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vieira & lentRio de Janeiro, 2010

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SUMÁRIO

PrefácioEntre humor, rabugice e alguns entretonspor Fernando da Mota Lima; 11

O Bruxo e o RabugentoAfi nidades não eletivas entre Machado de Assis e Graciliano Ramos; 19

“Ninguém sabe o que sou quando rumino”Leitores e leituras de Machado de Assis; 45

O Amor que dura 11 contos de réisUm certo sestro humorístico em Machado de Assis e a teoria do riso de Bergson; 71

“Outrossim é a puta que o pariu!”O humor no mau humor de Graciliano Ramos; 83

Um comunista agnósticoO autor político e o autor moral em Graciliano Ramos; 99

O caçador de hinosGraciliano Ramos, Macunaíma, o homem cordiale outros tipos; 119

Breve epílogo em Palmeiras dos Índios; 151

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Para

Júlia, que me acompanhou a Palmeira dos Índios;

Fernando, presente em todos os textos deste livro, pela generosa partilha do muito que sabe;

e Lilian, minha Sherazade!

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PrefácioEntre humor, rabugice e alguns entretons

Uma sucessão de acasos afor-tunados cruzou minha vida com a de Luciano Oliveira e desde então temos nos divertido imen-samente juntos. Não vou reconstituir tais aca-sos apertado nos limites de um breve prefácio de resto singular. Digo singular por estar absolutamente convencido de que, pela primeira vez na história editorial do Brasil — ou do mundo, corrigiria de pronto Julião Tavares entrançando as pernas sob a cadeira rangente — o prefaciador é que se benefi cia do prefaciado. Importaria ainda ressaltar que Luciano é um verbo que costumo conjugar no plural, me-lhor diria no gerúndio: Lucianando. Pois sua mobilidade, an-tes de tudo imaginativa e sempre impregnada de humor, vela e desvela múltiplas camadas de personalidade e de prática da vida. Antes de ir adiante, conviria piscar o olho para o leitor de Manuel Bandeira alertando-o para o fato de que estou apenas parafraseando um poema mínimo consagrado a Teodora.

Agora vou adiante. Condensando num parágrafo o que in-

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tento acentuar na minha memória dos acasos felizes que me associam a Luciano, frisaria que de imediato me acerquei do sociólogo autor de um artigo sobre Cidadão Kane, celebran-do assim sua cinefi lia. Acerquei-me ainda mais do autor de Brasil via Paris, um imaginoso e penetrante ensaio, por isso infelizmente inédito, no qual ele traça alguns paralelos entre a cultura brasileira, em particular a nordestina, e a francesa. O outro sociológico de Luciano, o que lhe rendeu notoriedade intra e extra-acadêmica como autor de livros e ensaios emba-sados em investigações empíricas e outros ossos do ofício, este ocupa lugar bem mais discreto na nossa amizade e na linha dos interesses intelectuais que prioritariamente compartilha-mos. Mas mesmo nesta parte de sua obra o leitor atento tem pronta ciência de que não lê um autor de estilo convencio-nalmente acadêmico. Pois o fato é que ele, dotado de virtudes literárias irreprimíveis, reveste com forma inventiva e singu-larmente sua os assuntos mais áridos catalogados nos escani-nhos acadêmicos como sociologia do direito, ciência política, criminologia, jurisprudência e outras especialidades solenes.

Um dia Luciano me trouxe das margens do Sena uma frase assinada por Alphonse Allais. Veio enquadrada em uma mol-dura que conservo em lugar visível de minha sala. A frase: “Les gens qui ne rient jamais ne sont pas des gens sérieux”. Se Allais tem razão, de minha parte não duvido, Luciano é um autor muito sério. Recolheu num vasto registro da expressão humana, que vai da chanchada brasileira a Machado de Assis — ele cruza rotineiramente esses extremos da cultura isento de qualquer preconceito —, a sábia lição de que a existência humana seria intolerável apartada do riso que a reinventa e lhe alivia o fardo. Mas presumo ser esta uma lição enraizada na própria disposição temperamental que espontaneamente o encaminha para o humor e o riso que tudo transfi guram e iluminam a realidade e suas materializações mais sisudas com tons e entretons antes neutralizados ou obscurecidos. Penso que é bem essa disposição temperamental, evidentemente somada a seu olhar de leitor penetrante e interrogante, que

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explica algumas das vias por meio das quais aproxima dois escritores na aparência tão divergentes.

Depois de muito debruçar-se sobre a obra do Bruxo do Cosme Velho e a do Rabugento de Palmeira dos Índios, eis que um dia se dá conta de que obscuras linhas convergentes aproximam autores tão, na aparência, canonicamente separa-dos. E o que mais surpreende é o fato de empenhar-se na tare-fa de extrair ou trazer à luz a componente de humor subtraída das leituras correntes de Graciliano Ramos. Talvez a primeira pista que lhe tenha ocorrido se prenda à fi gura sórdida de Ju-lião Tavares. Julião, bem sabem os leitores do velho Graça, é o sedutor vulgar que fi nda por subtrair Marina das garras deva-neantes de Luís da Silva, o atormentado narrador de Angústia, tão exasperado e corrosivo quanto o protagonista de Notas do Subsolo, de Dostoiévski.

Com seu olhar clinicamente cômico, também por vezes ci-nicamente cômico, imagino Luciano relendo Angústia dentro de uma certa manhã ensolarada de Recife. De repente, uma luz insofreável rebrilha no centro do seu olhar matreiro. Eis que defronta Julião Tavares, com as pernas entrançadas sob a cadeira, vertendo disparates sobre as grandezas ilusórias de Maceió. O tom aparente do narrador – Luís da Silva, eviden-temente – é de pura e áspera rabugice. Muitos leitores decerto atravessaram essa passagem retendo sua percepção na linha crua da entonação ácida que percorre o conjunto da narrati-va. Talvez tenham ido além, talvez tenham fi gurado na per-sona de Luís da Silva uma projeção da rabugice do próprio autor reiteradamente enfatizada em testemunhos e anedotas de contemporâneos e críticos demasiado aderentes às chaves biográfi cas da obra literária.

Em mais de uma passagem do seu livro Luciano argu-menta com propriedade em defesa de linhas convergentes observáveis na obra de Machado de Assis e na de Graciliano Ramos. Sua argumentação é sólida e ademais necessária, já que é sabida a resistência do segundo à obra e antes de tudo à biografi a do primeiro. Diria que esta contamina a aprecia-

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ção criticamente isenta daquela. Luciano vai antes de tudo à obra, que é o que de fato importa para a atividade crítica, e aí destaca e ilumina aproximações bem fortes entre ambos. Importaria ainda acentuar que a resistência de Graciliano a Machado encobre sentidos bem mais abrangentes. Quero di-zer, outros escritores contemporâneos do Rabugento, igual-mente importantes e reconhecíveis pela penetração com que apreciaram muito da nossa literatura, incorreram em reservas semelhantes que, ao cabo, comprometem o apreciador, eles, não o apreciado, Machado.

É o caso ainda mais signifi cante do famoso ensaio de Má-rio de Andrade, igualmente considerado por Luciano. Seria ainda o caso de lembrarmos Gilberto Freyre, sobrepondo José de Alencar, Euclides da Cunha e José Lins do Rego ao mestre supremo do Cosme Velho; também Jorge Amado, que reparte nossa tradição narrativa em duas vertentes, uma representa-da por José de Alencar, outra por Machado, para em seguida coerentemente alinhar-se com a primeira. Há certamente ou-tros que omito, pois não é minha intenção recensear o assunto numa breve consideração espremida nas linhas de um prefá-cio. A menção a este fato parece-me todavia importar na me-dida em que aponta para um reconhecimento mais sólido e consensual da singularidade estética de Machado no conjunto da nossa história literária.

Presumo que atualmente nenhum crítico, salvo a fração residualmente provinciana dos que lhe medem a excelência indiscutível, erra na avaliação substancial de sua universali-dade, tantas vezes no passado incompreendida por estudio-sos, ora turvados por nossa renitente tradição atada ao par romantismo e nacionalismo cultural — doença crônica e ca-maleônica da cultura brasileira, como observou Sérgio Paulo Rouanet em tom polêmico —, ora por outras formas de es-treiteza ideológica, ou ainda psicológica, como aparenta ser o caso de Lima Barreto e a resistência de Graciliano Ramos já acima sublinhada. Resumindo, o fato imperativo é que a recepção da obra de Machado de Assis vale hoje como me-

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dida de sensibilidade e inteligência literária. No Brasil, como no estrangeiro, sucedem-se estudos de qualidade unânime no reconhecimento de valores artísticos que elevam Machado à altura dos seus melhores contemporâneos e pósteros. Luciano tem ciência disso. Essa é uma das razões de, em vários pontos da sua obra, centrar o foco argumentativo em críticos como Augusto Meyer, Roberto Schwarz, John Gledson, Sérgio Paulo Rouanet, José Guilherme Merquior, Alfredo Bosi e outros que tanto concorreram para consolidar um ponto de consenso em torno da obra de Machado.

Sem querer abusar da elasticidade do conceito de obra aberta, acredito que muitas leituras, mesmo aquelas mais ade-rentes às linhas de sentido objetivamente aferíveis na obra do autor analisado, projetam em graus variáveis algo da persona-lidade e até diria das idiossincrasias do crítico. Desconfi o de que isso efetivamente ocorre no modo como Luciano Olivei-ra nos devolve sua recriação de Graciliano Ramos. O aspecto dessa recriação ou releitura que objetivo salientar prende-se aos elementos de humor acaso espelhados na obra do Rabu-gento. Este designativo já por si trai o vinco de humor inten-cionado pelo crítico. Visando a melhor articular meu argu-mento, valho-me da longa intimidade que tenho o privilégio de compartilhar com Luciano para sugerir em linhas menos turvas a medida em que um traço decisivo da sua personali-dade incide sobre as camadas de humor supostamente inscri-tas na obra do Rabugento.

Esperando ainda não incorrer numa chave psicologica-mente redutora, ressalto o fato de que Luciano é um dos seres mais entranhadamente engraçados que conheço. Seu sen-so de humor — o termo vai aqui compreendido também na sua acepção inglesa, cuja expressão brasileira mais plena está contida na obra do Bruxo do Cosme Velho — tende sempre a desatar-se ao estímulo do primeiro contato. Mais que senso de humor, nele se somam e se sobrepõem o galhofeiro, o palhaço de picadeiro (ele de resto deplora não ser na vida efetivamente um deles), o menino trocista rebelde às convenções impostas

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pela sociedade e a experiência acumulada pelo profi ssional maduro. Se Oswald de Andrade perdia um amigo para não perder uma piada, Luciano perde ambos, amigo e piada, con-tanto que ele e os circunstantes riam. Ora, essa matizada e ir-refreável força de humor e galhofa pulsa no centro da vida e da personalidade do nosso crítico. É assim compreensível que a projete num estudo de apreciação literária. O que de certo modo desorienta o leitor mais austero é a circunstância de Lu-ciano — operando num quadro no qual livremente se mesclam os sentidos objetivamente dados pela obra e sua indócil per-sonalidade de crítico — ressaltar no velho Graça precisamente essa tão inesperada componente de humor e riso inscrita no cerne de alguns dos ensaios aqui reunidos. A tudo adiciona-ria, tanto em defesa do meu argumento quanto em defesa das pérolas que recolhe e exibe ao cabo de sua jornada, que eu próprio aprendi com ele a enxergar nas pernas entrançadas de Julião Tavares uma irresistível cena de humor. Foi lendo e ouvindo Luciano, sobretudo acompanhando sua alegre e ao mesmo tempo angustiada tarefa de composição do livro, que passei a reler Julião Tavares, assim como outros personagens e cenas descritas na obra do Rabugento, que enfi m assimilei à minha leitura de uma obra, sempre apreciada como áspera e opressiva, esse ingrediente de humor tão original e desconcer-tante inscrito nas linhas de O Bruxo e o Rabugento.

O que Luciano acrescenta às leituras correntes no paralelo que ensaia entre Machado de Assis e Graciliano Ramos é pre-cisamente essa camada de sentido dentro da qual subitamente irrompe uma gargalhada inusitada. Que o leitor confi ra por si próprio. No caso de concordar com o autor, atestando que somente as pessoas sérias gozam do privilégio de rir dos dis-parates de Julião Tavares narrados por Luís da Silva, concluirá assim que fora antes traído pelas aparências quando opunha Machado de Assis a Graciliano Ramos, preso a incompatibi-lidades sem dúvida aferíveis, mas nunca substantivas. De hu-mor e de riso já se disse muito quando a obra em questão era

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a de Machado de Assis. Luciano Oliveira sem dúvida altera e enriquece a fortuna crítica de Graciliano Ramos, a quem, isento de qualquer cerimônia, trata como o velho Graça, quando nela ilumina uma sombra que nenhum rabugento ou leitor inocente antes notara. Acrescentaria que nem mesmo o velho Graça, dizem que rabugento demais para fazer humor e provocar riso à custa do que odiava ou desprezava. Se for o caso, mais uma vez estaremos diante de um autor traduzido a contrapelo de si próprio. Espero, por fi m, que o leitor se di-virta, que ria muito como rimos Luciano Oliveira e eu. Afi nal, somos gente séria demais.

Fernando da Mota LimaProfessor da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE

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O Bruxo e o RabugentoAfi nidades não eletivas entre Machado de Assis e Graciliano Ramos

Dos três nomes frequente-mente arrolados como a trin-ca sagrada da literatura brasileira, dois deles, Machado de Assis e Gracilia-no Ramos (o outro é Guimarães Rosa), são autores que estamos acostumados a considerar, na vida e na obra, como antípodas um do outro. No que diz respeito à primeira oposição, não há muito o que dizer ou acrescentar ao que já se sabe. Mesmo Machado não tendo sido o completamente omisso de que uma leitura tradicional sempre o acusou, a verdade é que passou a maior parte da existência protegido das atribulações da vida nos ambientes de repartição em que foi funcionário exemplar — chegando mesmo a ser Cavaleiro da Ordem da Rosa e fun-dador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras.

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Os dados da biografi a, é fato, não autorizam desmentir a ima-gem do burguês acomodado no “funcionarismo garantido” de que fala Mário de Andrade num texto célebre em que não es-conde seu desamor por Machado!1 É verdade, porém, que isso não tem importância. Afi nal, como lembrou certa vez George Steiner, “enquanto o policial ou o censor interroga o escritor, o crítico interroga apenas o livro”.2

Como quer que seja, do ponto de vista das histórias de vida há, sim, um abismo entre ele e Graciliano Ramos, o incorrigí-vel rabugento que mais de uma vez externou o desejo de que Alagoas, seu estado natal, afundasse no oceano — o que faria o Brasil ganhar um golfo! —; o comunista que amargou 11 meses de prisão nos cárceres imundos do Estado Novo de Ge-túlio Vargas; o sujeito que não escondia o “ódio ao burguês”; o escritor engajado responsável por uma das obras mais pun-gentes sobre a desgraça social do país, o romance Vidas Secas. Graciliano, aliás, que em mais de uma ocasião, fazendo coro com os críticos do Machado acomodado, externou a opinião então partilhada pelo senso comum:

O que mais me distancia de Machado de Assis é o seu medo de defi nir-se, a ausência completa da coragem de uma atitude. O escritor tem o dever de refl etir sua época e iluminá-la ao mesmo tempo. Machado não foi assim. Trabalhando a língua como nenhum, poderia ter feito uma obra transitável às ideias.3

Numa palavra, o Rabugento não gostava do Bruxo. Che-gou mesmo, por vezes, a referir-se a ele em termos deprecia-tivos que uma leitura retrospectiva classifi caria hoje de sim-plesmente racista! A conhecida anglofi lia machadiana, por exemplo, irá fornecer-lhe o mote para um lamentável vitupé-rio — é bem verdade que em conversa livre, descompromissa-da de maior rigor, registrada pelo amigo Aurélio Buarque de Holanda: “Negro burro, metido a inglês, a fazer umas graci-nhas chochas, pensando que tem humor! Não vale nada, uma

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porcaria.”4 Por escrito, entretanto, a avaliação era mais serena. Numa crônica intitulada Os amigos de Machado de Assis, ele ironiza os que nutrem uma admiração beata pela obra do es-critor sem propriamente conhecê-la, infl uenciados pelo culto que lhe rendem os críticos que lhe analisaram “a obra exce-lente”. O objeto da ironia de Graciliano não é propriamente Machado ou seus verdadeiros admiradores, mas o “leitor co-mum, que se agita com excessos literários de meado do século XIX”. Fazendo referência a três admiradores verdadeiros de Machado, Graciliano comenta com bom humor:

O prazer que A Causa Secreta e Trio em lá menor despertam no Sr. Augusto Meyer, na Sra. Lúcia Mi-guel Pereira e no Sr. Peregrino Júnior é diferente do entusiasmo que uma novela de aventuras produz no espírito simples de uma criatura normal [que], des-conhecendo Machado, facilmente o louva, não por ele ter escrito bons romances e ótimos contos, mas porque em certas rodas se tornou uma relíquia.5

Mesmo podendo-se vislumbrar uma alfi netada na referên-cia à “relíquia”, Graciliano não negaceou adjetivos quando tra-tou do Machado escritor: bom, excelente, ótimo. Além disso, numa lista dos dez melhores romances brasileiros pedida pela Revista Acadêmica, não deixaria de incluir Dom Casmurro.6 Mas, como quer que seja, mesmo rendendo a homenagem incontornável ao estilista, Graciliano manterá sempre um pé atrás em relação ao Machado de Assis das antologias e dos discursos, o notável coberto de glórias.

Só que, nos últimos anos, os juízos tradicionais sobre o Bruxo foram submetidos a uma drástica revisão que já conta com uma considerável fortuna bibliográfi ca. Nesse sentido, é de citação incontornável a releitura de Machado feita por Ro-berto Schwarz7, a partir da qual se sedimenta uma nova visão sobre os signifi cados políticos disseminados — mas também dissimulados — na sua obra. Ou seja, mesmo nunca tendo

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sido homem de proclamações ou de gestos temerários, o fa-moso absenteísmo político de Machado de Assis deve ser en-carado com muitas nuances. Mas, de outro lado, deve também ser encarado com vários bemóis o engajamento político de Graciliano. No plano da arte que praticou, ele não foi propria-mente um escritor engajado.

Numa analogia — só que trafegando em sentido contrário — com a revisão por que o suposto absenteísmo político de Machado tem passado, deve ser também revista a visão, per-tencente a um certo senso comum alimentado pelo fato de Vi-das Secas ter-se tornado seu livro mais conhecido, de um Gra-ciliano praticando uma literatura “social”, por oposição a um Machado praticando uma literatura “psicológica”. A literatura do Rabugento nunca teve o caráter de “denúncia” — bastando sobre isso lembrar que, apesar de comunista literalmente de carteirinha (pois era inscrito no PCB), Graciliano Ramos sempre recusou as diretrizes estéticas do Partido, devotando especial horror ao chamado “realismo socialista” à época em voga. De toda forma, provavelmente pela suposta oposição profunda entre os dois, Machado e Graciliano não têm sido objeto de estudos comparativos sistemáticos.8

É verdade que não faltam referências aproximando um e outro — uma evocação, afi nal, natural, dada a proeminência que ambos desfrutam na literatura brasileira. Mas são rápidas e esporádicas observações a respeito de um ou outro aspecto geral da obra — como o óbvio “classicismo” detectado em am-bos por Tristão de Athayde9, ou o “tom dubitativo, de eterno fronteiriço do ‘sim’ e do ‘não’”, que seria de Machado e que Agripino Grieco vê na obra de estreia de Graciliano Ramos — Caetés.10 Já Álvaro Lins aproxima a visão de mundo de um e de outro pelo traço de união do pessimismo, sustentando que os dois partilham “a mesma concepção da vida, o mes-mo julgamento dos homens”, fazendo até uma diferença entre o humour de ambos: enquanto o do primeiro seria “destruidor, mas sereno”, o do segundo seria “sombrio e áspero”, concluin-do com um julgamento sobre o conjunto da obra do Velho

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Graça como sendo “um panfl eto furioso contra a humanida-de”.11 Roger Bastide não será menos terrível na sua avaliação:

Os heróis de Graciliano Ramos são seres que se co-mem a eles mesmos, que se devoram por dentro; não têm outro objetivo que não o de se destruírem lentamente, completamente, e de continuar, num clima de febre, de suor quente, de tremor de mús-culos, a lenta desorganização de sua própria vida.12

A menção de Bastide a seres “que se devoram por dentro” até que poderia servir para um personagem como Brás Cubas, que dedica suas memórias “ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver”. De Cubas, afi nal — como de Rubião em Quincas Borba, como de Bento Santiago em Dom Casmurro —, pode-se dizer que passou a existência tecendo “a lenta desorganização de sua própria vida”. Mas, é importante ressaltar, o ambiente aveludado em que todos eles se movem não é, seguramente, o de “febre, de suor quente, de tremor de músculos”. Excetuados o “delírio” de Brás Cubas e a “agonia, que foi curta”, de Rubião, os heróis machadianos não têm fe-bre, não exalam suor nem tremem os músculos em exaltações dostoievskianas. Nenhum deles é capaz da brutalidade de chi-cote na mão de um Paulo Honório (São Bernardo) ou do ódio homicida de um Luís da Silva (Angústia). São, antes, “oblíquos e dissimulados”, para usar a conhecida expressão. Obliquida-de e dissimulação que, atribuídas a Capitu, parecem aplicáveis antes de tudo ao próprio Machado... Mas voltemos aos dois.

Este ensaio é literalmente um ensaio — ou seja, uma ten-tativa de algumas aproximações entre Machado de Assis e Graciliano Ramos sugeridas por releituras dos dois em anos recentes. Essas releituras, por seu lado, benefi ciaram-se de lei-turas da fortuna crítica de ambos — que ora sugeriam insights, ora os “confi rmavam”. Como sempre, é difícil dizer quem nas-ce primeiro: se o ovo, se a galinha. Só para dar um exemplo. Em 2003, numa releitura que fi z de São Bernardo, deparei-me

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com trechos como o seguinte, ao fi m do capítulo 13:

Hoje isso forma para mim um todo confuso, e se eu tentasse uma descrição, arriscava-me a misturar os coqueiros da lagoa, que apareceram às três e quin-ze, com as mangueiras e os cajueiros que vieram depois. Essa descrição, porém, só seria aqui em-butida por razões de ordem técnica. E não tenho o intuito de escrever em conformidade com as regras. Tanto que vou cometer um erro. Presumo que é um erro. Vou dividir um capítulo em dois.

O trecho, praticamente sem tirar nem pôr, poderia ter sido escrito por Machado, que, sobretudo na segunda fase, iniciada com Brás Cubas, faz dessas idas e vindas, dialogando e às vezes “negociando com o leitor” o andamento da narrativa, uma de suas imagens de marca mais notáveis. Veja-se, a título de com-paração, esse trecho do capítulo cxxx de Dom Casmurro:

Perdão, mas este capítulo devia ser precedido de outro, em que contasse um incidente, ocorrido poucas semanas antes [...]. Vou escrevê-lo; podia antepô-lo a este, antes de mandar o livro ao prelo, mas custa muito alterar o número das páginas; vai assim mesmo.

Aproveito para uma refl exão metodológica em forma de pergunta: teria eu descoberto essa proximidade narrativa en-tre os dois “sozinho”, ou teria sido, mesmo inconscientemente, infl uenciado por leituras que fi zera naquele mesmo ano? — ano em que se lembrava o cinquentenário da morte de Graci-liano e em que foram publicados vários dossiês sobre ele. De um modo geral, os escritos então publicados punham ênfase na originalidade e na qualidade estilística da obra do home-nageado. Num deles, notava seu autor: “releituras recentes de Graciliano Ramos enfatizam o caráter metalinguístico de sua obra [...], ultrapassando os estereótipos regionalistas e enfati-

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zando a complexidade do seu engajamento político e estilísti-co.”13 Por essa época, o subtítulo de um livro que aborda idên-tica problemática chamou-me a atenção: a metalinguagem em Graciliano Ramos e a tradição literária brasileira. Seu autor ia também na mesma direção, ao sustentar a tese de que ela, a metalinguagem, constituía um “aspecto indissociável de sua produção literária.”14 Distanciando-se da abordagem de um Graciliano consagrado pelos leitores como um “escritor da seca”, o autor expunha um Graciliano permanentemente pre-ocupado com problemas de composição, “quase sempre as-sociados ao laboratório de experimentos modernistas” — em relação aos quais, aliás, Graciliano nunca escondeu sua anti-patia. Daí surgia um escritor no qual o texto exercia perma-nentemente um “voltar-se sobre si mesmo”15 bem típico dos modernos — e de Machado!

Voltando à pergunta do parágrafo anterior sobre a anterio-ridade do ovo ou da galinha, a resposta é que não sei. O que sei é que, desde então, passei a ler os dois autores municiado pela hipótese da afi nidade existente entre ambos em relação a certos aspectos cruciais de suas obras. E isso malgrado a opi-nião fortemente crítica de Graciliano sobre Machado. Daí a hipótese das afi nidades não eletivas contida no subtítulo. Aqui, um parêntese. O conceito de afi nidades eletivas, cuja origem remonta à alquimia, adentrou a área da literatura e depois da sociologia por meio, respectivamente, de Goethe e Max We-ber. Do primeiro retém-se o romance que escreveu com esse mesmo nome, no qual se trata de seres que “se procuram um ao outro, se atraem, se capturam e, em seguida, ressurgem dessa união íntima numa forma renovada e imprevista”. Com Weber, a expressão transforma-se em “conceito sociológico”, guardando da antiga acepção as “conotações de escolha recí-proca, atração e combinação”. Isso permitiria compreender

um certo tipo de conjunção entre fenômenos apa-rentemente disparatados, no seio de um mesmo campo cultural (religião, fi losofi a, literatura) ou

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entre esferas sociais distintas: religião e economia, mística e política etc.

O exemplo mais conhecido disso é o encontro aparente-mente inesperado entre “ética protestante e espírito do capita-lismo”, conforme estudado no clássico do sociólogo alemão.16

Aqui, porém, se estamos em presença de fenômenos dis-paratados, verifi camos também a presença de um movimento de “eleição” no sentido de sua aproximação, daí justamente a defi nição dessas afi nidades como eletivas. Ora, no caso das afi nidades que julgo ver entre Machado e Graciliano, elas não se dão em razão de uma escolha de qualquer dos pólos na di-reção um do outro. Machado, mesmo tendo sido um “defunto autor”, que aboliu as fronteiras do tempo, não esperou a vinda de Graciliano ao mundo para escrever as suas Memórias Pós-tumas! E Graciliano, que poderia ter escrito seu São Bernardo depois de ler Dom Casmurro, rejeitava vigorosamente qual-quer infl uência do Bruxo. Quando se falou nisso, o Rabugen-to se defendeu com o “argumento fulminante” de que “nunca havia lido antes Machado de Assis...”17 Argumento incrível no sentido mais etimológico da expressão: impossível de ser acre-ditado! Quando Graciliano começou a escrever seu primeiro romance, Caetés, já ia bem adiantado na terceira década de vida; mas, segundo seu biógrafo, a descoberta de Machado te-ria se dado quando ele estava na casa dos vinte!18 Como quer que seja, o argumento — a ser verdadeiro — é mais um ele-mento a demonstrar o quanto o Rabugento fazia questão de manter a distância do Bruxo. Daí a defi nição de suas afi nida-des como sendo não eletivas. Neste caso, a aproximação é feita na suposição de que elas existem, mas por uma terceira parte: o analista que os lê. É o caso de Álvaro Lins, já citado, desco-brindo uma visão pessimista sobre os homens partilhada por ambos. No meu caso, irei tentar demonstrar a hipótese da afi nidade sobre outros aspectos de sua obra. Quais?

Comecemos por voltar a explorar o tema da problemati-zação da escrita — dito de outra forma, da metalinguagem

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—, praticada por ambos. Segundo Marta de Senna, um dos elementos constitutivos da arte contemporânea seria aquilo que a crítica de tradição anglo-americana chama de “narrativa autoconsciente”:

Ao invés de obliterar o material de que é feita, como o faz a arte bem comportada, a arte contemporânea, confi rmando uma estratégia já ensaiada por Miche-langelo e Rembrandt (para citar somente dois expo-entes), exibe-o na sua contundência, que perfura a ilusão de realidade, valorizando o fazer e a concre-tude do sistema sígnico que utiliza.19

Nesse sentido, mesmo não sendo propriamente moder-nistas, Machado e Graciliano seriam moderníssimos! A “nar-rativa autoconsciente” é, nos dois, uma constante no corpus romanesco de suas obras. Em três dos cinco livros da segunda fase de Machado — Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Memorial de Ayres —, e, no caso de Graciliano, com a única exceção de Vidas Secas, em todos os outros li-vros — Caetés, São Bernardo, Angústia, Infância e Memórias do Cárcere — existe um narrador não onisciente à maneira do século XIX, mas consciente — o que é algo bem diverso — à maneira do século XX, conduzindo a narrativa; e ela própria torna-se matéria para refl exão. Em dois deles, por sinal (Cae-tés de Graciliano, Dom Casmurro de Machado), os narradores João Valério e Bentinho tentam, debalde, escrever outros li-vros. Para não me alongar desnecessariamente, não insistirei sobre outros exemplos atestando a problematização da pró-pria escritura nos dois autores, bastando, para fi xar esse pon-to, lembrar o clima de paródia e gozação que se instala logo nas primeiras linhas de Brás Cubas — no qual um “defunto autor” se propõe a contar sua história começando-a pelo fi m, estabelecendo assim uma “diferença radical entre este livro e o Pentateuco” —, e a metalinguagem explícita com que Gra-ciliano abre espetacularmente o São Bernardo, informando

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solenemente: “Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho.” Paulo Honório, o narrador, convoca diversos amigos para ajudá-lo a “contribuir para o desenvol-vimento das letras nacionais”: Padre Silvestre fi caria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira, com a pontu-ação, a ortografi a e a sintaxe; Arquimedes, com a composição tipográfi ca; e Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, jornalista de província, com a composição literária. Ele, Paulo Honório, com uma franqueza brutal e desrespeitosa, informa seu papel na empreitada: “Eu traçaria o plano, introduziria na história rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e po-ria o meu nome na capa.” Ao fi m da página, o projeto já tinha dado com os burros n´água: “João Nogueira queria o romance em língua de Camões, com períodos formados de trás para diante. Calculem.”

Na opinião de alguns críticos, que aqui seguirei, essas ir-rupções um tanto acintosas do Bruxo e do Rabugento no texto não seriam simplesmente pirotecnias gratuitas de dois auto-res — tão diferentes no temperamento, aliás — brincando com seu público. Umas e outras fariam parte de um investimento no texto, com sutileza e intensidade por parte de dois escrito-res que teriam realizado, com sucesso, a conjunção de forma e conteúdo — aquela não sendo meramente uma expressão externa deste, mas sua expressão internalizada.20 Ilustro esse movimento com a análise que Roberto Schwarz faz da obra de Machado, a qual adquiriu, entre nós, uma dimensão mais reluzente depois do trabalho de revisão por ele promovido.

A matriz da reinterpretação de Machado que Schwarz imprimi-rá em suas pesquisas é o trabalho seminal já citado, cujo primeiro capítulo se chama, signifi cativamente, “As ideias fora do lugar”. Do que se trata? Trata-se do Brasil do século XIX e da “disparida-de entre a sociedade brasileira, escravista, e as ideias do libe-ralismo europeu [...], referências para todos”. Está montada o que o autor chama de “comédia ideológica”. Schwarz, enquan-to leitor de Marx, não se furta de observar que “a liberdade do trabalho, a igualdade perante a lei e, de modo geral, o uni-

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versalismo eram ideologia na Europa também”. Mas lá, pelo menos, “correspondiam às aparências, encobrindo o essencial — a exploração do trabalho.” Já entre nós, nem isso: “a De-claração dos Direitos do Homem, por exemplo, transcrita em parte na Constituição Brasileira de 1824, não só não escondia nada, como tornava mais abjeto o instituto da escravidão”. E pergunta: “Que valiam, nestas circunstâncias, as grandes abs-trações burguesas que usávamos tanto?”21

Ao Vencedor é de 1977. Apenas em 1990 aparecerá sua continuação, Um Mestre na Periferia do Capitalismo, no qual Schwarz, abordando com especial ênfase o romance inaugu-ral da segunda fase de Machado, Memórias Póstumas de Brás Cubas, enriquece sua análise com a preciosa hipótese de que os dois traços onipresentes no texto do defunto autor — a “vo-lubilidade do narrador” e o “constante desrespeito de algu-ma norma” —, sendo comportamentos típicos da nossa classe senhorial de então, representariam “uma estilização de uma conduta própria à classe dominante brasileira”.22 Teríamos aqui um bom exemplo da internalização do externo de que falamos logo acima. Brás Cubas, dentro dessa leitura, é um “fi lhinho de papai” que se compraz em montar cavalinho com o “moleque de casa”, Prudêncio, e praticar estripulias com os convidados, sob o olhar complacente do pai que, “passado o alvoroço, dava-[lhe] pancadinhas na cara e exclamava a rir: Ah! brejeiro! Ah! brejeiro!” Para Schwarz, esse mesmo capri-cho de classe embrenha-se no texto, e Brás Cubas, com uma desfaçatez inédita na literatura brasileira, agride os leitores ao adotar o arbítrio e a volubilidade como princípios condutores da trama.

Um dos elementos desse ambiente histórico-social apare-ce no verdadeiro “show de cultura geral caricata, uma espécie de universalidade de pacotilha, na melhor tradição pátria”, que constitui o discurso de Brás Cubas apresentando o fa-moso “emplasto” com que pretendia salvar a humanidade de sua melancolia.23 Trata-se do mundo do “bacharel com bela cultura”24 tipicamente nosso, tão bem ilustrado pelo próprio

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Machado no famoso conto Teoria do Medalhão, onde um or-gulhoso pai dá ao fi lho recém diplomado conselhos para subir na vida:

— Se for ao parlamento, posso ocupar a tribuna?— Podes, e deves; é um modo de convocar a aten-ção pública. Quanto à matéria dos discursos, tens à escolha: ou os negócios miúdos, ou a metafísica política, mas prefere a metafísica.

À luz dessas considerações, o “humanitismo” bolorento de Quincas Borba, os superlativos ocos do agregado José Dias da família de Bentinho, a genealogia fantasiosa de Brás Cubas etc. adquirem matizes que não tínhamos percebido. O que nos remete ao fenômeno do bacharelismo, que não passou despercebido de Sérgio Buarque de Holanda quando tratou de inventariar as nossas raízes.25 Traço impagável do nosso homem cordial, o bacharelismo é defi nido como “um amor pronunciado pelas formas fi xas e pelas leis genéricas, que cir-cunscrevem a realidade complexa e difícil dentro do âmbito dos nossos desejos”. Daí “a facilidade com que [os brasileiros] se alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais varia-dos matizes e com que sustentam, simultaneamente, as con-vicções mais díspares”.26 É um julgamento em tudo semelhante ao que diz Schwarz a respeito do uso das “grandes abstrações burguesas” sem correspondência alguma com a realidade so-cioeconômica de então, sequer com sua “aparência”, produ-zindo o que ele chama de “comédia ideológica”. Exprimindo-se em termos que bem poderiam ter sido escritos pelo autor de Raízes do Brasil, Schwarz conclui a descrição dessa comé-dia com uma nota de bom humor: “Sem prejuízo de existir, o antagonismo se desfaz em fumaça e os incompatíveis saem de mãos dadas.”27 Lida dessa forma, a obra de Machado presta-se a um interessante exercício de aproximação com certos temas explorados por Graciliano, sendo o bacharelismo, no sentido aqui empregado, um deles.

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Pegue-se o capítulo “Um Soneto”, de Dom Casmurro. Um belo dia, Bentinho acorda com um verso na cabeça: Oh! fl or do céu! oh! fl or cândida e pura. Não adianta lhe perguntar de onde veio. É o próprio narrador que informa, naquele incon-fundível humour machadiano: “Como e por que me saiu este verso da cabeça, não sei; saiu assim, estando eu na cama, como uma exclamação solta.” Apaixonado, logo imagina quem seria a fl or do misterioso verso: “Capitu, naturalmente”. Mas sem muita convicção, pois “podia ser a virtude, a poesia, a religião, qualquer outro conceito a que coubesse a metáfora da fl or, e fl or do céu”. Vem-lhe a ideia de produzir um soneto. E, depois de “muito suar”, acode-lhe esta chave de ouro: Perde-se a vida, ganha-se a batalha! O problema agora é produzir os 12 ver-sos que faltam entre o primeiro e o último. Como e com que recheá-los? Machado, dir-se-ia, compraz-se num exercício de gozação com as “grandes abstrações burguesas”, ao mudar su-bitamente de registro: “A ideia agora, à vista do último verso, pareceu-me melhor não ser Capitu; seria a justiça.”

Ora, esse tipo de sonetista foi desde sempre um persona-gem fustigado por Graciliano Ramos. O Bentinho do episódio lembra, sem tirar nem pôr, a fi gura sem qualquer convicção do poeta de província evocada por Graciliano numa de suas crônicas: um tipo que “anda com a cabeça no ar, como convém a um indivíduo que faz versos. Através da fumaça branca de seu cigarro percebe vagamente alguma coisa muito brilhante e muito grande a acenar-lhe”.28 O quê, pouco importa. O que importa — remetendo-me outra vez a Sérgio Buarque e a uma das descrições que ele faz do tipo bacharelesco — é “certo tipo de erudição sobretudo formal e exterior, onde os apelidos ra-ros, os epítetos supostamente científi cos, as citações em língua estranha se destinam a deslumbrar o leitor como se fossem uma coleção de pedras brilhantes e preciosas”.29 Na forma e no conteúdo, a fi gura corresponde a um outro tipo de Graciliano, o do funcionário lotado “numa cidadezinha de 5 mil habitan-tes”, que ele evoca numa das crônicas escritas para a revista Cultura Política na década de 1940:

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O funcionário mencionado era por desgraça um li-terato. Os literatos da roça fazem de ordinário sone-tos, acrósticos, discursos, dramas, onde se juntam palavras bonitas e inofensivas, pedaços da Revolu-ção Francesa, Tiradentes e Iracema.

A descrição, por sua vez, cai como uma luva na refl exão de João Valério (Caetés) quando este, num daqueles serões típi-cos do interior brasileiro dos anos 1920, entra numa discussão com o indefectível vigário local a respeito da grandeza de Au-gusto Comte, arriscando um blefe — ou, como o Velho Graça escreveria, um bluff :

Declarei que aquele senhor era, não obstante, um inspirado poeta, e logo me arrependi de ter falado. Sei realmente, sem nenhuma sombra de dúvida, que Augusto Comte foi grande, mas ignoro que es-pécie de grandeza era a dele. Depois serenei, porque ninguém ali [...] compreendia um disparate.

E eis como Luís da Silva, o pequeno funcionário ressentido e pobre — mas sonhando com grandeza literária —, destila em Angústia seu ódio ao “caráter bacharelesco”30 de Julião Tava-res, o burguês gordo, vermelho e falador que termina seduzin-do e abandonando Marina, a vizinha pobre com quem Luís pretendia casar:

O que não achava certo era ouvir Julião Tavares to-dos os dias afi rmar, em linguagem pulha, que o Brasil é um mundo, os poetas alagoanos uns poetas enor-mes e Tavares pai, chefe da fi rma Tavares & Cia., um talento notável, porque juntou dinheiro. Essas coisas a gente diz no jornal, e nenhuma pessoa mediana-mente sensata liga importância a elas. Mas na sala de jantar, fumando, de perna trançada, é falta de vergo-nha. Francamente, é falta de vergonha.

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Na fi gura de Julião Tavares concentra-se o “ódio ao bur-guês” e ao “bacharelismo da linguagem”31 de que ele se vale para pontifi car nos serões suburbanos de Maceió, onde vai procurar moças pobres para seduzir. Retomo, aqui, a refl e-xão de Marcelo Bulhões sobre a dimensão metalinguística da obra de Graciliano: “Trata-se de uma atitude desmistifi -cadora da linguagem estereotipada, beletrista, vinculada ao movimento ideológico que consiste em substituir a realidade dos fatos vivos por uma apoteose verbal.”32 Essa tensão entre realidade real e realidade apoteótica fi ca mais do que nunca clara em Caetés, romance de estreia de Graciliano, geralmente considerado um livro menor na sua obra e, muito injustamen-te, repudiado pelo próprio autor — que, aliás, num exercício de autopunição ou, quem sabe, excessiva vaidade, comprazia-se em depreciar o próprio valor literário.

Como se sabe, o romance conta a história de João Valério — certamente um alter ego de Graciliano — e sua tentativa, infrutífera, de escrever um romance que teria o mesmo título do livro que o narrador acaba escrevendo. As implicações me-talinguísticas são evidentes:

João Valério é o narrador de Caetés de Graciliano e ao mesmo tempo autor de um romance cujo título é certamente o mesmo. Desse modo, João Valério inscreve-se no espaço de cruzamento entre duas linguagens opostas. O discurso narrativo de Caetés de Graciliano é a própria ‘fala’ de João Valério. En-tretanto, quando Valério se põe a narrar sua aventu-ra de escritor e quando se põe a ‘escrever’ seu livro, este mantém com o livro de Graciliano, do qual é narrador, uma evidente oposição no plano estilísti-co e na própria matéria narrada.33

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A oposição deriva do fato de que, enquanto Graciliano, João Valério escreve uma prosa limpa, clara e contundente; mas enquanto autor do livro dentro do livro, põe-se a buscar “belos efeitos”, inclusive um vocabulário desconhecido, “na intenção de impressionar o leitor”.34 O próprio narrador faz a confi ssão: “O meu fi to era empregar uma palavra de efeito: tibicoara. Se alguém me lesse, pensaria talvez que entendo de tupi, e isso me seria agradável.”35 Vê-se aqui, em ato, a “lingua-gem pulha” de Julião Tavares, servindo a fi ns de empulhação... Não é de admirar, assim, que João Valério — vale dizer, Gra-ciliano — não consiga levar adiante o livro que “João Valério” tenta escrever. Nesse fracasso reside a sutil dimensão metalin-guística de Caetés, e, no fi m das contas, a alta qualidade desse livro que precisa ser reavaliado — para cima! Juntando-se os dois fi os desse percurso, a “apoteose verbal” dos burgueses de província de Graciliano entrelaça-se com a “bela cultura” dos ociosos senhores de Machado. As afi nidades podem não ser eletivas, mas que há, há! Para além da empulhação, porém, há mais grave, aquilo que Schwarz chama de “exercício de abjeção”.

Em Um Mestre na Periferia do Capitalismo, que é de 1990, Schwarz refere-se um tanto de passagem ao “abjeto humor de classe praticado por Brás”.36 No ano seguinte, em um debate a propósito do livro, ele teoriza o tema: o dissimulado Macha-do, “ao invés de [...] falar em nome próprio, com lirismo ou refl exões sinceras, [identifi cou] o seu ‘eu lírico’ com o lado mais abjeto da classe dominante. [Ele] faz, por assim dizer, exercícios de abjeção”.37 Schwarz ilustra isso comentando os episódios em que Brás Cubas, já maduro, reencontra, respectivamente, seu antigo mestre-escola, Ludgero Barata — “um nome funesto” — , e seu antigo colega Quincas Borba — um “náufrago da existên-cia” —, ambos agora reduzidos à miséria:

O mestre-escola a quem Brás deve as primeiras le-tras havia ensinado meninos ‘durante vinte e três anos, calado, obscuro, pontual, metido numa casi-nha da rua do Piolho’. Ao morrer, ninguém — ‘nem

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eu’, conforme diz o próprio narrador com escárnio — o chorou. Uma vida de trabalho humilde e hon-rado, que não colhe reconhecimento algum: este é o X do episódio. Noutro passo, quando encontra um amigo de infância em andrajos e mendigando, a reação é inversa: o que Brás lastima é que o anti-go coleguinha desdenhe o trabalho e não se dê ao respeito. ‘Quisera ver-lhe a miséria digna.’ Assim, a dignidade que Brás não reconhece ao trabalhador, ele a exige do vadio.38

A abjeção reside na “moral da história” que Schwarz extrai desses dois casos: “Não [se] deve nada a quem trabalhou, mas quem não trabalhou não tem direito a nada (salvo à reprova-ção moral). Segundo a conveniência, valem a norma burguesa ou o desprezo por ela.”39

Exercícios desse tipo podem ser facilmente encontrados na obra de Graciliano, sobretudo nos três primeiros livros, cuja narrativa é conduzida na primeira pessoa — João Va-lério, Paulo Honório e Luís da Silva, respectivamente, por trás dos quais é impossível não perceber muito do Rabugen-to que os criou! Se no primeiro tais exercícios não chegam a perturbar — dada, aliás, a própria mediocridade de João Valério —, no último eles chegam a incomodar, dada a fero-cidade da linguagem de Luís da Silva, que logo na primeira página avisa:

Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditó-rios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa.

Verdade seja dita, esse ódio que espuma de um funcioná-rio subalterno não tripudia apenas os que estão por baixo. Ao contrário, seu ódio preferencial vai para Julião Tavares, o bur-guês porcino que é apresentado assim:

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Conheci esse monstro numa festa de arte no Instituto Histórico. De quando em quando um cidadão se le-vantava e lia uma composição literária. [...] Pelo meio da função um sujeito gordo assaltou a tribuna e gritou um discurso furioso e patriótico. Citou os coqueiros, as praias, o céu azul, os canais e outras preciosidades alagoanas [...]. Conversa vai, conversa vem, fi quei sa-bendo por alto a vida, o nome e as intenções do ho-mem. Família rica. Tavares & Cia., negociantes de se-cos e molhados, donos de prédios, membros infl uen-tes da Associação Comercial, eram uns ratos.

Aqui, o “eu lírico” que Graciliano se põe a exercitar é contra todas as classes — no limite, contra a humanidade inteira —, não havendo a identifi cação, que Schwarz detecta em Macha-do, com a classe dominante, até pelo fato de Luís da Silva não passar de um funcionário subalterno. Em São Bernardo, ao invés, há sim essa identifi cação: Paulo Honório representando com brio o lado mais brutal da dominação classista como ela se dá entre nós, aquela que se exerce às escâncaras nos nossos grotões rurais. Já se falou de São Bernardo como “um Dom Casmurro ruralizado”.40 Concordo com o insight e aqui invisto nele. Em primeiro lugar, ambos os livros têm num ciúme do-entio e em suas consequências o núcleo dramático em torno do qual se constrói a narrativa. Uma comparação de caráter anedótico, entretanto, traria uma objeção inicial: Madalena, a Capitu de São Bernardo, vítima de Paulo Honório, seu Bento Santiago, é comprovadamente inocente. Uma maneira de su-perar a oposição é observar, como o fez Silviano Santiago, que “os críticos [estão] interessados em buscar a verdade sobre Capitu, ou a impossibilidade de se ter a verdade sobre Capitu, quando a única verdade a ser buscada é a de Dom Casmur-ro”.41 Noutros termos, a afi nidade que vejo existir entre os dois livros desloca seu enfoque da trama e privilegia seus narrado-res. E é aí, nos “exercícios de abjeção” que ambos promovem, que reside a meu ver sua similitude mais interessante.

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Paulo Honório não é nenhum “fi lhinho da mamãe” mofi no e cheio de dedos como Bentinho. Na sua própria descrição, o dono de São Bernardo tem “um nariz enorme, uma boca enor-me, dedos enormes”. Sua linguagem, diferentemente do feltro de Bento Santiago, não alisa. Se este, para descrever a subser-viência do agregado da mãe, informa com aquela graça toda machadiana que ele “sabia opinar obedecendo”, aquele, mais próximo da zoologia, informa de um dos seus que ele “parecia um cágado”. No processo de composição do texto, os “narra-dores conscientes”, que são um e outro, não têm a mesma deli-cadeza. Se Bentinho anuncia que “esta página vale por meses, outras valerão por anos, e assim chegaremos ao fi m”. Honório, mais próximo da agricultura, diz como funciona sua economia: “extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é baga-ço.” O processo de absorção dos respectivos agregados também apresenta diferenças signifi cativas. É assim que José Dias é in-corporado à casa de D. Glória, depois que esta enviúva:

Quando meu pai morreu, a dor que o pungiu foi enorme [...]. Minha mãe fi cou-lhe muito grata, e não consentiu que ele deixasse o quarto da chácara; ao sétimo dia, depois da missa, ele foi despedir-se dela.— Fique, José Dias.— Obedeço, minha senhora.Teve um pequeno legado no testamento, uma apó-lice e quatro palavras de louvor. Copiou as palavras, encaixilhou-as e pendurou-as no quarto, por cima da cama. ‘Esta é a melhor apólice’, dizia ele muita vez.

Será necessário lembrar que o pobre do José Dias na ver-

dade não tinha para onde ir? Que a dignidade em aceitar a proposta de D. Glória é mais um pequeno episódio da “comé-dia ideológica” de que fala Schwarz? Com Paulo Honório essa sutileza não existe, a miséria é grande, escancarada e ele não precisa salvar as aparências para preservar qualquer resto de dignidade — mesmo fi ngida — da velha Margarida:

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Lembro-me de um cego que me puxava as orelhas e da velha Margarida, que vendia doces. O cego desapareceu. A velha Margarida mora aqui em S. Bernardo, numa casinha limpa, e ninguém a inco-moda. Custa-me dez mil-réis por semana, quantia sufi ciente para compensar o bocado que me deu.

Malgrado isso, existem restos de humanidade em Paulo Honório de que não se vê fi apo em Bentinho.42 Já não direi do tratamento que ele dá à morte de Capitu: “creio que ainda não disse que estava morta e enterrada. Estava; lá repousa na velha Suíça” — e só. Isso dito assim, desleixadamente, como se fosse a irrupção de um parêntese incômodo. Não argumentarei com esse gélido “assassinato” porque, afi nal, Bentinho crê — ou quer crer — na sua traição. O pior vem depois. Filho adulterino ou não, Ezequiel, nascido de suas núpcias, morre de uma febre tifoide nos arredores de Jerusalém e os amigos mandam o de-senho da sepultura junto com um resto de dinheiro que ele levava. Comentário do presumido pai: “pagaria o triplo para não tornar a vê-lo.” E, um parágrafo depois, esse acréscimo dispensável e, por isso, odioso: “Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro.” Paulo Honório, incapaz de amar, também não quer bem ao fi lho que teve com Madalena. Ao fi m do livro, só e insone, tenta repousar a cabeça na mesa onde escreve, sem nenhuma benevolência: “É horrível! Se aparecesse alguém... Estão todos dormindo. Se ao menos a criança chorasse... Nem sequer tenho amizade a meu fi lho. Que miséria!”

Também não há amor nesse desfecho. Mas aí, pelo menos, há sofrimento.

�Deixemos em paz esses infelizes. Suas diferenças poderiam

nos levar a investir nas próprias diferenças entre as duas fi gu-ras humanas que os engendraram, quando a intenção deste texto é a de sobrelevar suas afi nidades. Essas, como disse, se constroem a posteriori e até malgrado os autores afi ns, mas não é uma construção arbitrária. Ela não nasce “da infl uência

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direta de um autor sobre o outro, mas de uma certa identidade de sentimentos em face da vida e da literatura”43 que, obvia-mente, cabe ao leitor/intérprete intuir num primeiro momen-to e, em seguida, demonstrar — se não com a exatidão e a certeza das demonstrações científi cas, pelo menos com uma verossimilhança razoável; em todo caso, possível.

Retomemos a hipótese da “identidade de sentimentos em face da vida e da literatura” de que fala Álvaro Lins. A prin-cípio parece uma temeridade sugerir tal coisa a propósito de duas fi guras cujas diferenças não podem ser escamoteadas. Nada, numa primeira mirada, parece aproximá-los. Macha-do, de temperamento acomodado, viveu e escreveu sobre o mundo da Corte brasileira no pachorrento Segundo Reinado; Graciliano, um enfezado, viveu e escreveu sobre o pedaço de chão entre o litoral e o sertão do nordeste brasileiro — com o estreito agreste de permeio. Entretanto, se a hipótese e os ele-mentos que a sustentam aqui apresentados são bons, haveria, abaixo da superfície enganosa, uma signifi cativa homologia freática entre os textos de ambos. Afi nal, a surpreendente se-melhança na gozação que um e outro fazem do bacharelismo e o exercício de abjeção em que ambos se comprazem — para só fi car nesse dois elementos — acodem em favor de tal hipótese. Vamos explorá-la um pouco.

Identidade de sentimentos em face da vida — é o primeiro elemento da proximidade que Lins vê entre os dois. É verda-de que, aqui, ele está se referindo a um elemento por assim dizer fi losófi co: o pessimismo de ambos. Mas talvez seja in-teressante explorar um outro tipo de sentimento comum: o estranhamento de um e de outro em relação à sociedade em que viveram. Referida a Graciliano — um comunista que não escondia o famoso “ódio ao burguês” —, a afi rmação chega a ser um truísmo; referida a Machado — o exemplar servidor apegado ao seu “funcionarismo garantido” —, parece um des-propósito. Talvez não seja. John Gledson, num dos livros que dedicou ao Bruxo, deu-lhe o subtítulo de “Impostura e realis-mo”. Nele, Gledson sugere que a “agudeza, a lâmina pontia-

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guda” de Machado deve-se sua “visão da sociedade na qual se criou, na qual teve muito sucesso profi ssional, mas que — em um nível que só encontra expressão em suas maiores obras — talvez detestasse”.44 É possível. Bem possível. Machado foi na infância um mulatinho pobre que chegou a vender doces na rua, feitos pela madrasta, Maria Inês, para viver. Sua ascensão social foi impressionante, por mérito próprio, à custa de muito esforço e trabalho, mas também do rompimento com o lado paupérrimo de suas origens, que deixou defi nitivamente para trás assim que se arranjou na vida. Maria Inês — doceira, mu-lata, analfabeta — foi praticamente abandonada no subúrbio onde morava e nunca chegou sequer a ser apresentada à espo-sa portuguesa, branca e instruída de Machado. Sem pretender fazer psicanálise óbvia, o Bruxo reprimiu esse lado escuro da sua vida. E ainda sem querer resvalar na obviedade psicanalí-tica, parece que mais tarde ele foi alcançado pelo “retorno do reprimido”. É o que especula Lúcia Miguel Pereira, na biogra-fi a que lhe dedicou:

No momento, essa separação fria e voluntária não o parece ter feito sofrer; mas causou-lhe um mal-estar íntimo, um remorso subterrâneo que explodirá, de-pois de longo trabalho interior, em A Mão e a Luva, em Helena, em Iaiá Garcia, na Casa Velha [...], todos girando em torno do problema da hierarquia social, do direito, para o indivíduo, de mudar de classe, da luta entre a ambição e o sentimento.45

E a partir de Brás Cubas, como se sabe, o Bruxo iria abrir a porteira por onde passaria, agora sem peias, uma obra li-terária tão corrosiva e de um cinismo tão incrivelmente ex-plícito que chega a causar espécie que seu autor, ao contrário de se tornar um maldito, tenha se tornado um ícone saudado no seu enterro por Ruy Barbosa e outras glórias da época. A explicação mais corrente, a de que ele não foi corretamente entendido, parece verossímil. Tanto mais que, tendo-a escrito

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com a “pena da galhofa”, como o próprio memorialista de-funto diz, Machado pode ter sido agraciado pelo benefício da dúvida: estava ele falando sério? Provavelmente a resposta, a maior parte das vezes, foi negativa — como provavelmente foi também negativa a resposta à pergunta que as pessoas se fi ze-ram quando Swift sugeriu que os pobres deveriam comer os próprios fi lhos para acabar com o problema da fome: poderia ser a sério um absurdo desses? Em um nível superfi cial, sabe o leitor, não! Em um nível mais signifi cativo, a resposta, em ter-mos literais, continua sendo negativa, mas a proposta dá o que pensar. Machado, leitor de Swift , provavelmente estava empu-lhando os seus leitores — ele que, conforme relatado por Arari-pe Júnior, tinha especial apreço por essa máxima: “Tudo! meu amigo, tudo! menos viver como um perpétuo empulhado!”46

Essa recusa da empulhação por parte de Machado — ao mesmo tempo em que, suprema ironia!, a praticava — é tam-bém um traço poderoso na obra de Graciliano Ramos. “Ne-nhuma concessão. Nenhuma trucada.”47 Foi assim que o “es-piritualista” Octavio de Faria resumiu a atitude do rabugento “materialista” frente à literatura. Não será essa também, se bem que dissimulada, a atitude do Bruxo? Por isso John Gled-son defi niu-lhe a obra como fundamentalmente realista — “se entendemos por realismo a intenção do romancista de revelar, através da fi cção, a verdadeira natureza da sociedade que está retratando”.48 Nesse caso, para voltar à formulação de Álvaro Lins, haveria entre Machado e Graciliano também uma iden-tidade de sentimentos face à literatura.

Mas por realismo não se deve entender uma pretensão ingênua de traduzir, em forma de texto, o real em sua in-tegralidade. Um e outro eram “narradores conscientes” o bastante para saber, e declará-lo, que uma “página vale por meses” (Machado) e que, extraídas dos acontecimentos algu-mas parcelas, “o resto é bagaço” (Graciliano). Por mais que seja problemático defi nir o que seja realismo, e não tenho essa pretensão, intuímos todos o que isso quer dizer quando contrapomos a obra de ambos a alguns de seus contempo-

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râneos. No caso de Machado, percebemos todos que ele fala de uma realidade mais real do que aquela de Alencar e seus gaúchos, sertanejos e índios decalcados de cavalheiros eu-ropeus; no caso de Graciliano, que seus pobres diabos têm bem mais carne e osso do que os pescadores de Jorge Ama-do derramando dores de amor como se estivessem recitando Castro Alves em um sarau burguês. Machado e Graciliano, malgrado suas diferenças — que não são pequenas —, são um e outro imensos escritores cuja leitura nos ensina muita coisa sobre essa mistura de chanchada e esperança chamada Brasil. Se o leitor que me acompanhou até aqui está interes-sado nesse enigma, recomendo que troque uma das várias frivolidades que nos distraem nesse mundo entulhado de “cultura” pela leitura de ambos.

�Notas1 Mário de Andrade, “Machado de Assis”. In: Aspectos da Literatura Brasi-leira. São Paulo/Brasília: Martins/INL, p. 89, 1972.

2 Citado por Zuenir Campos Reis, “Sinal de Menos”. In: Teresa — revista de literatura brasileira. São Paulo: USP/Editora 34, nº 2, p. 160, 2001.

3 Citado por Dênis de Moraes, O Velho Graça. Rio de Janeiro: José Olym-pio, pp. 171-172, 1996.

4 Idem, op. cit., p. 69.

5 Graciliano Ramos, Linhas Tortas. Rio de Janeiro: Record, pp. 104-105, 1989.

6 Dênis de Moraes, op. cit., p. 171.

7 Roberto Schwarz, Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1977.

8 Como exceção à regra, anote-se o estudo recente de Gledson, “Machado de Assis e Graciliano Ramos – Especulações sobre sexo e sexualidade”. In: Por um Novo Machado de Assis. São Paulo: Cia. das Letras, pp. 312-334, 2006.

9 Tristão de Athayde, “Os Ramos de Graciliano”. In: Viventes das Alagoas. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, p. 197, 1992.

10 Agripino Grieco, “Graciliano Ramos — Caetés”. In: Sônia Brayner (org.), Graciliano Ramos — Seleção de Textos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira (Coleção Fortuna Crítica), p. 149, 1978.

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11 Álvaro Lins, “Valores e Misérias das Vidas Secas”. In: Graciliano Ramos, Vidas Secas. São Paulo: Martins, p. 13, 1974.12 Roger Bastide, “O mundo trágico de Graciliano Ramos”. In: Teresa, op. cit., p. 139.13 Manuel da Costa Pinto, “Os cárceres da linguagem”. In: Cult – Revista Brasileira de Literatura. São Paulo: ano IV, nº 42, p. 45. 14 Marcelo Magalhães Bulhões, Literatura em Campo Minado. São Paulo: Annablume/FAPESP, p. 15, 1999.15 Idem, op. cit., p. 17.16 Informações e citações extraídas de Löwy, Rédemption et Utopie — Le ju-daïsme libertaire en Europe Centrale: une étude d´affi nité élective. Paris: Pres-ses Universitaires de France, pp. 13-21, 1988. Citações traduzidas pelo autor.17 Álvaro Lins, op. cit., p. 13.18 Dênis de Moraes, op. cit., p. 39.19 Marta de Senna, O Olhar Oblíquo de Machado de Assis – Ensaios em torno de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 24, 1998.20 Sobre o externo que se torna interno, ver Antonio Candido, “Crítica e Sociologia”. In: Literatura e Sociedade. São Paulo: Editora Nacional, 1976.21 Roberto Schwarz, op. cit., pp. 13 e 14. 22 Roberto Schwarz, Um Mestre na Periferia do Capitalismo. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, pp. 29 e 18, respectivamente, 2000.23 Idem, op. cit., p. 32.24 Roberto Schwarz, Duas Meninas, São Paulo: Cia. das Letras, p. 13, 1997.25 Da mesma maneira que não passou despercebido de Silviano Santiago, na análise que faz do pouco confi ável Bentinho (“Retórica da Verossimi-lhança”. In: Uma Literatura nos Trópicos. São Paulo: Perspectiva/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, p. 42, 1978.26 Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, pp. 158 e 155, respectivamente, 1995.27 Roberto Schwarz, Ao Vencedor as Batatas, p. 17.28 Graciliano Ramos, Linhas Tortas, p. 41.29 Sérgio Buarque de Holanda, op. cit., p 165.30 Marcelo Magalhães Bulhões, op. cit., p. 96.31 Idem, op. cit., p. 156.

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32 Idem, op. cit., p. 161.

33 Idem, op. cit., p. 30.

34 Idem, op. cit., p. 86.

35 Idem, ibidem.

36 Roberto Schwarz, Um Mestre na Periferia do Capitalismo, p. 107.

37 Roberto Schwarz, intervenção em “Machado de Assis: um debate”. In:

Novos Estudos CEBRAP. São Paulo: nº 29, p. 63, março de 1991.

38 Roberto Schwarz, Um Mestre na Periferia do Capitalismo, p. 104.

39 Idem, op. cit., p. 105.

40 Reinaldo Azevedo, “Graciliano, ou da piedade intransitiva”. In: Primeira

Leitura, nº 13, p. 120, março de 2003.

41 Silviano Santiago, op. cit., p. 32.

42 Como, aliás, em nenhum protagonista de Machado. O Bruxo era de

uma crueldade tão integral que dele nunca brotariam — em todo caso nun-

ca brotaram — páginas tão cheias de piedade como aquelas em que o Rabu-

gento descreve a morte da cachorra Baleia; de um pessimismo tão radical

que nunca escreveria uma página apesar de tudo tão prenhe de esperança

como aquela última de Vidas Secas.

43 Álvaro Lins, op. cit., p. 13.

44 John Gledson, Machado de Assis: impostura e realismo. São Paulo: Com-

panhia das Letras, p. 17, 1991.

45 Lúcia Miguel Pereira, Machado de Assis: estudo crítico e biográfi co. Belo

Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Universidade de São Paulo, p. 123, 1988.

46 Cit. por Roberto Schwarz, Um Mestre na Periferia do Capitalismo, p. 59.

47 Octavio de Faria, “Graciliano Ramos e o sentido do humano”. In: Graci-

liano Ramos, Infância. Rio de Janeiro: Record, p. 264, 1998.

48 John Gledson, Machado de Assis: impostura e realismo, p. 13.

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cip-brasil. catalogação-na-fonte sindicato nacional dos editores de livro, rj.

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Oliveira, José Luciano Góis deO Bruxo e o Rabugento : ensaios sobre Machado de Assis e Graciliano Ramos / José Luciano Góis de Oliveira. - Rio de Janeiro : Vieira & Lent, 2010. 160p.

ISBN 978-85-88782-65-5

1. Assis, Machado de, 1839-1908 - Crítica e interpretação. 2. Ramos, Graciliano, 1892-1953 - Crítica e interpretação. 3. Literatura brasileira - História e crítica. I. Título. II. Título: Ensaios sobre Machado de Assis e Graciliano Ramos.

09-5291. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81-3

06.10.09 13.10.09 015685

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Este livro foi produzido no Rio de Janeiro, no verão de 2010, pela vieira & lent casa editorial. Editado conforme o Acordo Ortográfi co da Língua Portuguesa em vigor a partir de 2009. Composto em Minam Pro 11.5/11 sobre papel offset 90 gr/m2 e cartão 250 gr/m2. Impresso nas oficinas gráficas da Vozes.

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