newsletter novembro 2013

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Edição # 28: 5 de Novembro 2013 Conselho Editor: Anabela Lemos, Daniel Ribeiro,Janice Lemos, Ruben Mana e Vanessa Cabanelas/ Layout & design: Ticha / Editor : Ruben Mana Propriedade da JA! Justiça Ambiental Av:MaoTseTung 549, 1o andar MaputoTel: 21496668 Foto:D.Ribeiro Papo na Praça Aos Actores da Democracia Moçambicana: Eles e Nós Há meses, numa viagem de pesquisa testemunhamos uma situação certamente tão caricata quão lamentavelmente comum. Num trabalho de campo que efectuávamos na Zambézia sobre apropriação de terra, entrevistávamos um régulo que nos explicava que a sua comunidade havia recusado ceder as suas terras para uma plantação florestal mas, conforme nos explicou o régulo, o chefe do posto administrativo disselhe que tinha de aceitar e assim foi. – Mas como assim?! – perguntámos incrédulos. – Quem decide afinal?! Você representa a sua comunidade ou representa o chefe do posto? Este episódio marcounos, e de certa maneira, ilustra a maturidade da nossa democracia. Pela segunda vez este ano, meses depois mas pelo mesmo deplorável motivo, vemonos compelidos a escrever algo sobre a situação política do país. As linhas que se seguem são certamente um posicionamento político, não o negamos. Mas não são, não poderiam ser e jamais serão um alinhamento. Podemos começar por aí mesmo (que por sinal foi onde parámos em Julho quando escrevemos sobre este tema pela primeira vez). NUNCA este país esteve politicamente tão desalinhado. Não fosse a guerra a razão desse desalinhamento político, tal até poderia ser considerado um sinal de uma democracia saudável, mas não é o caso. As duas maiores forças políticas do país, uma mascarada de Estado e a outra de Bandido Armado, degladeamse sem dó nem piedade e sem sentido algum de responsabilidade social. Os Moçambicanos já perceberam que eles nada têm a ver com este conflito. Embora os seus filhos e filhas sejam os peões no tabuleiro, não é em seu nome que se trava esta partida. Somos um país riquíssimo em recursos mas paupérrimo em políticos com bom senso e boas ideias. Essas são as duas razões fundamentais desta guerra. Do nosso governo já sabemos o que esperar, e quando o circo pega fogo são sempre as mesmas lengalengas: “a sociedade civil tem agendas ocultas”, “a comunicação social está a agitar o povo com inverdades”, enfim... Já ninguém acredita nisso. A bem da vossa credibilidade sugerimos que numa futura intervenção cuja mensagem seja desse teor, iniciem a prosa da seguinte forma: “Nós, autoridade máxima em agendas ocultas e inverdades em território nacional, vimos por este meio...” Talvez então alguém acredite. Falando de intervenções... Será que somos os únicos a pensar que o Chefe de Estado já se deveria ter dirigido à Nação? Porque não o faz? Não acham estranho? Será que o governo pensa que não nos deve explicações? Será que acha que todos achamos normal e perfeitamente justificável o ataque a Sathungira? Politicamente não teria sido muito mais hábil (uma vez que já tinha todo o exército às portas da base da RENAMO e ia em presidência aberta até Manica) o Presidente ir até à Gorongosa falar com Dhlakama? Teria demonstrado inequivocamente ao povo ser um homem de paz e um líder intrépido, teria evitado todo este problema e teria hoje muito mais tempo para se dedicar aos muitos e muito graves problemas que o país já tem. Guerra?– perguntarão certamente alguns de vós. Guerra sim. Há guerra em Manica, em Nampula, na Beira. O país está em guerra. Só ainda não chegou a todo o território... e então “táse bem”! Afinal de contas, à boa moda moçambicana (como li online num comentário bastante espirituoso à badalada entrevista dada o mês passado por Jorge Rebelo ao Savana) piripiri no matako dos outros é refresco!

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Newsletter mensal da organização não governamental moçambicana Justiça Ambiental.

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Page 1: Newsletter Novembro 2013

Edição # 28: 5 de Novembro 2013

Conselho Editor: Anabela Lemos, Daniel Ribeiro,Janice Lemos, RubenMana e Vanessa Cabanelas/ Layout & design: Ticha / Editor : RubenMana

Propriedade da JA! Justiça Ambiental Av:Mao­Tse­Tung 549, 1o andar ­Maputo­Tel: 21496668 Foto:D.Ribeiro

Papo na PraçaAos Actores da Democracia Moçambicana: Elese Nós

Há meses, numa viagem de pesquisa testemunhamos uma situaçãocertamente tão caricata quão lamentavelmente comum. Numtrabalho de campo que efectuávamos na Zambézia sobreapropriação de terra, entrevistávamos um régulo que nos explicavaque a sua comunidade havia recusado ceder as suas terras parauma plantação florestal mas, conforme nos explicou o régulo, o chefedo posto administrativo disse­lhe que tinha de aceitar e assim foi.– Mas como assim?! – perguntámos incrédulos.– Quem decide afinal?! Você representa a sua comunidade ourepresenta o chefe do posto?Este episódio marcou­nos, e de certa maneira, ilustra a maturidadeda nossa democracia.

Pela segunda vez este ano, meses depois mas pelo mesmodeplorável motivo, vemo­nos compelidos a escrever algosobre a situação política do país. As linhas que se seguemsão certamente um posicionamento político, não o negamos.Mas não são, não poderiam ser e jamais serão umalinhamento.Podemos começar por aí mesmo (que por sinal foi ondeparámos em Julho quando escrevemos sobre este tema pelaprimeira vez). NUNCA este país esteve politicamente tãodesalinhado. Não fosse a guerra a razão dessedesalinhamento político, tal até poderia ser considerado umsinal de uma democracia saudável, mas não é o caso. Asduas maiores forças políticas do país, uma mascarada deEstado e a outra de Bandido Armado, degladeam­se sem dónem piedade e sem sentido algum de responsabilidade social.Os Moçambicanos já perceberam que eles nada têm a vercom este conflito. Embora os seus filhos e filhas sejam ospeões no tabuleiro, não é em seu nome que se trava estapartida. Somos um país riquíssimo em recursos maspaupérrimo em políticos com bom senso e boas ideias. Essassão as duas razões fundamentais desta guerra.

Do nosso governo já sabemos o que esperar, e quando ocirco pega fogo são sempre as mesmas lengalengas: “asociedade civil tem agendas ocultas”, “a comunicação socialestá a agitar o povo com inverdades”, enfim... Já ninguémacredita nisso. A bem da vossa credibilidade sugerimos quenuma futura intervenção cuja mensagem seja desse teor,iniciem a prosa da seguinte forma: “Nós, autoridade máximaem agendas ocultas e inverdades em território nacional,vimos por este meio...” Talvez então alguém acredite.Falando de intervenções...Será que somos os únicos a pensar que o Chefe de Estadojá se deveria ter dirigido à Nação? Porque não o faz? Nãoacham estranho? Será que o governo pensa que não nosdeve explicações? Será que acha que todos achamos normale perfeitamente justificável o ataque a Sathungira?Politicamente não teria sido muito mais hábil (uma vez que játinha todo o exército às portas da base da RENAMO e ia empresidência aberta até Manica) o Presidente ir até àGorongosa falar com Dhlakama? Teria demonstradoinequivocamente ao povo ser um homem de paz e um líderintrépido, teria evitado todo este problema e teria hoje muitomais tempo para se dedicar aos muitos e muito gravesproblemas que o país já tem.

Guerra?– perguntarão certamente alguns de vós.Guerra sim. Há guerra em Manica, em Nampula, na Beira.O país está em guerra. Só ainda não chegou a todo oterritório... e então “tá­se bem”! Afinal de contas, à boa modamoçambicana (como li online num comentário bastanteespirituoso à badalada entrevista dada o mês passado porJorge Rebelo ao Savana) piri­piri no matako dos outros érefresco!

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Quanto à RENAMO, também tem muito a explicar. Quandotudo isto acabar, e todos esperamos que seja em breve, háque apurar responsabilidades. Os seus homens, quer estejama agir mediante ordens da liderança do partido, quer sejamacções levadas a cabo por iniciativa individual ou de gruposque dispersos se amotinaram no mato, estão a matar civis.Isso não é de modo algum aceitável e não tem justificaçãoplausível. A RENAMO e/ou os seus homens deverão serresponsabilizados e deverão responder por esses crimes,assim como os membros do governo e das forças desegurança pública responsáveis por invasões a propriedadesprivadas e sedes partidárias, bem como por prisões arbitráriasdeverão responder pelos seus.

Mas nem tudo é culpa do governo e da RENAMO. Esta ditacrise politico militar, é espelho fiel de uma outra crise.É dessa que vos queremos falar. De uma profunda edeveras lastimável crise de valores, não só de quemcontrola este país, mas de todos nós. Nós cidadãostemos uma cota de responsabilidade enorme no que sepassa hoje no nosso país. A nossa apatia, a nossapassividade como sociedade, foi o aliado perfeito paraaqueles que activamente minaram a nossa democracia ea nossa paz.Colhemos hoje os frutos amargos que deixamos os nossosgovernantes irem plantando a seu bel­prazer na nossamachamba, como se deles fosse. Permitimos tudo. Foipreciso chegarmos ao ponto a que chegámos para sairmos àrua... E se não fosse a onda de raptos e criminalidade ajuntar­se à contestação, talvez nem o tivéssemos feito em tãogrande número.

Para andarmos para a frente temos de aprender a jogar este jogo chamado democracia. Temos de exercer cidadania. Quantomais e melhor o fizermos, mais difícil será que voltem a fazer de nós vítimas de decisões tomadas em nosso nome. E exercercidadania não é só ir votar...

Aqueles que no meio deste circo ainda querem e conseguemse alinhar, falam de “savimbizar” Dhlakama para acabar com oproblema; ou, do outro lado da cerca, idolatram o líder daperdiz como se de um revolucionário se tratasse, um herói dopovo. Bem, Afonso Dhlakama não é Jonas Savimbi, e já não éum revolucionário, é sim um funcionário de Estado. É o líderda oposição. Apesar de não se saber quem disparou oprimeiro tiro, parece­nos óbvio que a gradual movimentaçãomilitar para a Gorongosa das FADM tenha sido o catalisadorpara este conflito propositadamente gerado ou não. A bem daverdade, Dhlakama refugiou­se na Gorongosa. Não seinsurgiu contra o governo. Mas essa coisa da RENAMO terexército é um pau de dois bicos...

Apesar de vivermos em democracia, falta massa crítica nanossa sociedade. Aqueles cuja posição e profissão implicaque sejam críticos, continuam a ter medo de contestar asdecisões do Governo, de criticá­lo e de falar sobre aprestação dos governantes, quando tal é profundamentenecessário para que tenhamos um exercício democráticoreal. Continuamos a deixar­nos manipular e a prestar cegavassalagem a indivíduos que sendo nossos representantesnão nos dão qualquer satisfação. Onde é que isso já se viu?Acreditámos piamente naqueles que dizem que temos razãopara ter medo. Que o poder instituído o fomenta. Mastambém acreditámos que se houvessem mais vozes comcara na nossa sociedade, mais rapidamente o povoabandonaria a crença arcaica que criticar o Rei é perigoso eproibido.Consciencializemo­nos de uma vez por todas: oExcelentíssimo Senhor Presidente da República deMoçambique, bem como todo o seu Governo e Aparelho deEstado, trabalham para NÓS. Devem­nos satisfações.Temos o direito de exigi­las e a obrigação de o fazer sempreque necessário se estes não se pronunciarem por iniciativaprópria. Nesse âmbito, a Lei de Acesso à Informação éfundamental. Porquê tanto adiamento e secretismo? Não énormal que o cidadão tenha o direito de saber da coisapública?

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Alerta REDD(Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação

Florestal)A 30 de Outubro, a JA e a Rede Contra o REDD em África(NRAN) organizaram um evento que visou comemorar o Mêsde Ação Sobre a Energia e a Semana de Ação Contra asFalsas Soluções da Reclaim Power. Para o efeito, nós e umpequeno mas entusiástico grupo de cidadãos reunimo­nos emMaputo, no Museu de História Natural.

O evento foi facilitado por Samuel Mondlane, que moderou odebate e tratou de apresentar as curtas metragens queexibimos, embora a introdução e nota de boas vindas tenhamsido naturalmente deixadas a cargo da Diretora da JA,Anabela Lemos, que nessa intervenção inicial deixou logomatéria para posterior debate sobre o REDD ao afirmar queeste era uma falsa solução para a crise climática.A primeira curta­metragem a ser exibida foi A História doMercado de Crédito de Carbono (The Story of Cap and Trade:Why You Can’t Solve a Problem With The Thinking ThatCreated It), um filme bastante popular de 10 minutos, queexplica de modo bastante simples a verdade por detrás damercantilização do carbono. O filme explica como o mercadode carbono é uma distração perigosa, e como evita quesoluções reais, como a redução do uso de combustíveisfósseis, sejam implementadas para impedir alteraçõesclimáticas catastróficas.“O Diabo está no detalhe”, explica a narradora do filmereferindo­se a “offsetting”, uma prática na qual umacompanhia que supostamente reduz as suas emissões decarbono recebe em troca um título que pode então vender aoutros poluidores que queiram aumentar o seu volume deemissões, e assim, teoricamente, um compensa o outro. Masna realidade não é isso que acontece.Uma das formas como o “offsetting” funciona é através doREDD, que é uma solução falsa pois nem sequer tentaremediar o sistema inoperacional que devastou o ecosistemaglobal. O REDD, como muitos outros esquemas demercantilização de carbono, tem muito mais a haver comfazer dinheiro que com proteger florestas e reduzir emissões.O segundo filme que exibimos e que era cabeça de cartaz doevento foi “A Face Oculta do Verde: O REDD e o Futuro dasFlorestas”, que mostra claramente a oposição ao REDD depovos de diversos pontos do planeta: Uganda, México, Brasil,Bangladesh, Índia, Indonésia, Filipinas, entre outros.Após o filme terminar, abrimos um debate sobre o quetínhamos acabado de ver. Este exercício é muito importante,pois em Moçambique a discussão sobre se o REDD é ou nãobom para o país nunca teve lugar. Assumiu­se que uma vezque havia dinheiro aliado ao programa, então Moçambiquedeveria aceitá­lo, sem discutir ou reflectir os eventuais perigose incentivos perversos por trás deste.A JA havia dado inicio a este processo de discussão com umworkshop sobre REDD que promovemos em Maputo emAgosto de 2013. A exibição destes filmes e subsequentedebate foi somente mais uma oportunidade que criamos paradar continuidade a esta discussão.

Precisamos de “desenvolvimento”? Ouprecisamos de quê?Autora: Carolina Herrmann – membro dos Amigos da

Terra/Brasil“O desenvolvimento não deu certo” afirma Wolfgang Sachs(2000). O autor conta que o “desenvolvimento” foi construídoapós a Segunda Guerra Mundial como um conceito a serseguido, um marco de “chantagem e opressão” dirigido aoSul. Sachs (2000) considera este início o dia 20 de janeiro de1949 no discurso de Harry S. Truman em sua posse dapresidência dos Estados Unidos, Truman referiu­se aohemisfério sul como “áreas subdesenvolvidas”, noentendimento de que os Estados Unidos e outros paísesindustrializados eram os avançados e deviam ser seguidospelos outros. Porém, estes países nada tem de “avançado”reforça Sachs (2000), devido à destruição ambiental edesigualdades que provocam.Esteva (2000) considera que o “desenvolvimento” é umconceito de influência muito forte no pensamento ecomportamento humano, e, ao mesmo tempo, é frágil einconsistente. Vendido como “necessário e inevitável” esteconceito significou de lá para cá metáforas, muito ligado com“crescimento”, “evolução”, “maturação” (ESTEVA, 2000).Assim, o discurso do desenvolvimento justifica a imposiçãode grandes projetos de governo e corporações. Tudo é“santificado” em seu nome (SACHS, 2000).Mas o que na verdade isto quer dizer, diante da desigualdade

Falou­se igualmente de soluções energéticas de pequenaescala, a nível comunitário. A nosso ver, uma discussãoimportante para o futuro do planeta e uma visão do futuro emtermos energéticos que apoiamos em pleno.As pessoas presentes demonstraram estar motivadas com oencontro e manifestaram interesse em promover maisdiscussões. Ao que a Directora da JA respondeu,disponibilizando o nosso escritório como espaço para futurosencontros, sessões de filmes e partilha de informações.Passo a passo, o que pretendemos é construir ummovimento convosco, com as gentes.

Foi dito que o REDD não reduz emissões. No inicio desteano, as emissões de carbono passaram a barreira das400 ppm na atmosfera. Estão mais altas do que nunca.Mas o REDD também não reduz a desflorestação porquenão aborda o que realmente a está a causar. E mais, oREDD é mais uma ferramenta de mercantilização danatureza; de por uma etiqueta em tudo o que esta nos dá,como se fosse possível calcular tudo o que se perde cadavez que uma floresta desaparece. O sistema económicovigente é totalmente incapaz de julgar o valor destes bens.

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Mas o que na verdade isto quer dizer, diante dadesigualdade social em que vivemos, das violações dedireitos humanos que presenciamos, das injustiçasambientais que afetam cada vez mais pessoas, o que associedades ainda deverão suportar por este nome? Seráque um dia o alcançaremos ou será que ele já mostrou asua face?Para Sachs (2000) a falência do desenvolvimento é algo bom,pois o perigo está nele. Escondido neste conceito, para oautor, está o interesse na “ocidentalização do mundo”. Esteva(2000) complementa que o “subdesenvolvimento” prevê umahomogeneidade e linearidade da evolução do mundo. Mas oque nos resta? Precisamos redefinir o desenvolvimento? Ouprecisamos superá­lo e nos libertarmos dele em direção a umnovo objetivo das nações, ou melhor: da vida?Alberto Acosta (2013) fala­nos do Sumak Kawsay, traduzidocomo “Bem Viver”, como uma filosofia de vida que rompe,promove uma quebra com o discurso hegemónico dodesenvolvimento, do modelo único. A raiz do Sumak Kawsayestá nos povos originários Andino e Amazónico na AméricaLatina, e traz uma nova dimensão de direitos: o Direito da MãeTerra em conjunto com os Direitos Humanos. Acosta (2013)menciona o Sumak Kawsay como uma oportunidade paraconstruir e resgatar colectivamente formas de vida emharmonia entre si e com a natureza, estas outras formas queforam invisibilizadas e marginalizadas na busca cega pelodesenvolvimento.Trata­se de um novo pacto de condução da vida nos inspiraAcosta (2013), de superação do pensamento antropocêntrico,que nos leva a repensar o Estado, a questionar a quemservem as corporações, a repensar o formato da democracia.O Sumak Kawsay tem a sua matriz comunitária, ele promove avisão da complexidade da vida, o reconhecimento dosdiversos valores culturais existentes, demonstra aoportunidade de cooperação que proporciona a auto­suficiência e autogestão sustentada na solidariedade, continuao autor. Acosta (2013) afirma que é um projecto libertador,advindo da soma das lutas e práticas vivenciais de resistência,que resgata as questões que interessam à humanidade, epotencializa os imaginários utópicos que conduzem a outromundo possível. O Sumak Kawsay proporciona uma visão daVida e da Mãe Terra em relação e complementaridade entreuns e outros (ACOSTA, 2013).

No continente africano a sua consonância pode sercompreendida através da tradição expressa nos valores do“Ubuntu”, que diferentemente da noção individualista de “eusou porque eu penso”, resgata o entendimento de “eu soupor causa dos outros”. Demonstrando que os direitosindividuais não podem sobrepor­se aos direitos comunitários,pois “uma pessoa é uma pessoa por causa dos outros”,ensinam­nos as tradições.O “Ubuntu” também se relaciona com os “commons” ­traduzido como os “comuns” ­ na compreensão de que aMãe Terra nos dá recursos que são comunitários, que devemser protegidos e manejados para o benefício de todos, e não

Mphanda Nkuwa – por interesse de quem?Mphanda Nkwua volta a ser notícia.

Desta vez, um jornal sul africano Mail And Guardian(http://mg.co.za/article/2013­10­25­00­zuma­blood­thickens­hydro­scheme), publica um artigo de Lionel Faull, ondeacusa os presidentes Sul Africano e Moçambicano deabuso de poder para assegurar financiamento para aconstrução da Barragem de Mphanda Nkwua e ainda deconflito de interesses. O autor levanta algumas questõesgraves, entre estas menciona que têm sido alegadamenterealizadas várias reuniões com os vários interessadosno projecto, nomeadamente o próprio presidente sulafricano Jacob Zuma, o presidente moçambicanoArmando Guebuza, o presidente do Conselho deAdministração do grupo Insitec Celso Correia e odirector executivo da Eskom Brian Dames, organizadaspelo filho do presidente Zuma.Esta análise a ser verdade traz alguma luz ao que temsido todo o longo e penoso processo de discussão doprojecto Mphanda Nkwua desde a sua elaboração até àaprovação do Estudo de Impacto Ambiental. Sendoverdade, leva­nos a supor que as inúmeras questões porresponder e as inúmeras e constantes dificuldades deaceder a documentação e informação tem razões deexistir...os interesses poderão ser muito superiores aoque julgavamos!!!

Referências:ACOSTA, A. El Buen Vivir: Sumak Kawsay, una oportunidad para imaginarotros mundos. Barcelona: Icaria Editorial, 2013.ESTEVA, Gustavo. "Desenvolvimento"In. W. Sachs (ed.) O Dicionário do Desenvolvimento. Petrópolis/RJ: Editora Vozes,2000.SACHS, Wolfgang (ed.). "Introdução". O Dicionário do Desenvolvimento.Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2000.Mais informações disponíveis para download:MasAllá del Desarrollo, 2011. http://rio20.net/wp­content/uploads/2012/07/mas­alla­del­desarrollo_30.pdf : Alternativas al capitalismo / colonialismo del siglo XXI,2013.http://www.rebelion.org/docs/166924.pdf

de uma minoria, pois só há ganho se o outro também temganho. São comuns o ar, a água, a biodiversidade, assimcomo o conhecimento, as criações humanas, há diversasdimensões sobre aquilo que é comum, tendo por princípio ocompartilhamento.Enfim, diante da crise civilizacional que enfrentamos, é umalento e uma inspiração o surgimento/ressurgimento derelações homem­natureza que superam a imposição domundo como nos é dado hoje ­ voltado ao económico, àcompetição, ao individualismo, à destruição ambiental, àdesvalorização de culturas, promotor de desigualdades. Aconsciência de que há um pensamento colectivo crítico quenão aceita mais discursos vazios, e o sentimento e forçaadvindos dos povos tradicionais que nos mostram do que setrata a vida e as relações entre todos os seres, levam­me aabandonar a ideia vendida de desenvolvimento comoobjectivo, e a acolher o Sumak Kawsay, o Ubuntu, osComuns como a nova visão de mundo em construção queestá presente naqueles que acreditam que o caminho éoutro.

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ProSavana: Manipulações, Mentiras e MeiasVerdades

A Justiça Ambiental participou na II Conferência InternacionalCamponesa sobre a Terra, organizada pela UNAC nos dias 15e 16 de Outubro. Neste encontro, além do incontornávelProSavana, foram discutidas questões cruciais como ausurpação de terra, a necessidade urgente de apoio àagricultura familiar e a legislação sobre as sementes e opotencial perigo que alterações a esta para acomodar oagronegócio pode constituir. A forte adesão de camponeses ecamponesas a esta conferência foi uma das suas grandesvitórias.

É revoltante perceber que a agricultura de apoio ao sectorfamiliar é mantida no esquecimento e ignorada sob a eternajustificação de falta de recursos financeiros e humanos. Aresposta à apresentação de problemas por parte doscamponeses é sempre a mesma: “Somos um país pobre esem recursos. Há uma grande necessidade de mecanizar aagricultura para reduzir o índice de pobreza em Moçambique.”Convenientemente, esquecem­se sempre que cerca de 90%da população moçambicana pratica agricultura familiar e quecerca de 80% dos alimentos consumidos em Moçambiqueprovêm deste tipo de agricultura, que no entanto é sistemáticae permanentemente desconsiderada.A prioridade são sempre os investimentos gigantescos. Amoda surgiu com o sector mineiro e aparentemente oagronegócio veio institucionalizá­la. Os camponeses sãodeliberadamente mantidos na pobreza, sem acesso a crédito,sem acesso a apoio técnico através dos cada vez maisescassos serviços de extensão agrícola, e sem vias deescoamento do pouco excedente que conseguem produzir.Neste encontro, ouvimos os seus desafios, a sua situação e osinúmeros casos de usurpação de terra de que têm sido vítimaspaís a fora. Sempre com o mesmo denominador comum: apermissividade e/ou conivência do governo. É que, segundoos camponeses, carregados de promessas falsas de emprego,de centros de saúde, de escolas e de melhores condições devida, os investidores vêm sempre apadrinhados pelogoverno... O governo que os camponeses elegeram paraservir e defender os seus interesses.No início do encontro, foram apresentados resumos dasdiscussões e encontros regionais da UNAC. Paraconsternação daqueles que desconheciam o modus operandide quem nos governa, como se de um disco riscado setratasse, os representantes dos camponeses foram relatandoos problemas das suas regiões. Mudava o local e osenvolvidos, mas os problemas eram em tudo similares.Outra questão discutida no encontro foi a das sementes, esegundo tivemos conhecimento, existe já sobre a matéria umaproposta de regulamento depositada no Conselho de Ministrosà espera apenas de aprovação. O conteúdo desse documentoé ainda um mistério, pois nenhum dos presentes no encontro

(excepto obviamente os membros do governo) tinha sequerconhecimento da existência do mesmo até à data. O que porsua vez nos leva a crer que não houve consulta pública.O que constará nesse documento? – perguntámo­nos. Tudoleva a crer que será mais um entre muitos, perdidos noscorredores do direito de acesso à informação da nossa tãoprestigiada democracia.Sobre as sementes, uma camponesa disse o seguinte:“Essas vossas sementes melhoradas não germinam, nãoproduzem, esta vossa semente nós não precisamos!Queremos a nossa semente nativa! Queremos a nossasemente que germina! É um pedido que nós comocamponeses estamos a fazer neste momento.”Num encontro desta natureza, com forte presença decamponeses, foi curioso ouvir do Sr. Director Nacional deEconomia do MINAG, que um dos grandes desafios dosector agrícola é “num processo gradual, transformarestruturalmente o sector agrário, de uma agricultura desubsistência (extensiva) para uma agricultura orientadapara o mercado (intensiva)”.E como será isto levado a cabo?!? Através dos váriosprogramas de comprovado sucesso do Governo?!?Como quais?!?

Os oradores do evento não poderiam ter sido melhorescolhidos. As perspectivas apresentadas e a mensagemforam claras e consistentes como precisavam de ser, umavez que a situação dos camponeses e camponesas só temvindo a piorar. Os cada vez mais frequentes casos deusurpação de terra atentam contra a vida e bem estar decomunidades já demasiado fragilizadas e vulneráveis pelafalta de apoio e de opções, os processos de consultacomunitária são deliberadamente mal conduzidos e nãoexiste espaço para discussões construtivas. Para os nossosgovernantes, o papel do cidadão é concordar.

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"Só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último riofor poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro."Indios Cree

Como já seria de esperar, o Prosavana foi uma das questõesdebatidas, e mais uma vez o representante do governodemonstrou que veio a público para manipular oscamponeses e a verdade. Brindou­nos com 40 minutos dumdiscurso político rendilhado para enganar os mais distraídos efisgar os mais esperançados e desesperados, no qual voltou ainsistir que este vergonhoso processo tem sido aberto (destafeita afirmando que têm sido feitas consultas públicas desde oano passado, contrariando assim o seu discurso anteriorsobre o tema, em que admitira publicamente falhas nacomunicação) referindo que mais de 1200 pessoas já foramconsultadas. Temos que admitir que o Sr. Diretor de Economiado MINAG é um homem muito corajoso. É preciso arrojo para,sem pestanejar, frente a cerca de 200 camponeses ecamponesas e de umas boas dezenas de representantes deorganizações diversas da sociedade civil que acompanham econhecem o processo, mentir tão descaradamente! Hajavergonha na cara! Temos ainda que admirar o facto de se termantido em pé, firme, ao ser frontalmente desmetido, criticadoe chamado de mentiroso num encontro destes! Acredito quenum próximo encontro lá estará com a mesma atitudepetulante de grande chefe e o mesmo discurso falso. Engana­se quem pensa que um dos principais problemas dagovernação deste país é a falta de pessoal competente a níveldistrital e provincial para implementar adequadamente o quese decide “no topo da pirâmide”. Não, falta competência everticalidade a todos os níveis.

Os camponeses e camponesas falaram de sua própria voznesta conferência. Não houve intermediários nem porta­vozese o seu brado foi unânime: “Somos contra o ProSavana”. Foibastante claro e os vários representantes do governopresentes ouviram­no a alto e bom som. O que vão dizeragora? Podem juntar às 1200 pessoas que dizem já terconsultado, pelo menos mais 200, mas lembrem­se demencionar a opinião destes 1400! Falam em consultaspúblicas sem actas ou minutas, mas as comunidades quedizem ter sido consultadas contam uma história bem diferente.­ Só nos informaram que iamos ter tractor, crédito eextensão... Ninguém nos perguntou nada. Só falaram!­ Quem?­ O Governo...O ProSavana tem sido apresentado aos camponeses como asolução de todos os seus problemas, mas nas entrelinhas doprojeto e do modo como tem vindo a ser conduzido, dá paraler perfeitamente as “boas intenções” e os benefícios que poraí vêm se permitirmos que seja implementado.

Uma mensagem que foi passada de forma bastante claranesta conferência, foi quão fundamental é para a luta contraeste monstro que os camponeses se organizem. Só unidosos camponeses poderão vencer este tipo de programas,caso contrário vão sim perder as suas terras, o seu trabalho,o seu sustento e a sua dignidade. O governo preocupa­sesim e muito, mas não é com os camponeses e camponesas.Preocupa­se com os investidores, com os lucros e com osgrandes negócios. Não temos um Governo a trabalhar para opovo, a defende­lo e aos seus interesses, temos um governocego de ganância, a fazer negócios irrefletidos, um atrás dooutro e como se não houvesse amanhã. Encontraram afamosa galinha dos ovos de ouro e não a vão largarfacilmente!Só resistindo, só levantando a nossa voz, só protestandomesmo! Pois de mansinho e à maneira da boa gente quesomos, vamos ficar à parte, a ver da janela meia dúzia deesfomeados comer toda a riqueza do nosso país enquantofingem governar­nos.Chega! Basta!

A Monsanto e o seu império geneticamentemodificadosMonsanto é uma gigantesca empresa multinacional doagronegócio e da biotecnologia, estabelecida nos EstadosUnidos, é líder mundial na produção e venda de sementesgeneticamente modificadas e na produção e venda deagrotóxicos específicos para as suas sementes. É produtorlíder do herbicida glifosato, vendido sob a marca Roundup.http://pt.wikipedia.org/wiki/Monsanto_%28empresa%29A Monsanto tem vindo a acumular um inacreditável historialde casos de corrupção, de envenenamento e de mentira, atal ponto que um dos tribunais nos Estados Unidosclassificou o seu comportamento como "de natureza tãoinacreditável e a um nível tão extremo que ultrapassa todosos limites da decência e deve ser visto como horrível eliminarmente intolerável numa sociedade civilizada".Na Indonésia a Monsanto foi condenada a pagar 1.5 milhoesde dolares por suborno a governantes para alteração de umalei que define a Avaliação do Impacto Ambiental comocondição para a autorização ou não de cultivo de OGM.Na França em 2009, foi condenada pelo Tribunal Supremopor publicidade enganosa sobre o seu herbicida Roundup,alegando que este é "biodegradável", e responsável por"deixar o solo limpo". O tribunal concluiu o contrário e aplicouuma multa de 15 mil euros.Na India em 2010, o seu ex­Director admitiu que era práticacomum falsificar os resultados de estudos científicos.NosEstados Unidos foi condenada a uma multa no valor de 2.5milhões de dólares pela venda de sementes GM malrotuladas.http://stopogm.net/faqsMuitos são os países que já proibiram os OGM e outrostantos tem um controle bastante restritivo.E Moçambique, se o Pro­Savana for em frente, o que faráa Monsanto?