novembro de 2008 universidade: autonomia e função...

3
Universidade: autonomia e função social Nº 27 Novembro de 2008 Constituição & Democracia C&D O comércio da alma mater REUNI: a expansão do ensino superior Entrevista: Alexandre Bernardino Costa

Upload: duongcong

Post on 12-Feb-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Universidade:autonomia e

função social

Nº 27

Novembro de 2008 Constituição & DemocraciaC&D

O comércio daalma mater

REUNI: a expansão do ensino superior

Entrevista: AlexandreBernardino Costa

EDITORIALOObbsseerrvvaattóórriioo ddaa CCoonnssttiittuuiiççããoo ee ddaa DDeemmooccrraacciiaa

Qual deve ser o papel da Universidade em uma sociedade? Passado o mês do aniversário daConstituição Federal, o Observatório da Constituição e da Democracia direciona seu olharpara si mesmo e investiga as exigências que a democracia impõe ao ambiente acadêmico.

Desde as condições necessárias para a produção de conhecimento científico até o momento desua aplicação efetiva, buscamos indicar os eixos em que o compromisso com a sociedade deveser a todo momento rememorado.

Esquecer que as universidades são parte componente da sociedade é um primeiro passopara a desarticulação entre a sala de aula e a realidade vivida na rua. E esse desacoplamento trazproblemas para ambos os lados. Se a população desconhece e nada exige das instituições de en-sino superior, há uma perda de credibilidade e conseqüentemente de apoio social. Uma universi-dade distante reduz os cidadãos ao papel de mantenedores financeiros e de contribuintes que sus-tentam um aparato burocrático-administrativo encerrado em si mesmo, ou seja, que não se voltapara a própria sociedade em que está inserido.

Ensino, pesquisa e extensão devem estar coordenados com as demandas existentes forados muros das universidades. E a sociedade deve poder contar com centros de excelência que per-mitam concretamente a formação, não apenas de profissionais capacitados para o mercado, massobretudo de cidadãos capazes de fomentar a problematização da própria sociedade, em toda assuas áreas de interesse, incluindo a mídia, o Estado e, obviamente, a própria universidade.

Com essas diretrizes, este número do Observatório aborda a conexão e a indissociabilida-de entre ensino, pesquisa e extensão, além de trazer uma entrevista com o Decano de Extensãoda Universidade de Brasília, Professor Alexandre Bernardino Costa. Esta edição traz a defesa deuma gestão paritária entre professores, alunos e servidores, especialmente considerando o papelda UnB nos movimentos sociais. Aborda o instigante tema do estágio interdisciplinar de vivência ea sugestiva questão da “venda de alma mater”. O número se volta também para problemas pas-sados e presentes, como o tema da autonomia universitária, e futuros, como as discussões em tor-no do REUNI. No final, há a contribuição do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, quetrata da eleição de Barack Obama nos Estados Unidos.

O Observatório da Constituição e da Democracia propõe mais uma intervenção na socie-dade, tendo por ponto de partida, neste número, a universidade. Ao fazê-lo, (re)visita não apenasesse importante local de pensamento crítico e reflexivo, mas as próprias origens do Observatório.

GGrruuppoo ddee ppeessqquuiissaa SSoocciieeddaaddee,, TTeemmppoo ee DDiirreeiittooFFaaccuullddaaddee ddee DDiirreeiittoo –– UUnniivveerrssiiddaaddee ddee BBrraassíílliiaa

02 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | NOVEMBRO DE 2008

HHoorráárriioo ddee vveerrããoo ee ccllaassssiiffiiccaaççããoo iinnddiiccaattiivvaaRReennaattoo BBiigglliiaazzzzii -- Mestre em Direito pela UnB 0033

AA eexxtteennssããoo uunniivveerrssiittáárriiaa ccoommoo ccaammppoo ddee eeffeettiivvaaççããoo ddaa cciiddaaddaanniiaa nnoo mmaarrccoo ddaa CCoonnssttiittuuiiççããoo ddee 11998888 MMeenneelliicckk ddee CCaarrvvaallhhoo NNeettttoo -- Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília,Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenador do Grupo de Pesquisa"Sociedade, Tempo e Direito - STD" - FD/UNBGGuuiillhheerrmmee SSccoottttii -- Mestre e Doutorando em Direito, Estado e Constituição pela UnB 0044

PPaarriiddaaddee ee ggeessttããoo uunniivveerrssiittáárriiaa:: ppoorr qquuee tteerr mmeeddoo ddee aalluunnoo??NNaattáálliiaa AAllbbuuqquueerrqquuee DDiinnoo ddee CCaassttrroo ee CCoossttaa -- Graduanda em Direito e diretora acadêmica do CentroAcadêmico de Direito da UnB (CADir-UnB) 0066

VVeennddee--ssee aallmmaa mmaatteerr ((sseemm ssaabbeerr oo qquuee éé))!!SSvveenn PPeetteerrkkee -- Professor visitante da Faculdade de Direito da UnB, Doutor em direito pela Universidade Ruhr de Bochum (RFA) 0088

AAuuttoonnoommiiaa uunniivveerrssiittáárriiaa,, ddeemmooccrraacciiaa ee pprroodduuççããoo ccrrííttiiccaa ddoo ssaabbeerrRRiiccaarrddoo MMaacchhaaddoo LLoouurreennççoo FFiillhhoo -- Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília,professor universitário, pesquisador do Grupo "Sociedade, Tempo e Direito - STD" - FD/UnBNNooeemmiiaa PPoorrttoo -- Mestranda em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília, Especialista emDireito Constitucional pela mesma Universidade, Diretora da Escola da Magistratura do Trabalho da 10ªRegião (Ematra-X) e Juíza do Trabalho. 1100

EEnnttrreevviissttaa ccoomm PPRROOFF.. AALLEEXXAANNDDRREE BBEERRNNAARRDDIINNOO CCOOSSTTAA""NNoo ffiinnaall ddaass ccoonnttaass,, oo qquuee vvaaii ffiiccaarr éé aa eexxtteennssããoo""AAlleexxaannddrree BBeerrnnaarrddiinnoo CCoossttaa -- Decano de Extensão pro tempore da Universidade de Brasília, Doutor emDireito Constitucional, Coordenador do Grupo "Sociedade, Tempo e Direito – STD" – FD/UnBMMaarriiaannaa CCiirrnnee -- Procuradora Federal, Pesquisadora do Grupo "Sociedade, Tempo e Direito – STD" – FD/UnBRRaammiirroo NNóóbbrreeggaa SSaanntt’’AAnnaa -- Analista Judiciário – TST, Mestrando em Direito – FD/UnB, Pesquisador doGrupo "Sociedade, Tempo e Direito – STD" – FD/UnB 1122

OO RREEUUNNII ee aa qquueessttããoo ddoo aacceessssoo aaoo eennssiinnoo ssuuppeerriioorrLLeeoonnaarrddoo AA.. ddee AAnnddrraaddee BBaarrbboossaa -- Mestre e doutorando em Direito, Estado e Constituição (UnB),Pesquisador do Grupo "Sociedade, Tempo e Direito" (UnB) e advogado 1144

UUnniivveerrssiiddaaddee BBrraassiilleeiirraa nnoo SSééccuulloo XXXXII:: ppiirruueettaass ee mmaassccaarraaddaass MMaarriiaannaa RRooddrriigguueess VVeerraass -- Mestre em Direito (UnB), Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),Pesquisadora do grupo de pesquisa O Direito Achado na Rua (Plataforma Lattes) 1155

““UUnniivveerrssiiddaaddee ppaarraa qquuêê??””JJooããoo TTeellééssffoorroo NN.. ddee MMeeddeeiirrooss FFiillhhoo -- Graduando em Direito pela Universidade de Brasília, Primeiro-Secretário do Centro Acadêmico de Direito da UnB (CADIR - UnB) 1166

CCoonnttrroollee ddeemmooccrrááttiiccoo ddoo JJuuddiicciiáárriioo:: aa eexxppeerriiêênncciiaa ddoo CCoonnsseellhhoo NNaacciioonnaall ddee JJuussttiiççaaGGuussttaavvoo RRaabbaayy GGuueerrrraa -- Doutorando em Direito, Estado e Constituição - UNB, mestre em direito público -UFPE, professor do centro de ciências jurídicas da UFPB 1188

AA rreessssiiggnniiffiiccaaççããoo ddaa ddeemmooccrraacciiaa nnaa UUnnBB:: oo ddiiáállooggoo ccoomm ooss mmoovviimmeennttooss ssoocciiaaiiss,, uumm ccaammiinnhhoo aa ppeerrccoorrrreerrCCaarroolliinnaa PPeerreeiirraa TTookkaarrsskkii -- Mestranda em Direito, Estado e Constituição - UnBLLuuccaass RRaammaallhhoo MMaacciieell -- Mestre em Agricultura Familiar – UnB 2200

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO MMIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOOCCoorrttee CCoonnssttiittuucciioonnaall ddooss TTrróóppiiccoossAAnnttôônniioo CCaarrllooss AAllppiinnoo BBiiggoonnhhaa -- Procurador Regional da República e Presidente da ANPR 2211

OO mmééttooddoo ee aa vveerrddaaddee:: oo aapprreennddiizzaaddoo ccoonnssttiittuucciioonnaall ee aa UUnniivveerrssiiddaaddee AAlleemmããJJuulliiaannoo ZZaaiiddeenn BBeennvviinnddoo -- Pesquisador dos Grupos de Pesquisa Sociedade, Tempo e Direito e PensamentoSocial. Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília. Doutorando em Direito Público pela Universidade Humboldt de Berlim em conjunto com a Universidade de Brasília 2222

AA hheeggeemmoonniiaa ddoo bbeemmBBooaavveennttuurraa ddee SSoouussaa SSaannttooss -- Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra 2244

EXPEDIENTE

Caderno mensal concebido, preparado eelaborado pelo Grupo de PesquisaSociedade, Tempo e Direito (Faculdade de Direito da UnB – Plataforma Lattes do CNPq). IISSSSNN 11998833--88664466

CoordenaçãoAlexandre Bernardino CostaArgemiro MartinsCristiano PaixãoJosé Geraldo de Sousa JuniorMenelick de Carvalho NettoValcir Gassen

Comissão executivaMariana CirnePaulo Rená da Silva SantarémRicardo Machado Lourenço FilhoSilvia Regina Pontes LopesSven Peterke

Integrantes do ObservatórioAdriana Andrade MirandaAline Lisboa Naves GuimarãesBeatriz VargasDamião Alves de AzevedoDaniel Augusto Vila-Nova GomesDaniela Diniz

Daniele Maranhão CostaDouglas Antônio Rocha PinheiroDouglas LocateliEneida Vinhaes Bello DultraFabiana GorensteinFabio Costa Sá e Silva Giovanna Maria FrissoGuilherme ScottiJean Keiji UemaJorge Luiz Ribeiro de MedeirosJudith KarineJuliano Zaiden BenvindoLeonardo Augusto Andrade BarbosaLúcia Maria Brito de OliveiraMariana Siqueira de Carvalho OliveiraMarthius Sávio Cavalcante LobatoNatália DinoNoêmia Porto Paulo Henrique Blair de OliveiraRamiro Nóbrega Sant´AnaRaphael Augusto PinheiroRenato BigliazziRosane Lacerda

Projeto editorialR&R Consultoria e Comunicação Ltda

Editor responsávelLuiz Recena (MTb 3868/12/43v-RS)

Editor assistenteRozane Oliveira

Diagramação - Gustavo Di AngellisIlustrações - Flávio Macedo Fernandes

[email protected] www.fd.unb.br

Sindicato dos Bancáriosde Brasília

Assine C&Dhttp://www.unb.br/fd/ced/

PPrreeççoo aavvuullssoo:: RR$$ 22,,0000

CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | NOVEMBRO DE 2008 UnB – SindjusDF | 03

Renato Bigliazzi

Nossos leitores conhecem aclassificação indicativa. Elaé um serviço público que

oferece informações sobre progra-mas de televisão, filmes e outrasobras. A principal informação ofe-recida pelo serviço é uma mensa-gem que diz que determinado pro-grama não é recomendado para cri-anças ou adolescentes de uma de-terminada faixa etária.

Atualmente, a norma que diz co-mo a classificação deve ser é a Por-taria 1.220/2007 do Ministério daJustiça.

Essa portaria resulta de um lon-go debate entre governo, sociedadecivil e setor empresarial. Ela distri-bui responsabilidades, diz qual opapel do Poder Executivo, do Mi-nistério Público e das próprias em-presas de comunicação. Antes detudo, ela reconhece que a classifi-cação indicativa tem e deve ter ostatus de um direito, um direitofundamental.

Mas a Portaria 1.220 sempre es-teve sob ataque. O principal argu-mento contrário à Portaria é quenão cabe vincular tipos de conteú-do à exibição em horários específi-cos. Essa vinculação acabaria como caráter indicativo da classificaçãoe se tornaria uma espécie disfarça-da de censura.

Em outubro, a imprensa noti-ciou que as emissoras de televisãoteriam obtido do Ministério da Jus-tiça a promessa de que não precisa-riam respeitar a classificação indi-cativa nas regiões do Brasil que nãoadotam o horário de verão. Assim,as novelas classificadas para deter-minada idade no Sudeste (em fun-ção do seu conteúdo temático) po-deriam ser exibidas no Nordeste nochamado “horário livre”, ou seja, nafaixa horária destinada ao públicode todas as idades.

Depois de supostamente dizerque as emissoras poderiam ignorar o

horário de verão, o Ministério da Jus-tiça também teria dito que só concor-daria com a suspensão se o Ministé-rio Público Federal concordasse.

Felizmente, segundo mensagemrecebida pelo Observatório, o Mi-nistério Público Federal diz que jámanifestou sua discordância em re-lação a qualquer espécie de sus-pensão da classificação. Disse tam-bém que voltou a recomendar aoMinistério da Justiça que exija ocumprimento da classificação.

A divergência sobre a classifica-ção indicativa está longe de se es-gotar e a “batalha”, será que pode-mos dizê-lo, está longe de ser ga-

nha. Mas a reação rápida (até agoraeficiente) daqueles que são verda-deiros co-autores da Portaria 1.220parece indicar que todo o trabalhoempregado em sua elaboração re-sultou em algo mais do que um ser-viço de defesa dos interesses de cri-anças e adolescentes: parece indi-car a concretização do direito hu-mano à comunicação social.

E à medida que esse serviço ficaconhecido, o argumento contrárioque se baseia numa identidade en-tre classificação e censura passa aosegundo plano. A própria ênfaseem aspectos ideologicamente “neu-tros” (horário de verão, por exem-

plo) parece ser o resultado da gra-dual perda de eficiência do argu-mento da censura.

A afirmação da classificação in-dicativa é, portanto, a afirmação deum direito fundamental. Com operdão do jogo de palavras, pode-se dizer que o processo de afirma-ção desse direito não tem um fim;seu fim é o próprio processo. O ca-ráter fundamental da classificaçãoindicativa (vista como um serviçopúblico e como um direito) é umaconquista. A observação atenta evigilante deve continuar para queessa conquista não se perca.

Veremos.

Horário de verão e classificação indicativa

20 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | NOVEMBRO DE 2008

Carolina Pereira TokarskiLucas Ramalho Maciel

Apartir de 1985, a UnB iniciouseu processo de reconstruçãodemocrática, vivência esta

que é ressignificada de tempos emtempos nestes mais de 20 anos. AConstituição Federal, o Estatuto daUnB e as cotas, no início desta déca-da, foram importantes marcos, queexigiram da UnB uma pausa para oaprofundamento da reflexão sobre ainstituição e a ressignificação de suavivência democrática. Neste ano aUniversidade mais uma vez parou.Por duas semanas a reitoria perma-neceu ocupada. Temos novamente aoportunidade de refletir sobre oaprofundamento de nossas práticasdemocráticas. Procuraremos nesteartigo discutir a oportunidade deressignificar a democracia na UnBpelo viés da democratização do co-nhecimento que nela é produzido,aberto aos novos atores sociaisemergentes no processo constituin-te: os movimentos sociais.

O processo de redemocratizaçãoda UnB iniciou-se em 1985, quando oprimeiro reitor eleito após o golpe,Cristóvam Buarque, toma posse eanistia os professores que participa-ram da demissão coletiva em 1965.Na cerimônia de posse de Buarque,Darcy Ribeiro ressaltou como a reto-mada da liberdade no Brasil possibili-tava, naquele momento, o resgate dautopia e o renascimento de uma ins-tituição idealizada como espaço emque o Brasil pudesse ser pensado. Aoretomar o desafio dessa utopia, DarcyRibeiro questionou: “Universidade deBrasília, para quê? Universidade deBrasília, para quem?”

Três anos depois, a Constituiçãoinaugura um novo marco para as ins-tituições brasileiras: pensar o Brasil apartir do Estado Democrático de Di-reito. Este novo paradigma faz comque a autonomia universitária sejapensada dentro de uma universidadecomo espaço público e crítico de dis-cussão da sociedade.

Cinco anos após a constituinte odesafio permanente a que se propôs a

UnB adquire novo significado no seuEstatuto de 1993. Em seu artigo ter-ceiro fica estabelecido como finalida-des essenciais da UnB além do “ensi-no, da pesquisa e da extensão”, a bus-ca de “soluções democráticas para osproblemas nacionais”.

Em 2003 a democracia na UnB éampliada por meio da adoção dosistema de cotas para negros,transformando a instituição emum local mais plural e contribuin-do para o aprofundamento daigualdade racial no país.

Neste ano de comemoração dos20 anos de vigência democrática noBrasil, a UnB mais uma vez é convida-da a se repensar. No início deste ano,denúncias de corrupção e má gestãode recurso público levaram centenasde estudantes a ocuparem o prédioda reitoria. Vários problemas da uni-versidade passaram a ser debatidos,desde as denúncias de corrupção atéqual concepção de universidade sedesejaria para o momento atual.

Este processo resultou na renún-cia do reitor e em uma série de reivin-dicações para a próxima gestão, den-tre elas a paridade nas eleições e oCongresso Universitário Estatuinte.

As eleições paritárias que se segui-ram escolheram a chapa que traziacomo principal bandeira um novomodelo de gestão: a gestão comparti-lhada. Sua concepção de democrati-zação da universidade significa nãosó a expansão do número de vagas e aconstrução de novos campi, mas de-mocratizar o conhecimento que se éproduzido.

Uma nova virada democrática daUnB se anuncia. Talvez esteja na horade a comunidade universitária voltaràs perguntas de seu fundador: UnB,para quê? UnB, para quem?

Prosseguir na caminhada de re-pensar nossas práticas democráti-cas exigirá a partir de agora que alar-guemos o rol de interlocutores destainstituição. Se queremos uma Uni-versidade que pense o Brasil, a soci-edade civil organizada e os movi-mentos sociais devem ser atorespresentes no dia a dia da construçãodo conhecimento.

Estágio Interdisciplinar de VivênciaDesde 2004 é realizado um projeto

que dialoga com os movimentos soci-ais sobre a promessa constitucionalda Reforma Agrária: o Estágio Inter-disciplinar de Vivência - EIV. O EIVconsiste em um intercâmbio que levaestudantes para morarem em assen-tamentos da Reforma Agrária por umperíodo de duas semanas. A base detodo o processo é a relação que se es-tabelece entre o estudante e a famíliaque o acolhe: o estagiário vai para oseio de uma família, onde come, dor-me e com ela trabalha. Durante o pe-ríodo da vivência, ele é membro da fa-mília. Essa cumplicidade permite queuma outra realidade seja conhecida: adas comunidades de famílias campo-nesas. A experiência do EIV em Brasí-lia surgiu por meio de uma parceriaentre UnB, Ministério do Desenvolvi-mento Agrário e Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem Terra.

Por meio da comunicação entreuniversitários e assentados, o EIVacaba por estabelecer um diálogo en-tre a Universidade e os movimentossociais populares do campo. Após avivência, muitos estagiários passam arepensar a própria vida, revendo pre-conceitos, e questionando a realida-de, se colocando de forma críticafrente aos problemas agrários e a Re-forma Agrária.

Mais de sessenta estudantes jáparticiparam da versão brasiliense doEIV. Muitos desdobramentos só po-dem ser percebidos depois, com aformatura e o ingresso na vida profis-sional do estudante. O principal refle-xo para a comunidade assentada comesta experiência é o fortalecimentodas ações que já existiam no local,principalmente aquelas desenvolvi-das pela UnB. Os projetos e as açõesantes existentes nos assentamentossão considerados como elementospara estudo e avaliação pelo estagiá-rio, servindo de base para a produçãode relatórios e diários de campo. A in-formação levantada serve como sub-sídio para a proposição de novos pro-jetos e fornece elementos para me-lhor entendimento da problemáticaagrária no Brasil.

A simples presença de estudantesde ensino superior tem sido relatadacomo fator de grande relevância navalorização da auto-estima das co-munidades assentadas. Relatos de ex-periências mostram que as comuni-dades se sentem amparadas pela so-ciedade. Desenvolve-se um senti-mento de esperança de que a distor-ção dos fatos às vezes noticiados namídia acerca dos conflitos agráriosvenha a ter sua contraposição na so-ciedade organizada pela formação denovos profissionais que sairão da uni-versidade com uma outra compreen-são da realidade camponesa.

A partir da vivência da realidadecotidiana dos trabalhadores e traba-lhadoras rurais e buscando entendê-la, os estagiários e estagiárias são cha-mados a analisar o contexto da histó-ria recente e dos movimentos popula-res, tendo como moldura o processode participação democrática dos mo-vimentos de luta pela terra. Através dainterdisciplinaridade são chamados aconstruir uma visão holística dos es-paços que vivenciaram, de modo apreparar-se para sua futura atuaçãoprofissional.

O EIV tem se mostrado como umespaço onde o conhecimento sobreuma problemática, no caso, a questãoagrária, é construído por meio do diá-logo de vários atores sociais envolvi-dos, estudantes, camponeses, movi-mento social e poder público.

Nesse momento em que a UnBmais uma vez volta a se repensar, odiálogo com os movimentos sociaiscomo sujeitos do conhecimentomostra-se um caminho promissorpara o aprofundamento democráti-co da instituição.

CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | NOVEMBRO DE 2008 UnB – SindjusDF | 21

A ressignificação da democracia na UnB:o diálogo com os movimentos sociais, um caminho a percorrer

Antônio Carlos Alpino Bigonha

Ohorror ao holocausto ocorri-do na 2ª. Guerra Mundialobrigou a Europa a refletir so-

bre seus conceitos jurídicos. O Esta-do Nazista literalmente admitirauma ordem normativa que propug-nava a execução sumária dos judeuse isto condizira a um paradoxo parao direito. A derrocada do 3°. Reich le-vou consigo o devaneio do positivis-mo que pretendia reduzir o direito amera forma, sem compromissossubstantivos transcendentes. Foi nosrescaldos de guerra e no pacto para apaz que ressurgiu a doutrina dos di-reitos humanos, como pauta míni-ma de valores universais.

À rendição da Alemanha, comotodos sabem, sucedeu-se o início daguerra fria, com a polarização entreos blocos socialista e capitalista, tra-duzido no confronto entre EstadosUnidos da América e União das Re-públicas Soviéticas, as duas potên-cias vitoriosas. Aos vencidos as bata-tas, a Alemanha foi dividida em duas:de um lado a República Democráticasob domínio soviético, do outro a Re-pública Federal tutelada pelos alia-dos. Neste contexto é que foi outor-gada sua Lei Fundamental da RFA,após elaboração por uma assem-bléia constituinte instaurada sob apermissão dos vencedores. Não setratou, absolutamente, de manifes-tação de soberania popular.

A Corte Constitucional surgiriadois anos após, com a edição da Leide 12 de março de 1951, não comoum órgão de cúpula do Poder Judici-ário, mas como um poder supremo,acima das demais instituições, aquem incumbiria, diante do vazio delegitimidade popular, dizer conti-nuamente os contornos da Constitu-ição. É que, como leciona Luiz Mo-reira, não foi possível ao direito cons-titucional alemão, desde o nasce-douro da Lei Fundamental, invocar aforça legitimadora do poder consti-tuinte originário como forma de ex-primir a “síntese instauradora dos di-reitos”. Não sou constitucionalista,tampouco germanista, mas colho naexcelente obra do professor Gilmar

Ferreira Mendes subsídios para con-cluir que a Corte Constitucional jásurgiu com vocação protagonista,com enorme influência na vida polí-tica da República Federal e interven-ção destacada em múltiplos setores.

O processo histórico de discus-são, aprovação e promulgação daConstituição da República Federati-va do Brasil, há vinte anos, não guar-dou similaridade com a experiênciavivida pelo povo alemão no pós-guerra. Aqui saíamos de uma ditadu-ra militar e recobrávamos nossa so-berania popular, razão por que nossaConstituição foi gestada no ventre deuma Assembléia Nacional Constitu-inte prenhe de legitimidade, eleitapelo voto direto e universal. O cons-tituinte de 1988 dispunha-se a saldarum débito de democracia e liberda-de que já alcançava 20 anos, desde oAto Institucional n°. 5, de 1968. Detão social e ciosa dos direitos funda-mentais, a Constituição Cidadã nas-ceu sob a pecha de ser inexeqüível ede tornar o País ingovernável, vaticí-nios que as duas últimas décadasdesmentiram de forma eloqüente.

O Supremo Tribunal Federalbrasileiro, ao contrário do queocorre na Alemanha, não é umaCorte Constitucional, é o órgão decúpula do Poder Judiciário. Os mi-nistros do STF, ao contrário do queocorre alhures, não são eleitos dire-ta ou indiretamente e não detêmmandato. São magistrados vitalí-cios e escolhidos livremente pelopresidente da República. NossaConstituição da República não éuma lei fundamental outorgada pornações estrangeiras a demandarpermanente interpretação que aaproxime e acomode aos desígniosdo povo. É certo que persistem má-culas deixadas pelos anos de ob-scurantismo ditatorial, mas que ne-nhuma identidade guardam com ashumilhações inexoráveis suporta-das pelos derrotados de guerra.

Tenho acompanhado com apre-ensão o recente ativismo judicial doSupremo Tribunal Federal. Argu-menta-se que o Supremo não temocupado lacunas deixadas pelo Po-der Legislativo - embora o próprio

Legislativo reaja a este intervencio-nismo - mas apenas assume o papelque lhe é próprio em uma democra-cia constitucional. Dalmo Dallarialerta que “de maneira alguma existea possibilidade de o Poder Judiciáriolegislar. Ele apenas complementa oque já está na Constituição, visandodar condições para a aplicação”. Aalusão ao modelo alemão tornou-sefreqüente, embora francamenteequivocada no caso brasileiro. A sú-mula vinculante já é manejada parao regramento de questões ordináriase polêmicas, como uso de algemas enepotismo, à margem do processolegislativo disciplinado constitucio-nalmente.

É papel do Ministério Público, ad-vogado da sociedade, provocar o de-bate. Quando menos, para demons-trar que a hipertrofia do Executivo edo Judiciário decorre de uma teoriado poder constituinte que reduz oprocesso legislativo a apêndice dademocracia. Há, neste contexto, umconstante esvaziamento do signifi-

cado e da importância do Legislati-vo, seja pelo argumento da eficiên-cia, típico do Executivo, seja pela“tecnicidade”, sacralizada e apolítica,do Judiciário. É preciso extrair umanova definição de separação dos po-deres, para resgatar o alcance da atu-ação parlamentar como legítima cai-xa de ressonância da pluralidade so-cial e que tem no voto direto e na lei(em sentido estrito) expressões su-perlativas da soberania popular. Res-ta saber a quem incumbe a últimapalavra, ao Parlamento ou ao Supre-mo. É lição vetusta que só o poderdetém o poder.

O decano do Supremo TribunalFederal, na recente cerimônia deposse da nova presidência da Casa,invocando Rui Barbosa, afirmou ca-tegoricamente que a Corte, não sen-do infalível, pode errar, mas a al-guém deve ficar o direito de errar porúltimo. Há uma pergunta que nãoquer calar: quem detém o poder da-quele que detém o poder de errarpor último?

Corte Constitucional dos TrópicosOBSERVATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO