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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO PATRICK VIEIRA O CRIME PERMANENTE E A DENÚNCIA ANÔNIMA: A ENTRADA DO AGENTE POLICIAL NO DOMICÍLIO DO SUSPEITO FLORIANOPÓLIS- SC 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS

    CURSO DE GRADUAO EM DIREITO

    PATRICK VIEIRA

    O CRIME PERMANENTE E A DENNCIA ANNIMA: A

    ENTRADA DO AGENTE POLICIAL NO DOMICLIO DO

    SUSPEITO

    FLORIANOPLIS- SC

    2014

  • PATRICK VIEIRA

    O CRIME PERMANENTE E A DENNCIA ANNIMA: A

    ENTRADA DO AGENTE POLICIAL NO DOMICLIO DO

    SUSPEITO

    Trabalho de Concluso apresentado ao

    Curso de Graduao em Direito da

    Universidade Federal de Santa Catarina,

    como requisito para obteno do ttulo de

    bacharel em Direito.

    Orientador: Prof. Dr. Alexandre Morais

    da Rosa

    FLORIANPOLIS SC

    2014

  • AGRADECIMENTOS

    Todas as pessoas que de alguma forma acreditaram e me apoiaram na realizao

    desse sonho e me auxiliaram neste trabalho sabem disso, e se no sabem, algo pelo qual

    eu pretendo lhes agradecer o tempo todo, pois so pessoas que tem grande importncia

    na minha formao e seriam demais para nomina-los aqui. Desse modo, agradeo:

    Ao Professor e orientador Alexandre Morais da Rosa, pelo apoio, ateno,

    presteza e tempo que disponibilizou para me ajudar na realizao do presente trabalho.

    Desse modo, no h palavras que expressem minha gratido.

    Em especial minha Esposa, Juliana Teixeira Quinaud, por me apoiar na alegria

    e na tristeza, de forma incondicional;

    A minha filha Laura Quinaud Vieira, por mostrar o quanto o amor inimaginvel

    e me desculpar pelos momentos em que no me fiz presente;

    Minha me, Lcia Helena Nunes pelo amor e dedicao;

    Obrigado.

  • RESUMO

    O ponto de partida um problema decorrente da prtica diria do servio policial,

    decorrente de prises em crimes permanentes.

    No incomum no servio policial o agente se deparar com o recebimento de

    denncias de informantes particulares ou at mesmo de moradores das comunidades, que

    incomodados com o trfico de drogas no seu bairro resolvem expor a situao, pedindo

    uma soluo por parte dos policiais sem que para isso precisem se expor.

    A partir dessas denncias e consequentes prises que surge a discusso em torno

    do crime permanente (trfico de drogas), ou seja, os policiais poderiam ou no ingressar

    no domiclio sem mandado judicial, violando em tese um preceito constitucional, apenas

    imaginando que ali se guardavam entorpecentes.

    A maior parte da jurisprudncia dos tribunais, inclusive o TJSC, STJ e STF

    sustentam que em crime permanente, a exemplo o trfico de drogas, o agente policial no

    precisa de mandado judicial, no viola o domiclio do suspeito preso e no contamina a

    prova apreendida.

    Outro ponto a ser destacado a violao ou no do princpio constitucional da

    inviolabilidade do domiclio e a responsabilizao penal, civil e administrativa que o

    policial pode ou no sofrer em virtude da interpretao dada pela autoridade judicial.

    Desse modo o que se busca discutir aqui se numa hiptese de crime permanente

    o policial para efetuar prises e apreender coisas, basta que tenha uma denncia annima

    ou mera suspeita ou preciso que tenha elementos suficientes de convico, ou seja, que

    tenha certeza.

    A importncia do tema atual por se tratar de um problema prtico enfrentado no

    dia a dia policial e que tem repercusso na privao de liberdade de um nmero

    considervel de pessoas.

    Por fim, o mtodo adotado no presente trabalho foi o mtodo indutivo. A tcnica

    utilizada foi a de pesquisa bibliogrfica, juntamente com pesquisa jurisprudencial no

    Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justia, Tribunal de Justia de Santa

    Catarina, Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.

    Palavras-chave: Agente policial, Denncia annima, Crime permanente,

    Flagrante, (In) violabilidade do domiclio, Trfico de drogas.

  • SUMRIO

    INTRODUO.................................................................................................................6

    1 GUERRA CONTRA AS DROGAS, INFLUNCIA LEGISLATIVA, LEI DE

    DROGAS, ART. 33 .......................................................................................................... 8

    1.1 GUERRA CONTRA AS DROGAS NOS ESTADOS UNIDOS E SUA

    EXPORTAO PARA AMRICA LATINA ............................................................. 8

    1.2 INFLUNCIA LEGISLATIVA NO BRASIL ................................................ 11

    1.3 LEI 11.343/06 E SEU ART. 33 ....................................................................... 15

    2 O CRIME PERMANENTE, PRISO EM FLAGRANTE, DENNCIA

    ANNIMA E TRFICO DE DROGAS ....................................................................... 19

    2.1 A PRISO ....................................................................................................... 19

    2.2 A PRISO EM FLAGRANTE ........................................................................ 23

    2.3 AS PECULIARIDADES DO FLAGRANTE .................................................. 25

    2.4 A PRISO NO CRIME PERMANENTE ....................................................... 27

    2.5 AS DENNCIAS ANNIMAS RECEBIDAS PELA POLCIA ................... 30

    2.6 O COMRCIO DE DROGAS NAS COMUNIDADES E A VALIDADE DA

    DENNCIA ANNIMA ........................................................................................... 31

    3 A PROBLEMTICA DO CRIME PERMANENTE.............................................. 38

    3.1 O QUE DIZ A JURISPRUDNCIA DOMINANTE NOS TRIBUNAIS ....... 38

    3.2 A INVIOLABILIDADE DO DOMICLIO ..................................................... 50

    3.3 O POSSVEL ABUSO DE PODER ................................................................ 55

    3.4 O QUE DIZ A CORRENTE MINORITRIA ................................................ 57

    CONCLUSO.................................................................................................................64

    BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................66

  • 6

    INTRODUO

    O presente estudo monogrfico est dividido em 3 captulos que tem por objetivo

    tratar sobre tema do crime permanente e a denncia annima: a entrada do agente policial

    no domiclio do suspeito.

    No primeiro captulo do presente trabalho ser feita uma abordagem simplificada

    sobre a questo da guerra s drogas nos Estados Unidos da Amrica, ou seja, como iniciou

    o processo de represso ao uso e depois ao trfico de drogas, iniciando nos Estados

    Unidos e na Organizao das Naes Unidas, com uma forte legislao penal e que foi se

    expandindo pelo mundo, atingindo de maneira direta a Amrica Latina, apontado como

    ponto do problema do trfico por ser uma grande fonte de produo de drogas em geral.

    Dito isso, analisar-se- a influncia das polticas internacionais antidroga no Brasil

    que iniciou o ciclo de combate as drogas e culminou no crescente processo de

    criminalizao do traficante inimigo e do toxicmano e que resultou depois de muitos

    anos na Nova Lei Antidrogas n. 11.343/06. Essa lei em seu art. 33, o qual tipifica a

    conduta do crime de trfico de drogas, composto de 18 verbos nucleares, os quais iro

    interessar os verbos que tem carter permanente como por exemplo ter em depsito,

    guardar, trazer consigo, transportar.

    No segundo captulo, ser feita uma anlise da Lei 11.343/06 e o art. 33, que

    possui verbos de carter permanente, passaremos ento a problemtica do crime

    permanente que aquele em que a conduta do agente se protrai no tempo, possibilitando

    a priso em flagrante de quem quer que esteja praticando aquela conduta descrita. Tal

    problema surge na medida que nos crimes de trfico de drogas comum que a polcia e

    seus agentes recebam denncias annimas de locais casas em que se escondem drogas

    ou aonde realizam a venda dessas substncias. Da surge a questo, em se tratando de

    denncia annima, se ser possvel ou no, a entrada da polcia para a priso dos agentes

    e das drogas no domiclio apontado como local de trfico, ou se ao entrar para realizar a

    priso, essa seria invalida por estar constituda somente com base em denncia annima

    e por consequncia estaramos diante da violao direitos e garantias assegurados na

    Constituio Federal.

    No terceiro captulo, ser expresso o que entende a jurisprudncia dominante nos

    tribunais do nosso pas com algumas decises colacionas que explicitam o entendimento

    que nos crimes de trfico, mesmo que baseados em denncias annimas, se a polcia

  • 7

    logrou xito em constatar a situao, a priso vlida e os policiais no incorreriam em

    abuso e nem as provas estariam contaminadas. Tambm ser expresso o entendimento da

    corrente minoritria sobre as prises realizadas com base em denncia annima nos

    crimes permanentes que apontam em sentido contrrio ao senso comum dos tribunais,

    buscando uma posio garantidora dos direitos e garantias fundamentais do cidado

    reprimido pelo Estado, tendo por consequncia a invalidao dos atos praticados pelo

    rgo repressor.

    Por fim, o mtodo adotado no presente trabalho foi o mtodo indutivo. A tcnica

    utilizada foi a de pesquisa bibliogrfica, juntamente com pesquisa jurisprudencial no

    Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justia, Tribunal de Justia de Santa

    Catarina, Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.

  • 8

    1 GUERRA CONTRA AS DROGAS, INFLUNCIA LEGISLATIVA, LEI DE

    DROGAS, ART. 33

    1.1 GUERRA CONTRA AS DROGAS NOS ESTADOS UNIDOS E SUA

    EXPORTAO PARA AMRICA LATINA

    A guerra s drogas tem se tornado uma caada implacvel em todo o mundo,

    principalmente nos Estados Unidos da Amrica, onde as agncias estatais tentam

    combater a todo custo o trfico e o uso de drogas de uma populao cada vez mais viciada

    em substncias consideradas ilegais pelo governo. A principal fonte que alimenta o

    mercado norte americano e outros pases, inclusive o Brasil, so a Colmbia e Mxico

    com cartis gigantes entranhados no seio da sociedade, conhecidos pelo poder econmico

    e poltico e como no poderia deixar de ser, tambm muito violentos, trao caracterstico

    nesse mercado das drogas1.

    Essa histria de combate as drogas tm por objetivo preencher um espao vazio

    ps guerra fria. No h mais comunistas e a unio sovitica para se ter como inimigos, o

    que ir combater a maior potncia globalizada do mundo? Substituir um inimigo externo

    e por um inimigo interno as drogas deste modo os americanos difundiram a guerra s

    drogas para preencher essa lacuna, justificando a represso penal e o exerccio do poder

    hegemnico sobre os pases perifricos.2 Esse livro, narra a histria americana da dcada

    de setenta, em que os Estados Unidos comeam a difundir a sua poltica de guerra s

    drogas, disseminando de forma progressiva, o discurso jurdico-poltico de exportao

    legislativa na questo de drogas, alm de suas fronteiras. Pressionando a amrica latina,

    mercado exportador de entorpecentes, inclusive o Brasil, a legislar sobre drogas de forma

    semelhante.3

    1 CONDE MARTIS, Mrcio Andr. A Geopoltica da Drogas nas Amricas e a Poltica Antidroga Brasileira. RIDB, Ano 2 (2013), n 14. p. 17165-17176; DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio

    de Janeiro: Revan, 1990. 2 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 44-45. 3 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 44-45, 47-48.

  • 9

    Mas a caa a bruxa das drogas pelos americanos se torna mais forte na dcada de

    80, quando lanado um discurso transnacional de atribuio do problema ao trfico e

    no mais ao usurio. Os pases vitimados, entre eles os Estado Unidos, acusam os pases

    perifricos (Colmbia, etc) de semear essa desgraa das drogas, trazendo tona o

    problema do trfico internacional e tratando isso como assunto de segurana nacional.

    Nesse contexto, est posto o inimigo interno ou externo, dependendo do contexto,

    utilizando desse argumento os americanos poderiam enfrentar o problema da imigrao

    de colombianos em seu pas, que na poca eram a maioria.4 Nas palavras do autor Nils

    Christie:

    Na prtica, a guerra contra as drogas abriu caminho para a guerra

    contra as pessoas tidas como menos teis e potencialmente mais perigosas da

    populao, aquelas que Spitzer chama de lixo social, mas que na verdade so

    vistas como mais perigosas que o lixo. Elas mostram que nem tudo est como

    devia no tecido social, e ao mesmo tempo so uma fonte potencial de

    perturbao.5

    As agncias antidrogas americanas ajudam e interferem nesses pases citados

    acima, para combater, em escala militar tais cartis, com ajuda financeira na cifra de

    milhes, com aparato de inteligncia, espionagem, equipamentos e armas para as foras

    armadas e policiais, fazendo do traficante um verdadeiro inimigo do estado e do direito

    penal.

    No Brasil, como no poderia ser diferente, o trfico e o consumo de substncias

    entorpecentes tem aumentado vertiginosamente, causando medo e insegurana na

    populao, pois essa mquina droga-violncia vulgariza o que se chama de crime

    organizado, homicdio, roubos e furtos e a indstria da corrupo, assim como outras

    condutas antissociais.6

    O reflexo desse combate as drogas pelas policias reflete diretamente na vida das

    pessoas, principalmente as camadas menos favorecidas que so atingidas cotidianamente

    pela violncia, pobreza, tem suas famlias separadas em virtude do crcere, e so

    4DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 59 5CHRISTIE, Nils. A indstria do controle do delito. A caminho dos GULAGs em estilo ocidental.

    Traduo por Luis Leiria. So Paulo, Forense, 1998. p. 65. 6 ROSA ALMEIDA, Paula da: A poltica criminal Antidrogas no Brasil: Tendncia deslegitimadora do

    Direito Penal, disponvel em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11927-11927-1-

    PB.htm

  • 10

    utilizadas como mo de obra barata e descartvel pelo dito crime organizado e por fim,

    tem uma srie de direitos e garantias violados, que na verdade deveriam ser assegurados

    pelo Estado.

    Mas observando esse perodo no Brasil e no mundo o emprego de todo esse

    aparato; dinheiro e vidas humanas tem sido pouco ou nada eficiente. A escalada da

    violncia continua sempre a atingir as mesmas pessoas, os mesmos lugares, e o que

    realmente interessa no contido, grandes traficantes e lavadores do dinheiro sujo do

    trfico no so penalizados, pois talvez no interessem a indstria do crcere.7

    O nico brao do Estado utilizado nesse combate rduo, incessante o brao

    policial, a poltica criminal nos ltimos anos tem se resumido a prises. No se v o

    Estado a oferecer outras alternativas mais atraentes a essa massa da populao, quando

    se observa de dentro de uma viatura policial o ambiente de pobreza ali instalado, deduz-

    se que daquele ambiente, tem um ciclo vicioso de pobreza e dio, em que se vende para

    comer, consumir, ostentar o que a indstria oferece. Sendo assim a alternativa daquelas

    pessoas para atingirem tais objetivos se entregarem no sistema do trfico que oferece

    retorno imediato.

    Temos ento, o que podemos chamar de inimigo do direito penal, do autor alemo

    Gunher Jakobs8, guardadas as propores e as peculiaridades do Brasil, temos o traficante

    de drogas moderno, sujeito perseguido e oprimido pelo Estado o qual suprime de direitos

    e garantias de determinada massa de indivduos, autores de crimes graves, perigosos e

    por isso desconsiderados. Com o recrudescimento da legislao penal a partir da dcada

    de 80 at hoje e a inflao legislativa, a criminalizao de condutas no cessa, seguindo

    uma linha de eficincia, de atuao policial, judicial e de prisionalizao de um sistema

    j fracassado. Como observam Alexandre Morais da Rosa e Thiago Fabres:

    () no atual estado da arte ocorre uma inflao abusiva e banalizadora do

    Direito Penal, mediante a criminalizao excessiva da vida cotidiana e, de

    outro lado, uma flexibilizao abusiva das garantias processuais, atendendo-

    se, dentre outros fatores, aos custos do Sistema de Controle, bem como aos

    anseios polticos da maioria.9

    7 CHRISTIE, Nils. A indstria do controle do delito. A caminho dos GULAGs em estilo ocidental. Traduo por Luis Leiria. So Paulo, Forense, 1998. p. 65. 8 JACOBS, Gunther. CANCIO MELI, Manuel Direito Penal do Inimigo. Org. e trad. Andr Luis Callegari, Nereu Jos Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed.,2005. 9 MORAIS DA ROSA, Alexandre; CARVALHO, Thiago Fabres de. Processo Penal Eficiente e tica da Vingana: Em Busca de Uma Criminologia de No Violncia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 4.

  • 11

    O eficientismo penal moderno (recrudescimento do Estado Penal com novos tipos

    penais e seu endurecimento como resposta ao aumento da criminalidade) uma forma de

    direito penal de emergncia10 ou seja, uma doena crnica que afetou nosso direito

    penal.11 Esse eficientismo se expande segundo o autor devido a uma crise dupla que pode

    ser identificada pela crise do sistema econmico derivado da globalizao e da conduo

    neoliberal do mercado e do outro lado o fracasso dos sistemas representativos que no

    so capazes de atender e mediar os conflitos vindos do seio social. E a resposta que se

    oferece para tudo isso o direito penal como prima ratio para a soluo dos conflitos.12

    1.2 INFLUNCIA LEGISLATIVA NO BRASIL

    O impacto da transnacionalizao da poltica antidrogas no Brasil deu incio a um

    regime belicista propriamente dito de combate ao traficante-delinquente, logo aps o

    Golpe Militar de 1964 com a aprovao da Conveno nica de Entorpecentes de 1961,

    pelo Decreto 54.216 de 27 de Agosto de 1964. Tal conveno tinha no seu prembulo

    objetivos como a necessidade de manuteno da sade fsica e moral da civilizao, sendo

    que a toxicomania considerada como perigo social e econmico para a humanidade.

    Tais princpios e objetivos definidos na Conveno nica de 1961 alm de demonizar

    e causar pnico previam o projeto de uma poltica internacional de combate ao trfico e

    tratamento dos viciados.

    Depois da aprovao da Conveno nica de 1961, foram aprovadas no Brasil

    diversas matrias sobre drogas, acompanhando todo o ritmo internacional de represso

    aos entorpecentes. Inicialmente foi Editado o Decreto-Lei 15913 que disps sobre

    substncias capazes de determinar dependncia fsica ou psquica dando a eles o mesmo

    10 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergncia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. 11 BARATTA, Alessandro. Defesa dos direitos humanos e poltica criminal. Discursos sediciosos. Rio de Janeiro. n. 3, p. 57-69, 1 semestre 1997. 12 PILATI, Rachel Cardoso, 2011 apud BARATTA, Alessandro. Defesa dos direitos humanos e poltica

    criminal. Discursos sediciosos. Rio de Janeiro. n. 3, p. 57-69, 1 semestre 1997 13 Decreto-Lei n 159, de 10 de Fevereiro de 1967. Dispe sobre as substncias capazes de determinar

    dependncia fsica ou psquica, e d outras providncias. Disponvel em www.planalto.gov.br, acesso em

    16/06/14.

    http://www.planalto.gov.br/

  • 12

    tratamento dos entorpecentes e aumentando o rol de proibies relacionados a substncias

    proibidas, ou seja, uma luta entre o bem e o mal.14

    No ano seguinte, em 1968 alterado o art. 281 do Cdigo Penal, atravs do

    Decreto n.385/68 que incluiu alguns verbos no tipo penal de trfico e matria prima da

    droga entre as substncias, e acabou por igualar a pena do usurio ao do traficante

    reproduzindo a lgica repressiva internacional, visto que anteriormente o mesmo artigo

    possibilitava a descriminalizao judicial do uso.15

    Em 29 de Outubro de 1971, entrou em vigor a Lei 5.726 que alterou o rito

    processual dos crimes relacionados a drogas, como por exemplo a medida de

    recuperao dos infratores viciados, tambm alterou a regra de expulso de

    estrangeiros, como tambm colocou os crimes de uso e trfico de drogas na categoria dos

    relativos a segurana nacional. As penas desses tipos penais tambm foram aumentadas

    de 06 meses a 02 anos para 01 a 06 anos de recluso para ambos.16

    O Brasil continuou seguindo a poltica internacional de combate as drogas,

    incorporando convnios internacionais e fortalecendo a poltica de combate as drogas,

    criando seu inimigo interno. Chega-se ento ao ano de 1976, quando entra em vigor a

    Lei n. 6.368 que passou a regular a matria sobre drogas. A nova lei ficou estruturada da

    seguinte maneira; a norma possua 47 artigos divididos em cinco captulos intitulados I

    Da preveno; II Do tratamento e da recuperao; III Dos crimes e das penas; IV

    Do procedimento criminal; V Das disposies gerais17

    Essa nova legislao, como no poderia ser diferente para a poca, veio a ser mais

    dura, iniciando com as penas que aumentaram de 01 a 05 anos (5.276/71) para 03 a 15

    anos (6.368/76). Foram acrescentados novos verbos (como remeter, adquirir,

    prescrever) ao caput do artigo 12, assim como foi acrescentado a figura de apologia

    ao crime no inciso III do 2 do art. 12. Houve diferenciao entre traficante (art.12) e

    14 Sobre a legislao que antecedeu o modelo blico de poltica criminal, ver: BATISTA, Nilo. Poltica

    criminal com derramamento de sangue. Revista Brasileira de Cincias Criminais, p. 129; CARVALHO,

    Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, 5 ed. Ampliada e atualizada. A poltica criminal de

    drogas no Brasil: do discurso oficial s razes da descriminalizao. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010. p.

    13-17. 15 CARVALHO, Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, 5 ed. Ampliada e atualizada. A poltica

    criminal de drogas no Brasil: do discurso oficial s razes da descriminalizao. Rio de Janeiro: Lumen

    Juris. 2010. p.16 16 Artigo 23 da Lei 5.726/71. CARVALHO, Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, 5 ed.

    Ampliada e atualizada. A poltica criminal de drogas no Brasil: do discurso oficial s razes da

    descriminalizao. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010. p 17 17 BRASIL. Lei 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispe sobre medidas de preveno e represso ao trfico

    ilcito e uso indevido de substncias entorpecentes ou que determinem dependncia fsica ou psquica, e d

    outras providncias Disponvel em www.planalto.gov.br acesso em 06/05/14.

    http://www.planalto.gov.br/

  • 13

    usurio (art.16), sendo que a pena passou a ser a de privao de liberdade, podendo atingir

    de 06 meses a 02 anos, ou seja, aconteceu um aprofundamento da represso.

    A figura de associao para o trfico (art.14) passou a ser autnoma, punida com

    uma pena de 03 a 10 anos. O Resultado prtico dessa poltica antidrogas se resume numa

    poltica criminal desigual entre usurio-dependente e o traficante-delinquente, pois

    enquanto viciados da classe mdia encontrados com pequena quantidade de drogas eram

    enquadrados no art.16 o jovem pobre, em situao idntica era tratado como traficante

    (art.12) ficando marcado para toda a vida.18

    Nas palavras de Rachel Cardoso Pilati19:

    O que se aplica, nesse caso, o que Ledio Rosa de Andrade chama

    de direito penal diferenciado: as diferenciaes feitas pela lei entre usurio

    e traficante levam a um cotidiano forense penal nada igualitrio, e, bem ao

    contrrio, discriminador, parcial, repressor dos economicamente mais fracos,

    ressalvadas raras excees. O direito penal diferenciado, tambm nesse caso,

    seguido de uma hermenutica diferenciada do texto legal

    Aps alguns anos, j em 1988 com a aprovao de uma nova Constituio em 05

    de Outubro de 1988 e da ruptura com o regime militar, marcando uma transio

    democrtica, a poltica de combate as drogas no perderam seu carter blico/repressivo

    da poca da ditadura militar, ao contrrio continuou restringindo direitos dessas camadas

    reprimidas.

    Como assevera o artigo 5, inciso XLIII, que a lei considerar crimes

    inafianveis e insuscetveis de graa ou anistia a prtica da tortura, o trfico ilcito de

    entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles

    respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-los, se omitirem ou

    seja, a Constituio Federal de 1988 restringiu direitos claramente, impossibilitando uma

    srie de garantias ao traficante-inimigo.

    18 BATISTA, Vera Malaguti. Difceis ganhos fceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio

    de Janeiro: Revan, 2003, que estudou a criminalizao por drogas da juventude pobre do Rio de Janeiro

    entre 1968-1988. 19 PILATI, Rachel Cardoso, 2011 apud ANDRADE, Ledio Rosa de. Direito penal diferenciado, p. 55.

  • 14

    Outro exemplo do autoritarismo a Lei a Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes

    Hediondos) que impede uma variedade de benefcios (anistia, graa, indulto e liberdade

    provisria) aos condenados pelos crimes nela previstos, incluindo nela o trfico de

    drogas.20

    Quem esperava que a transio do regime militar para uma democracia, inclusive

    com uma nova Constituio, inovadora e asseguradora de diversos direitos e garantias,

    houvesse um abrandamento no tratamento nas matrias referentes a represso s drogas

    se enganou, aquele aspecto militar continuou sendo transmitido para as polticas de

    segurana pblica e para a legislao penal em geral.

    O Brasil continuou se alinhando internacionalmente atravs dos meios jurdicos

    para a cooperao internacional (com a ratificao da conveno de Viena de 1988) para

    o combate as drogas.21

    Desse perodo em diante vrias legislaes foram sendo implementadas diante a

    necessidade de reforma da Lei 6.368/76, at a implementao da Lei 11.343/06 que vigora

    atualmente e tem no seu art. 33, o foco do presente trabalho monogrfico. Esse nova Lei

    em nada mudou os discursos criminais, mdico-jurdicos e polticos-jurdicos pregados

    pela Conveno de Viena de 1988, mantendo-se a forte represso e discurso de

    eliminao do traficante (inimigo interno) e suavizando a resposta penal ao usurio,

    tratando-o como uma patologia.22

    A mesma lei (11.343/06) mantm o carter blico/repressivo de combate as

    drogas, permitindo a supresso de direitos e garantias fundamentais, alm da violao da

    declarao universal de direitos. De vista percebesse o aumento da pena mnima de 03

    para 05 anos de recluso, isso sem contar as possibilidades de aumento de pena, tendo em

    vista as qualificadoras da lei, podendo chegar at o mximo previsto de 15 anos. O caput

    do art. 33 por sua vez dificulta a verificao do incio da execuo, inviabilizando a

    tentativa, visto que existem no ncleo do tipo 18 verbos.23

    20 BRASIL. Lei 8.072 de 25 de julho de 1990. Dispe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5,

    inciso XLIII, da Constituio Federal, e determina outras providncias.20 Disponvel em

    www.planalto.gov.br acesso em 06/05/14. 21 BRASIL. Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Conveno Contra o Trfico Ilcito de

    Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas. Disponvel em www.planalto.gov.br acesso em 06/05/14. 22 CARVALHO, Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, A poltica criminal de drogas no Brasil:

    do discurso oficial s razes da descriminalizao. 5 ed. Ampliada e Atualizada. Rio de Janeiro: Lumen

    Juris. 2010. p. 68. 23 PILATI, Rachel Cardoso, 2011 apud BRASIL. Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema

    Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para preveno do uso indevido,

    ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas; estabelece normas para represso

    http://www.planalto.gov.br/http://www.planalto.gov.br/

  • 15

    No mesmo parmetro segue o art. 35 da mesma Lei, inserindo uma nova

    modalidade de quadrilha, composta por duas pessoas, e tambm uma nova modalidade

    que o financiamento e custeio do trfico. No art. 44 da Lei h a proibio de concesso

    de sursis, graa, indulto, anistia, liberdade provisria e de substituio da pena privativa

    de liberdade por restritiva de direitos. No art. 28 continuou criminalizando a conduta de

    posse para consumo pessoal, deixando apenas de puni-la com pena de priso, mas

    impondo outras medidas como prestao de servios, admoestao verbal e

    comparecimento programa ou curso educativo.24

    1.3 LEI 11.343/06 E SEU ART. 33

    A intitulada nova lei de drogas (11.343/06) surge com a finalidade de organizar e

    normatizar o problema social das drogas existente no Brasil. Seus objetivos de represso

    e preveno tem por objetivo acabar com a insegurana gerada pelas leis anteriores (Leis

    6.368/76 e 10.409/02). Tal lei reflete o brilho nos olhos dos defensores da lei e da ordem,

    que promovem o medo e a insegurana social, num mundo obtuso de vises libertarias.25

    Como trabalhado nos tpicos anteriores as pessoas envolvidas com as drogas

    (usurios/dependentes/ traficantes) so tratados como inimigos pela sociedade e por

    consequncia o tratamento penal ser o mesmo, ou seja, um cidado diminudo em seus

    direitos e garantias. Essa faceta se mostra bem agasalhada na Lei 11.343/06 no que se

    refere ao substancial aumento da pena privativa de liberdade para o traficante, a criao

    de novos tipos penais e a vedao de direitos contemplados na Constituio Federal.26

    Das diversas figuras penais existentes no nosso ordenamento jurdico, uma das

    que mais causa polmica e controvrsia como se verifica o delito de trfico de drogas,

    previsto na Lei 11.343/06, mais especificamente seu art. 33, caput:

    CAPTULO II

    produo no autorizada e ao trfico ilcito de drogas; define crimes e d outras providncias. Disponvel

    em www.planalto.gov.br acesso em 06/05/2014. 24 PILATI, Rachel Cardoso, Direito penal do inimigo e poltica criminal de drogas no Brasil: Discusso

    de modelos alternativos - Dissertao de Mestrado: UFSC 2011, p.85. 25 BIZZOTTO, Alexandre. RODRIGUES, Andria de Brito. Nova Lei de Drogas, Comentrios Lei

    11.343/06. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p. ix. 26 CARVALHO, Salo de. A poltica criminal de drogas no Brasil, p. 68.

    http://www.planalto.gov.br/

  • 16

    DOS CRIMES

    Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar,

    adquirir, vender, expor venda, oferecer, ter em depsito, transportar, trazer

    consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer

    drogas, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com

    determinao legal ou regulamentar:

    Pena - recluso de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500

    (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

    1o Nas mesmas penas incorre quem:

    I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expe

    venda, oferece, fornece, tem em depsito, transporta, traz consigo ou guarda,

    ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com determinao

    legal ou regulamentar, matria-prima, insumo ou produto qumico destinado

    preparao de drogas;

    II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorizao ou em desacordo

    com determinao legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em

    matria-prima para a preparao de drogas;

    III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a

    propriedade, posse, administrao, guarda ou vigilncia, ou consente que

    outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em

    desacordo com determinao legal ou regulamentar, para o trfico ilcito de

    drogas.

    Trata-se de uma figura penal de tipo misto alternativo, pois descreve variadas

    formas de realizao que resultam numa nica figura tpica, qual seja, trfico de drogas.

    O artigo prev a configurao da conduta em 18 verbos possveis descrevendo condutas

    que podem ser praticadas de forma isolada ou sequencial.

    O objetivo jurdico da lei penal a proteo do bem jurdico, que no caso desta

    lei, a proteo sade pblica, com o fito de evitar a disseminao ilcita e descontrolada

    das drogas, que podem levar a uma destruio moral e efetiva das bases da sociedade,

    colocando milhares de pessoas, principalmente a massa miservel em situao de risco

    social, fsico ou da sua sade. Importante notar que no h unanimidade entre os autores

    no que se refere ao bem jurdico tutelado; definio fundamental sobre a legitimidade do

    Estado intervir sobre a vida das pessoas. Alguns afirmam que existem vrios bens

    jurdicos tutelados na lei de drogas, como por exemplo; incolumidade pblica, vida,

  • 17

    sade, famlia, integridade fsica e at segurana nacional. Outros autores apenas

    indicam exclusivamente a sade pblica, que o tema da Lei 11.343/06.27

    No que se refere a natureza jurdica, no se exige o dano concreto, o perigo

    presumido de forma absoluta. Utilizando-se os argumentos acima, temos ento um tipo

    penal de perigo abstrato, bastando uma mera conduta que se subsuma em um dos 18

    verbos previsto no artigo da lei. Diz-se que no pode deixar o Estado de reprimir a

    conduta, pois caso ocorra, suas consequncias seriam devastadoras no tecido social. A

    temos toda uma justificativa que embasa a guerra contra as drogas, ou seja, eliminemos a

    sua forma embrionria para evitar que se espalhe.

    Algumas condutas so instantneas, outras, so permanentes, ou seja, se

    prolongam no tempo, como por exemplo guardar, ter em depsito, trazer consigo e expor

    venda. Tal definio de suma importncia para a compreenso e entendimento das

    divergncias das jurisprudncias que implicam diretamente na prtica da atividade

    policial. Pois na medida que os verbos guardar (proteo), o ter em depsito

    (armazenar), o trazer consigo (portar) e o transportar que caracterizam o tipo

    permanente tem distino importante dos tipos instantneos na medida que esse a

    consumao ocorre rapidamente ensejando um flagrante rpido; ao contrrio do que

    acontece nos tipos permanentes, visto que a consumao se protrai no tempo ( continuo),

    enquanto a pessoa estiver com a droga possibilitar a priso em flagrante, inclusive dentro

    de casa sem a necessidade do respectivo mandado.28

    Outro ponto importante a destacar que a Lei de Drogas constitui norma penal

    em branco, ou seja, necessita de complementao por meio de Portaria do Poder

    Executivo, mais especificamente a SVS/MS (Vigilncia Sanitria/Ministrio da Sade)

    344 de 12 de maio de 1998. As substncias ali especificadas constituem elemento

    descritivo do tipo pela possibilidade de percebe-las atravs dos sentidos. No caso, a falta

    de autorizao, desacordo com determinao legal ou regulamentar veem a constituir o

    elemento normativo jurdico do tipo.29

    Outra dificuldade que se encontra na lei de drogas a dificuldade de se distinguir

    entre o crime do art.33 e o crime do art. 28, devido ao fato das condutas nucleares do tipo

    27 BACILA, Carlos Roberto. RANGEL, Paulo. Comentrios Penais E Processuais Penais Lei de

    Drogas, Lei 11.343/06, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p.83-84. 28 BACILA, Carlos Roberto. RANGEL, Paulo. Comentrios Penais E Processuais Penais Lei de

    Drogas, Lei 11.343/06, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p.90. 29 BACILA, Carlos Roberto. RANGEL, Paulo. Comentrios Penais e Processuais Penais Lei de Drogas, Lei 11.343/06, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p.91.

  • 18

    em ambos artigos serem os mesmos (adquirir, guardar, ter em depsito, transportar e ter

    consigo). A diferena pontual encontra-se na finalidade uso pessoal da droga, art. 28,

    portanto caber ao julgador analisar a contextualizao ftica e delinear o caminho mais

    claro e correto para tomar uma deciso. O 3do art, 28, da lei de drogas, auxilia na jogada

    do operador do direito que deve levar em conta natureza da substncia, a quantidade de

    droga apreendida, o local onde se desenvolveu a conduta tpica, a dinmica em que se

    desenvolveu a ao criminosa, as circunstncias sociais e pessoais do acusado, assim

    como seu modo de vida, a sua conduta e por fim seus antecedentes, respeitado as regras

    constitucionais de presuno de inocncia.30

    Falando ainda do usurio, na nova lei de drogas, para mascarar a ampliao

    punitiva do traficante, o legislador maquiou, adoou uma imagem de avano com a

    despenalizao do consumo para o uso. O que na verdade nada mais que uma cortina

    de fumaa que mantem o proibicionismo e perpetua o controle social. No se quer aqui

    maquiar os problemas sociais das drogas e sua poltica de represso, mas o que no se

    pode utilizar de mecanismos que violam direitos e garantias dentro de uma democracia,

    ampliando a discricionariedade e o poder punitivo.31

    No caso deste trabalho, a conduta que ir nos interessar a dos verbos que tem

    carter permanente adquirir, guardar, ter em depsito, transportar e ter consigo. Essas

    condutas tm importncia na medida que se relaciona diretamente com vrios casos de

    prises realizados pelas polcias, em que a droga est escondida dentro de residncias e o

    meio que a polcia usa para realizar essas prises e apreenses se do por denncias

    annimas. Passaremos ento ao captulo segundo.

    30 BIZZOTTO, Alexandre. RODRIGUES, Andria de Brito. Nova Lei de Drogas, Comentrios Lei

    11.343/06. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p. 62. 31 BIZZOTTO, Alexandre. RODRIGUES, Andria de Brito. Nova Lei de Drogas, Comentrios Lei

    11.343/06. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 p.x.

  • 19

    2 O CRIME PERMANENTE, PRISO EM FLAGRANTE, DENNCIA

    ANNIMA E TRFICO DE DROGAS

    2.1 A PRISO

    A palavra priso origina-se do latim prensione, que vem de prehensione

    (prehensio, onis), que significa prender.32

    Todos os dias, seja em noticirios, jornais, na atividade judicial, policial ou as

    vezes mesmo sob nossos olhos a aclamada ou repugnante priso. Mas pergunta-se de

    onde ela veio, qual a aplicao e previso legal.

    Do Cdigo de Processo Penal de 1941 temos a fundamentao abaixo:

    Art. 282 - exceo do flagrante delito, a priso no poder efetuar-

    se seno em virtude de pronncia ou nos casos determinados em lei, e mediante

    ordem escrita da autoridade competente.

    Art. 283 - A priso poder ser efetuada em qualquer dia e a qualquer

    hora, respeitadas as restries relativas inviolabilidade do domiclio.

    Visualiza-se que esses artigos no descrevem as espcies de priso possveis

    limitando ao que descreve o artigo transcrito.

    Com a alterao de 2011, temos a Lei n 12.403 que alterou os artigos citados

    acima:

    Art. 283. Ningum poder ser preso seno em flagrante delito ou por

    ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciria competente, em

    decorrncia de sentena condenatria transitada em julgado ou, no curso da

    investigao ou do processo, em virtude de priso temporria ou priso

    preventiva. (Alterado pela L-012.403-2011)

    1 As medidas cautelares previstas neste Ttulo no se aplicam

    infrao a que no for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena

    privativa de liberdade. (Acrescentado pela L-012.403-2011)

    32 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, 2. ed. Niteri - RJ: Impetus, 2012, p. 1168.

  • 20

    2 A priso poder ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora,

    respeitadas as restries relativas inviolabilidade do domiclio.

    Diferentemente do Cdigo de Processo Penal de 1941, a regra regula as espcies

    de priso no mbito criminal, chamada de priso penal.

    Como pode-se observar o termo priso na nossa legislao utilizado para referir-

    se a pena privativa de liberdade, a captura em virtude de mandado judicial ou flagrante

    delito, ou ainda, por fim o recolhimento a estabelecimento prisional destinado a

    custdia.33

    No que interessa ao processo penal, a priso tem previso legal no art. 5, inc.

    LXI. A priso prevista na Constituio deve ser entendida como privao da liberdade

    de locomoo, com recolhimento ao crcere, seja em virtude de flagrante delito, ordem

    escrita e fundamentada da autoridade judiciria competente, seja em face de transgresso

    militar ou por fora de crime militar prprio, definido em lei.34

    Por ora apesar da divergncia da doutrina quanto a nomenclatura, diviso,

    natureza, espcies, fins e qualidade o nosso ordenamento trs espcies de priso: a priso

    extrapenal (civil e militar), priso penal (priso penal ou pena) e a priso cautelar,

    provisria, processual ou sem pena que tem como subespcies a priso em flagrante, a

    preventiva e a temporria.35

    No h de se esquecer a histria da priso que decorrem desde os tempos antigos

    que com o desenrolar dos sculos buscou substituir a vingana privada.

    Assim, sobre a histria das penas:

    A histria das penas aparece, numa primeira considerao, como um

    captulo horrendo e infamante da histria da humanidade, pior ainda que a

    prpria histria dos delitos. Isso porque o delito constitui-se, em regra, numa

    violncia ocasional e impulsiva, enquanto a pena no: trata-se de um ato

    violento, premeditado e meticulosamente preparado. a violncia organizado

    por muitos contra um36

    A pena como conhecemos hoje, era desconhecida na antiguidade. O crcere, a

    privao da liberdade servia apenas para assegurar a sentena e execuo da pena, pois

    33 Constituio Federal de 1988, art. 5, inc. LXVI; e Cdigo de Processo Penal, art. 288, caput. 34 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, 2. ed. Niteri - RJ: Impetus, 2012, p. 1168. 35 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, 2. ed. Niteri - RJ: Impetus, 2012, p. 1169. 36 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66.

  • 21

    ests quase sempre terminavam com a morte ou castigos fsicos infamantes. A funo

    primordial da priso nessa poca, era a de custodiar e torturar as pessoas. 37

    A esse respeito:

    As penas dessa poca medieval resumiam-se a barbaridades como

    amputao de braos, pernas, olhos, lnguas e outras mutilaes como

    podemos observar nos museus que apresentam os instrumentos utilizados

    naquela poca.38

    Foi no perodo da inquisio que a priso cannica surgiu como o embrio do que

    conhecemos como as nossas prises modernas, a priso processual e preventiva. nesse

    perodo que se encontra o princpio da pena medicinal que tinha o objetivo de purificar

    o pecador, de faz-lo se arrepender de suas maldades e melhorar como pessoa.39 A esse

    respeito:

    Nos sculos XVI e XVII as penas mais utilizadas eram aquelas

    barbaras que causavam sofrimento psquico ou fsico, que acabavam por

    muitas vezes em morte. A pena capital acabou por ficar banalizada e passou a

    ser colocada em dvida na medida que no solucionava o problema do

    aumento da criminalidade. A partir desse ponto que inicia a ideia de priso

    como pena privativa de liberdade40

    Com a ineficcia da utilizao de penas e castigos violentos que ao invs de

    combater a criminalidade s causava mais violncia, ficando deveras banalizada,

    mudanas foram necessrias, permitindo certa evoluo ou mudana no seu modo de

    operar. Logo, iniciam a construo de prises com o objetivo de corrigir o apenado

    atravs do trabalho e disciplina, ou seja, nada melhor que aproveitar aquela mo de obra

    excedente e controlar a fora de trabalho diante do sistema capitalista que aflorava.41

    Lopes, Jr. Assevera que:

    Destaca-se que o surgimento do Direito Penal no nasce como

    evoluo, seno como forma de negao da vingana privada, da no h de se

    37 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 38 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 39 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 40 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 41 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66.

  • 22

    falar em evoluo histrica da pena de priso. No se trata de continuidade,

    seno descontinuidade. A pena no est justificada pelo fim da vingana, seno

    pelo de impedir por completo a vingana. No sentido cronolgico, a pena

    substituiu a vingana privada, no como evoluo, mas como negao, pois a

    histria do Direito Penal e da pena uma longa luta contra a vingana42

    A evoluo da pena passa ao longo do tempo de uma reao coletiva dos membros

    de determinada sociedade contra aquele transgressor da convivncia social. A origem

    dessa reao basicamente religiosa e aos poucos vai se transformando em civil. Da

    que por se tratar de vingana coletiva, no se pode confundir com pena, pois so

    fenmenos distintos na medida que a vingana implica liberdade, fora e disposio

    individual e a pena, exige a existncia de poder organizado.43 A esse respeito se extrai a

    passagem abaixo:

    Com a evoluo da estrutura e da organizao da coletividade, surge,

    o sistema de composio, sucedneo vingana, e consiste no pagamento de

    um determinado valor comunidade. No princpio, eram os parentes das

    vtimas que tinham o direito de aplicar essas sanes e aceitar os pagamentos.

    Depois o Estado acabou assumindo essa tarefa44

    Dessa forma, como o Estado passa a concentrar o poder de punir e aplicar penas,

    comea a interessar o processo penal na medida em que se busca afastar o desejo da vtima

    e outras pessoas de vingar-se do transgressor, o Estado na verdade se fortalece com esse

    fenmeno e passa a graduar as reprimendas conforme a transgresso realizada.45

    Esse estgio de evoluo a que passa a pena caracterizado como pena pblica

    imposta pelo poder estatal, o delito est previsto no ordenamento jurdico firmado pelo

    Estado e a pena uma reao do Estado contra a vontade do indivduo. No h mais o

    carter de vingana pessoal, mas sim a atuao do Estado via autoridade, por um juiz

    imparcial e limitado pela lei.46 Nesse sentido:

    O Estado como ente jurdico e poltico, chama para si o direito e

    tambm o dever de proteger a comunidade e inclusive o prprio delinquente.

    42 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.65. 43 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.65-66. 44 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.66. 45 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.66. 46 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.66.

  • 23

    A medida que o Estado se fortalece, consciente dos perigos que se encerra a

    autodefesa, assumir o monoplio da justia, produzindo-se no s a reviso

    da natureza contratual do processo, seno tambm a proibio expressa de os

    indivduos de tomar a justia por suas prprias mos. A relao entre o

    processo e a pena correspondente s caractersticas de meio e fim. Assim nasce

    o processo pena47

    Nesse sentido, passa-se a analisar a priso em flagrante e suas peculiaridades, que

    sero importantes para compreenso do estudo monogrfico.

    2.2 A PRISO EM FLAGRANTE

    Em razo da etimologia do termo flagrante, do latim flagrare (queimar) e

    flagrantes (ardente, abrasador, que queima), a doutrina costuma definir priso em

    flagrante como a deteno do indivduo no momento de maior certeza visual do crime.

    Esse conceito contudo no abarca todas as hipteses de flagrante. Priso em flagrante,

    portanto, aquela efetuada nas hipteses legalmente previstas tal como descreve-se

    abaixo.48 Como assevera Morais da Rosa49:

    A priso em flagrante a exceo necessidade de ordem escrita e

    fundamentada da autoridade judiciria (CR, art. 5, LXI, CPP, art. 283). Pode

    ser realizada por qualquer do povo (facultativa) e por autoridade policial e seus

    agentes (obrigatria), nos termos do art. 301 do Cdigo de Processo Penal.

    priso realizada antes do incio da partida processual e no prende por si,

    demandando controle jurisdicional. Logo, vinculado expressamente s

    hipteses legais

    O flagrante justifica-se para impedir a continuidade da prtica criminosa. A

    previso da priso em flagrante est no Art. 302 do Cdigo de Processo Penal e seus

    incisos que regulam as peculiaridades de flagrante que falaremos logo abaixo:

    47 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.64-66. 48 BONFIM, Edilson Mougenot, Curso de Processo Penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 315. 49 MORAIS DA ROSA, Alexandre, Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos, Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2013, p. 123.

  • 24

    Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

    I - est cometendo a infrao penal;

    II - acaba de comet-la;

    III - perseguido, logo aps, pela autoridade, pelo ofendido ou por

    qualquer pessoa, em situao que faa presumir ser autor

    IV encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou

    papis que faam presumir ser ele o autor da infrao.

    A primeira espcie de flagrante a do inciso I, o flagrante propriamente dito em

    que o agente surpreendido executando a ao, nada mais que a visibilidade do delito.

    Nesse sentido:

    A priso em flagrante, nesse caso que detm maior credibilidade

    na medida que se pode observar o iter criminis, praticando a conduta descrita

    no tipo penal, sem, contudo t-lo percorrido por inteiro, pois permite evitar sua

    consumao. 50

    um fato visualizado diariamente pelas patrulhas policiais que percorrem a

    cidade, principalmente nos locais onde constante a venda de drogas. Usurios entram e

    saem das vielas ou somente passam de carro pela via pblica, onde compram a droga que

    vendida no varejo, dessa forma, permitindo a visualizao pelos agentes pblicos da

    realizao do verbo nuclear do tipo penal vender, expor venda, oferecer, ter em

    depsito, transportar, trazer consigo, guardar.

    Na figura do inciso II, o agente surpreendido, logo aps, realizar a conduta

    descrita no verbo nuclear do tipo. considerado ainda flagrante prprio, pois o delito

    ainda est ardente e h a possibilidade ainda de evitar a sua consumao. No h lapso

    temporal suficiente entre a prtica do crime e a priso. A diferena do inciso anterior

    que aqui, ele j realizou a conduta do verbo nuclear e a consumao j pode inclusive, ter

    ocorrido.

    As figuras descritas nos incisos III e IV so as mais frgeis no que se refere a

    flagrante, sendo denominadas inclusive de quase-flagrante ou flagrante imprprio.

    Essa fragilidade se d do ponto de vista da legalidade e do afastamento do ncleo

    realizador do tipo legal, refletindo na fragilidade dos elementos que legitimam,

    permitindo assim o afastamento pelo juiz que recebe o auto de priso em flagrante.

    50 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.800-801.

  • 25

    2.3 AS PECULIARIDADES DO FLAGRANTE

    O Flagrante Forjado existe quando criada, forjada uma situao ftica de

    flagrncia delitiva para tentar legitimar a priso. Mas trata-se de uma situao falsa.51

    Trata-se aqui de uma situao ftica criada para que se possa efetuar a priso do

    suspeito dentro da legalidade. Tem-se como exemplo mais comum o enxerto de drogas

    para situaes de trfico de drogas, ou para legitimar a violao do domiclio de cidado

    de baixa renda. Outro exemplo seria o caso de se colocar uma arma supostamente

    apreendida com um suspeito, isso tudo como o objetivo de tentar arredondar um

    flagrante ilegal, maculado de vcio.

    O Flagrante provocado decorre da induo, de um estmulo para que o agente

    cometa um delito exatamente para ser preso. Trata-se de uma cilada, uma encenao

    criada por aquele que deseja prender o suspeito, conhecido tambm no direito penal como

    delito putativo por obra do agente provocador.52

    Mais uma vez temos aquele clssico exemplo de filmes policias que influenciam

    na realidade diria, quando o policial se passa por usurio de drogas, por negociante de

    armas, instigando assim uma situao, que se concretizando, permita prender o suposto

    criminoso no ato de entrega daquele ilcito em questo.

    claro que mais uma vez essa conduta viciada e traduz-se de evidente

    ilegalidade, no sendo possvel assim a realizao do flagrante como assevera o Art. 17

    do CP:

    Art. 17. No se pune a tentativa quando, por ineficcia absoluta do

    meio ou por absoluta impropriedade do objeto, impossvel consumar-se o

    crime.

    Aury Lopes Jr53entende que:

    51 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.807. 52 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.807. 53 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.808. .

  • 26

    O Flagrante preparado, tambm uma figura ilegal, pois

    meticulosamente preparada e perfeita a cena que em momento algum o bem

    jurdico tutelado colocado em risco. Nesse sentido aplica-se a smula 145 do

    STF: No h crime, quando a preparao do flagrante pela polcia torna

    impossvel a sua consumao. Aqui no h induo ou provocao

    Mas nem sempre as situaes de flagrante esperado sero ilegais, h no cotidiano

    policial situaes que permitem agir sem que se induza ou instigue o agente a ser preso.

    o caso das patrulhas realizadas nas comunidades em que sabido que ali

    ocorrem praticas delitivas das mais diversas. Ali aqueles policias realizam campanas que

    variam de minutos a horas ou at dias a espera daquele momento que permita realizar a

    priso dos suspeitos dentro dos parmetros legais, sem recorrer as situaes descritas

    acima.

    Por fim, o Flagrante Protelado ou Diferido previsto no art. 8o, II, da Lei 12.850/13:

    Da Ao Controlada

    Art. 8o Consiste a ao controlada em retardar a interveno policial

    ou administrativa relativa ao praticada por organizao criminosa ou a ela

    vinculada, desde que mantida sob observao e acompanhamento para que a

    medida legal se concretize no momento mais eficaz formao de provas e

    obteno de informaes.

    1o O retardamento da interveno policial ou administrativa ser

    previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecer

    os seus limites e comunicar ao Ministrio Pblico.

    2o A comunicao ser sigilosamente distribuda de forma a no

    conter informaes que possam indicar a operao a ser efetuada.

    3o At o encerramento da diligncia, o acesso aos autos ser restrito

    ao juiz, ao Ministrio Pblico e ao delegado de polcia, como forma de garantir

    o xito das investigaes.

    4o Ao trmino da diligncia, elaborar-se- auto circunstanciado

    acerca da ao controlada.

    Art. 9o Se a ao controlada envolver transposio de fronteiras, o

    retardamento da interveno policial ou administrativa somente poder ocorrer

    com a cooperao das autoridades dos pases que figurem como provvel

  • 27

    itinerrio ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e

    extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.

    uma autorizao legal para que a priso em flagrante seja retardada ou protelada

    para outro momento, que no aquele em que o agente est cometendo a infrao penal,

    excepcionando, assim, as regras contidas nos arts. 301 e 302, I, do Cdigo de Processo

    Penal.54 Esse caso por exemplo mais comum em investigaes de agentes ou quadrilhas

    especializadas e que em decorrncia da complexidade de suas aes exijam esse tipo de

    protelao para que se possa cercar de elementos de prova que comprovem de forma mais

    fidedigna a atividade delitiva.

    So exemplos os casos que envolvem quadrilhas de roubo a banco, o famoso

    novo cangao e casos de quadrilhas que furtam caixa eletrnicos com usos de

    explosivos.

    2.4 A PRISO NO CRIME PERMANENTE

    Nas infraes penais permanentes, entende-se em flagrante delito enquanto no

    cessar a permanncia (art. 303 do Cdigo de Processo Penal). Isso porque a consumao

    desses delitos, ou seja, a prtica dos atos que constituem os ncleos dos respectivos tipos

    penais, prolonga-se no tempo enquanto no cessar a atividade criminosa. Sendo assim

    entendeu-se perfeitamente possvel a priso em flagrante de agente, horas depois do

    encontro de substncia entorpecente em sua residncia.55

    Conforme Cdigo de Processo Penal, in verbis:

    Art. 303 - Nas infraes permanentes, entende-se o agente em

    flagrante delito enquanto no cessar a permanncia.

    Para clarificar o conceito:

    Nos crimes permanentes h confuso lgica na interpretao

    prevalente. De fato, o art. 303 do CPP, autoriza a priso em flagrante nos

    54 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, So Paulo: Saraiva, 2012, p.808-809. 55 BONFIM, Edilson Mougenot, Curso de Processo Penal. 7. ed. So Paulo: Saraiva. 2012, p. 317.

  • 28

    crimes dessa espcie enquanto no cessar a permanncia. Entretanto, a

    permanncia deve ser anterior a violao de direitos. Dito diretamente: deve

    ser posta e no pressuposta/imaginada. No basta, por exemplo que o agente

    estatal afirme ter recebido uma ligao annima, sem que indique que fez a

    denncia, nem mesmo o nmero de telefone, dizendo que havia chegado droga,

    na casa x, bem como que acharam que havia droga porque era um

    traficante conhecido, muito menos que pelo comportamento do indivduo

    parecia que havia droga56

    Aponta o autor que se faz necessrias evidncias suficientes e legitimas anteriores

    a violao do domiclio do suposto agente para que a ao policial possa ser vlida em

    conformidade com preceitos Constitucionais, no uma ao abusiva.

    Continua explanando que se usa o artifcio ardil do imaginrio para violar os lares

    das pessoas menos favorecidas, fazendo dessa situao rotineira uma praxe de

    arbitrariedade que no pode ser tolerada, pois o agente estatal no pode desconhecer a lei

    que no pode entrar na casa de ningum (CPP, art. 293) sem mandado judicial, salvo

    hipteses de flagrante delito prprio.

    Nem se diga que depois verificou o flagrante porque quando ele se deu j havia

    contaminao pela entrada inconstitucional no domiclio. 57

    A situao descrita acima revela situaes em que os agentes pblicos munidos

    de informaes/imaginaes, que naquela residncia encontra-se escondida substncia

    entorpecente, invadem a casa, detm os suspeitos e comeam as buscas a procura de

    drogas ou armas. Mesmo que algo venha a ser localizado, j estaria maculado pela

    violao sem a devida ordem da autoridade competente e pela ausncia de flagrante

    prprio.

    Logo a priso em crimes permanentes poder ser efetuada a qualquer momento

    em virtude de sua consumao se protrair no tempo, ou seja, vai ardendo, queimando

    enquanto o agente no cessar o estado antijurdico por ele realizado. Portanto, a efetivao

    da priso em flagrante pode ocorrer a qualquer momento, independente de prvia

    autorizao judicial. Nos termos do art. 303 do Cdigo de Processo Penal.58

    56 MORAIS DA ROSA, Alexandre, Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos, Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2013 p. 124. 57 MORAIS DA ROSA, Alexandre, Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos,

    Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2013, p. 124. 58 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I 2 ed., Niteri, RJ: Impetus, 2012. p.

    1281.

  • 29

    Dessa forma, importante sabermos que tipos penais so exemplos de crime

    permanente ou no, e dentre os exemplos, temos o tipo que essa monografia vem-se

    referindo que a figura delitiva do trfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput),

    logo permite a priso em flagrante a qualquer momento do iter criminis, seja de dia, a

    noite, com ou sem denncia annima, bastando que o agente seja flagrado realizando uma

    das condutas prevista no tipo legal como: guardar, trazer consigo, transportar, ter em

    depsito.

    Nesse sentido segue o julgado:

    O paciente foi preso em flagrante cultivando cannabis sativa em sua

    horta particular, conforme explicitado na denncia. O auto de constatao

    toxicolgica esclarece que, efetivamente, as plantas apreendidas no quintal do

    acusado poderiam causar dependncia fsica ou psquica. Indcios suficientes

    de autoria e materialidade, portanto, encontram-se claramente evidenciados.

    O auto de priso em flagrante, encontra-se revestido das formalidades legais.

    Trata-se de crime permanente cuja consumao se prolonga no tempo. Da

    subsume-se que o agente est em flagrante delito enquanto no cessar a

    permanncia59

    Em todo crime permanente, em relao ao qual a priso em flagrante possvel a

    qualquer momento, enquanto no cessar a permanncia, a constituio autoriza a violao

    ao domiclio mesmo sem prvia ordem legal (art. 5, inc. XI).60

    Dessa forma, na modalidade de trfico de drogas em que praxe os agentes ativos

    do tipo delitivo, aps o recebimento da carga de drogas, levarem para casas em que o

    entorpecente endolado ou seja, preparado para a venda ao pblico. Nesse caso o

    agente realiza a conduta ter em depsito que denota natureza de permanncia, no qual

    se consuma com o passar do tempo, dessa forma existindo ento o estado flagrante,

    permitindo a priso sem ordem judicial, seja de dia ou de noite, no maculando a entrada

    da polcia na casa e nem a apreenso do material relativo prtica criminosa.61

    Sendo assim, conforme j decidiu o STJ, a Constituio Federal no faz de modo

    absoluto, onde inseriu exceo a garantia, o caso de flagrante delito. Ainda mais albergar

    59 LIMA, Renato Brasileiro de, 2012, p. 1281 apud STJ, 5 Turma, HC n 11.222/MG, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 27/11/2000, p. 175. 60 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I 2 ed., Niteri, RJ: Impetus. 2012, p.

    1282. 61 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I 2 ed., Niteri, RJ: Impetus. 2012. p.

    1282.

  • 30

    uma figura como o trfico que utiliza de um bem jurdico de alto valor para perpetrar um

    delito de natureza permanente. Seria ento um contrassenso albergar a inviolabilidade

    para proteger a prtica da traficncia, invalidando-se a ao da polcia e das provas

    apreendidas.

    2.5 AS DENNCIAS ANNIMAS RECEBIDAS PELA POLCIA

    No incomum no servio policial o agente se deparar com o recebimento de

    denncias de cidados insatisfeitos com a realidade criminal de seu bairro que resolvem

    denunciar o trfico de drogas ou ento de informantes particulares ou at mesmo de rivais

    que disputam a venda de drogas na comunidade, que incomodados com tal situao

    resolvem expor a polcia, pedindo uma soluo aos mesmos sem que para isso precisem

    se expor e assim correr riscos.

    A partir dessas denncias que normalmente informam a localizao de

    entorpecentes escondidos ou de casas que servem de local, seja para armazenar, seja para

    o preparo ou refino, que os policias comeam a analisar a denncia recebida de acordo

    com prxis policial para tentar verificar se esta bate com o que os policiais conhecem da

    experincia vivida no servio dirio.

    uma situao delicada que envolve uma srie de riscos para todos os policiais

    envolvidos, seja jurdica ou risco de morte, pois muitas denncias desse tipo resultam em

    boas apreenses, outras tambm resultam em nada e outras vezes pode resultar numa

    situao de emboscada para a guarnio policial envolvida.

    Assim uma parte da atividade policial na dita guerra contra o trfico uma gama

    de informaes que chegam para os policiais que muitas vezes no intuito de realizar um

    servio de proteo para a sociedade acabam por se envolver em situaes que geram

    discusso no mundo jurdico e em consequentes prises, da que surge a discusso em

    torno do crime permanente (trfico de drogas), ou seja, os policiais poderiam ou no

    ingressar no domiclio sem mandado judicial, violando em tese um preceito

    constitucional, apenas imaginando que ali se guardavam entorpecentes.

  • 31

    2.6 O COMRCIO DE DROGAS NAS COMUNIDADES E A VALIDADE DA

    DENNCIA ANNIMA

    A histria da venda de drogas no uma situao nova na atual sociedade, e a

    quantidade de usurios de drogas cada vez maior como se constata nas pesquisas

    governamentais, na mdia e na prpria atividade policial atravs dos termos

    circunstanciados, nas abordagens nas bocas de fumo e nas prises realizadas.

    Nas localidades onde a polcia atua e realiza a apreenso de drogas e a priso de

    suspeitos, normalmente so bairros em que impera uma certa organizao pelas pessoas

    envolvidas na atividade da narcotraficncia, pelo fato da polcia em inmeras situaes

    prender as mesmas pessoas mais de uma vez. Esses indivduos vo desenvolvendo

    tcnicas para escapar das operaes e tambm para minimizar as perdas de drogas, armas

    e dinheiro apreendidos.

    A alguns anos atrs era comum as guarnies policiais realizarem grandes

    apreenses no local onde realizado a venda ao pblico, mas com o passar dos anos os

    criminosos perceberam que estavam pagando um preo alto pelas perdas e passaram a

    esconder as quantidades de entorpecentes significativos dentro de casas. Logo, deixando

    no balco de venda ao pblico, apenas a quantidade estritamente necessria (pequenas

    buchas) de 10, 20, 30 unidades de maconha, cocana ou crack minimizando as perdas em

    caso de apreenso e dificultando a caracterizao do tipo penal de trfico.

    Diante da realidade cotidiana, em que busca-se a preservao da imagem pelo fato

    sentirmos medo e insegurana, de delatar, de informar um crime em andamento, muitas

    instituies, principalmente as policias militares e civis incentivam as delaes atravs

    do Disque Denncia, seja essa, uma ligao telefnica, um e-mail ou atravs de redes

    sociais. E a partir dessas informaes que muitas prises so realizadas, resultando na

    privao de liberdade de uma infinidade de pessoas sem que se saiba quem o fez. Nesse

    sentido Rodrigo Iennaco62 esclarece que:

    A caracterstica principal do Estado de Direito a submisso do

    Poder Pblico s suas prprias normas, institudas na estruturao do Estado,

    como expresso do princpio da legalidade. So normas constitucionais

    estabelecidas como autntica garantia e limitao ao poder, de acordo com a

    62 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14, n. 62, p. 220-

    263, Set/Out, 2006.

  • 32

    diviso de competncias institucionais que funciona num sistema de freios e

    contrapesos. As noes de governo republicano e regime democrtico se

    complementam, instrumentalmente, na consagrao do processo como

    conjunto de princpios e garantias que disciplinam a resoluo judicial de

    conflitos. Em matria de responsabilidade criminal, ningum ser privado de

    seus direitos sem a observncia do devido processo penal, a referenciados seus

    corolrios: o contraditrio e a ampla defesa

    Observa-se que os meios de denncia annima incentivados pelo Estado visam

    claramente a defesa social, mas padecem de simetria constitucional que expressa em

    vedar o anonimato. A Constituio Federal de 88, que assegura a livre manifestao do

    pensamento, em seu art. 5, IV, veda o anonimato, declarando inviolvel a intimidade,

    vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando inclusive o direito de regresso

    contra aquele que o violar (art. 5, X, CR/88).63

    Ora, se a Constituio Federal veda o anonimato, como atravs de uma denncia

    annima, informando um delito que est ocorrendo em determinado lugar dentro de um

    local, que casa, protegido constitucionalmente, como a agente policial pode verificar tal

    hiptese de crime se que se deflagra toda uma violao de direitos e sem contaminar todo

    o iter o caminho que levou a uma eventual priso.

    Noutro ponto, do dever legal de testemunhar se contrape ao anonimato vedado

    pela Constituio. Surgindo a indagao e legitimidade da notcia annima perante a

    ordem jurdica e constitucional. De outro, do dever legal de verificar a ocorrncia de um

    delito, est a autoridade policial e seus agentes, que ao receber este tipo de informao,

    seja, ligao annima, e-mail ou qualquer outro meio deve verificar a fidedignidade

    daquela denncia, e conforme esta, instaurar ou no o devido procedimento

    investigativo.64Sendo assim:

    Aquilo que a Constituio parece vedar estimulado pelas

    instituies oficiais de Defesa Social, sobretudo as vinculadas Segurana

    Pblica: a denncia annima. A notcia annima de crime

    constitucional? Pode deflagrar e fundamentar, por si s, a instaurao de

    procedimento investigatrio? 65

    63 IENNACO, Rodrigo. 2006. 64 IENNACO, Rodrigo. 2006. 65 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14,

    n. 62, p. 220-263, Set/Out, 2006.

  • 33

    No se pode desconhecer a eficcia desse instrumento de denncia que evita o

    cometimento de milhares de delitos, mas que ao mesmo tempo desrespeita frontalmente

    a Constituio. Por isso, interessante seria as instituies controlarem a registrarem as

    denncias e quem as faz, assegurando e legitimando assim as aes desenvolvidas pelas

    foras de segurana pblica.

    Nesse sentido a necessidade de registro e controle da notcia annima pelos rgos

    de Defesa Social:

    Anonimato ou sigilo? Quem delata (apresenta notitia criminis),

    dando causa abertura de inqurito policial, exerce um direito (art. 5, II e 1

    e 5, CPP), e exercendo regularmente esse direito, no pratica crime, sendo

    suficiente a verdade subjetiva para afastar o dolo, como leciona Bitencourt.

    [45] Com efeito, o legislador no poderia incriminar conduta identificada pelo

    exerccio regular do direito de petio66

    Se quem denncia a prtica de um delito convicto da inocncia e provoca a

    instaurao de inqurito em desfavor do denunciado, pratica crime contra a administrao

    da justia, prevista no art. 339 do Cdigo Penal, reforando a norma constitucional que

    veda o anonimato e responsabilizando o denunciante caluniador, tanto que a pena

    aumentada se o agente de vale do anonimato. Esse fato, s vem a reforar ao cuidado que

    o agente policial deve ter ao receber qualquer notcia crime, devendo fazer o registro da

    qualificao do delator, quando houver identificao, ou os dados que permitam

    identificar de onde partiu a transmisso da delao, para futura identificao e

    responsabilizao do delator.67

    Se o Poder Pblico fomenta a participao da comunidade na

    apurao de crimes e identificao de seus autores, mediante servios especiais

    (disque-denncia, stios na internet etc.), deve estrutur-los em obedincia

    legislao. Vale dizer, primeiro deve informar ao cidado se a notcia annima

    de crime ser admitida e verificada. Deve, alm disso, diferenciar entre as

    hipteses em que no necessria a identificao do delator e as que sua

    identificao ser mantida sob sigilo. Finalmente, nos dois casos, deve manter

    registro da origem da notcia, de acordo com os recursos tecnolgicos

    66 IENNACO, Rodrigo, 2006 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, p. 517. 67 IENNACO, Rodrigo. 2006.

  • 34

    compatveis (como endereo eletrnico do remetente de e-mail, nmero de

    telefone identificado e gravao da chamada originada etc.68

    Tais providncias tomadas pelo Estado e seu aparato policial, que permitam

    controlar e identificar os dados e denncias recebidas, so fundamentais para adequar

    esse sistema a legislao e a Constituio, assim como evitar a produo de provas ilegais

    e ou clandestinas, que no raramente desmontam e invalidam todo um trabalho que

    despendeu tempo e dinheiro pblico. Alm das medidas de registro e identificao das

    informaes repassadas pela populao, os agentes policiais tm a responsabilidade de se

    certificarem que aquela denncia annima tem um fundo de veracidade, que tenha

    elementos suficientes que possam embasar uma priso, instaurao de inqurito ou

    qualquer outra medida que possa resultar em prejuzo para o denunciado. Nesse sentido

    a necessidade de verificao da procedncia das informaes conforme descrito pelo

    autor abaixo:

    A denncia annima no pode fundamentar, direta e imediatamente,

    qualquer ato formal de persecuo penal, seja no inqurito, seja no processo.

    Ao receber a delao, a autoridade deve verificar se a notcia de crime

    veiculada apresenta, no contexto ftico, qualquer indcio de verossimilhana.

    No se exige uma confirmao em nvel de certeza, mas de possibilidade

    concreta, consubstanciada em circunstncias fticas que indiquem a

    materialidade do crime e levantem suspeita de autoria69

    Existe nesse ponto, o conflito entre a publicidade dos atos processuais, includo a

    o Inqurito Policial e o sigilo da colheita de informaes e os desdobramentos da

    investigao. O agente policial ou a autoridade poder utilizar as informaes que tem

    em mo para averiguar a veracidade das denncias, assim como realizar observaes,

    infiltrar agentes, entrevistas, abordagens a pessoas e edificaes, mas observando sempre

    as garantias constitucionais, com o fito de embasar o procedimento formal de permita

    legitimar suas aes. Portanto somente apoiado em informaes e denncias no crveis,

    a autoridade e seus agentes no podero pleitear mandado de busca e apreenso

    domiciliar, a quebra de sigilo telefnico e etc. Para clarificar o entendimento:

    68 IENNACO, Rodrigo, 2006. 69 IENNACO, Rodrigo, 2006

  • 35

    Dessa maneira, a denncia annima ser descartada do ponto de vista

    processual. A verificao da procedncia das informaes substituir, para os

    fins da persecuo criminal, integralmente a delao annima, desvinculando

    totalmente o procedimento e as provas nele produzidas da notitia criminis

    original. Em suma, a mediao entre a denncia annima e as provas

    produzidas a partir da investigao formal feita pela verificao da

    procedncia das informaes70

    Porm, quando do recebimento da informao pelos agentes policiais, que

    deslocam at o local para averiguarem o contexto e veracidade dos fatos relatados existe

    a possibilidade, em presentes os requisitos, de realizar a priso em flagrante dos suspeitos,

    mas para isso devem ter se cercado de elementos suficientes que possam legitimar a

    priso.

    Presente a tipicidade processual, ou seja, se a situao de fato se

    amolda descrio abstrata da lei processual, a priso ser legal; do contrrio,

    ilegal, independente dos elementos de convico coletados por ocasio da

    confeco da lavratura do respectivo auto pela autoridade policial. Da mesma

    forma, se a sequncia procedimental prevista no art. 304 do CPP for

    desrespeitada, a priso em flagrante tambm ser viciada, em ofensa ao

    princpio da legalidade das formas71.

    Logo, ao receber a notcia que em determinado local, que seja acessvel ao

    pblico, deve a autoridade e seus agentes, deslocarem-se e diligenciar a procedncia dos

    fatos. Em caso de constatao do referido delito e presente o requisito temporal do

    flagrante do art. 302 do Cdigo de Processo Penal, dever ser realizada a priso, e no

    haver dvida sobre sua validade. O mesmo se aplica a denncia annima permitindo

    inclusive a entrada no interior do domiclio, visto estar resguardado pela prpria

    Constituio, nos casos de flagrncia.

    S que a prtica em sua essncia mais complicada do que se imagina, e para

    tanto os policiais devem cercar-se ou pelo menos deveriam, tomar medidas de verificao

    da existncia de flagrncia, como no caso corriqueiro de denncias que informam sobre

    70 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14, n. 62, p. 220-

    263, Set/Out, 2006 71 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14, n. 62, p. 220-

    263, Set/Out, 2006

  • 36

    o trfico de drogas em determinadas localidades e casas onde so armazenadas tais

    substncias ilcitas. Cabe ao policial certificar-se de indcios sobre a mercancia no local,

    quem realiza, de que modo est ocorrendo a mercancia, o local onde se esconde, o

    dinheiro e demais elementos caracterizadores da conduta. Todos esses procedimentos de

    colheita de elementos permitem a polcia pela representao em juzo pela expedio do

    devido mandado de busca e apreenso, mesmo permitindo a situao de flagrante que se

    efetue a priso e o ingresso na residncia para a execuo do ato.72Todo esse cuidado,

    serve para que se jogue um jogo limpo e se respeite a garantias constitucionais,

    legitimando a ao policial e evitando a responsabilizao do policial por abuso de

    autoridade.

    Analisados as informaes acima, verifica-se que a denncia no subsiste em si,

    apenas pea informativa que permite a polcia buscar elementos legitimadores da

    persecuo penal. A mesma delao que carrega o peso da inconstitucionalidade do

    anonimato e que no serve de convico para decises, quando fundamentada, verificada

    no local e preenchida de elementos de verossimilhana daro ensejo a uma priso em

    flagrante ou a procedimentos que permitam outras aes previstas na lei processual

    penal.73

    Depois, discorrer acima sobre a denncia annima e suas consequncias prticas

    passaremos a discutir e a analisar a sua validade nas aes penais. De forma isolada, na

    forma crua como tratada deveras e confrontada com o texto constitucional o anonimato

    no se sustenta e em si um meio ardiloso para se jogar um jogo sujo, fora das regras

    jurdicas e que interfere na vida de milhares de pessoas diariamente.

    Nesse sentido, conclui-se que o anonimato no pode servir para a influenciar

    validamente a convico de um juiz, fazendo-o tomar decises com base em imaginaes,

    preconceitos ou suposies. Mas no quer dizer tambm, que em todas as suas formas e

    contextos, seja est inconstitucional e imprestvel a persecuo penal.

    As provas produzidas a partir da verificao das referidas denncias e

    devidamente firmadas em procedimento investigativo, desvinculadas de sua origem e

    deflagrados a partir do exerccio do poder de polcia so aptos formao da opnio delicti.

    Na sua origem a denncia crua ser descartada por completo e substitudas por novos

    72 IENNACO, Rodrigo. 2006 73 IENNACO, Rodrigo. 2006

  • 37

    elementos crveis e legtimos capazes de ensejar e fundamentar a instaurao do

    procedimento formal, a futura ao penal, a instruo processual e suas decorrncias.74

    Sendo assim, da necessidade de verificao da veracidade das denncias pela

    autoridade policial, decorrentes de previso constitucional, supera a coliso de interesses

    jurdicos, pois est superado aquele vcio inicial. A denncia no mais ter conexo com

    a persecuo penal e a imputao nela inserida, permanecer alheia desvinculada de

    qualquer reflexo na priso em questo. Nesse sentido:

    Ao se negar valor e fora probatria denncia annima, em suma,

    define-se que ela no exerce diretamente nenhuma conexo entre a persecuo

    penal e a imputao nela inserida, permanecendo, no processo, alheia ao

    mrito, desprovida de status processual autnomo e despida de qualquer

    reflexo de direito material75

    Analisados esses conceitos, passa-se ao terceiro captulo a analisar o que

    entendem sobre o tema os nossos tribunais em sua maioria, assim como tambm o que

    entende a doutrina minoritria de cunho mais garantista sobre tais reflexes.

    74 IENNACO, Rodrigo. 2006 75 IENNACO, Rodrigo. Da validade do procedimento de persecuo criminal deflagrado por denncia

    annima no estado democrtico de direito. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 14, n. 62, p. 220-

    263, Set/Out, 2006

  • 38

    3 A PROBLEMTICA DO CRIME PERMANENTE

    3.1 O QUE DIZ A JURISPRUDNCIA DOMINANTE NOS TRIBUNAIS

    Partindo para anlise jurisprudencial importa dizer que o entendimento

    predominante da justia brasileira de que em se tratando de crime permanente movido

    por denncia apcrifa, mais exatamente nos crimes de trfico de drogas, o agente policial

    no necessita de mandado judicial pelo fato da conduta criminosa se protrair no tempo,

    ou seja, o suspeito se encontra em flagrante delito, logo, o policial no viola o domiclio,

    nem comete o crime de abuso de autoridade como tambm no contamina a prova

    apreendida. Esse o entendimento que ecoa nos tribunais conforme julgados abaixo:

    Do Supremo Tribunal Federal

    EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL.

    HABEAS CORPUS. NULIDADE DO PROCESSO.

    ALEGAO DE PROVA ILCITA E DE VIOLAO AO

    DOMICLIO. INEXISTNCIA. ESTADO DE

    FLAGRNCIA. CRIME PERMANENTE. 1. A questo

    controvertida consiste na possvel existncia de prova ilcita

    ("denncia annima" e prova colhida sem observncia da garantia

    da inviolabilidade do domiclio), o que contaminaria o processo

    que resultou na sua condenao. 2. Legitimidade e validade do

    processo que se originou de investigaes baseadas, no primeiro

    momento, de "denncia annima" dando conta de possveis

    prticas ilcitas relacionadas ao trfico de substncia

    entorpecente. Entendeu-se no haver flagrante forjado o

    resultante de diligncias policiais aps denncia annima sobre

    trfico de entorpecentes (HC 74.195, rel. Min. Sidney Sanches, 1

    Turma, DJ 13.09.1996). 3. Elementos indicirios acerca da

  • 39

    prtica de ilcito penal. No houve emprego ou utilizao de

    provas obtidas por meios ilcitos no mbito do processo

    instaurado contra o recorrente, no incidindo, na espcie, o

    disposto no art. 5, inciso LVI, da Constituio Federal. 4.

    Garantia da inviolabilidade do domiclio a regra, mas

    constitucionalmente excepcionada quando houver flagrante

    delito, desastre, for o caso de prestar socorro, ou, ainda, por

    determinao judicial. 5. Outras questes levantadas nas razes

    recursais envolvem o revolver de substrato ftico-probatrio, o

    que se mostra invivel em sede de habeas corpus. 6. Recurso

    ordinrio em habeas corpus improvido. (RHC 86082, Relator(a):

    Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 05/08/2008,

    DJe-157 DIVULG 21-08-2008 PUBLIC 22-08-2008 EMENT

    VOL-02329-02 PP-00240)

    EMENTA: CONSTITUCIONAL E PENAL.

    RECURSO ORDINRIO EM HABEAS CORPUS. POSSE DE

    ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E TRFICO DE

    ENTORPECENTES ARTS. 12 DA LEI N. 10.826/2003 E 33

    DA LEI N. 11.343/2006. CONDENAO EM SEGUNDO

    GRAU. TRNSITO EM JULGADO. ILICITUDE DA

    PROVA, TENDO EM CONTA A INVIOLABILIDADE DE

    DOMICLIO (ART. 5, INC. XI, DA CONSTITUIO

    FEDERAL). RELATIVIZAO DA TUTELA

    CONSTITUCIONAL EM CASO DE FLAGRANTE, PARA

    PRESTAR SOCORRO OU POR DETERMINAO

    JUDICIAL. OCORRNCIA, IN CASU, DE FLAGRANTE.

    NO CABIMENTO DO WRIT COMO SUCEDNEO DE

    REVISO CRIMINAL, RESSALVADOS OS CASOS DE

    FLAGRANTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Inocorrncia,

    in casu. 1. A norma que tutela a inviolabilidade de domiclio,

    inserta no inciso XI do art. 5 da Constituio Federal, no

    absoluta, cedendo ... em caso de flagrante delito ou desastre ou

    para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinao judicial

  • 40

    (HC74127, Rel. Min. Carlos Velloso, 2 Turma, DJ de

    13/06/1997, e RHC 86082, Rel. Min. Ellen Gracie, 2 Turma, DJe

    de 22/08/2008). 2. In casu, consta na denncia que No dezessete

    de outubro, do ano de dois mil e oito, cerca das vinte e uma horas

    e trinta minutos, o denunciado foi preso em estado de flagrncia

    por policiais militares lotados no 25 BPM, porque, com vontade

    livre e consciente, direcionada prtica do injusto, tinha em

    depsito e guardada, na sua residncia, localizada na Rua da

    Capivaras, Travessa 07, n 13 Unamar, nesta cidade, sem

    autorizao ou em desacordo com determinao legal ou

    regulamentar, para entregar a consumo ou fornecer, ainda que

    gratuitamente, aos usurios, certa quantidade de drogas capazes

    de determinar dependncia fsica ou psquica, denominadas

    Cannabis Sativa L, vulgarmente conhecida por maconha, e ainda,

    Cloridrato de Cocana, popularmente conhecida como cocana,

    destinadas ao efetivo exerccio do nefando comrcio das drogas

    da morte, alm do Revlver, sem marca, calib