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Cidade Universitária da Universidade Federal do Maranhão CEP: 65 085 - 580, São Luís, Maranhão, Brasil Fone(98) 3272-8666- 3272-8668 O DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO CONTEXTO DO (NEO) DESENVOLVIMENTISMO: trabalho, migrações e grandes empreendimentos Nádia Socorro Fialho Nascimento 1 Maria das Graças Pitombeira Lustosa 2 Dalva Felipe de Oliveira 3 Marcel Theodoor Hazeu 4 RESUMO Debate sobre os desafios contemporâneos para o “desenvolvimento regional” frente ao avanço do projeto (neo) desenvolvimentista das últimas três décadas no Brasil. A acumulação de capital pela via privilegiada dos grandes empreendimentos (infraestrutura, energia, agroindústria, mínero metalúrgicos, etc). Os impactos econômicos, políticos e sócio culturais decorrentes desse modelo de desenvolvimento têm gerado diversificadas expressões da “questão social” dentre as quais se destacam, historicamente, a migração de contingentes populacionais expropriados de terra e trabalho. A Mesa objetiva debater estes impactos nas particularidades regionais do Norte e Sudeste do Brasil num contexto de ajustes estruturais que aprofundam as desigualdades sociais. Palavras Chave: Amazônia brasileira Desenvolvimento Regional Grandes Empreendimentos Migração Desigualdades Sociais. ABSTRACT Debate on contemporary challenges to the "regional development" against the project progress (neo) developmentalist the past three decades in Brazil. The accumulation of capital by the privileged road of large projects (infrastructure, energy, agribusiness, ore, metallurgical, etc.). The impacts economics, political and cultural development model resulting from this partner have generated diverse expressions of the "social issue" among which stand out, historically, the migration of population groups of expropriated of land and labor. The objective table discuss these impacts in the regional particularities of the North and Southeast of Brazil in the context of structural adjustment that deepen social inequalities. Keywords: Brazilian Amazon - Regional Development - Large Enterprises - Migration Social Inequalities. 1 Doutora. Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected] 2 Doutora. Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected] 3 Mestre. Centro Universitário Luterno de Ji-Paraná.E-mail: [email protected] 4 Doutor. Professor visitante da Universidade Federal do Pará(UFPA),E-mail: [email protected]

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Cidade Universitária da Universidade Federal do Maranhão CEP: 65 085 - 580, São Luís, Maranhão, Brasil

Fone(98) 3272-8666- 3272-8668

O DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO CONTEXTO DO (NEO)

DESENVOLVIMENTISMO: trabalho, migrações e grandes empreendimentos

Nádia Socorro Fialho Nascimento1

Maria das Graças Pitombeira Lustosa2

Dalva Felipe de Oliveira3

Marcel Theodoor Hazeu4

RESUMO

Debate sobre os desafios contemporâneos para o “desenvolvimento regional” frente ao avanço do projeto (neo) desenvolvimentista das últimas três décadas no Brasil. A acumulação de capital pela via privilegiada dos grandes empreendimentos (infraestrutura, energia, agroindústria, mínero metalúrgicos, etc). Os impactos econômicos, políticos e sócio culturais decorrentes desse modelo de desenvolvimento têm gerado diversificadas expressões da “questão social” dentre as quais se destacam, historicamente, a migração de contingentes populacionais expropriados de terra e trabalho. A Mesa objetiva debater estes impactos nas particularidades regionais do Norte e Sudeste do Brasil num contexto de ajustes estruturais que aprofundam as desigualdades sociais.

Palavras Chave: Amazônia brasileira – Desenvolvimento Regional – Grandes Empreendimentos – Migração – Desigualdades Sociais.

ABSTRACT

Debate on contemporary challenges to the "regional development" against the project progress (neo) developmentalist the past three decades in Brazil. The accumulation of capital by the privileged road of large projects (infrastructure, energy, agribusiness, ore, metallurgical, etc.). The impacts economics, political and cultural development model resulting from this partner have generated diverse expressions of the "social issue" among which stand out, historically, the migration of population groups of expropriated of land and labor. The objective table discuss these impacts in the regional particularities of the North and Southeast of Brazil in the context of structural adjustment that deepen social inequalities.

Keywords: Brazilian Amazon - Regional Development - Large Enterprises - Migration – Social Inequalities.

1 Doutora. Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected]

2 Doutora. Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected]

3 Mestre. Centro Universitário Luterno de Ji-Paraná.E-mail: [email protected]

4 Doutor. Professor visitante da Universidade Federal do Pará(UFPA),E-mail: [email protected]

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TERRA, TRABALHO E RESPEITO: da promessa do novo “eldorado” aos conflitos no

campo na Amazônia brasileira

Dalva Felipe de Oliveira5

RESUMO: As estratégias de ocupação da fronteira amazônica

na década de 1950 capitaneada pela aliança entre o Estado e

o Capital atraíram um grande contingente populacional para

essa região. Com essa estratégia, o Governo dava um destino

aos sem-terra, atraindo-os para a Amazônia, a fim de torná-los

trabalhadores do campo para os grandes projetos

agropecuários e de extração mineral a serem instalados.

Outrossim, a propaganda para a ocupação nitidamente

apresentava esta região como um imenso vazio demográfico a

ser ocupado, quando, na verdade, o objetivo dessa

propaganda era atrair braços dóceis para “varrer” da área os

indígenas, posseiros, seringueiros e camponeses que moravam

na região antes dos projetos de colonização. Dessa forma, a

expulsão desses grupos, atrelada à ineficiência dos órgãos

governamentais no que se refere à distribuição de terras,

fomentaram condições para se instaurar na região os conflitos

no campo.

Palavras-chave: Amazônia. Colonização. Migração. Conflitos

no campo.

ABSTRACT: The strategies of the Amazon border occupation

in the 1950s headed up by the alliance between the State and

the Capital draw a big population group to this region. With this

strategy, the Government gave a destiny to the landless,

drawing them to the Amazon, in order to make them field

workers to great agricultural projects and the mineral extraction

to be installed. Furthermore, the commercial to this occupation

sharply showed this region as an enormous empty

demographic to be occupied, when actually, the goal of this

commercial was to draw sweet arms to “sweep” on the Indians’

area, squatters, tappers and farmers that lived in this region

before the colonization’s project. This way, the expulsion of

these groups, linked to the governmental organs’ inefficiency as

regards the land’s distribution, promoting conditions to

introduce in the region conflicts in the field.

Key-words: Amazon. Colonization. Migration. Conflicts in the

field.

5 Mestre. Centro Universitário Luterno de Ji-Paraná.E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

A luta pela terra no Brasil possui características históricas muito

marcantes. Desde o “descobrimento”, os conflitos agrários foram resultados das

disputas entre de um lado os grandes proprietários de terras que sempre buscavam

preservar/ampliar os latifúndios e, de outro, os grupos subalternizados, sem acesso a

terra. Na contemporaneidade, quando esses grupos são formados por indígenas,

negros, posseiros e sem-terra, historicamente expropriados, esta luta vem tomando

novas proporções em virtude dos processos de valorização das terras para a produção

de comodotties e mais recentemente na produção de agrocombustíveis.

O resultado desse panorama é a má utilização e distribuição da terra no

Brasil onde apenas 60 milhões de hectares, dos 400 milhões tidos como propriedades

privadas, são utilizados na agricultura, ou seja, 15% das terras são utilizadas para o

plantio enquanto que 85% são reservas de valor são usadas para especulação

fundiária. Segundo dados do Relatório Nacional sobre a situação dos Direitos

Humanos e a Reforma Agrária no Brasil (2012) esse quadro, que vem se agravando

desde a Velha República se consolidou no regime ditatorial e se perpetua até hoje .

A escolha pela temática dos conflitos pela terra no Brasil e, especialmente

na Amazônia brasileira decorreu de várias preocupações. A primeira se justifica pelas

transformações operadas no campo brasileiro em função do agronegócio, que está

desestruturando a economia camponesa e impactando severamente a vida da

população em função da alta dos preços que compõem a cesta básica. Além disso, o

processo migratório campo-cidade traz consigo uma gama de fenômenos sociais tais

como: favelização, desemprego, pauperização e fome. A segunda preocupação está

imbricada com a primeira, que é a forma como os governos têm tratado dessa questão

ao longo da nossa história e como as Ciências Humanas vêm analisando essa refração

da “Questão Social”6.

6 Segundo Netto (2003) a “questão social” surge no bojo da segunda fase da Revolução Industrial, que

corresponde ao capitalismo monopolista. De um lado, o crescimento da capacidade dos trabalhadores em produzir e aumentar as riquezas e, do outro, o aumento da pauperização e da miséria. É dessa contradição que origina a “questão social” e que permanece até hoje, uma vez que, no capitalismo, as relações de produção dão-se num contexto de exploração e alienação do trabalho, variando apenas na sua intensidade e de acordo com a capacidade de reação dos trabalhadores.

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Para uma reflexão sobre os conflitos de terra que sacodem o estado

brasileiro, optou-se por fazer o recorte no estado de Rondônia, na região amazônica,

onde desenvolvemos nossa prática profissional numa instituição de ensino superior. A

partir da reflexão de como se processa a acumulação primitiva de capital dentro da

reprodução ampliada neste lócus e também tomando por base os históricos fluxos

migratórios para essa região, esse estudo se propõe a contribuir no acúmulo de

pesquisas sobre os conflitos de terra na Amazônia.

2. A MARCA DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NAS TERRAS AMAZÔNICAS

2.1 Breve histórico sobre a colonização da região amazônica

O processo de intervenção sobre a região amazônica se constitui em uma

prática antiga que remonta ao século XVI, quando a região foi alvo de ações externas

principalmente pelos portugueses e espanhóis que buscavam nas terras além-mar

riquezas para abastecer o mercado europeu. Mas essas terras já eram alvo de cobiça

como pode ser exemplificado pelo Tratado de Tordesilhas (1474), linha imaginária que

dividia as terras entre as metrópoles portuguesas e espanholas. A primeira tomou

posse das terras que estavam a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde, sendo que

nesses limites incluiu o litoral brasileiro. Em linhas gerais esse Tratado consagrou um

novo significado para as categorias de fronteiras e limites como ressalta Becker

(1990).

Interessante que de imediato Portugal não se interessou em ocupar

definitivamente a sua colônia da América, pois o comércio das especiarias era mais

rentável, “[...] daí o relativo desprezo por este território primitivo e vazio que é a

América; e inversamente, o prestígio do Oriente, onde não faltava objeto para

atividades mercantis” ( Prado Júnior, 1999, p.23). Esse cenário mudou a partir do

interesse das potências europeias (franceses, holandeses e ingleses) na política

expansionista, fato esse que ameaçava a posse das terras portuguesas no Brasil,

principalmente a região próxima a linha do Equador. Por outro lado, a descoberta de

minas de ouro e prata nas colônias espanholas na América despertou o interesse da

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burguesia portuguesa em contribuir para organizar expedições com a missão de

descobrir os metais precisos, base da política mercantilista.

Foi desta forma que a Amazônia abruptamente foi inserida no contexto da

acumulação primitiva em função da abundância de recursos naturais (as drogas do

sertão) que passaram a ser explorados, como o cacau, salsaparrilha, noz de pixurim

(Prado Júnior, 1999). Essa atividade econômica se distinguia da economia açucareira,

pois não tinha uma base territorial, não estava calcada na monocultura e no trabalho

escravo africano. Entretanto, a exploração das drogas do sertão exigia um

conhecimento sobre a região, nesse sentido o “apresamento” de indígenas foi a

solução encontrada para a solidificação processo produtivo da região amazônica e

concomitantemente do sistema colonial. Os portugueses viam os indígenas como uma

força de trabalho disponível para explorar sem custos como acontecia com os negros

vindos da África.

A partir do ano de 1870, se assiste ao boom da ocupação do Alto Madeira

em função da produção da borracha para o mercado internacional. Nessa perspectiva,

a relação de produção que outrora era marcada pelo extrativismo, passou a combinar

extração do látex com a "posse da terra" alterando consideravelmente a vida dos

caboclos,beiradeiros,7 indígenas, posseiros e seringueiros. Essa atividade econômica

atraiu camponeses principalmente da região Nordeste onde a concentração de terras

inviabilizava a sua reprodução social, além disso, a seca de 1877-1878 contribuiu

para o processo migratório para a região amazônica.

Para Furtado (1987) essa migração mostra claramente que o Brasil já se

constituía em um exército de reserva de mão de obra. Se olhar atentamente a nossa

História percebe-se que o tratamento dispensado ao imigrante europeu do século XIX

difere totalmente do tratamento dispensado ao migrante nordestino que se deslocou

para a Região Norte. Enquanto o primeiro contava com a “ajuda” do governo central

que se traduz no pagamento de gastos de deslocamentos como: "[...] residência

garantida, gastos de manutenção assegurados até a primeira colheita. [...] Dispunha

sempre de terra para plantar o essencial ao alimento de sua família ,[...]” (Furtado

,1987, p.133-134).

7 Moradores da beira dos rios.

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O migrante nordestino era responsável por todas as suas despesas de

viagem e pelos instrumentos de trabalho daí o seu endividamento logo que chegava a

região. Esse endividamento antecipado e permanente se constituía em um elo

importante da teia de relações onde o seringueiro desenvolvia o seu trabalho. O

contrato, ou regulamento, que vincula o seringueiro ao seringalista, estabelecia multas

e proibições sobre todos os aspectos principais das relações entre ambos.

A relação de produção que se desenvolvia nessa região era marcada pelo

extrativismo que passa a combinar extração do látex com a "posse da terra"

decorrendo daí uma teia de relações sociais que se traduzia na articulação entre "o

seringueiro, o dono da seringa, o aviador e o exportador" (Ianni, 1978, p. 34). Nesta

teia de relações o seringueiro se constituía o elo mais importante da cadeia produtiva

e concomitantemente o mais fraco, pois transformava o produto da natureza em

mercadoria ao mesmo tempo não tinha acesso à renda que a exploração possibilitava

(Carone, 1978).

Essa situação conduziu não somente os seringueiros a um regime de

servidão como também os próprios aviadores que dependiam totalmente do capital

estrangeiro. Caso estes não honrassem os seus compromissos teriam os seus bens

penhorados. Diante desse quadro, pode-se dizer que os beneficiários da extração da

borracha eram os exportadores. E os sonhos do seringueiro de acumular algum

dinheiro para voltar à região de origem não se concretizaram haja vista que as

adversidades encontradas na floresta reduziam a as chances de concretizar o sonho.

2.2 O apossamento das terras

A acumulação primitiva que aferiu riquezas nas metrópoles europeias

desestruturou a vida social e econômica das colônias na medida em que a existência

dos recursos naturais possibilitou a extração de lucros tanto em relação a estes

recursos como na exploração da mão de obra a baixo custo. Todavia, tais objetivos

tornaram-se viáveis com a destruição da propriedade comunal e na separação dos

trabalhadores dos meios de produção. A combinação desses fatores abriu os

caminhos para o apossamento dos recursos existentes na colônia como exemplifica

Marx (1989, p. 828),

O sistema capitalista pressupõe a dissociação entre os trabalhadores

e a propriedade dos meios pelos quais realizam o trabalho. Quando a

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produção capitalista se torna independente, não se limita a manter

essa dissociação, mas a reproduz em escala cada vez maior. O

processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo

que retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho,

num processo que transforma em capital os meios sociais de

subsistência e os de produção e converte em assalariados os

produtores diretos. A chamada acumulação primitiva é apenas o

processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção.

É considerada primitiva porque constitui a pré- história do capital e do

modo de produção capitalista .

O apossamento direto dos recursos naturais da região amazônica e a

“liberação” do homem do seu espaço produtivo – terra - foram decisivos para o

processo de constituição do próprio capitalismo periférico. Dessa forma, a “ocupação”

e a valorização das terras do Novo Mundo se efetiva dentro dos padrões do sistema

colonial da política mercantilista. Nesta démarche a exploração das colônias abaixo da

linha do Equador se efetivou com a expulsão das comunidades indígenas e posseiros

de suas terras, para tanto os recorreram aos processos violentos para separar o

trabalhador dos meios de produção .

[...]a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a pilhagem dos terrenos comunais, a transformação usurpadora e terrorista da propriedade feudal e mesmo a patriarcal em propriedade privada moderna, a guerra às cabanas, foram os processos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram a terra para a agricultura capitalista, incorporaram o solo ao capital e entregaram à indústria das cidades os braços dóceis de um proletariado sem lar nem pão (MARX, 2004, p.46).

A mão invisível do mercado vai criando seus tentáculos nas áreas que

estavam ainda mergulhadas na fase mercantilista, nessa perspectiva o caráter

firmador do Estado se faz presente “concedendo” dádivas demonstrando de forma

contundente a relação simbiótica entre as estruturas de Estado e as estruturas de

mercado. Este processo produzirá excedentes populacionais pauperizados, ou uma

superpopulação relativa. Por outro lado, se amplia o excedente econômico como

aconteceu no Brasil e mais especificamente na região amazônica a partir do

recrudescimento da produção da borracha no início do século XXI.

Assim a mão do capital que tinha “afagado” com doses maciças de

investimentos a exploração do látex, em função dos baixos preços ocasionados pela

produção asiática; deixou o lastro de destruição nos estados do Amazonas, Pará e as

regiões do Alto Madeira.

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Em 1912 a produção da borracha entrou em declínio e para tentar salvar

“os dedos e os anéis”, os representantes dos maiores estados produtores – Amazonas

e Pará – exigiram uma intervenção do governo federal no mercado para proteger a

economia local face à concorrência internacional e nesse sentido foi elaborado e

posteriormente aprovado o Plano de Defesa da Borracha.

O plano envolvia tanto ações voltadas diretamente para a manutenção

da produção regional de borracha quanto para a melhoria das

condições sociais da região. Como parte do plano, o governo federal

previa a concessão de remuneração aos que efetivassem a

implantação de seringais ou instalações para o beneficiamento do

látex. Passou também a oferecer bonificações em dinheiro a quem

edificasse instalações portuárias e estradas de ferro, dentre outras

obras. Além disso, o governo reduziu as alíquotas dos impostos

cobrados sobre a borracha, sob a alegação de torná-la mais

competitiva no mercado internacional (Monteiro & Coelho, 2004, p.95).

Tal plano teve vida curta e a região produtora gomífera (Monteiro &

Coelho, 2004) entrou em estagnação. A crise mundial na década de 30 abalou as

estruturas das economias refletindo diretamente na produção agrícola brasileira

quebrando “[...] a hegemonia rural tradicional e impulsionou a industrialização

incipiente via substituição de importações” (Martine, 1987, p.60). A quebra da

economia agrícola dispersou os camponeses por todo o Brasil, que caminharam mata

à dentro em busca de terra virgens enquanto outros segmentos seguiram para os

centros urbanos.

Em 1943 durante o governo de Getúlio Vargas foi realizado uma série de

estudos sobre a viabilidade de se constituir territórios entre os quais estava o Território

do Guaporé. A constituição desses territórios tinha como finalidade precípua a

domesticação das áreas para o capital que estava caminhando a passos rápidos do

centro-sul para o oeste do Brasil e diminuir o poder das oligarquias regionais (Souza &

Pessôa, 2010). Não por um acaso esta data coincide com a Segunda Guerra Mundial

(1939-1945), quando os Estados Unidos passaram a valorizar novamente a produção

da borracha brasileira proporcionando um novo estímulo à economia extrativa (Fialho

Nascimento,2012) .

Por outro lado, a descoberta da cassiterita - as minas de Santa Bárbara e

de Bom Futuro - e dos garimpos de ouro na década de 1950, atraiu um contingente de

trabalhadores principalmente dos estados do Amazonas e Mato Grosso. Entretanto, a

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garimpagem individual desses recursos foi efêmera, pois com o golpe de 1964, o

Estado transferiu a exploração para as grandes empresas nacionais e internacionais.

Segundo Teixeira (1996) estima-se que nesse período 10.000 garimpeiros ficaram

sem trabalho, e alguns desses voltaram a migrar enquanto outros permaneceram na

região em busca de terra. Vale ressaltar que as empresas instaladas na região para

explorar as jazidas de cassiterita não apenas controlaram a exploração do minério,

mas também se apossaram da terra (Souza & Pessoa, 2010).

2.3 Terra, trabalho e respeito: a promessa do novo “Eldorado”

Nos ano de 1970 o governo militar substituiu a colonização “espontânea”

por uma “planejada “(Teixeira, 1996; Velho,1979) tratando-a como uma alternativa de

reforma agrária. Isso atraiu intensos fluxos migratórios – nordestinos e sulistas – para

a região amazônica. Ao mesmo tempo, o governo ofertava aos empresários,

incentivos fiscais para implantar projetos agropecuários na região. No entanto, para

concretizar o projeto econômico era indispensável força de trabalho como observa

Oliveira (2007, p. 74) “[...] era preciso levar trabalhadores para que fosse possível

implementar os planos da ‘Operação Amazônia’, pois de nada adiantariam grandes

projetos agrominerais e agropecuários em uma região aonde faltava força de

trabalho”.

As contradições vigentes no modo de produção capitalista no auge da

colonização lusitana nas terras brasileiras, agora se reproduziam com novos

personagens no Território de Rondônia haja vista que o deslocamento dos migrantes

para as terras rondonienses apenas se constituiu como uma estratégia do capital para

acumular sem ônus, ou seja, os migrantes ou posseiros domariam a área, valorizariam

a terra, tornando-a inacessível a eles mesmos.

O sonho do camponês de adquirir um pedaço de terra foi ficando mais

distante, a ideia difundida pelos órgãos governamentais de que o estado de Rondônia

oferecia “terra, trabalho, solidariedade e respeito8 “(Discurso do Governador Jorge

Teixeira) se desmanchou no ar. Primeiro as terras já tinham dono e solidariedade e

8 Discurso do Governador Jorge Teixeira em 1984.” Olhamos para traz e nos damos conta de que

Rondônia se fez de mãos calejadas, corpos suados e poeirentos do divino trabalho da terra, venham brasileiros de todo o Brasil! Venham gentes de todos os povos! Rondônia lhes oferece: trabalho, solidariedade e respeito. Tragam Tal fala foi retratada no documentário nas cinzas da floresta.

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respeito ficaram apenas na lógica discursiva, restando ao camponês à venda

temporária da sua força de trabalho para os fazendeiros da região como alternativa

para garantir a sobrevivência da unidade doméstica ou caminhar mata à dentro em

busca de terra para plantar e viver.

No capitalismo da fase monopolista, o livre-mercado passa a ser

concebido como instância societária mediadora por excelência enquanto o Estado

deveria ser apenas um árbitro. Todavia, observa-se que esse papel de árbitro só

dispendeu forças para que o pêndulo da balança sempre caminhasse em direção das

classes hegemônicas atuando como um verdadeiro guardião do capital, deixando de

fora indígenas seringueiros, posseiros e sem-terra que passaram a constituir

personagens dos conflitos nas terras rondonienses (Santos, 2000)

As idiossincrasias destas ações pseudo-qualificadas de “neutras”, mas que

em sua essência contribuem para o processo de acumulação, incide com mais

veemência nas regiões periféricas na qual os germes do clientelismo, do paternalismo

ainda permanecem nas tessituras do tecido social. Deste modo se pode encontrar na

região em tela uma acentuada desigualdade social em função da concentração de

terra e de riqueza, o que explica a explosão de conflitos pela posse da terra colocando

em destaque a centralidade da chamada “questão social”.

3. AMPLIAM-SE AS CERCAS DO LATIFÚNDIO E AGUÇAM OS CONFLITOS PELA

POSSE DA TERRA NO ESTADO DE RONDÔNIA

Na região amazônica e mais especificamente no estado de Rondônia a

tríade terra-rio-floresta é essencial para a reprodução social das comunidades

tradicionais haja vista que a exploração da terra e dos demais recursos está vinculada

à produção de valor de uso) dos membros da unidade familiar (Marx, 1986). Isso não

quer dizer que não produzem valor de troca, mas sim que essa dimensão é destinada

a suprir as necessidades. Entretanto essa lógica confronta-se com a do capital que na

ânsia de ampliar os lucros converteu a terra em uma mercadoria.

Essa conversão das terras em Rondônia reforçou a desigualdade social

que se expressou no empobrecimento da população; outro aspecto que esta

acumulação propiciou foi à exploração de forma predatória dos recursos naturais; a

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concentração de terras nas mãos das pessoas físicas nacionais e principalmente das

pessoas jurídicas estrangeiras.

O Território Federal de Rondônia a partir de 19709 se constituiu em um

lócus para os projetos militares para a Amazônia. Entre 1970 e 1978 foram instalados

07 (sete) projetos dirigidos de colonização em Rondônia assentando 23.210 (vinte e

três mil, duzentas e dez) famílias de colonos (Souza & Pessôa, 2010). Segundo

Martins (1984) e Ianni (1979) esse modelo de colonização era uma contrarreforma

agrária uma vez que locupletava mais os donos dos latifúndios do que os

camponeses. De uma forma mais geral, pode-se afirmar que esses projetos de

colonização foram arquitetados para não ter êxito, ou seja, a falta de infraestrutura

adequada à produção e à comercialização dos produtos cultivados, assim como a

deficiência na oferta de serviços de saúde e de escolas inviabilizava a permanência

dos colonos.

O deslocamento das famílias que foram beneficiadas pelos projetos,

fomentou também o fluxo migratório espontâneo, cujas pessoas buscavam na região

um pedaço de terra para trabalhar (Felzke et al, 2014), de forma que os lotes

demarcados pelo governo não foram suficientes para atender a demanda da

população migrante que aportou na região. De acordo com Martine (1987) na década

de 1980 a população de Rondônia aumentou 400% em oito anos devido basicamente

ao influxo de colonos em busca de terra como se pode observar na Tabela 1.

Tabela 1 – População rural e urbana do estado de Rondônia

Ano População Rural População Urbana

1960 39 606 hab. 30 186 hab.

1970 47.112 hab. 57.726 hab.

1980 259.509 hab. 233.301 hab.

1990 472 702 hab. 658.172 hab.

9 O Território do Guaporé teve seu nome alterado para território de Rondônia através da lei nº

2.731 de 17 de fevereiro de 1956.

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2000 494 744 hab. 883 048 hab.

2010 417.853 hab. 1.142.648 hab.

Fonte: Censos demográficos do IBGE

Entre os anos de 1980 e 1981 foram contabilizados 19 (dezenove)

conflitos agrários na região de forma que a quase totalidade dos municípios foram

palco desses conflitos. Na medida em que o capital, amplamente estimulado pelo

Estado, avançava sobre a terra dos posseiros e povos indígenas, uma verdadeira

guerra se instalava no campo, onde camponeses eram utilizados para deslocar grupos

indígenas (Martins, 1991). Em face desse processo de expropriação, os camponeses

passaram a ser organizar e ocupar as áreas improdutivas. Por outro lado, para

conservar as suas áreas, os supostos donos de latifúndios passaram a acionar os

aparelhos repressivos e ideológicos do Estado (Althusser, 1983). Este foi o caso da

Fazenda Cabixi, município de Colorado D’Oeste, em maio de 1982 quando a policia

prendeu 34 (trinta e quatro) camponeses. Entretanto nenhum “trabalhador” da fazenda

foi indiciado. Nesta década as ocupações de terra passaram a ser coordenadas pelo

Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra ( MST)10.

A tabela anterior mostra que, entre os anos de 1990 a 2010, há uma

redução significativa dos habitantes da zona rural. Tal decréscimo populacional

decorre do processo de transformação pelo qual passou/passa a agricultura no

estado, ou seja, a presença do monocultivo da soja nos municípios do Cone Sul

(Vilhena, Colorado do Oeste, Cerejeiras, Cabixi, Chupinguaia, Corumbiara,

Pimenteiras do Oeste ) e da expansão da criação de gado (região central do estado).

Neste contexto, os monopólios do agronegócio passaram a comprar terras,

imobilizando capital em um mercado tido como de baixa liquidez, atuando, a partir de

então, simultaneamente no controle da propriedade privada da terra, do processo

produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária

(Acselrad & Barros, 2012). Tal processo contribui para o aumento da oferta de compra

e arrendamento de áreas dos pequenos agricultores e das populações tradicionais,

para médios e grandes sojicultores (Nascimento, 2008).

A luta pela posse da terra na região do Cone Sul foi palco de inúmeros

conflitos envolvendo fazendeiros e camponeses sem-terra. O caso mais emblemático

10

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foi o massacre de Corumbiara que envolveu 600 (seiscentos) camponeses que

ocupavam uma área na fazenda Santa Elina. No confronto 16 (dezesseis) foram

assassinados e 07 (sete) continuaram desaparecidos. A partir desse confronto surgiram o

Movimento Camponês Corumbiara (MCC) e a Liga dos Camponeses Pobres de

Rondônia e da Amazônia Ocidental (LCP).

No Estado de Rondônia ¾ das terras estão nas mãos do latifúndio: o número de

propriedades rurais na região gravita em torno de 96.304 (noventa e seis mil, trezentos

e quatro) assim distribuídas: propriedades acima de 1000 (hum mil) hectares - 1.160

(hum mil, cento e sessenta) propriedades de 1000 a 2000 ( hum mil a dois mil)

hectares - 10.406 ( dez mil quatrocentos e seis; propriedades de 50 a 100 ( cinquenta

a cem ) hectares - 42.394( quarenta e dois mil, trezentos e noventa e quatro) (CPT,

2006). Essa concentração conjugada com a necessidade de legalizar certas áreas

provoca o recrudescimento da violência e dos conflitos agrários no Estado.

4. CONSIDERAÇÔES FINAIS

Os camponeses do nordeste e do centro-sul do país, vítimas do processo

de concentração de terra e atrelados ao processo de modernização do campo

“caminharam” para as novas fronteiras. Se eles queriam terras o governo “concedeu-

as” não no espaço do latifúndio, berço das oligarquias, mas onde o governo

determinava. Com essa medida os empresários concretizaram os seus sonhos, pois

obtiveram apoio para ocupar a região, ao mesmo instante que expulsavam índios e

posseiros que colidiam com os seus interesses.

Todavia, esses camponeses foram vítimas e algozes do processo de

‘ocupação’ da fronteira (Monteiro, 2004), pois na região havia indígenas, seringueiros

e posseiros que habitavam a região antes mesmo da abertura da fronteira. A

ideologia oficial que os tratou como “pioneiros” passou a tratá-los mais tarde como um

entrave ao desenvolvimento dos grandes empreendimentos agropecuários e os

latifundiários. As famílias camponesas pensavam que iriam constituir uma

“propriedade produtiva” e não compreendiam que a dinâmica do capital também se

desloca na medida certa para a sua ampliação.

Neste contexto, os proprietários de terra, capitais agroindustriais e

financeiros e traders formaram um bloco e passaram a marcar sua presença no

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interior do estado (Acselrad & Barros,2012) para defender os seus interesses e

consequentemente fazer uma frente face aos interesses dos camponeses. Visualiza-

se que na contemporaneidade a solução para os conflitos de terras não depende

apenas das políticas públicas nacionais uma vez que o mercado de terras não

circunscreve apenas nas pessoas jurídicas nacionais, mas envolve um intricado jogo

de forças que atuam em diversos níveis, inclusive global, que se territorializam em

terras/território nacionais ( Marques,2011).

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PEÕES DO TRANSPORTE E DO TRECHO

Mobilidade do trabalho em Barcarena

Marcel Theodoor Hazeu 11

RESUMO: Este texto aborda a mobilidade do trabalho

dentro da lógica da superexploração do trabalho no

contexto do (neo)desenvolvimentismo. Partiu-se de um

estudo sobre transformações sociais e mobilidade do

trabalho no município paraense de Barcarena onde a

implantação de fábricas e portos transformou a vida da

comunidade local e inseriu um grande contingente de

pessoas no mercado capitalista de trabalho. Produziram-

se peões do transporte e do trecho para garantir a

superexploração. As localidades envolvidas se tornaram

territórios de exploração e passagem, sem nenhum

processo local que poderia ser denominado

desenvolvimento regional.

Palavras Chaves: Trabalho; Migração; Amazônia;

Barcarena

ABSTRACT: This paper addresses labor mobility within

the logic of super labor exploitation in the context of (neo)

development. Starting from a study of social change and

labor mobility in Pará Barcarena where the installation of

factories and ports transformed the lives of the local

community and inserted a large number of people in

capitalist labor market. There were produced workers in

movement linked to transport and construction work to

ensure superexploitation, while the localities involved

became territories of exploitation and transit without any

local process that could be called regional development.

Key words: Labor; Migration; Amazon; Barcarena

11

Doutor. Professor visitante da Universidade Federal do Pará(UFPA).E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

Este artigo aborda migrações e transformações sociais vinculadas a

mobilidades de “peões” no município de Barcarena/Pa, onde se instalaram um

complexo industrial de alumina/alumínio e caulim e portos para exportação destes

produtos e do agronegócio (soja e gado).

Os impactos econômicos, políticos e sócio culturais do avanço dos

grandes empreendimentos na Amazônia dentro do projeto (neo)desenvolvimentista

podem ser analisados na sua complexidade através do estudo das migrações,

conforme sugere o sociólogo australiana Stephen Castles (2010). Isto permite abordar

as transformações que ocorrem na sociedade, nas comunidades e na vida das

pessoas diretamente atingidas para entender a sua essência. Foram feitas pesquisa

documental, entrevistas e observações de campo em Barcarena/Pa durante os anos

de 2012 a 2014 para a elaboração da tese “O Não-lugar do outro: sistemas migratórios

e transformações sociais em Barcarena” (HAZEU, 2015), coletando informações sobre

as diversas mobilidades humanas e suas forças estruturantes. Identificaram-se quatro

sistemas migratórios (deslocamentos forçados, movimentos pendulares e periferização

habitacional metropolitana, transportadores da exportação e mobilidade de trabalho)

que mostram a precarização das relações e condições de trabalho e a

desterritorialização de contingentes crescentes de moradores e trabalhadores.

A região amazônica foi gradativamente envolvida no avanço da economia

capitalista globalizada e das políticas desenvolvimentistas dos governos brasileiros,

desde os ditatoriais autoritários, os democráticos neoliberais até os sociodemocratos.

Sua inserção foca a exploração das riquezas naturais e seu potencial hidrelétrico,

além da inerente especulação fundiária e apropriação de recursos públicos.

Barcarena é um município amazônico, 40 km distante de Belém, que até

os anos 70 se caracterizava como uma sociedade ribeirinha, localizada no ambiente

rural, onde a população vivia da roça, caça, pesca e extrativismo. A vida da população

se voltava para os rios que serviam como vias de transporte, fonte de alimentos, de

água potável, lugar de banho, lavagem de roupa e de lazer, além do comércio dos

produtos da roça, pesca e extrativismo e trabalhos em engenhos, olarias, fazendas e

casas de família (MOURA, 1990; SOUZA, 2006).

Os anos 1980 trouxeram a maior transformação social pela qual o

município tinha passado até então. As olarias, serrarias, fábricas de palmito,

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plantações de abacaxi, coco e laranja, os sítios e roças cederam lugar ao porto de Vila

do Conde, à fábrica da Alunorte, à estação de energia da Eletronorte e à nova

urbanização, chamada Vila dos Cabanos. Num contexto de um governo autoritário e

da expansão do capital internacional em busca de territórios para investir e de

recursos naturais, em especial os recursos energéticos hídricos e minérios, Barcarena

foi inserida num megaprograma de investimento do Governo Federal Brasileiro – o

Programa Grande Carajás, criado para organizar e articular investimentos que já

estavam sendo feitos no Pará, e necessitavam de um investimento muito maior do que

o aplicado até então. Barcarena foi escolhida como polo industrial-portuário na

cadeia produtiva do alumínio, e posterior, na década de 1990, ganhou um segundo

braço de investimentos portuários-industriais pautado na exploração e exportação de

caulim. Barcarena também cresceu na importância como área portuária de exportação

de muitos outros produtos, diversificando a atuação dos portos existentes e criando

novos, com destaque para a exportação de gado vivo e de soja.

Barcarena não é um território de extração de riquezas ou de geração de

energia, mas um corredor de exportação, um lugar de infraestrutura, de logística, de

portos, de concentração de algumas indústrias de transformação primária. O município

sofre com a poluição das indústrias, desapropriações, o movimento de cargas e a

transformação da sua estrutura, que condenam as suas outras vocações à falência,

como o turismo, a pesca, o extrativismo ou a produção agrícola, devido aos impactos

ambientais, econômicos, fundiários e sociais do complexo portuário-industrial.

A implantação das industrias e portos tem influenciado as dinâmicas da

população de Barcarena em diversos aspectos, como a desapropriação das suas

terras, deslocamentos forçados e poluição. Ocorreu uma inserção parcial de uma parte

da sua população original no mercado de trabalho dominado pelas empresas e

empreiteiras e se estruturou a mobilização de pessoas de outras localidades para

trabalhar no município ou passar trabalhando pelo mesmo.

A formação de trabalhadores “livres e em movimento” mudou a vida das

famílias e a lógica da produção e reprodução local, num processo de

desterritorialização organizado e planejado, vinculado a uma reterritorialização

precária. Desde então pessoas circulam entre inúmeras obras, indústrias, minas e

portos no Brasil, sem fazer parte da comunidade local, inseridas como um exército da

ocupação capitalista.

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2. TRABALHADORES EM MOVIMENTO

Duas categorias específicas de trabalhadores postas em movimento são

alvos da superexploração que caracteriza a produção capitalista globalizada: os

trabalhadores de transporte (os “peões do transporte”) e os trabalhadores da construção

e manutenção das obras e fábricas (“os peões do trecho”).

O economista Jean Paul de Gaudemar (1977) observou que na dinâmica

de crises e acelerações econômicas “a passagem dos operários de uma empresa para

outra, de um canto do país para outro, se torna uma necessidade”, além do que:

[...] a grande indústria mecânica cria uma série de novos centros industriais que nascem com uma rapidez até ali desconhecida, por vezes em locais não povoados, o que seria impossível sem migrações maciças de operários (LÉNINE, 2002, p. 375).

Esta mobilidade do trabalho é um reflexo e parte da constituição da oferta

de mão de obra na divisão capitalista do trabalho. Segundo Gaudemar (1977), a

mobilidade do trabalho não é uma livre circulação de trabalhadores numa dinâmica de

busca de equilíbrio, mas é regida pelas lógicas do mercado e desenvolvimento

capitalista, com suas contradições e sinalizações em relação à economia capitalista:

Não seria exercer grande violência sobre o pensamento explícito de Marx fazê-lo afirmar que doravante a emancipação dos trabalhadores passa pela reivindicação coletiva do direito a imobilidade ou ainda do direito à automobilidade (GAUDEMAR, 1977, p. 400-401).

Trata-se de uma mobilidade do trabalho para garantir a lucratividade das

empresas e que chega ser uma mobilidade condicionada, em termos de destinos e de

liberdade de ir e vir, pelos recrutamentos e pagamentos do transporte do lugar de

origem ao lugar do trabalho, com endividamento desde então, contrariando uma lógica

de trabalhadores supostamente livres num mercado. A não contratação do trabalho

local se relaciona à mesma possibilidade intrínseca de superexploração12 do

trabalhador deslocado e distante de suas redes sociais de proteção e reprodução.

A condição de isolamento do trabalhador da comunidade local não pode

se perpetuar, pois com o passar do tempo criam-se novas redes sociais e se articula a

vinda de pessoas da rede originária. A temporariedade do contrato é, portanto, parte

integrante da estratégia da mobilidade do trabalho controlada e organizada.

Haesbaert (2010, p. 255) se refere à mobilidade desses trabalhadores

temporários como os “globalizados de baixo, aqueles que, enquanto trabalhadores em

12

Apropriação do tempo de trabalho excedente através o prolongamento da jornada de trabalho, aumento da intensidade do trabalho e a conversão do fundo de consumo necessário do operário em fundo de acumulação do capital (SANTANA; BALANCO, 2012, p. 5)

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empregos temporários e sem estabilidade, vivem viajando ou mudando de cidade em

busca de trabalho”. Esses trabalhadores “acabam sendo obrigados a uma mobilidade

permanente em busca de emprego”.

2.1 Peões do transporte: sempre em movimento

O sistema de transporte de produtos expressa o lugar de Barcarena na

economia mundial, em termos de participação nas cadeias produtivas, como mostra a

listagem dos principais produtos que passaram pelos portos de Barcarena em 2013 e

2014: Alumina, Alumínio, Bauxita, Boi Vivo, Calcário, Carvão mineral, Caulim,

Contêineres13, Coque, Ferro-gusa, Fertilizantes, Manganês, Óleo combustível, Piche,

Soda cáustica, Soja (VALENTE, 2013; CDP; 2014a; 2014b).

Há uma estreita relação entre a exploração de recursos naturais no Pará e

os mercados internacionais com base na organização do transporte de mercadorias e a

inserção de trabalhadores da área de transporte e sua passagem por Barcarena.

As pessoas envolvidas no transporte de produtos marcam uma dinâmica

nos territórios por onde passam e onde param. Os que vivem do e no transporte são

trabalhadores móveis nas rotas das mercadorias e fazem de Barcarena um dos seus

territórios. Vistos como forasteiros ou passantes, eles são de uma categoria com

presença permanente e estrutural, apesar de mudar constantemente de composição.

Eles formam a base do sistema migratório que acompanha os fluxos de mercadorias e

interagem com os territórios cruzados e conectados por esses fluxos.

Muitos dos navios que atracam no porto em Barcarena navegam com

bandeiras de países que não são dos proprietários dos navios, mas que cobram menos

impostos e não exigem direitos trabalhistas, possibilitando uma superexploração de

marinheiros nesses navios. Estes são chamados países de “bandeiras baratas” ou “flags

of convenience - FOC” (ITF, 2012a). Dados sistematizados dos navios que atracam em

Barcarena, a partir do site “Marine Traffic”14, indicam que 68% navegam com bandeira

de um país citado na lista de “FOC Countries”.

Em 2013, 5.150 tripulantes de navios internacionais desembarcaram em

Barcarena, uma média de 13 tripulantes por navio, com as seguintes nacionalidades:

13

madeira, caulim, silício, carne bovina, pimenta 14

Disponível em: <http://www.marinetraffic.com/pt/ais/home/>

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Filipinas:1.539; Síria:1.533; Índia:329; Ucrânia: 284; República Tcheca: 259; Croácia:

195; China: 171; Polônia: 146; Paquistão: 113; Rússia:112 e Outros: 46915.

As tripulações geralmente são oriundas de países sem frota naval

expressiva e nem dos países que emprestaram suas bandeiras. Os marinheiros das

Filipinas são conhecidos como “baratos e fáceis, que não reclamam e aceitam

condições degradantes de trabalho” (ROOIJAKKERS, 2002, não paginado)..

Os caminhões, o outro elo de transporte na organização dos fluxos de

produtos que passam por Barcarena, interligam lugares sem acesso fluvial com os

centros industriais e portuários ou fazem a distribuição “fina” de mercadorias para fins

específicos.

Segundo dados solicitados a Companhia das Docas do Pará, no período

de 2 de janeiro a 30 de junho de 2013, 24.874 caminhões com cargas entraram e

10.310 caminhões carregados saíram do porto da Vila do Conde, evidenciando que se

trata de um porto de exportação, onde circulam cerca de 195 caminhões ao dia. A

listagem das placas dos caminhões possibilitou a identificação do local de origem de cada

veículo16. Além dos caminhões que circulam entre as fábricas e o porto, a maioria

emplacada no Pará (50%), circula um número significativo de caminhões procedentes de

Minas Gerais (20%) e de São Paulo (25%).

A movimentação de navios e caminhões no município não criou um mercado

de trabalho para a população local. Segundo o Censo de 2010, em Barcarena há

somente 175 pessoas registradas como “marinheiros de coberta e afins”, além de 40

pessoas como capitães, oficiais de coberta e práticos, a maioria atuando em

embarcações locais. A participação de caminhoneiros de Barcarena é de 43

trabalhadores no ambiente urbano e 98 no ambiente rural.

2.2 Peões do trecho: circulando atrás de obras e manutenção

Desde os anos 1970, a abertura de estradas, a construção de

hidrelétricas, a implantação dos polos de mineração e incentivos à criação de gado

e à indústria madeireira transformaram a região amazônica, usando o discurso do

espaço vazio que precisava ser explorado e ocupado. A população já existente

15

Dados enviados depois de solicitados ao Ministério da Justiça pelo site http://www.acessoainformacao.gov.br/acessoainformacaogov/ 16

, Registro disponível no site do Sistema Nacional de Segurança Pública (SINESP): <https://www.sinesp.gov.br/sinesp-cidadao>

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nunca foi considerada, nem como atores sociais com direito à terra e poder de

decisão, nem como potencial para a próprio processo de ocupação capitalista.

A invasão pela política desenvolvimentista criou a necessidade de formar

uma força de trabalho abundante e móvel para ser inserida nos momentos e lugares

estratégicos para o avanço do programa. Investimentos em infraestrutura (estradas,

pequenas cidades), juntamente com o estímulo à migração (colonização) e ao

recrutamento organizado, precisavam criar as condições em termos de mão de obra

para as obras gigantescas que faziam parte do Programa Grande Carajás.

A construção da barragem de Tucuruí foi um dos primeiros grandes

projetos na Amazônia, que iniciou a produção e reprodução de mão de obra móvel

para a expansão do projeto capitalista na Amazônia, financiado com recursos

públicos, em benefício do capital transnacional (brasileiro e internacional) na região.

A alta rotatividade dos trabalhadores nunca criou empregos estruturais ou

fixos. Na construção da Barragem de Tucuruí, nos anos 1970, por exemplo, chegou-se

a uma rotatividade inacreditável de renovar todo o efetivo de quase 20 mil

trabalhadores do canteiro em dois meses (ALVEZ; THOMAZ JUNIOR, 2012).

Para a implantação do complexo industrial-portuário-urbanístico em

Barcarena, nos anos 1980, mais de 12 mil trabalhadores se somaram à população

local de 20 mil habitantes. Muitos trabalhadores migrantes vieram das obras de

construção de hidrelétrica de Tucuruí, da instalação do complexo no Jari, de

municípios vizinhos e de outros estados, recrutados por empreiteiras ou atraídos pelas

notícias difundidas pelo país sobre as oportunidades de trabalho na região.

Os empregos gerados eram temporários e a quantidade flutuava a cada

ano, dependendo da fase das obras e da abertura ou fechamento de frentes de

trabalho, dinâmica que caracteriza as grandes obras na Amazônia, lembrando que

“<...> em outubro de 1984, esses trabalhadores nos canteiros de obras eram 12.000,

número que caiu para 7.000 em 1985, devido à conclusão da primeira fase da

ALBRAS. (FONTES, 2003, p. 68).

Em 1989, a própria Albras tinha 2.354 empregados em Barcarena, sendo

65,6% oriundos do Pará e 34,4% de outros estados. Os trabalhadores do Pará eram

recrutados e qualificados em Belém, o que sugere que a grande maioria era belenense

(TOURINHO, 1991). Já neste período a Albras utilizava a contratação de mão de obra

através de empresas terceirizadas - 410 postos de trabalho em 1989 - para serviços

de transporte, manutenção, limpeza e alimentação (TOURINHO, 1991, p. 196).

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A Albras e as demais empresas instaladas posteriormente implantaram

modelos de gestão desenvolvidos no âmbito das empreses multinacionais e nos

cursos de administração, com a metodologia de Controle de Qualidade Total,

adequando as empresas às novas lógicas do mercado mundial (MONTEIRO, M.;

MONTEIRO, E. 2007; CASTRO, 1995). Uma das consequências deste modelo foi a

redução dos postos de trabalho diretos e a terceirização de grande parte dos serviços.

Segundo Monteiro e Monteiro (2007), em 1990, a Albras empregou 2.356

empregados, com uma produtividade anual por trabalhador de 82 toneladas de

alumínio, e em 2006 eram 1.357 empregados, com uma produtividade anual por

trabalhador de 336 toneladas de alumínio. A terceirização também foi observada a

partir das reclamações trabalhistas e ações na justiça contra a Albras. Enquanto que

em 1990 e 1991 os processos ainda eram de empregados vinculados à Albras, em

1997, a maioria era de funcionários das empresas prestadoras de serviços à Albras.

Dados sobre a origem dos empregados em 2013 na empresa Hydro (antiga

Albrás e Alunorte) mostra a importância da mobilidade do trabalho na organização das

empresas. A maioria dos trabalhadores (1.295 pessoas ou 82%) é paraense, mas

menos de 10% nasceu em Barcarena. São de municípios próximos (Belém, Abaetetuba,

Cametá, Igarapé Miri), outros (12%) são oriundos de outros estados, principalmente do

Maranhão, Minas Gerais, Amapá, Rio de Janeiro e São Paulo (HYDRO, 201317).

Esta mobilidade de trabalhadores não se encerrou com o fim das primeiras

obras, mas se repetiu numa escala menor a cada nova obra instalada, desde as

fábricas de Caulim até os portos construídos recentemente pela Bunge ou em

construção pela Hidrovias do Brasil.

2.3 Peões de trecho do próprio lugar

Além da dinâmica de entrada de trabalhadores de outras partes do Brasil,

os processos de desapropriações e instalação das empresas de transformação

mineral e portuárias em Barcarena anunciavam e provocavam a transformação das

formas e relações de trabalho locais. A população ribeirinha, extrativista e pescadora,

que manteve relações de trabalho não assalariadas ou parcialmente vinculadas ao

mercado capitalista, foi forçada a conviver com o novo modelo de organização do

trabalho, como também com os migrantes que vieram em busca de emprego.

17

Dados produzidos e disponibilizados pela empresa a pedido do autor

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Parte dos moradores de Barcarena se inseriu nos fluxos de trabalhadores

que são contratados por empreiteiras para trabalhar em obras e indústrias,

inicialmente em Barcarena, depois, principalmente, fora de Barcarena.

Na maioria das famílias em Barcarena há alguém que se inseriu neste

mercado, como montadores de andaimes, eletricistas, operadores de máquinas,

caldeiras, soldadores, pedreiros, técnicos de administração (HAZEU, 2015). Trabalhar

nas empresas se tornou uma perspectiva de ascensão social, de participar do

desenvolvimento, do projeto de modernidade e uma estratégia de subsistência

familiar.

Estes membros de famílias tradicionais têm se inserido no trabalho nas

empresas, inicialmente em Barcarena, e quando “as portas se fecharam”, através de

empreiteiras com atuação nacional para trabalhar em obras fora de Barcarena. Os

principais estados de destino dos membros das famílias entrevistadas (HAZEU, 2015)

que se inseriram no mercado de trabalho como peões de trecho e também segundo os

dados do Serviço Nacional de Emprego – SINE (2014)18 são Pará, Rio de Janeiro,

Pernambuco, Amapá, Minas Gerais, Maranhão, São Paulo, Mato Grosso, Ceará e

Rondônia, Bahia, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul.

Quando comparados estes dados com o quadro do estado da origem dos

funcionários da Hydro, observa-se que os principais estados de origem de

trabalhadores inseridos na mobilidade do trabalho são os mesmos estados de destino.

As grandes obras e indústrias têm criado uma mão de obra voltada para essas

demandas, e em seguida provocam a sua circulação entre as demais obras e

indústrias no Brasil.

Os peões de trecho nas famílias tradicionais são, em geral, jovens da

segunda geração depois do início da implementação do complexo portuário-industrial-

urbanístico, que já incorporaram a perspectiva de trabalhar nas empresas como projeto

de vida, seduzidos pela proposta da modernidade e inserção no processo da

globalização econômica, cultural e social, forçados pelas novas tecnologias e pela

impossibilidade de viver conforme os modos de vida tradicionais que foram impactados

com a implantação do complexo industrial portuário e urbanístico.

18

Dados disponibilizados pelo SINE depois solicitação sobre os estados de destino de trabalhadores de Barcarena encaminhados pelo SINE Pará (2011-2013)

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Porém, nesta nova condição e caminho, eles também encontram as

contradições do mercado do trabalho capitalista, a superexploração e o desemprego,

conforme o depoimento de alguns “peões de trecho” de Barcarena.

Eu trabalhei lá como eletricista, mas ganhando como ajudante e como ajudante na carteira. Hoje meu irmão tá tomando conta de uma equipe. Ele ainda não é encarregado não classificaram ainda ele né, mas a obra tudo fica por conta dele lá (Carlos

19).

No máximo que dá é um ano, o máximo que dá de obra é um ano de elétrica porque são muitas empresas e cada empresa pega uma etapa, aí como são muitas empresas, aí encurta aí (Rivaldo). Cada noventa dias a gente ganha uma semana pra passar em casa. Eu não dei mais conta, passou quatro anos eu não dei mais conta né, porque a gente fica muito enclausurada né (Bruno). A gente de fora não, a gente trabalha direto se eu passo noventa dias lá, é noventa dias trabalhado, não descanso de segunda a sexta de sete às dez da noite, normalmente, e sábado e domingo direto é incansável. É nisso que a gente ganha dinheiro, depois do horário fazendo hora extra (Alex).

Atualmente, foi reforçada a tendência das empresas de não contratar

mão de obra local, mesmo qualificada ou classificada, em decorrência de uma lógica

de dinâmica de trabalho exigida dos trabalhadores, menos aceita por quem tem casa

e família próximas do trabalho. Trata-se de exigências apresentadas como

vantagens para o peão de trecho: “possibilidades de horas extras, turmas extras”, e

“alojamento no local do trabalho, diminuindo o tempo de viagem entre o trabalho e

local de moradia”, como formas de incrementar o salário, que somente é

ligeiramente mais alto do que no mercado local em Barcarena.

As qualificações da maioria dos trabalhadores de Barcarena são voltadas

para a implantação de obras e pouco para a fase operacional do empreendimento, o

que dificulta sua contratação. Outro fator mencionado em relação à dificuldade de

entrada no mercado de trabalho local é de que muitos empreiteiros que prestam

serviços às indústrias e portos são de outros estados e trazem suas próprias equipes

de trabalho.

Em outros setores do mercado do trabalho no Brasil esta prática também

se repete e envolve inclusive recrutamento de trabalhadores em Barcarena para o

trabalho rotineiro e exaustivo nos frigoríficos, uma das indústrias que mais contrata

trabalhadores no Brasil. A distância de Barcarena até as fábricas parece ser uma

19

Nomes fictícios

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vantagem para o regime de trabalho, que em muito parece com a realidade das

grandes obras de construção.

A empresa Sadia, por exemplo, recorre ao Sistema Nacional de Emprego

(SINE) como apoio ao seu processo de recrutamento e legitimação do regime de

trabalho. Entre 2011 e 2013, só o SINE Pará encaminhou 2.884 pessoas para

trabalhar na Sadia (SINE, 2014). A pesquisa de Fernando Heck (2013), “Degradação

anunciada do trabalho formal na Sadia, em Toledo (PR)”, mostra como a empresa se

estruturou a partir da superexploração dos seus trabalhadores.

Nas palestras de recrutamento20 da Sadia no Sine de Barcarena se

apresentaram de forma explícita a regime de exploração: os interessados ganharão

pouco, morarão em condições mínimas e controladas (oito pessoas por casa, sem

geladeira, sofá, beliches; permitido para levar apenas uma mala de tamanho médio e

duas caixas de papelão, proibido receber visitas sem autorização etc.) e terão

descontos no salário (lanche, refeição, aluguel, seguro de vida, água, energia, danos

provocados ao alojamento etc.).

3. CONCLUSÃO

No contexto das obras em todo o Brasil, o estado do Pará é o segundo

estado mais importante em termos de origem dos trabalhadores “no trecho”, só

perdendo do Maranhão (SANTOS, 2011). A contratação de forma temporária e a alta

rotatividade imprimem uma aceleração da desterritorialização desses trabalhadores e

são a base para a sua superexploração, com apoio direto do poder público. As

políticas públicas de recrutamento e de emprego (como o Sistema Nacional de

Emprego), de Segurança Pública (como a presença da Força Nacional na repressão

às manifestações dos trabalhadores), de financiamento público das grandes obras na

Amazônia e as legislações que permitem a flexibilização das relações de trabalho se

constituem como apoio governamental a esta forma de organização do trabalho.

O sistema migratório de mobilidade do trabalho criou uma dinâmica

nacional de circulação de trabalhadores contratados por períodos curtos, de seis

meses até dois anos, sob as condições de superexploração do trabalho. Barcarena é

tanto destino quanto origem desses fluxos de trabalhadores, sendo o mercado local de

trabalho cada vez mais fechado para a população local. Os peões de trecho de

20

Acompanhei uma palestra de recrutamento e entrevistei uma ex-funcionária de Sádia que tinha voltado

para Barcarena

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Barcarena se inserem na circulação pelo pais atrás das obras e empregos, mas os

ganhos desta inserção não oferecem condições para os trabalhadores e suas famílias

saírem da situação de pobreza e marginalização, enquanto as empresas lucram com

as formas de mobilidade e exploração desses trabalhadores, que “no trecho” não

encontram um lar, e em casa temem novos deslocamentos forçados.

O “peão de trecho” vive no “trecho”, onde há trabalho temporário, de alta

intensidade e exploração, na perspectiva de ganhos melhores. Ele vive em

alojamento, passa quase 24 horas e sete dias por semana no canteiro de obras, no

terreno da empresa, é completamente estranho ao contexto no qual se insere o

empreendimento, que, por si só, geralmente é uma invasão num território com

territorialidades anteriores. Ele se torna para a empresa e para o lugar onde se insere

um ser sem direito de permanecer, cuja história é desconsiderada e que vira um

uniforme de uma empresa.

A inserção totalizante de Barcarena na globalização econômica é baseada

na exploração territorial, que se traduz na inserção precária da sua população em

termos de oportunidades de trabalho e emprego; da degradação de suas condições de

vida e segurança de moradia; da passagem constante de caminhões e navios,

caminhoneiros e marinheiros, que buscam e criam em Barcarena serviços de atenção

às suas demandas diversas; da presença de trabalhadores temporários ou pendulares

de outros municípios, para quem Barcarena é somente um lugar de trabalho, de

ganhar dinheiro e de diversão descompromissada; e da saída de trabalhadores de

Barcarena para os vários cantos do Brasil, que deixam suas famílias e vivem uma

realidade familiar separada, com convivência esporádica, insegurança e saudades.

A organização da economia e mercado em termos de mobilidade do

trabalho afirma um processo clássico de rotatividade de trabalhadores, que se

deslocam de uma obra ou indústria a outra, conforme a dinâmica de recrutamento,

subcontratação e piques de demanda por trabalho. Esta dinâmica põe as pessoas em

permanente movimento, através de empreiteiras e serviços terceirizados, e as inserem

em atividades sob regime de superexploração (longas jornadas de trabalho, baixos

salários, condições de reprodução precárias), inclusive os caminhoneiros e

marinheiros. Nesta organização do trabalho não há somente alienação do trabalho,

mas também do lugar, pois ninguém é do lugar e nem da empresa, sendo

(super)explorado e posto em permanente circulação.

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BREVES REFLEXÕES SOBRE O PADRÃO DO (NEO) DESENVOLVIMENTISMO

NO BRASIL: Expressões Regionais, trabalho e produção.

Maria das Graças Osório P. Lustosa21

Raysa Besighini Santos22

RESUMO Este artigo tem por objetivo desenvolver breves reflexões sobre as tendências recentes do padrão de desenvolvimento brasileiro, frente aos ajustes estruturais e a crise do projeto neoliberal, seus impactos econômicos, sociais e políticos no mundo do trabalho e à produção em suas particularidades regionais com ênfase no Rio de Janeiro. Considera-se que o social-neodesenvolvimentismo reafirma seus propósitos de “crescimento econômico” cujo padrão capitalista dependente intensifica formas de exploração do trabalho, não alteram as desigualdades sociais e regionais nessa nova divisão nacional e internacional do trabalho.

PALAVRAS CHAVES: Desenvolvimento Regional,

Neodesenvolvimentismo, Trabalho, Direitos

ABSTRACT

This article aims to develop brief reflections on recent trends in the pattern of Brazilian development against neoliberal structural adjustment, focused on the regional dimension and its economic, political members and the world of work and production. We try to identify some particularities of this pattern in the southeast region with emphasis on Rio de Janeiro. It is considered that the model "neodesenvolvimentista" in its purpose of "economic growth" reiterates dependent capitalist pattern recreates intensifies forms of labor exploitation, but do not alter the social and regional inequalities that new national and international division of labor.

KEYWORDS: Regional Development, New developmentism, Work, Rights.

21

Doutora. Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected]

22

Estudante de Graduação. Universidade Federal Fluminense(UFF).

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I-INTRODUÇÃO:

O presente trabalho tem como objetivo desenvolver breves reflexões sobre as

tendências do padrão de desenvolvimento brasileiro, com foco na dimensão regional

frente aos ajustes estruturais e seus impactos na produção e no trabalho, vivenciados

pelo Brasil, e economias latino-americanas, forjados pelo esgotamento da agenda

neoliberal ao desenvolvimento a partir dos anos 2000. Considera-se que a crise desse

padrão de desenvolvimento23 com o advento da crise econômica de 2008, requer em

sequência um breve exame sobre seus fundamentos definido como “novo

desenvolvimentismo” ou “social-desenvolvimentismo”. Em sua dinâmica requisitada às

economias de países da América Latina aprofundam e favorecem os imperativos do

capital, como a maior abertura comercial, flexibilização dos mercados e a

desregulamentação financeira, cujas reformas institucionais, tem efeitos no trabalho,

nas relações sociais e de produção, que não se explicam, se desarticuladas de suas

bases econômicas e sócio-políticas de sustentação.

Portanto, sob o ângulo das relações do Estado, essas mudanças têm

implicações às relações sociais e de produção. A desregulamentação e a flexibilização

do papel do Estado na regulação de setores da economia e a reestruturação

institucional, se destacam à análise da crise financeira de 2008 cujos impactos se

expressam nas formas de produção, no mercado e nas formas sociais do trabalho. No

Brasil um desses impactos se expressa no aumento do desemprego nas indústrias de

transformação, face à estagnação de setores da produção. Segundo os dados da

Fundação Getúlio Vargas “o crescimento da indústria de transformação nos últimos

anos vem sendo negativo; em 2011 cresceu 1,6%, pela falta de investimentos caiu de

21,3% em 2010 para 4,75 em 2011. A insuficiência de incentivos à produção da

indústria há décadas, cresceu apenas 30%. Contudo, as esferas da comercialização e

a circulação de mercadorias cresceram no mesmo período, 120%, revelando o

aumento da importação de mercadorias, com efeitos à formação do PIB. Este em 2002

avançou apenas 2,7%, em 2013 apenas 2,3%. (LUSTOSA, 2013). Tais expressões

23

- Numa crítica aos defensores do neodesenvolvimentismo como alternativa à programática neoliberal, Sampaio nos oferece um conjunto de argumentos teórico-práticos para mostrar a similaridade entre este, com o projeto anterior. Assim, afirma que: “acima de suas diferenças e idiossincrasias de ordem teórica e prática, (...) o novo desenvolvimentismo compartilham um denominador comum: procuram uma terceira via que evite o que consideram o grave problema do neoliberalismo (...)”. SAMPAIO, 2012: 679.

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nas relações sociais e de produção colocam em questão a tese

“neodesenvolvimentista”, que projeta o aumento do “pleno emprego”, com vistas à

garantia e estabilidade econômica e financeira24.

Assim, uma das contradições da lógica de reprodução do capital, é que é

impossível negar o progresso e os avanços econômicos enquanto dinâmica que forjam

instabilidades e contradições às relações sociais e de produção. Portanto, como

articular nesse padrão de desenvolvimento, “crescimento com estabilidade”? Em que

medida essas estratégias econômicas e políticas seriam capazes de superar esse

dilema histórico da economia capitalista? Ora, o atual modelo brasileiro mostra a

intervenção dos governos com maior incentivos à inserção de segmentos dos

trabalhadores no chamado “consumo elevado”, esfera de realização e circulação de

mercadorias, apesar da desigualdade do consumo (KAMAKURA, 2013) onde 54% do

consumo advém de segmentos ricos. Outro dado importante vem sendo a queda nos

números negativos sobre a formação do PIB brasileiro de 1,1%. Mas, esta dinâmica

parece pouco suficiente para explicar o significado entre a produção de riquezas e a

sobrevivência entre condições mínimas e pontuais, ou avaliar a redução das

desigualdades sociais, regionais e da pobreza.

Portanto, uma análise sobre as particularidades desse padrão de

desenvolvimento econômico no Brasil e suas expressões regionais, no caso, o Rio de

Janeiro, nessa reestruturação do capitalismo – mostra um dos seus rebatimentos

sobre o mundo do trabalho, a exponenciação do trabalho informal nas grandes

cidades, como um parâmetro relevante à apreensão dessas tendências dos moldes

“desigual e combinado”25 do capitalismo, cujos níveis de desigualdades regionais e

sociais e entre classes sociais, advêm das formas de apropriação desigual da renda e

da riqueza. Um relatório do PNUD – Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento afirma que o Brasil como um país com o terceiro pior índice de

distribuição de renda do mundo. O IPEA mostra que há 25 anos metade da renda total

do Brasil está em mãos dos 10% mais ricos do país. E os 50% mais pobres dividem

entre si apenas 10% da riqueza nacional. (LUSTOSA, 2013), com indícios do

24

- Informações extraídas pela Rede Internet no dia 13/07/2014. Disponível no site: www.tenthesesonnew developmentalism.org/theses_portugueses 25

Para maior aproximação do debate: NOVACK, G. A Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado da Sociedade. São Paulo: Rabisco, 1988.

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crescimento das formas sociais precarizadas e informais de trabalho, e em menor

extensão o trabalho formal.

Confrontando-se a relação entre essas tendências à constituição do padrão de

desenvolvimento econômico das sociedades com base no modelo de industrialização

de países da periferia do capital como o Brasil, verificam-se certas diferenças que

advém desde a formação dos mercados. No Brasil, este fenômeno decorreu da

intensidade da elevação dos níveis de produtividade, originada da especialização

externa. Um modelo extremamente diferenciado do padrão clássico, o qual a

industrialização resultou das inovações nos processos produtivos, onde “(...) a redução

dos preços levou a substituição da produção artesanal e a formação do mercado

interno” (FURTADO, 2007). Esta concepção teórica, embora limitada à concepção de

desenvolvimento aqui exigido enquanto totalidade, a sociedade constitui um fator de

referência no desenvolvimento da economia de um país, na medida em que permite a

compreensão das formas de produção e de inserção da força de trabalho na

sociedade. Assim, o modelo de desenvolvimento brasileiro, tem mais conhecido até o

final dos anos 70,como uma industrialização baseada na “substituição de

importações”, cuja característica predominara nas análises sobre a realidade do país.

Isso se deve aos grandes investimentos via a participação de capitais internacionais,

voltado ao fortalecimento do mercado interno. Ao longo da história este padrão foi

sendo ampliado e substituído por uma economia largamente constituída pela

exponenciação das relações econômicas, comerciais e financeiras entre os capitais

nacionais e internacionais, tendo esse desenvolvimento na história cronológica

passado do regime militar, passando pelo regime democrático. Aquele foi um período

no qual intensificaram-se as políticas financeiras voltadas à abertura comercial e dos

mercados, com a expansão e a dependência de créditos externos. Fortaleceram um

modelo amplamente mais conhecido na literatura como, um capitalismo “dependente”,

“subordinado”, voltado aos interesses externos, cujos rebatimentos afetaram

negativamente, o mundo do trabalho, as formas de produção e a reprodução dos

trabalhadores, como veremos a seguir.

II – DESENVOLVIMENTO

2.1-O contexto socioeconômico brasileiro e suas implicações no mundo do trabalho.

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Na sociedade contemporânea as relações não só econômicas, mas, também,

geopolíticas entre os países capitalistas se aprofundam, especialmente, nos países da

América Latina como o Brasil, no qual a indústria passa a ser financiada desde suas

origens, em parte expressiva via créditos externos e o sistema bancário com capitais

internacionais. A cuja contrapartida disso para o país era a cobertura com divisas

decorrentes da formação dos chamados superávits de exportação26. Como afirmava

Caio Prado (1996) no Brasil, não se desenvolveu um mercado interno, pois o avanço

das forças produtivas teve maior significado à exportação, com uma produção voltada

mais para as necessidades externas. Furtado (2007) também reconhecia essa como

uma particularidade na formação dos mercados de países latinoamericanos, a

condição de países exportadores, com produtividade mais apoiada em especialização

e abastecido por importação de tecnologias, mas, sem alterações nas estruturas de

produção.

Para Sampaio (2012) o desenvolvimentismo na América Latina tem que ser

analisado segundo a ótica de crescimento econômico, no processo de substituição de

importações. No entanto o Brasil vivenciou a expansão capitalista sob o controle e

dependência do capital imperialista norte-americano, extinguindo as reformas

estruturais que estavam sendo processadas no país, fundamentando a subserviência

ao capital externo, e a segregação social nas regiões do Brasil.

Concomitante à lógica desenvolvimentista de dependência ao capital

estrangeiro destaca-se um ponto característico desta análise: os impactos dessas

reformas capitalistas relativos a intensificação da superexploração da força de

trabalho, como meio oblíquo de extração de mais valia e de valorização dos interesses

da acumulação de capitais, em diferentes períodos históricos de sua reprodução. Ora,

seja no contexto da acumulação fordista obtida pela “produção em massa”, como na

“acumulação flexível” no Toyotismo, caracterizados pela produção sobre a demanda,

os fundamentos econômicos capitalistas: a busca do lucro e da mais-valia –

resguardadas as determinações históricas específicas nesses contextos – se

reafirmam na atualidade. No entanto, é preciso considerar, os padrões de intervenção

dos governos que convergiam de modo a privilegiar os interesses da burguesia

nacional, donde o eixo focal, a industrialização, ocorrera sem integrar os critérios

constitutivos da formação socioeconômica brasileira. Segundo Plínio:

26

Termo econômico aqui entendido como dinâmica de relações comerciais em que ocorre menos importação e mais exportação de produtos.

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A relação necessária de condicionamento mútuo entre industrialização e a formação da economia nacional estava definitivamente rompida. Enfim, impugnava-se a própria noção de subdesenvolvimento como uma realidade composta pela totalidade de nexos orgânicos entre: controle da economia pelo capital internacional, latifúndio, desemprego estrutural, marginalidade social, inadequação tecnológica, heterogeneidade estrutural, estreiteza e precariedade do mercado interno, controle do Estado por burguesias aculturadas, modernização dos padrões de consumo, posição subalterna na divisão internacional do trabalho, transferência de recursos ao exterior, tendência estrutural a concentração do progresso técnico (...) (SAMPAIO, 2012, p.677- 678).

Predominam no país, os impactos desse padrão de economia

neodesenvolvimentista, que privilegia e reitera os princípios fundamentais do

neoliberalismo, aprofunda a dependência da economia nacional aos ditames do capital

financeiro internacional, submetendo os interesses do país em boa medida, às

imposições do capital financeiro. (SAMPAIO, Idem, p. 680). Assim, reitera-se uma

característica de sociedade propulsora da concentração de riquezas mantendo níveis

elevados de exploração do trabalho. Do ponto de vista teórico-análitico há que

observar o trabalho informal como um componente desse contexto econômico de

maximização do lucro, a precarização nos postos de trabalho e a supressão dos

direitos sociais, um pacote ideológico que extingue ou desmotiva a capacidade política

das lutas sociais, e dificulta a consciência crítica trabalhista da atualidade. Entre os

anos de 2011 e 2012 o contingente de trabalhadores informais no país somava 44,2

milhões, correspondendo a 22% do total da população estimada no período em

aproximadamente, 193 milhões, como informa matéria publicada em sítio eletrônico do

jornal Valor Econômico.

Lustosa (2012), apoiada em dados do IPEA, afirma que há 25 anos metade da

renda total do Brasil está em mãos dos 10% mais ricos do país. E os 50% mais pobres

dividem entre si apenas 10% da riqueza nacional. Estas disparidades revelam o país

como o quarto mais desigual da América Latina, pela distribuição. O problema é que o

atual projeto de desenvolvimento reitera certas heterogeneidades regionais ao se

mostrar pouco capaz de contribuir à superação dos níveis de desigualdades e pobreza

nas regiões, pela inexistência das reformas estruturais históricas na sociedade,

agrária, política, providenciária. Na Região Sudeste, e no Rio de Janeiro esta é uma

linha de análise potencialmente expressiva. Um breve exame sobre a chamada “crise

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do sistema produtivo”, serve como base aos governos a apostarem nas políticas

sociais assistenciais para enfrentar a fome e da pobreza no país, face aos efeitos da

crise capitalista sobre os segmentos que vivem do seu trabalho.

A nosso ver os avanços tecnológicos resultam indiscutivelmente, na

desvalorização da força de trabalho e redução desta, às necessidades da produção

capitalista. Uma pesquisa do Jornal o Globo – (suplemento especial 2013), mostra

algumas características econômicas, sociais e políticas sobre a dinâmica das relações

de produção na região Sudeste, caracterizada pela participação expressiva no PIB

nacional. Com o Produto Interno Bruto de 55,4 %, emprega 70% dos trabalhadores

brasileiros – dado que corresponde a mais de 9,7 milhões de pessoas –, o comércio

da região reúne 49% de 1,6 milhões de estabelecimentos formalmente registrados no

Brasil.

No Brasil, e em especial, no Rio de Janeiro, a bacia de Campos em Macaé

extrai 80% de todo o petróleo produzido internamente. Nos estados de São Paulo e

Minas Gerais, suas contribuições correspondem a 26,5 % do PIB nacional do campo,

caracterizando uma forte influência no agronegócio nacional. Em São Paulo sua

economia se caracteriza em grande parte, por produtos exportados: 58 % do açúcar

exportado, 81% do etanol, 95% do suco de laranja, e 40% do contingente de carne

bovina. Estas bases produtivas reiteram uma característica histórica do padrão

econômico brasileiro, ou seja, um país exportador de matérias primas, enquanto

peculiaridade de economias dependentes e subordinadas às economias centrais. O

estado de Minas Gerais também tem grande participação na produção nacional como

o aço bruto com 34%, e ocupa a segunda posição entre os maiores estados

exportadores brasileiros, com participação de 13,8% do total exportado pelo país em

2012. Por fim, constatamos que o IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal – dos quatro estados é considerado o mais alto: 0,753 – e combina

indicadores nas áreas de educação, renda e longevidade da população. Trata-se de

uma região com grande potencial à produção de riqueza.

Sob o ponto de vista do conhecimento social e do Serviço Social esses

indicadores mostram-se pouco suficientes para a compreensão das desigualdades

sociais, regionais, de renda e riqueza entre as classes cuja apreensão não deve se

reduzir a dimensão econômica e produtiva, mas, acrescentarmos indicadores sociais

importantes sobre as condições de saúde e educação, cujos parâmetros ajudam a

desvelar a realidade das desigualdades regionais e sociais, dos direitos sociais e

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humanos no Brasil. Observando-se as novas configurações desse padrão de

desenvolvimento, verifica-se uma tendência de “crescimento desigual”, embora o país

se mostre mais integrado a sociedade globalizada, mantém a característica de padrão

“desigual e combinado”, que combinam hegemonias do passado, mas que o debate

em relação a eliminação de fronteiras físico-geográficas, econômicas e políticas

regulam a dinâmica capitalista.

Portanto, se a educação e a saúde conformam setores relevantes à apreensão

das desigualdades sociais, a região Sudeste apresenta dados positivos. Segundo o

IBGE, a taxa de analfabetismo é de 4,4% entre a população com mais de dez anos de

idade. Quando considerados, os jovens entre 15 e 17 anos, o índice chega a 0,8%. No

que concerne à saúde pública, os dados da Associação de Transparência Municipal

(2012), de 2011 mostram que a região sudeste tem 496,16 milhões investidos na

saúde, o que não dispensa a importância de melhoria nas formas de gestão pública

dos governos, o repasse e aplicação de verbas, enquanto políticas de Estado

garantidas em Lei. No contexto das regiões o modelo atual no Brasil vem

apresentando níveis consecutivos de desaceleração da produção, queda do Produto

Interno Bruto, com impactos no trabalho, emprego e renda, principalmente no pós-

crise de 2008. O compromisso social desse padrão de incentivar e promover a

inclusão de segmentos na esfera do consumo como uma via capaz de minimizar os

níveis de pobreza e de renda, tem apresentado resultados inexpressivos. A este

respeito, informações sobre a esfera o aumento dos níveis de “consumo”, como um

dos fundamentos da “nova” economia de mercado Oliveira afirma que:

Em relação ao aumento do consumo nas famílias brasileiras, ocorreu um movimento oposto ao que se observou na produção, onde a indústria teve forte desaceleração ao avançar menos 0,2% - o que evidencia um descasamento entre a oferta e a demanda. Até mesmo os serviços – que estão influenciando fortemente o desempenho da economia brasileira e também da inflação – cresceu em ritmo menor, passando de 1,1% para 0,8 %. (OLIVEIRA, E, 2011.

Segundo Castelo (2010) o desenvolvimento da economia brasileira passou por

diversas etapas. Em 1930 iniciou-se a industrialização via substituição de importações,

agora, uma característica fundamental é a aliança do Estado com a burguesia

nacional: “Assim sendo, a formação econômico social brasileira foi forjada pelo

desenvolvimento desigual e combinado entre distintos modos de produção, no qual o

capitalismo detém o controle econômico, político e cultural frente aos demais.”

(CASTELO, 2012, p.620).

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Ainda segundo o referido autor o momento crucial do desenvolvimento

brasileiro deu-se nas décadas de 50-60 com a abertura para o capital financeiro

internacional no país. Após alguns períodos conturbados na política brasileira na

ditadura militar, cujo período de repressão política, apesar do intenso desenvolvimento

econômico, aprofundou as bases do subdesenvolvimento e de dependência

econômica do Brasil ao poderio econômico dos países considerados desenvolvidos,

principalmente, os Estados Unidos. No que se refere à subordinação e subserviência

do Brasil aos ditames do capital internacional, essa estratificação e subdivisão se

estenderam nas estruturas regionais do país, conforme Castelo:

O sistema capitalista criou, sincronicamente, a partir das relações de exploração e dominação entre as nações o Norte e do Sul, o desenvolvimento do centro e o subdesenvolvimento da periferia, que teria como uma das suas marcas a dualidade entre setores produtivos (indústria e agricultura) e regiões (Sudeste e Nordeste). A dependência

foi tratada como um elemento‑chave da controvérsia, e os reformistas

viram nas políticas nacionalistas de protecionismo econômico, controle cambial e restrição ao envio de lucros ao exterior uma saída para os nossos crônicos déficits na balança de pagamentos. (CASTELO, 2012, p. 622).

Como afirma Dias (2006) no que se refere ao contexto histórico-econômico

mundial é fundamental analisar as bases objetivas em que desenvolveram as

articulações político-ideológico circunstancial do modo de produção capitalista. Frente

à crise petroleira – décadas de 70 e 80 – a estrutura consensual do Welfare State que

pretendia a desconstrução politizada do coletivo, ruiu. O capitalismo em suas

estratégias articula alternativas integradas de conservação da ordem burguesa, o

neoliberalismo e a reestruturação produtiva. Nessa ordem, a dimensão política das

relações entre as classes metamorfoseiam-se em relações de integração e coalizão de

interesses, com vistas a viabilização do processo acumulativo capitalista, em

detrimento dos interesses dos trabalhadores. Em busca do referido objetivo intensifica-

se a revolução tecnológica, visando à exponenciação dos lucros, por meio de

mecanismos de dominação ideológica que falseiam a pobreza, a miséria e a exclusão

social. Por sua vez, aumentam a proteção da propriedade privada e da ordem vigente.

Ainda de acordo com Dias (2006) a reestruturação produtiva incorpora

mudanças fundamentais à compreensão desses impactos sobre o – trabalho informal

e o desemprego estrutural – ao recuar o espaço produtivo, o capital cria condições

objetivas de autonomia frente à responsabilização dos direitos trabalhistas, e ainda

originando o sofisma político libertário de autonomia individual. Combina-se a

despolitização da classe trabalhadora às pressões, pela busca de conciliação de

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interesses e o silenciamento de segmentos das classes trabalhadoras, frente às

imposições e inseguranças econômicas, eliminação de postos de trabalho. Esses

fatores de intensificam e legitimam as formas de exploração do trabalho contribuindo à

fetichização das contradições das relações sociais capitalistas.

No que se refere às mudanças nas formas de gestão administrativa da

produção conforme determinado na proposta de reestruturação produtiva, a

flexibilização dos direitos trabalhistas embutidas nas reformas estruturais fragilizam os

avanços à construção da consciência coletiva, mas, aumentam a terceirização das

atividades, reduzindo os custos relativos dos salários, expandindo e recriando novas

formas de trabalho, mas com baixos ganhos salariais e sem garantias, como na região

sudeste. Diante da revolução tecnológica o capital celebra o aumento da extração de

mais-valia absoluta. Mas do que isso, essa reestruturação produtiva implicou em

reformas por dentro das instituições públicas do Estado, dentre as quais, a

mercantilização dos serviços públicos – saúde, educação e previdência –

preconizados na Carta Constitucional de 1988 e a privatização, como um dos pilares

do neoliberalismo, criou a concepção de “consumificação”, onde todas as propostas

resolutivas para os entraves de acesso aos direitos consistem em consumi-las no

mercado, através do discurso do aumento do poder de compra. Sendo assim, a

mercantilização favorece o capital ao privatizar nas mãos dos grandes capitalistas os

serviços de maior procura, mas também, de utilizar o dinheiro público via investimento

na construção da estrutura física, transitando ao patrimônio privado com vistas a

obtenção de lucro. Assim, “O Estado deve abandonar o campo social, deve

transformá-lo em terreno de caça mercantil” (DIAS, 2006, p.51).

Como disserta Mota (2010) em suas análises sobre as reformas institucionais e

o processo de privatização, cuja flexibilização nessas relações vinham se

desenvolvendo no governo anterior e iniciando uma nova privatização, conforme

podemos verificar nos atos do presidente Lula o qual aprovou a lei das falências e a lei

das chamadas parcerias público-privado (PPP). - Lei nº 11.079, de 30 de dezembro

de 2004-.

Observando outras interpretações sobre estes aspectos, Katz (2009), destaca

a América Latina como um lugar que suporta um abismo de desigualdades sociais,

superior a qualquer parte do planeta. Portanto, os índices de desenvolvimento

econômico não correspondem ao desenvolvimento social. Assim, a crítica às políticas

de redistribuição de renda (focalizadas), evidenciam o aumento de consumo das

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famílias pobres, porém, não interferem no cerne das desigualdades, pois, a alta de

0,8% no Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de 2011 veio até melhor do

que se esperava. A indústria ficou estagnada e as importações explodiram, criando no

governo o medo concreto de desindustrialização do setor produtivo. (RIBEIRO, F,

2011)

Se tomarmos como exemplo o crescimento do PIB do Brasil, conforme dados publicados pela CEPAL, vemos que o país é o que apresenta índices que mais oscilam e são mais baixos comparados a outros países da América Latina, conforme tabela abaixo, considerando-se os anos de 2009 a 2015.

Países 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Argentina .,1 9.1 8.6 0.9 2.9 -0.2 1.0

Bolívia 3.4 4.1 5.2 5.2 6.82 5.2 5.5

Brasil -0.3 7.5 2.7 1.0 2.5 0.2 1.3

Chile -1.0 5.8 5.8 5.4 4.1 1.8 3.0

Colombia 1.7 4.0 6.6 4.0 4.7 4.8 4.3

Extraídos em julho de 2015: Relatório América Latina y el Caribe: Produto Interno Bruto. Disponíveis em las bases de la de cifras oficialesT, 2010.

Por fim, constata-se que a indústria brasileira vem apresentando quedas

contínuas na produção, quando redimensiona as formas sociais do trabalho na

produção, o contingente de trabalhadores no setor industrial na transformação de

matéria-prima é direcionado a outros setores, como o comércio informal. Essas

tendências mostram o descaso para o fortalecimento da industrial nacional por parte

dos governos nacionais que intensificam suas relações com os capitais externos, e

reafirmam a condição de um país emergente em busca de um crescimento econômico

conforme preconiza o discurso neoliberal.

III- CONCLUSÃO

Como explicitamos no início deste trabalho, a análise sobre as atuais

tendências do padrão de desenvolvimento frente ao esgotamento do padrão neoliberal

e o modelo social-desenvolvimentista mostra resultados negativos para o trabalho em

seus propósitos de modelo de sociabilidade. O Estado cada vez mais se legitima e

amplia sua intervenção nos interesses econômicos capitalistas nacionais e externos,

embora com uma atuação expressiva na cobertura aos segmentos pobres, tentando

minimizar os impactos negativos dessas políticas, mas, na esfera econômica os

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resultados são de queda do PIB e da produção industrial que permanece em 0,97%,

abaixo de 1, segundo informações do governo. Predominam o trabalho precário, a

informalidade confirmando tendências de redução expressiva desses, frente avanços

das forças produtivas, contudo, a prioridade do trabalho morto tem contrapartida, a

redução do trabalho vivo. Essas tendências se confirmam na região Sudeste, ainda

que o crescimento do trabalho informal pareça recuar nessas áreas. A pesquisa

mostra a necessidade de observarmos a dinâmica econômica do país, comparando-se

a relação entre a queda da produção industrial e o crescimento do desemprego

estrutural e a queda do Produto Interno Bruto - o PIB nacional e as estratégias do

governo para o desenvolvimento desse “modelo de crescimento”. Constata-se que os

níveis de desigualdades, e as violações de direitos humanos são expressivos,

contrariando os propósitos da nova economia de mercado que diz promover reformas

estruturais e conjunturais. O Brasil continua com uma extrema concentração da renda,

uma das piores distribuições de renda no mundo e uma longa distância entre as

classes sociais.

As transformações capitalistas e seus efeitos no mundo do trabalho e no

padrão de sociabilidade exigem cada vez mais intensificar as intervenções estatais,

contrariando os princípios neoliberais de defesa do Estado mínimo. Portanto, o quadro

atual atual é de crise desse padrão de economia capitalista, onde o Estado interventor

na gestão da pobreza, prioriza as esferas individual e assistencialista, com ênfase na

integração desses segmentos ao consumo mínimo. Desta forma, a pesquisa mostra-

se importante à compreensão da sociedade numa perspectiva de totalidade, nesse

contexto histórico de sociedades transnacionalizadas em busca de melhor apreensão

das novas expressões da Questão Social.

Portanto, o discurso “neodesenvolvimentista” do incentivo ao “consumo”

constitui a uma base de viabilização econômica, mas, evidentemente ideológica das

relações capital-trabalho. Cresce a importância de identificarmos as diferenças e

particularidades desse padrão de desenvolvimento, as desigualdades sociais e sua

relação com o grau desigual de acesso aos bens e serviços e/ou oportunidades,

elementos constitutivos da estrutura do sistema do capital. Tais fatos se expressam

nas desigualdades regionais e resultam, em boa medida, da relação de

interdependência que o sistema sócio-econômico cria para potencialização ao

desenvolvimento regional e aos interesses da acumulação.

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IV- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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anos.htm>Acesso em 30/06/2014.

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HISTÓRIA ECONÔMICA E FORÇA DE TRABALHO NA AMAZÔNIA BRASILEIRA:

notas sobre a pauperização no estado do Pará

Christiane Pimentel e Silva27

Nádia Socorro Fialho Nascimento28

RESUMO: Este artigo apresenta breves reflexões sobre a

pauperização da população amazônida. Objetiva refletir sobre

como a inserção subordinada da Amazônia ao mercado

mundial capitalista continua a (re) produzir a pauperização da

população destacando o período da economia gomífera

quando teve início a constituição de uma força de trabalho

marcada pela exploração e precarização das condições de vida

dos trabalhadores migrantes. A partir de uma revisão

bibliográfica e documental e de pesquisa de dados secundários

apresenta elementos sobre a pauperização no estado do Pará

por meio de dados de renda que reforçam a demanda por

programas sociais. Reitera ao final como a instalação de

grandes projetos, especialmente de mineração têm gerado, ao

mesmo tempo, altas taxas de lucro e a pauperização da sua

população.

PALAVRAS CHAVE: Amazônia; Economia Gomífera; Força de

Trabalho; Pauperização.

ABSTRACT: This article presents a brief reflections on the pauperization of Amazonian population. The objective is reflect on how the subordinate insertion of the Amazon region to the capitalist world market continue to (re) produce the impoverishment of the population highlighting the period of gomífera economy when began the creation of a workforce characterized by the exploitation and precarious living conditions of workers migrants. From a literature and document review and secondary data research, it presents elements about pauperization in Para state through income data that reinforce the demand for social programs. Reiterates at the end how the installation of large projects, especially mining, have generated, at the same time high profits rates and the pauperization of this population. KEY WORDS: Amazon; Gomífera Economy; Workforce;

Pauperization.

27

Mestre. Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected] 28

Doutora. Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

A inserção da região amazônica no contexto da acumulação capitalista

contemporânea, a partir de mediações particulares com o movimento do capital

internacional, (re) produz sequelas tradicionais das contradições inerentes à sociedade

capitalista. A partir delas são geradas novas e reforçadas antigas expressões da

“questão social” que assumem contornos peculiares e conduzem ao agravamento das

condições de vida da população amazônida (FIALHO NASCIMENTO, 2006).

O “modelo” de desenvolvimento historicamente adotado na Amazônia se

relaciona, em geral, às atividades extrativas e exploradoras, cujos ganhos dependem

em grande medida das condições do mercado internacional e das flutuações de

preços sendo, portanto, dependente em sua execução e origem. A dependência da

região em relação ao mercado mundial capitalista é resultado da sua inserção

historicamente subordinada àquele mercado que remonta à economia gomífera, a

partir do que os interesses em jogo estiveram (como ainda estão) também

subordinados à interesses externos à região.

Na contemporaneidade soma-se àquele quadro histórico, a ausência de

políticas públicas de trabalho, renda, educação e saúde que promovam condições

mínimas para a formação de um mercado de trabalho interno à região, submetendo

assim os trabalhadores a alternativas precárias de sobrevivência onde se destaca o

exercício do trabalho informal.

Este artigo se propõe a apresentar algumas reflexões sobre a pauperização

da população amazônida a partir da história econômica da região com destaque para

o período da economia gomífera quando teve início a constituição de uma força de

trabalho marcada pela exploração e precarização das condições de vida daquele

trabalhador. A partir de uma revisão bibliográfica e documental e de pesquisa de

dados secundários apresenta ao final elementos sobre a pauperização no estado do

Pará, onde a instalação de grandes projetos, especialmente de mineração gerou, por

um lado, altas taxas de lucro e, de outro, a pauperização da sua população.

2. FORMAÇÃO ECONÔMICA E CONSTITUIÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO NA

AMAZÔNIA BRASILEIRA

Segundo Leal (1991) a história da Amazônia pode ser dividida em 04 (quatro)

quatro grandes fases: aquela do século XVI que pode ser chamado de período

exploratório; aquela do período colonial português, que pode ser entendido entre a

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fundação de Belém (1616) e o início do império (1822); aquela do século XIX que seria

o período de vinculação da região às economias capitalistas hegemônicas; e a fase

mais recente onde aquela vinculação se se consolidou à partir da redefinição da

Divisão Internacional do Trabalho surgida no pós-segunda guerra e consolidada a

partir do golpe militar de 1964.

Durante o primeiro período as expedições à região não tinham intenção de

produção o que só veio a acontecer no segundo período, quando passou a existir uma

intenção produtiva por parte dos portugueses motivados, inclusive, pela ação de

holandeses e ingleses que já tinham começado alguma produção com o objetivo do

assentamento:

Os holandeses, principalmente, já dominando o território entre o Oyapoc e o Paru, haviam estabelecido desenvolvidas relações mercantis com os índios. Aliás, haviam ido mais adiante: além das feitorias do Xingu, em 1616 Pedro Adrianssen, com 40 colonos e famílias, não só visitou o Tapajós como fundou uma colônia entre o Gurupatuba (sítio da atual Monte Alegre) e o Genipapo (Paru), estabelecendo relações com os Supana, índios locais. A produção gerada por essa empreitada alimentou um comércio regular com o porto holandês de Fleissingue (LEAL, 1991, p. 3).

Para Leal (idem), tais intenções eram uma ameaça ao atrasado modelo

mercantilista ibérico e, por essa razão, Portugal apressou-se em demarcar presença

na Amazônia como parte de seu território e assim foi construído o Forte do Presépio

em 1616, dando origem à cidade de Belém do Pará. O sistema de cultivo colonial dos

holandeses foi substituído pelo extrativismo e a estratégia produtiva situou-se na

extração das drogas do sertão29.

Na Amazônia colonial o indígena representou a base da força de trabalho,

numericamente superior à presença negra30, em virtude, principalmente, da economia

extrativista que exigia habilidade na identificação das espécies coletadas e o

conhecimento da região. Entretanto, Silva (2012) enfatiza que o trabalho escravo de

indígenas e de africanos coexistiu, distinguindo-se apenas nas atividades

desenvolvidas. Nesse período, a produção da Amazônia esteve ligada aos produtos

naturais da região como, cacau (nativo), canela do mato, urucum e outros produtos

29

Drogas do sertão eram os produtos nativos do Brasil que eram vistos como especiarias na Europa e eram constituídos por: Baunilha, Canela, Castanha, Cravo, Guaraná, Pau-cravo, Pimenta e Urucum. 30

Nos períodos exploratório e colonial a economia extrativista esteve assentada no trabalho escravo do índio (drogas do sertão). Os colonos portugueses só vieram em número significativo em 1670 e os negros africanos foram introduzidos, aos pouco, a partir de 1682. Para conhecimento não só da presença como também da importância do negro na Amazônia, em especial no estado do Pará, ver a variada obra do historiador paraense Vicente Salles, em especial “O Negro no Pará sob o regime da escravidão”, reeditado pelo Programa Raízes através do Instituto de Artes do Pará/IAP no ano de 2005.

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como tabaco, açúcar e café, que eram direcionados para a exportação e geração de

divisas para a coroa.

Os produtos exportados da região eram comercializados diretamente com a

Coroa portuguesa e a Tabela a seguir permite verificar a movimentação dos principais

produtos da Amazônia em direção à Portugal no período de 1800 a 1818.

TABELA 1 – Principais produtos exportados do Grão-Pará para Portugal, 1800-

1818.

Ano Ordem Principais produtos

Participação (%)

1800

1º Cacau 48,57 2º Algodão 18,25 3º Arroz 12,29 4º Café 3,43

1810

1º Cacau 55,92 2º Arroz 44,61 3º Algodão 6,31 4º Café 2,36

1818

1º Cacau 33,03

2º Arroz 24,56

3º Algodão 16,79

4º Café 3,33 Fonte: Adaptado de Machado (2006, p. 350-352).

A partir dos anos 1850 a exploração do látex teve grande incremento, dando

origem ao ciclo da borracha que se tornou um dos principais produtos de exportação

da Amazônia. No período de 1879 a 1912 o movimento socioeconômico do ciclo

econômico da borracha configurou-se como um momento ímpar na formação histórica,

social, cultural e econômica da região Amazônica31. Se por um lado a economia

gomífera possibilitou grandes lucros32 - no que ficou conhecido como o boom da

borracha -, por outro lado produziu profundas alterações na formação do trabalho livre

na região33.

31

Uma dessas transformações disse respeito ao embelezamento de Belém e Manaus segundo os padrões europeus e que ficou conhecido como Belle Époque que, para Oliveira (1999) foi um período em que a riqueza produzida na Amazônia provinha tanto da borracha, como do sangue dos seringueiros estes predominantemente nordestinos. 32

Segundo Santos (1980) a participação da borracha nas exportações brasileiras passou de 10% em 1870, para 20% em 1890, chegando a 40% em 1910, sendo que nos anos de 1898 a 1908, a borracha amazônica compensou o declínio do café.

33 Em 1853, entrou em vigor a Lei Eusébio de Queirós, proibindo o tráfico de escravos entre África e

Brasil. A Inglaterra, se interessou em suprimir o trabalho escravo no Brasil por motivos econômicos.

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Segundo relata Santos (1980) a Amazônia respondeu de forma rápida à

procura mundial pela borracha devido a um condicionante técnico: a introdução do

navio a vapor em 1853. O autor explica que o governo central temia uma investida

estrangeira na região, pois o argumento principal das empresas dos países

imperialistas era de que a Amazônia não deveria ficar fechada para o progresso e a

humanidade tinha o direito de usufruir das riquezas e possibilidades científicas que a

região podia proporcionar34. Para ocupar economicamente a região e integrá-la à onda

de progresso que o país experimentava no começo dos anos 1850 uma das medidas

foi, contraditoriamente, a entrega da navegação do Amazonas ao setor privado.

Até o aumento efetivo da demanda mundial pela borracha (1870) o trabalho

de extração do produto ainda era feito pelos tapuios35 e índios escravizados logo,

qualquer aumento na demanda da borracha exigia mais trabalho daquela mão de obra

escrava. Veríssimo (1892, p. 178 apud por Santos, 1980, p. 63) afirma:

Além do índio brasileiro, semi-selvagem ou já meio civilizado (tapuio) e do descendente o mameluco, empregava-se na extração da borracha os índios das regiões estrangeiras limítrofes, bolivianas ou peruanas, dos quais se faziam verdadeiros descimentos quais os das épocas coloniais. Se a escravidão negra quase havia desaparecido da Amazônia na época da emancipação geral dos escravos, com ela existia concomitante a escravidão índia que, afirmo, continua depois dela a existir […] Aí o índio e o tapuio (que é o índio já entrado em nossa civilização e completamente afastado da vida selvagem) são ainda e muitíssimas vezes escravos. Como tal surrados, como tal vendidos (menos o instrumento público), como tal doados ou traspassados, sem consulta à sua vontade, de patrão a patrão […] De 1878 em diante os seringais foram invadidos pelos “retirantes” cearenses, acossados pela seca […] Hoje são o tapuio e seus descendentes e o cearense que fazem essa extração.

Em 1872, a demanda mundial da goma elástica crescia mais intensamente

que a oferta e os altos preços continuariam em virtude do processo de vulcanização36

e produção da indústria automotiva que desencadeariam para a região, junto com a

construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré a partir de 1909, uma intensa

34

O historiador Arthur Reis em um dos capítulos de sua obra A Amazônia e a cobiça internacional. São Paulo: Editora Nacional, 1960, narra a história de como a abertura do Amazonas se tornou importante e tal campanha foi dirigida por um oficial da marinha norte-americana de nome Fontaine Maury. Em muitos dos seus artigos de jornal e inclusive em um livro lançado com grande sucesso, o oficial Maury descrevia fantasiosamente sobre um paraíso de matérias-primas escancarando suas observações tipicamente imperialistas. 35

É o nome dado ao índio retirado de sua cultura e inserido nos valores “civilizados” do homem branco. 36

Na Europa a dissolução da goma com terebentina permitiu sua utilização em variados produtos, fazendo surgir as primeiras fábricas de borracha. Mas foi nos Estados Unidos que diversos experimentos solucionaram problemas técnicos (a borracha era um elemento pegajoso) e o produto ganhou destaque no processo produtivo.

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migração de estrangeiros e nordestinos37. No caso destes últimos contribuíram de

forma expressiva para a economia da borracha e Santos (1980) afirma que, se em

1870 havia 322.909 habitantes na região, esse número chegou a 1.217.024 residentes

em 1910.

Com o auge da borracha, a partir de 1879, ocorreu a integração direta da

Amazônia ao circuito internacional de acumulação. Neste momento, a demanda

internacional possibilitou o surgimento de uma nova elite econômica, transformando as

capitais amazônicas, particularmente Belém e Manaus, em centros financeiros e

comerciais por meio das casas aviadoras, além da dinamização dos transportes para

facilitar o escoamento da produção.

A burguesia local, subsidiária à esfera internacional, constituiu-se através do

sistema de aviamento38: os seringueiros (produtores diretos) endividavam-se

antecipadamente com os patrões, na medida em que precisavam suprir-se de

alimentos e equipamentos para permanecer vários dias na mata e extraírem a

borracha (LEAL, 1991). Dessa forma, o sistema de aviamento formou uma cadeia de

relações socioeconômicas que, segundo Alves (2006), ligava vários intermediários até

o produtor direto, numa espécie de sistema de crédito, que supria os estabelecimentos

comerciais (firmas aviadoras) que operavam em Belém e em Manaus e, por sua vez

buscavam financiamento nos bancos. Ainda segundo Aramburu (1994), o

funcionamento do sistema de aviamento não poderia subsistir sem o auxílio creditício

do capital financeiro39.

A criação de uma classe de indivíduos destituídos dos meios de subsistência

foi obtida por meio da destruição do pequeno produtor40, ou seja, o produtor

independente é submetido integralmente ao serviço da extração. De acordo com

Oliveira Filho (1979) em seu apogeu, o modelo de seringal assumiu elevada

37

A partir de meados do século XVII a economia açucareira no Nordeste, entra em decadência. 38

De acordo com Alves (2006, p. 66), aviar designa o fornecimento de mercadoria a crédito em que o comerciante (o aviador) “[…] antecipa o fornecimento de bens de consumo e instrumentos de trabalho ao produtor que, por sua vez, efetua o pagamento da dívida contraída através de produtos extrativos e agrícolas”. O autor acrescenta ainda que (2006, p. 67): “Dadas as características da região, como a distância e o isolamento entre os povoados e os centros consumidores, o difícil acesso aos locais de coleta, aliados à escassez da moeda, consolidou-se o 'aviamento'”. 39

Santos (1980, p. 159-160), demonstra a cadeia do aviamento no século XIX, em que bens de consumo, instrumentos de trabalho e dinheiro eram fornecidos a crédito (sempre com uma margem de “juros extras”), em que as principais beneficiárias (no cume da cadeia) estavam as firmas exportadoras (de Belém e de Manaus) e na base do rebaixamento do preço local da borracha estava o extrator (“aviado” ou “freguês”), que restituía a dívida contraída com a produção extrativa. Esquematicamente a cadeia é composta por: Mercado Internacional – Casas “aviadoras” e exportadores – “Aviadores” de 1ª Linha –“Aviadores” de 2ª Linha – Extratores. 40

Para Oliveira Filho (1979), a supressão da condição camponesa pode se caracterizar pelo desaparecimento do status de indivíduo autônomo e seu enquadramento em uma condição subordinada.

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produtividade, com a força de trabalho predominantemente nordestina e isolada em

meio à floresta do que decorreu, inclusive, o abandono da agricultura. Segundo Santos

(1980) o extrativismo foi um sistema que, por sua própria natureza, reduz o capital fixo

a um mínimo indispensável e não dinamiza o desenvolvimento das forças produtivas.

Na prática, é essencialmente um tipo de coleta em que o seringueiro percorre a

floresta realizando sucessivos cortes e instalação de recipientes para o recolhimento

do látex durante muitos dias.

Em relação à propriedade de terras essa não excluía as terras livres – em

parte explicada pela precária ou inexistente autoridade local – de modo que a barreira

entre proprietários e não proprietários se estabeleceu pela “posse de capital

necessário à organização de uma 'exploração' e a montagem de um seringal”, ou mais

propriamente, do controle dos meios de comercialização e de financiamento da

produção (OLIVEIRA FILHO, 1979, p. 132, grifo do autor). Em um contexto de

escassez de capital e de rudimentares técnicas de produção, o aviamento produziu

relações meramente verbais que funcionavam regularmente, estabelecendo relações

de caráter social que possibilitava a noções de “fidelidade” e “ajuda”, como explica

Aramburu (1994, p. 2):

O grande enigma que a maioria dos autores encontrava no aviamento era a formação de uma moralidade especial, aquela que liga o patrão ao freguês mediante poderosos laços de fidelidade e deveres morais mútuos. A fidelidade comercial do freguês é um termo de uma relação cujo outro termo são as obrigações morais que os patrões têm para com seus clientes em casos de dificuldade. A relação entre o comerciante e o freguês é uma relação social central na vida do interior amazônico, pois não só possibilita a existência de produção mercantil mas constitui relação de poder sujeita a uma moralidade que dispõe prescrições morais de ajuda aos fregueses em casos de perigo (doenças, carestias etc.) em troca de uma relação comercial monopolista. Um elemento concomitante dessa relação de fidelidade e reciprocidade era a política eleitoral. Em grande medida as cadeias aviadoras traduziam-se literalmente em sistemas de apoio eleitoral dos políticos. A compreensão da relação de mútua fidelidade demanda uma etnografia detalhada dos efeitos e sentidos dessa relação comercial na experiência vivida dos sujeitos.

A reprodução destas relações sociais no sistema de aviamento possibilitou a

construção e o desenvolvimento de ideologias e práticas que, de um lado

dissimulavam as exigências da produção capitalista, numa tentativa de minimizar

conflitos e tensões populares. De outro lado, consolidavam as noções de “ajuda”, de

tutela e/ou de clientelismo, que de maneira geral, reclama uma reciprocidade moral

obrigatória entre uma figura que assume conotação pessoal e atua como

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representante e/ou mediador no acesso a serviços elementares e o público usuário

que é compelido a retribuir o “favor” na forma de gratidão, lealdade ou prestação de

serviços.

No período de 1912 a 1945, ocorreu a estagnação da economia da borracha

pela concorrência do sudeste asiático41, ao que o governo brasileiro respondeu

estabelecendo o Plano de Defesa da Borracha em 1912 e a “Batalha da Borracha” em

1942 a partir da assinatura dos Acordos de Washington42. No período compreendido

entre 1946 e 1964, foi elaborado um programa de desenvolvimento para a Amazônia

sob a coordenação central da Superintendência do Plano de Valorização Econômica

da Amazônia (SPVEA). Para Alves (2011, p. 80) as primeiras políticas elaboradas pelo

SPVEA visavam superar o extrativismo: “a) complementando a economia nacional

com a produção de matérias-primas; b) produzindo bens para a própria necessidade,

substituindo as importações; e c) uma nova relação entre rural (agrícola) e urbano

(industrial e comercial)”.

Durante os governos militares (1964-1984) a Amazônia foi cenário de projetos

de intervenção estatal que sob o discurso da modernização, deram início à instalação

dos chamados grandes projetos43 na região. Na década de 1970, no contexto de mais

uma crise capitalista44 ocorreu a reestruturação da indústria mundial de alumínio e a

Amazônia Oriental foi alvo da instalação de indústrias de alumínio primário com

produção concomitante à exploração das reservas de bauxita:

41

A expansão da economia gomífera chegou a representar 40 % das exportações brasileiras o que gerou uma concorrência externa ao produto por parte, especialmente, da Inglaterra que tinha na borracha um insumo vital para a manutenção da sua liderança no mercado capitalista. Através de uma funcionário britânico sementes da borracha foram contrabandeadas e plantadas nas colônias tropicais inglesas alcançando sucesso em relação ao extrativismo praticado na Amazônia. Isso desarticulou toda a economia gomífera gerando décadas de profunda decadência na região (LEAL, 2010). 42

O principal fornecedor da goma elástica aos Estados Unidos (EUA), antes de sua entrada na 2ª Guerra Mundial em 1941, era a Malásia (colônia britânica), invadia em 1942. Em março de 1942, os Acordos de Washington foram assinados entre Brasil e EUA, assegurando o fornecimento do látex pela Amazônia e dos minérios de ferro de Minas Gerais, necessários a indústria bélica. Esses acordos foram determinantes para a implantação do Projeto Siderúrgico Brasileiro, criando a Companhia de Siderúrgica Nacional (CSN) e a Companhia Vale do Rio Doce, bem como foram criadas diversas agências e estruturas administrativas para viabilizar o cumprimento dos Acordos, como por exemplo o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA) e o Banco de Crédito da Borracha (BCB). 43

Segundo Leal (1996, p. 10) a expressão grande projeto “surgiu na Amazônia da década de 1970 para designar os empreendimentos-enclaves que operam retirando recursos naturais em grande quantidade, mandando-os para fora”. Para o mesmo autor os precursores dos Grandes Projetos na Amazônia foram o Projeto Ford, no Rio Tapajós, na década de 1920 e o Projeto ICOMI, no Amapá, na década de 1940. 44

A crise econômica internacional da década de 1970 que impulsionou a desvalorização do dólar e a crise do petróleo teve como consequência, o aumento da taxa de juros americana, levando ao endividamento e ao estrangulamento da economia brasileira a partir da década de 1980, conhecida como Crise Fiscal e Financeira ou Crise da Dívida, que tornou obsoleto o modelo de desenvolvimento anterior.

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Como parte desses esforços, criou-se, em 1973, a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte), com a finalidade de viabilizar a implantação de usinas capazes de aproveitar o potencial hidroelétrico da região, tarefa indispensável para a transformação industrial da alumina em alumínio. Assim, logo após a sua criação, a Eletronorte assumiu a coordenação da construção da Usina Hidroelétrica de Tucuruí. […] Na década de 70 do século XX, consolidou-se, em 1978, a Albras, uma associação entre a CVRD [Companhia Vale do Rio Doce] e a substituta da LMSA [Light Metals Smelters Association], a Nippon Amazon Aluminiun Corporation (NAAC), que representava um

consórcio, mais amplo, que envolvia 33 empresas e o próprio Estado nacional japonês, que participou com 49% do empreendimento, cabendo o restante à empresa brasileira (MONTEIRO, 2007, p. 89).

Para Fialho Nascimento (2006), a lógica de atração do capital externo impôs

para a Amazônia projetos de desenvolvimento do governo federal que incluíram uma

Política de Incentivos Fiscais, a construção de rodovias (Transamazônica, Perimetral

Norte, Santarém-Cuiabá, Belém-Brasília e Manaus-Porto Velho) e, especialmente, os

grandes projetos industriais45.

3. RIQUEZA E PAUPERIZAÇÃO NA AMAZÔNIA CONTEMPORÂNEA: o estado do

Pará em foco.

Carneiro (1989) afirma que, de maneira geral, passaram a existir dois

modelos industriais na Amazônia: um constituído por pequenas e médias empresas

voltadas para a produção regional e outro oriundo do processo de industrialização dos

Grandes Projetos na região. Estes Grandes Projetos se caracterizam como: a)

“enclave de importação” com parque industrial de montagem de componentes

comprados no exterior, como é o exemplo da Zona Franca de Manaus e b) “enclaves

industriais” mínero-metalúrgicos voltados para a exportação, como são exemplos a

ALBRÁS, Projeto Ferro-CVRD e ALUMAR dentre outros.

Segundo o mesmo autor estes empreendimentos “enclaves” atendem às

necessidades de exportações brasileiras, mas não absorvem as amplas camadas das

populações locais. Se no Brasil o mercado regular de trabalho desde sua formação

nunca chegou a abranger metade da população ativa existente, o que dizer do

mercado de trabalho na Amazônia onde a economia centrada na exploração mineral

45

Leal (1996, p. 10) para explica que a expressão grande projeto: “surgiu na Amazônia da década de 1970 para designar os empreendimentos-enclaves que operam retirando recursos naturais em grande quantidade, mandando-os para fora”.

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produz um duplo movimento: de um lado expropria a população dos seus meios de

produção e, de outro, não absorve essa força de trabalho “liberada”46.

As expressões da questão social na Amazônia se revelam, entre outros, nos

dados de renda da sua população. Tomando o exemplo do estado do Pará apesar da

excepcional produção de riqueza pela via da exploração mineral, dados dos Censos

Demográficos de 1991, 2000 e 2010 indicam que a pauperização de sua população

tem apresentado um tímido recuo se comparado aos dados nacionais. Enquanto o

Brasil apresentou percentuais de 18,64%, 12,48% e 6,62% de pessoas extremamente

pobres nos anos de 1991, 2000 e 2010, no estado do Pará essa relação foi de

26,43%, 22,89% e 15,90% para os mesmos períodos.

Esses dados indicam a dependência de um considerável contingente da

população paraense dos principais programas de transferência condicionada de renda

como o Programa Bolsa Família (PBF)47 o que pode ser comprovado pelos dados do

Censo Demográfico 2010 e do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), segundo

os quais 35,04% das famílias paraenses participam do PBF.

4. CONSIDERAÇÕES (IN) CONCLUSUVAS.

As políticas desenvolvimentistas adotadas pelo Brasil a partir da década de

1950, apoiadas na expansão da industrialização na perspectiva de superar a condição

de país “subdesenvolvido” objetivavam investir no desenvolvimento econômico de

“pólos estratégicos” na tentativa de aumentar as exportações e ainda reduzir

drasticamente as importações.

Esse modelo de desenvolvimento, à exemplo de outros momentos históricos,

(re) produziu expressões da “questão social” na particularidade da Amazônia brasileira

uma vez que os objetivos desejados atendem às necessidades do grande capital e

não às necessidades da população trabalhadora. A maioria dos empregos de carteira

assinada criados no Brasil estão na região sudeste, que concentra mais da metade de

todos os postos de trabalho do país, enquanto na outra extremidade encontra-se a

região norte, com o menor número de empregos regulamentados. A destinação da

46

Os estudos de Hazeu (2015) sobre o município de Barcarena indicam que as empresas de mineração ali instaladas, além de não criarem empregos suficientes, não absorvem a população do município que se vê forçada a sobreviver no mercado informal. 47

De acordo com a Lei nº 10.836/2004, o PBF se destina a famílias com renda mensal per capita de até ½ salário mínimo, consideradas famílias pobres.

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Amazônia como área de recursos naturais estratégicos para o suposto

“desenvolvimento” do país, através do reforço à economia voltada ao setor primário

exportador gera altos lucros ao capital mas não reverte esses lucros (e nem poderia

em se tratando da sociedade do capital) na garantia mínima de proteção social aos

trabalhadores. Esses processos produzem o aumento do trabalho informal e a

conseqüente demanda por políticas sociais que possam confrontar essa realidade de

pauperização e desigualdade social na Amazônia brasileira. Isso explica o número

expressivo de famílias que buscam os programas e serviços sociais institucionalizados

pelo governo federal à exemplo do PBF.

O forte teor ideológico neoliberal de focalização, de redução dos gastos

sociais e de responsabilização do indivíduo pelo seu “insucesso” esvaziado de

historicidade, em conjunto com ausência de um movimento reflexivo e crítico acaba

por constituir uma espécie de naturalização social dessa condição. No caso das

regiões historicamente marcadas pela exploração da natureza e do homem, como é o

caso da Amazônia, aquela ideologização pode conduzir, no limite, a identificar a

pobreza da região como resultante de aspectos culturais próprios de sua gente.

REFERÊNCIAS

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