o dobro de fontes brancas em relação às fontes negras e pardas. Relembrando

que a população negra e parda representa mais da metade dos cidadãos brasileiros. É

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possível afirmar que no telejornalismo do Espírito Santo, a pessoa negra é tratada como

coadjuvante num mundo onde o branco é sempre o protagonista.

Dentro da categoria “Fontes”, a maior diferença está entre o número de especialistas

negros ou pardos e brancos. Foram entrevistados 12 vezes mais especialistas brancos do

que negros ou pardos. Ou seja, o número de especialistas brancos entrevistados supera o

de negros em 1.240%. Essa disparidade juntamente com a disparidade verificada nas

reportagens policiais demonstra o maior reflexo dos lugares sociais destinados a negros

e brancos na sociedade. Além disso, na categoria autoridades, percebe-se que foram

entrevistadas 5 vezes mais autoridades brancas do que negras, com uma diferença de

69% entre elas.

A academia ainda é um espaço marjoritariamente branco. A maioria da população negra

depende da educação pública e de todos os outrs fatores determinantes na vida de quem

tem uma renda bastante limitada. Tudo isso influencia nas chances dos negros de

ingressarem, concluírem e seguirem carreira no ensino superior, como já foi visto.

762

56 10

828

1120

313

124

1557

93 3 0

96

Personagem Autoridade Especialista Total

Gráfico 1 - Tipo de fonte por raça (Total)

Negras ou pardas Brancas Não identificadas

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10 4 Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. Disponível em <

http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2011/09/desigualdades_raciais_2009-2010.pdf>

De acordo com pesquisa do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e

Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), do Instituto de Economia da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)4, os negros representam 37,6% dos profissionais das

áreas científicas e intelectuais. Mas entre os médicos, por exemplo, representam apenas

17,6% do total e não chegavam a um terço do total de professores universitários.

Por outro lado, ainda de acordo com o Laeser, a participação da população negra

aumenta entre as áreas de menor prestígio e remuneração, como profissionais técnicos

de nível médio, em que representa 44,5%. E entre as profissões como coletadores de

lixo e material reciclável, o percentual sobe para 70,2%.

Nas reportagens policiais, quantificadas no gráfico 2, os negros e pardos têm mais

destaque, superando o número de fontes brancas em 47%. A maior diferença está entre a

quantidade de suspeitos negros ou pardos e suspeitos brancos: 52,1%. Os negros

aparecem três vezes mais do que os brancos nesta categoria. Ou seja, quando o negro

aparece com mais frequência é por motivos ruins.

62

130

28 16

236

35 41 26

52

154

50

4

36

3

93

Vítima Suspeito(a) Parentes e

testemunhas

Delegados e

policiais

Total

Gráfico 2 - Tipo de fonte por raça em reportagens policiais

(Total)

Negras ou Pardas Brancas Não identificadas

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As reportagens policiais verificadas são factuais, relacionadas ao tráfico de drogas e à

violência urbana, episódios registrados em maioria na periferia. As vítimas negras são

maioria, 77% a mais. Mas nessa mesma análise, as fontes brancas só estão em maior

número na categoria autoridades. Os delegados e policiais brancos representam 76,4%

do total. É uma diferença de 52,9%. Então nas reportagens policiais do telejornalismo

capixaba aparecem 3 vezes mais autoridades brancas do que negras, e os negros

aparecem 3 vezes mais como suspeitos. Isso reforça a imagem dos papéis que negros e

brancos têm na sociedade, sendo o negro o bandido e o branco o herói.

No total, foram contabilizadas 997 aparições de produtores de notícias. Eles foram

contabilizados pelo número de vezes em que apareceram, pois o objetivo é falar sobre

representatividade. A maior diferença está entre o número de participações em estúdio.

No período analisado, não houve nenhuma participação de um produtor de notícia negro

nos telejornais, enquanto houve 39 participações de brancos.

A segunda maior diferença é entre o número de apresentadores: os apresentadores

brancos apareceram 6 vezes mais do que os negros. Apenas dois dos nove telejornais

analisados contam com apresentadores negros ou pardos. O ES no Ar, apresentado por

Eduardo Santos, que dentro do período foi substituído em uma edição por um

apresentador branco. E o Tribuna Notícias 1ª Edição, apresentado por Ingrid Schwartz e

Torino Marques, classificado aqui como pardo.

A terceira maior diferença verificada está entre o número de repórteres que apareceram.

Os brancos apareceram 3 vezes mais do que os negros. Em média, os produtores de

notícias brancos aparecem 4 vezes mais do que os negros e pardos. Mais uma vez se

confirma a hipótese de que o negro não é representado na mídia em conformidade com

sua presença na população.

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Os veículos da TV Gazeta apresentaram a maior disparidade entre negros e brancos no

total de fontes. No Bom Dia ES (gráfico 4) foi registrada a maior diferença: foram

exibidas 3 vezes mais fontes brancas do que negras. Entre os personagens, essa

diferença foi de 36%; os brancos apareceram 2 vezes mais. A diferença entre o número

de autoridades é ainda maior, com as fontes brancas aparecendo 6 vezes mais do que as

fontes negras. A porcentagem de negros nessa categoria foi de apenas 14%. E enquanto

nenhum especialista negro foi entrevistado, 39 especialistas brancos estiveram

distribuídos entre as 15 edições analisadas, sendo a maior disparidade registrada.

O Jornal da TV Vitória (Gráfico 5) é o mais branco entre todos os analisados em termo

de produção de notícias. A apresentação é feita por um homem branco e ao longo do

período de pesquisa, apenas um repórter negro apareceu em apenas uma edição. Isso

representa um percentual de 7%. Enquanto isso, todas as edições contaram com

repórteres brancos fazendo em média 6 matérias juntos por edição.

26

172

0

198 161

599

39

799

Apresentadores Repórteres Participações Total

Gráfico 3 – Participação como produtor de informação por raça

(Total)

Negros ou pardos Brancos

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho analisamos qual é a representação do negro no telejornalismo capixaba e,

a partir da hipótese testada, verificamos que o negro não é bem representado. Em

algumas edições, foi verificado que o branco chega a aparecer 12 vezes mais do que o

negro. Concluímos que a falta de representatividade ou representatividade ruim dos

91

11 0

102

194

67 39

300

2 0 0 2

Personagem Autoridade Especialista Total

Gráfico 4 - Tipo de fonte por raça (Bom Dia ES)

Negras ou pardas Brancas Não identificadas

Fonte: Elaborado pela autora

0 1 0 1

14

82

0

96

Apresentadores Repórteres Participações Total

Gráfico 5 - Participação como produtor de informação (Jornal da

TV Vitória)

Negros ou pardos Brancos

Fonte: Elaborado pela autora

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negros no telejornalismo é reflexo do racismo que ainda está enraizado na sociedade de

diversas formas.

A discussão sobre este tema precisa continuar viva. Um país que não relembra sua

história e consequências das injustiças do passado corre o sério risco de repeti-la. Uma

sociedade que se recusa a falar sobre racismo, que critica até mesmo as datas

comemorativas da cultura negra, que ainda demoniza as religiões de matriz africana e

que não consegue relacionar a condição social do negro na atualidade com os traumas

da escravidão, está condenada a seguir praticando o racismo em todos os níveis.

A população negra não é “coitada”, não é inferior e não “se vitimiza”. A população

negra sofre as consequências do regime escravocrata até os dias atuais. É preciso que as

reparações devidas sejam efetivadas em todas as áreas. Não porque o negro tem menos

capacidade, e sim porque sua vida sempre foi diferente da do branco, sempre foi

marcada pela discriminação e pela falta de acesso aos lugares mais altos da sociedade.

Consideramos que o espaço do negro no telejornalismo capixaba é pequeno e

marginalizado. É preciso que os profissionais da área reconheçam que a competência

não está relacionada com a cor da pele, e também é necessário ter avanços sociais,

especialmente na área da educação, para que negros e brancos tenham condições mais

próximas de obter sucesso na vida.

Acreditamos que esta pesquisa tenha expandido o leque da discussão sobre o racismo e

a representatividade negra. Esperamos contribuir para a exploração do tema na área da

comunicação social, que consideramos ainda ser pequena. Nossa expectativa é de que

sejam realizadas mais pesquisas que testem a hipótese deste trabalho, contribuindo

assim para a discussão deste problema dentro do jornalismo, da publicidade, e da

sociedade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística. Contagem Populacional. Disponivel em:

<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=3145&z=t&o=1&i=P>. Acesso em:

nov. 2015.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes/Volume 1. São

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