o hino nacional brasileiro -...

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18 Playmusic Maestro Reinaldo Garrido Russo A edição deste mês será dedicada ao amigo Roberto Luna Jr., que nos deixou no primeiro dia de novembro para ir tocar, segundo o seu pai, famo- so cantor da velha-guarda, na festa do dia 2, lá no paraíso. Nelson Rodrigues dizia que “a unanimidade é burra“, mas eu discordo no caso do Luna. Músico, compositor, cantor e violonista, era una- nimidade na noite paulistana. Cantava e tocava Tom Jobim como ninguém. Eu, conhecido “chato de galochas” por fa- zer críticas, dava dez em tudo, desde o violão até a super-esposa, Suely. A maior homenagem que posso fa- zer a ele é relevar e revelar a sua inven- ção de trocar as sexta e quinta cordas do violão por cordas de contra-baixo, soando assim, uma oitava abaixo do que estamos habituados. A idéia é simples e surpreendente e a impressão que se tem é de um contra-baixo ancorando um violão estável e preciso. Ele inventou também a maneira de tocar esse novo violão. Se alguém vir por aí essa confi- guração sendo usada, saiba que esta tem um nome, e que a partir de hoje é: Configuração Luna Jr. Devemos cul- tivar a memória e dar créditos a quem os tem de direito neste país tão rico em criatividade, música e Hino. E por falar em Hino... Eu pedi ao leitor que analisasse a melodia, tendo como parâmetro os acor- des vigentes em cada compasso. A in- tenção é trazer à consciência a habilida- de do compositor de usar notas estranhas ao acorde e elas soarem tão bem com acordes simples do campo harmônico sem o uso excessivo de acordes dissonantes e estranhos à tonalidade. Hoje, com a harmonização de jazz, tão familiar aos ouvidos, seria bem fá- cil justificar cada nota estranha com grande densidade harmônica e que po- deria estar na ordem de dezenas de acordes por centímetro ao quadrado. Tenha ao lado a partitura do Hino, da edição anterior, e repare no primeiro motivo. A seqüência (pattern) é usada apenas duas vezes para alcançar a nota de apojatura cromática ascendente, ponto culminante e o que mais chama a atenção na primeira parte e acaba por resolver na quinta do acorde de F. A es- trutura da seqüência reforça a idéia rít- mica do galope. A impressão que se tem é de que as notas galopam também, passo a passo. A repetição do motivo no compasso 3 é feita com quatro se- qüências iguais para alcançar a próxi- ma apojatura cromática e resolver tam- bém na quinta do acorde de C7. As mesmas estruturas repetem-se no in- sistente C7 até alcançar a Tônica no- vamente. Novo motivo ocorre a partir do compasso 9, tendo como ponto cul- minante a apojatura diatônica de re- solução descendente, não por coinci- dência, o contrário da primeira apojatura. Bem, ao analisar cada pas- so, cada nota, teríamos um tratado e como a intenção é conscientizar o lei- tor para que veja estruturas da melo- dia em relação à Harmonia e com o todo, vamos parar por aí. Quero chamar a atenção para a idéia que o compositor teve em insistir, qua- se como um pedal, na nota dó, que se repete no anacruse (nota ou notas que antecedem o primeiro tempo do com- passo) de cada semifrase e que muitos substituem por ré (principalmente no compasso 4), porque é mais cômodo, cantando assim de forma errada e anu- lando a idéia do pedal. A Harmonia é simples e os acordes são bem usados, na medida. As inver- sões que tanto amenizam as passagens e modulações (para Dm, C e Bb) es- tão nos lugares certos, tal como faziam os grandes compositores clássicos, com muita classe. O que nos chama bem a atenção é o uso insistente do acorde de C7 e a utilização de todas as notas do acorde, na ordem ascendente, no compasso 17, para criar o clima de ex- pectativa e retornar à tonalidade depois de um pequeno passeio por Dm e C (acordes relativo e dominante da tôni- ca, respectivamente). A repetição da primeira parte dá-se até a metade, quando surge o motivo de ritmo qua- drado anunciando o final. Genial e de muito bom gosto. Na próxima edição, teremos a aju- da apreciável de Terezinha Oppido na análise da letra do hino. Ela é a respon- sável por nossas matérias saírem com coerência e sem erros de português. Grandes festas neste final de ano e te- nham a certeza de que tocarei e canta- rei muito Tom, Chico e outros, como prece ao amigo Luna Jr. e muitos bei- jos nos coração da Suely, de toda a fa- mília Zardo, dos colaboradores e leito- res da Playmusic. Até a próxima edição! Faça os cursos pela internet de Ar- ranjo Para Principiantes e Arran- jo Para Profissionais Em Música. Entre no site www .duemaestri.mus.br e me envie um e-mail pedindo informa- ções: [email protected]. A Melodia e a Harmonia O Hino Nacional Brasileiro O Hino Nacional Brasileiro Maestro Reinaldo Garrido Russo é arranjador, violonista, professor de arranjo e teoria. É também diretor da 2MAESTRI (due maestri) consultoria em ensino de música e produção musical, curso de arranjo e cursos culturais. Autor do livro “O Básico da Teoria Musical”. Contatos: (11) 5562-8593 ou pelo site: www.duemaestri.mus.br ou e-mail: [email protected]

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18 Playmusic

Maestro Reinaldo GarridoRusso

A edição deste mês será dedicadaao amigo Roberto Luna Jr., que nosdeixou no primeiro dia de novembropara ir tocar, segundo o seu pai, famo-so cantor da velha-guarda, na festa dodia 2, lá no paraíso. Nelson Rodriguesdizia que “a unanimidade é burra“, maseu discordo no caso do Luna. Músico,compositor, cantor e violonista, era una-nimidade na noite paulistana. Cantavae tocava Tom Jobim como ninguém. Eu,conhecido “chato de galochas” por fa-zer críticas, dava dez em tudo, desde oviolão até a super-esposa, Suely.

A maior homenagem que posso fa-zer a ele é relevar e revelar a sua inven-ção de trocar as sexta e quinta cordasdo violão por cordas de contra-baixo,soando assim, uma oitava abaixo do queestamos habituados. A idéia é simplese surpreendente e a impressão que setem é de um contra-baixo ancorando umviolão estável e preciso. Ele inventoutambém a maneira de tocar esse novoviolão. Se alguém vir por aí essa confi-guração sendo usada, saiba que estatem um nome, e que a partir de hoje é:Configuração Luna Jr. Devemos cul-tivar a memória e dar créditos a quemos tem de direito neste país tão rico emcriatividade, música e Hino. E por falarem Hino...

Eu pedi ao leitor que analisasse amelodia, tendo como parâmetro os acor-des vigentes em cada compasso. A in-tenção é trazer à consciência a habilida-de do compositor de usar notas estranhasao acorde e elas soarem tão bem comacordes simples do campo harmônicosem o uso excessivo de acordesdissonantes e estranhos à tonalidade.

Hoje, com a harmonização de jazz,tão familiar aos ouvidos, seria bem fá-cil justificar cada nota estranha comgrande densidade harmônica e que po-deria estar na ordem de dezenas deacordes por centímetro ao quadrado.

Tenha ao lado a partitura do Hino,da edição anterior, e repare no primeiromotivo. A seqüência (pattern) é usadaapenas duas vezes para alcançar a notade apojatura cromática ascendente,ponto culminante e o que mais chama aatenção na primeira parte e acaba porresolver na quinta do acorde de F. A es-trutura da seqüência reforça a idéia rít-mica do galope. A impressão que se temé de que as notas galopam também,passo a passo. A repetição do motivono compasso 3 é feita com quatro se-qüências iguais para alcançar a próxi-ma apojatura cromática e resolver tam-bém na quinta do acorde de C7. Asmesmas estruturas repetem-se no in-sistente C7 até alcançar a Tônica no-vamente. Novo motivo ocorre a partirdo compasso 9, tendo como ponto cul-minante a apojatura diatônica de re-solução descendente, não por coinci-dência, o contrário da primeiraapojatura. Bem, ao analisar cada pas-so, cada nota, teríamos um tratado ecomo a intenção é conscientizar o lei-tor para que veja estruturas da melo-dia em relação à Harmonia e com otodo, vamos parar por aí.

Quero chamar a atenção para a idéiaque o compositor teve em insistir, qua-se como um pedal, na nota dó, que serepete no anacruse (nota ou notas queantecedem o primeiro tempo do com-passo) de cada semifrase e que muitossubstituem por ré (principalmente nocompasso 4), porque é mais cômodo,cantando assim de forma errada e anu-lando a idéia do pedal.

A Harmonia é simples e os acordessão bem usados, na medida. As inver-sões que tanto amenizam as passagense modulações (para Dm, C e Bb) es-tão nos lugares certos, tal como faziamos grandes compositores clássicos, commuita classe. O que nos chama bem aatenção é o uso insistente do acordede C7 e a utilização de todas as notasdo acorde, na ordem ascendente, nocompasso 17, para criar o clima de ex-pectativa e retornar à tonalidade depoisde um pequeno passeio por Dm e C(acordes relativo e dominante da tôni-ca, respectivamente). A repetição daprimeira parte dá-se até a metade,quando surge o motivo de ritmo qua-drado anunciando o final. Genial e demuito bom gosto.

Na próxima edição, teremos a aju-da apreciável de Terezinha Oppido naanálise da letra do hino. Ela é a respon-sável por nossas matérias saírem comcoerência e sem erros de português.Grandes festas neste final de ano e te-nham a certeza de que tocarei e canta-rei muito Tom, Chico e outros, comoprece ao amigo Luna Jr. e muitos bei-jos nos coração da Suely, de toda a fa-mília Zardo, dos colaboradores e leito-res da Playmusic.

Até a próxima edição!Faça os cursos pela internet de Ar-

ranjo Para Principiantes e Arran-jo Para Profissionais Em Música.Entre no site www.duemaestri.mus.br eme envie um e-mail pedindo informa-ções: [email protected]. ❑

A Melodia e a Harmonia

O Hino NacionalBrasileiro

O Hino NacionalBrasileiro

Maestro Reinaldo Garrido Russo é arranjador,violonista, professor de arranjo e teoria. É tambémdiretor da 2MAESTRI (due maestri) consultoria emensino de música e produção musical, curso de arranjoe cursos culturais. Autor do livro “O Básico da TeoriaMusical”. Contatos: (11) 5562-8593 ou pelo site:www.duemaestri.mus.br ou e-mail:[email protected]