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O interesse do estudo das sementes* LUIZ FERNANDO GOUVÊA LABOURIAU** 1. O papel das sementes na vida humana A importância das sementes para a vida humana decorre, antes de tudo, do fato de que a evolução do gênero Homo se processou numa época geológica em que quase todos os tipos de vegetação terrestre do planeta haviam sido dominados por plantas fanerógamas. Era, pois, forçoso que a maior parte dos vegetais aproveitados pelo homem saísse desse grupo, ou seja, de plantas com sementes. A tarefa de identificar as plantas úteis discriminando as alimentícias, as tóxicas, as fontes de fibras, taninos, corantes e plásticos, assim como as medicinais e as alucinógenas, deve ter-se arrastado por muitos milênios. Mesmo antes da agricultura, já se encontram evidências arqueológicas do consumo de sementes como alimento (FLANNERY, 1973). Como se teria processado a transição dessa economia coletora para a da produção agrícola? Essa questão, que vem sendo objeto de investigações interdisciplinares coordenadas pela etnobotânica, constitui ainda uma grande incógnita. Uma das pistas para esse estudo foi aberta no século passado por De Candolle (1886) e consiste em buscar as regiões geográficas de origem das plantas cultivadas. Essa linha de trabalho, implementada pelos métodos da genética e da biogeografia, levou Vavilov (1949) a descobrir que a cultura de certas espécies ter-se-ia irradiado de alguns centros de pequena extensão e muito distantes uns dos outros. É, pois, forçoso admitir que a agricultura começou independentemente em vários lugares. A continuação dos estudos iniciados por Vavilov mostrou, porém, que os locais de origem da agricultura nem * Trabalho publicado originalmente pela Organização dos Estados Americanos. ** Luiz Fernando Gouvêia Labouriau é professor de Fisiologia Vegetal da Uni- versidade Nacional de Brasília.

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O interesse doestudo das sementes*LUIZ FERNANDO GOUVÊA LABOURIAU**1. O papel das sementes na vida humana

A importância das sementes para a vida humanadecorre, antes de tudo, do fato de que a evoluçãodo gênero Homo se processou numa época

geológica em que quase todos os tipos de vegetação terrestre doplaneta já haviam sido dominados por plantas fanerógamas.Era, pois, forçoso que a maior parte dos vegetais aproveitadospelo homem saísse desse grupo, ou seja, de plantas comsementes. A tarefa de identificar as plantas úteis discriminandoas alimentícias, as tóxicas, as fontes de fibras, taninos, corantese plásticos, assim como as medicinais e as alucinógenas, deveter-se arrastado por muitos milênios. Mesmo antes daagricultura, já se encontram evidências arqueológicas doconsumo de sementes como alimento (FLANNERY, 1973).Como se teria processado a transição dessa economia coletorapara a da produção agrícola? Essa questão, que vem sendoobjeto de investigações interdisciplinares coordenadas pelaetnobotânica, constitui ainda uma grande incógnita. Uma daspistas para esse estudo foi aberta no século passado por DeCandolle (1886) e consiste em buscar as regiões geográficas deorigem das plantas cultivadas. Essa linha de trabalho,implementada pelos métodos da genética e da biogeografia,levou Vavilov (1949) a descobrir que a cultura de certasespécies ter-se-ia irradiado de alguns centros de pequenaextensão e muito distantes uns dos outros. É, pois, forçosoadmitir que a agricultura começou independentemente emvários lugares. A continuação dos estudos iniciados por Vavilovmostrou, porém, que os locais de origem da agricultura nem

* Trabalho publicado originalmente pela Organização dos Estados Americanos.** Luiz Fernando Gouvêia Labouriau é professor de Fisiologia Vegetal da Uni-versidade Nacional de Brasília.

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sempre foram zonas restritas, havendo boas provas de que essaatividade também foi iniciada em regiões continentais bastanteextensas (HARLAN, 1971).

Além das diferenças quanto aos locais e às espécies, há o fato deque existem duas tradições agrícolas que operam de modomuito diverso, especialmente no que se refere às sementes(SAUER, 1969; HARRIS, 1972). Uma dessas agrotécnicas,que é típica das terras baixas tropicais úmidas, consiste emcultivos associados de várias espécies propagadas pormultiplicação vegetativa, sendo por isso designada como" vegecultura". A essa modalidade pertencem, entre outras, asculturas da bananeira, do inhame e da cana-de-açúcar, iniciadasno Sudeste Asiático; a de algumas Dioscoreas e o " kafir", naÁfrica; a mandioca, de outras Dioscoreas e do abacaxi, naAmérica do Sul. A outra tradição agrícola, que é característicados climas subtropicais mais secos, consiste em plantações quegiram em torno da semente porque começam pela semeadura eterminam com a colheita do grão. A esse tipo pertencem acultura do milho, iniciada na América Central; a do trigo, quecomeçou no Oriente Médio; a do sorgo, feita pela primeira vezna África; e a do arroz, no Sudeste Asiático.

Na vegecultura o que se colhe são raízes, tubérculos, bulbos,caules, folhas ou frutos carnosos, que constituem, via de regra,alimentos ricos em corboidratos, mas pobres em lípides e emproteínas. Essa circunstância faz supor que o uso dessesalimentos estivesse associado ao consumo de outros, de origemanimal, obtidos pela pesca e pela caça. Como essas fôrmas deatividade coletora são reconhecidamente anteriores àdomesticação dos animais, sua associação à vegecultura está adenotar maior antiguidade dessa técnica agrária, emcomparação com a agricultura-para-sementes (SAUER, 1969).Infelizmente, a própria natureza dos produtos da vegeculturanão facilita a preservação de documentos arqueológicos, demodo que a hipótese de Sauer permanece uma questão aberta.A opção entre vegecultura e cultura-de-sementes está tambémsujeita a fatores culturais humanos. Na América Central, porexemplo, ainda hoje se consomem muitos tubérculos,conhecidos como "camotes del cerro", que são colhidos nas"milpas" (roças) ou na vegetação natural inculta. Ao que sesabe, nunca houve a inciativa de cultivar essas espécies, apesarde seu valor evidente. É também muito significativo que certastribos indígenas do Brasil, dedicadas principalmente àvegecultura, utilizem o milho como matéria-prima para fabricar

Mesmo antes daagicultura, já se

encontramevidência?

arqueológicas doconsumo de

sementes comoalimento.

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bebidas alcoólicas, usando só a mandioca como fonte de amilo(SAUER, 1969).

A agricultura-para-sementes produz colheitas muito maisconcentradas e, além disso, muito mais ricas em proteínas. Detal fato, se, por um lado, decorre uma capacidade nutritivamuito maior, por outro, resulta que esse tipo de cultura tende aesgotar mais rapidamente o solo. No Velho Mundo, ainstabilidade desses ecossistemas agrários foi agravada pelatendência à monocultura, enquanto na América Central ela foimitigada pela associação de milho, feijão e abóbora. Seja comofor, a agricultura-para-sementes tende a deslocar-se para novasáreas, eventualmente invadindo as zonas de vegeculturatradicional. A prova está em que esse fenômeno ocorreu,independentemente, na América, na Ásia e na África(HARRIS, 1972). Em certas regiões, verifica-se uma espécie deecletismo agrícola, com mistura das duas agrotécnicas. Esse é ocaso do Peru pré-colombiano, onde havia a vegecultura dabatata, da oca (Oxalis tuberosa), do "ulluco" (Ullucustuberosas), do "ysanu" (Tropaeolum tuberosum) e dabatata-doce (Ipomoea batatas), ao lado de culturas-de-sementes,como milho, feijão-de-lima (Phaseolus lunatus), "quinoa"(Chenopodium quinoa) e "chocho" (Lupinus wutabilis), entreoutras espécies (HEISER, 1973; FLANNERY, 1973).

Assim, pois, as sementes passaram a desempenhar um papelcada vez mais importante para um número cada vez maior depopulações humanas. No Oriente Médio, essa transformaçãoter-se-ia verificado entre 7500 e 6750 a.C., com o início dacultura dos cereais; na América do Sul, cerca de 5600 a.C., como plantio do feijão; na América Central e na China (milho earroz, respectivamente), por volta de 5000 a.C. (HEISER,1973; FLANNERY, 1973). Com o predomínio dacultura-para-sementes formou-se a noção de que uma sementenão é algo que se possa fabricar e criou-se a consciência de queé preciso dispor de uma reserva de sementes bem conservadas,para que se possa reiniciar o ciclo agrícola. Disso hádocumentos eloqüentes no achado de sementes de cevada emtúmulos egípcios antigos (DE CANDOLLE), bem como degrãos de milho e sementes de "quinoa", amendoim, pimentãoe abóbora junto a múmias antigas no Peru (TOWLE, 1961).

Muitos séculos decorreram, desde o início da agricultura,durante os quais diversas tradições agrícolas se desenvolveramcom escassa ou nenhuma comunicação. Só nos séculos XV e

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XVI, graças às grandes viagens marítimas dos europeus,começou a romper-se esse isolamento, advindo uma rápidadifusão de cultivos pelo mundo todo. A luta pelas sementes emudas de plantas úteis, especialmente dos trópicos, foi causa deuma série de movimentadas iniciativas, que vão desde a francapirataria ate os episódios galantes, passando pelas nuanças docontrabando e da pressão diplomática.

O cafeeiro, por exemplo, foi levado por van Horn de Moca, naArábia, para a Holanda em 1616, tendo sido iniciados oscafezais holandeses no Ceilão em 1658. Em 1706, o JardimBotânico de Amsterdam enviava uma planta viva de café a cadaum dos principais jardins botânicos da Europa. Novo e beloexemplar chegou, em 1714, ao "Jardim das Plantas" de Paris,como presente para Luís XIV, que confiou a árvore aoscuidados do botânico Antoine Laurent de Jussieu. Dassementes dessas plantas descendem os cafezais que seestabeleceram na Martinica (HAARER, 1964) e depois naGuiana Francesa. É sabido (TAUNAY, 1945) que, de Caiena,desafiando severa proibição formal, vieram para o Brasilalgumas sementes de café, nos bolsos de Melo Palheta, graças àamabilidade de Mme. d'Orvilliers, a gentil esposa dogovernador francês da Guiana.

Contrastando com esses episódios de delicadeza, vem o caso dafruta-pão (Artocarpus incisa, A. altilis), que foi observada nasilhas do Pacífico Sul durante as famosas viagens do CapitãoCook e cujo transporte para a América é pontilhado debrutalidade e violência. Sabendo do valor alimentício dosgrandes frutos amiláceos dessa árvore, alguns fazendeirosingleses das ilhas caribes conseguiram que um ex-oficial deCook, o Capitão William Bligh, fosse encarregado de ir àPolinesia, em 1789, no comando de HMS "Bounty", a fim detrazer mudas dessas árvores. O objetivo era organizar cultivosdessa planta para a alimentação barata dos escravos quetrabalhavam nas fazendas inglesas das Antilhas. No"Bounty" foram embarcadas em Tahiti cerca de 1000 pequenasmudas de fruta-pão, mas essa carga não chegou ao seu destinodevido a um motim que estalou a bordo, indo a parte revoltadada tripulação viver na ilha de Pitcairn. Depois de conseguiratingir Timor, com os 18 homens que com ele foramabandonados numa frágil embarcação em pleno oceanoPacífico, o Capitão Bligh voltou à Oceania em 1792 e, destavez, levou a carga de mudas ao seu destino. Não adiantoumuito, para o que se havia planejado, porque os escravos

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africanos não aceitaram o novo alimento que se queriaimpor-lhes. A árvore disseminou-se nos trópicos americanoscomo ornamental (HEISER, 1973), tendo sido também usadapara sombrear café e cacau na Venezuela.

A historia da dispersão humana das sementes do cacau tambémfoi bastante movimentada. A partir de 1525, os espanhóistrataram de levar sementes da América Central para Trinidad epara a Venezuela. De alguma maneira, os holandesesconseguiram sementes para estabelecer plantios em Curaçau e,depois, no Ceilão, na atual Indonésia e na ilha de São Tomé.Desta última localidade, em 1878 ou 1879, um trabalhadorafricano anônimo tomou a iniciativa de levar sementes para aÁfrica Ocidental, que é atualmente a zona de maior produçãodessa cultura (BAKER, 1968).

Talvez o derradeiro episódio desse ciclo de lutas e demonopólios por causa de sementes tenha sido o da seringueira.Essa árvore amazônica, que constituía a base do rendosomonopólio brasileiro da indústria extrativa da borracha, foimotivo de, pelo menos, duas tentativas inglesas decontrabandear sementes para as colônias britânicas da Ásia.Uma foi a iniciativa de Farris, em 1973, a qual consistiu emlevar sementes da Amazônia para o Jardim Botânico de Kew,na Inglaterra, e daí para Calcutá, na India. As plantinhas nãoresistiram às vicissitudes climáticas da viagem, de modo que atentativa falhou. Diferente, entretanto, foi o resultado dasegunda investida, lançada em 1875 por Wickham, mediantecuidadoso planejamento. Foram coletadas 70.000 sementes dasmelhores seringueiras da região do rio Tapajós (o que deve terlevado algum tempo e custado muito trabalho) e a partida foiembarcada no "SS Amazonas", que então batia o recorde datravessia atlântica a vapor. Dessas sementes, apenas 3000germinaram nas estufas do Jardim Botânico de Kew. Taisplântulas foram então levadas a toda pressa e com cuidado parao Jardim Botânico de Peradenya, no Ceilão, obtendo-se afinal1900 árvores. Em 1910 as plantações de seringueiras doOriente, descendentes dessas árvores de Peradenya, malproduziam 11.000 toneladas anuais, enquanto a produçãoamazônica extrativista atingia o seu auge. Quatro anos depois,porém, a produção do Oriente já sobrepujava a amazônica. Issose deve ao uso sistemático do método científico na solução detodos os problemas das seringueiras, bem como à boa sorte denão existirem no Oriente focos de doenças de fungos,sobretudo o "mal das pontas", causado por Dothidella ulei.

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Em 1939 já 98% da produção mundial da borracha natural(1.500.000 toneladas/ano) provinham do Oriente (HILL,1965). A ocupação militar japonesa de extensa área da Malásia,na Segunda Guerra Mundial, cortou temporariamente essafonte de borracha natural para o Ocidente. Mas, a essa altura, aborracha natural já se havia convertido em mero complementoda borracha sintética e também já haviam localizado váriasfontes vegetais alternativas, como Taraxacum koksaghyz(pequena erva originária do Turquestão e que há muitoabastece de borracha a União Soviética), o guaiúle (Partheniumargentatum), do Sudoeste dos Estados Unidos e do México,entre outras.

Nem sempre, porém, resultou em benefício essa empresa detrasladar sementes ou mudas de plantas úteis de uma região domundo para outra. Caso típico foi o da iniciativa de umgovernador da Austrália, Arthur Phillips, que em 1787 levoupara lá uns cactos do gênero Opuntia, com as respectivascochonilhas, na boa intenção de implantar naquela região aprodução desse corante natural. As Opuntias se converteram emuma praga invasora terrível, cujo controle só se conseguiumuito mais tarde, importando do México um inseto

(Cactoblastis cactorum) que é um predador voraz das sementesdessas plantas (BAKER, 1968).

Acidentes desse tipo criaram a consciência, que se foiacentuando, de que as iniciativas de transplantar sementesdeviam operar com ensaios-piloto cuidadosos, antes de tentar aprodução em grande escala. Um exemplo de atividadeorganizada e responsável nesse sentido é o da Secção deIntrodução de Sementes e de Plantas do Departamento deAgricultura dos Estados Unidos. Deve-se a esse serviço,fundado em 1898, a introdução de 350.000 tipos de plantas,bem como a realização de mais de 150 viagens de exploraçãoprospectera fora daquele país (BURGUESS, 1971).

Toma-se, pois,evidente que é

necessário disporde uma

infra-estruturacientífica montadapara que se possa

enfrentar essaguerra sem quartelcontra parásitos e

pragas.

2. Melhoramento e conservação do patrimôniode sementesDesde o início da agricultura, houve um longo trabalho demelhoramento, de seleção de plantas mais adequadas aos nossosinteresses. A tal ponto se deu essa adaptação recíproca que, se édifícil, por um lado, conceber a sobrevivência do homem semas sementes selecionadas das plantas cultivadas, também écerto, por outro, que muitas dessas plantas desapareceriam em

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pouco tempo se o homem viesse a desaparecer. Isso se deve, emmuitos casos, à seleção artificial imposta pelo homem que aatuou em sentido oposto ao da seleção natural. Assim, nascondições naturais, a floração simultânea e a maturaçãosincronizada das sementes não são adaptativas (toda umageração é posta em perigo se sobrevêm condições climáticasadversas). Grãos fortemente aderidos às espigas ou vagens —como é o caso de todos os cereais modernos, em contraste comseus ancestrais selvagens ou recém-domesticados —disseminam-se com dificuldade sem a interferência humana.Sementes de germinação rápida e sincronizada, destituídas deinibidores e de outros obstáculos à germinação, constituemoutro tipo de organização que é muito conveniente para nós,mas que, se o abandonamos, certamente sucumbe à competiçãodas espécies não cultivadas, porque não espalha suficientementeno tempo o desenvolvimento de seus descendentes,dependendo de coincidências favoráveis que freqüentementenão se verificam em condições naturais. E que dizer das plantasque perderam a capacidade de produzir sementes? Essas têm aconhecida sorte de todos os apomictos: são um tremendosucesso enquanto as condições ambientais lhes são favoráveis e,também, um completo fracasso logo que as circunstâncias domeio lhes são adversas. Não têm adaptabilidade porque sãodemasiado parecidas umas com as outras, não dispõem de"reservas de inadaptados de hoje", donde podem sair os"adaptatives de amanhã". As plantas cultivadas e o homemtêm, pois, os seus destinos ligados por causa do própriomelhoramento a que a iniciativa humana submeteu essesvegetais.

Toda a fase antiga desse melhoramento é ainda muito obscura,havendo também aqui acentuado contraste entre a vegecultura ea agricultura-para-sementes. Na vegecultura, a seleção tevenecessariamente de operar por multiplicação preferencial deindivíduos considerados melhores. Isso provavelmente aceleroua produção de clones melhorados, mas também criou o risco desua perda mais freqüente. Sabe-se, por exemplo, que existem naVenezuela excelentes clones de batata-doce que, deixando de serplantados por algum tempo durante as guerras da conquista,acabaram por desaparecer (SAUER, 1969). Naagricultura-para-sementes, os efeitos da seleção devem ser maislentos, tanto por causa das recombinações gênicas, nos casosde, fecundação cruzada, como por serem recessivas muitas dasmutações desejáveis. Não nos esqueçamos de que, até o fim doséculo XIX, todo esse trabalho de melhoramento foi executado

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de maneira completamente empírica, porque não se conheciamainda nem os mecanismos da reprodução sexuada nas plantas,nem as leis fundamentais da hereditariedade

Na sua fase mais recente, o melhoramento de plantas parece tersido iniciado pelos esforços de Welinder, em 1886, em Svalof,visando aperfeiçoar e estabilizar a qualidade das sementes decereais produzidos no Sul da Suécia (COWAN, 1972). Comose sabe, desses tempos pioneiros para cá houve enormesprogressos nesse sentido, graças ao trabalho de numerososespecialistas no mundo todo. Alicerçando esses resultadospráticos está toda a genética básica.

Contudo, a própria eficiência dos cultivares de alto rendimentoencerra séria ameaça, dado que essas variedades melhoradastendem a expulsar do mercado as menos eficientes, havendorisco de desaparecimento completo destas últimas. Se, então,ocorrer uma praga muito agressiva ou uma doença devastadorados cultivares de alta qualidade, poderemos ser colhidos desurpresa, sem "matérias-primas gênicas" para recomeçar. Queesse perigo realmente existe, prova o desaparecimento de 98%dos cultivares de trigo introduzidos nos Estados Unidos antesde 1958 e de 90% dos cultivares de soja (JAMES, 1967). Alémdisso, por mais sorte e habilidade que se tenha, a produção deuma variedade nova, resistente e de rendimento razoável é coisaque leva tempo. Torna-se, pois, evidente que é necessáriodispor de uma infra-estrutura científica montada para que sepossa enfrentar essa guerra sem quartel contra parásitos epragas. Parte essencial dessa infra-estrutura é constituída pelos"bancos de plasma germinal", que, na terminologia moderna,poderiam ser rebatizados como "depósitos de ADN". Essascoleções conservam amostras de sementes, com boa viabilidade,dos mais variados cultivares, para que estejam disponíveis todosos genotipos potencialmente úteis a novos programas dehibridação.

Um exemplo de valor potencial de uma coleção de sementesvivas é dado pela variedade de trigo P.I. 178383, coletada porJ.R. Harlan, em 1948, na Turquia. A pouca resistência dessavariedade ao frio, seu porte relativamente elevado, a tendênciadas plantas a acamar e a escassa qualidade moageira dos grãosfazem com que essa planta não tenha, à primeira vista, qualquerinteresse comercial. Seu valor era puramente científico porqueservia para exemplificar o fato de que uma variedade de trigopode não ser dotada de grande resistência ao frio e, ainda

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assim, necessitar vernalização (isto é, tratamento da sementepor frio e para que a planta adulta venha a florescer). Algunsanos depois se descobriu, porém, que esse tipo apresentava boaresistência a quatro raças do fungo parasito Puccinia striiformisea 35 raças do parasito Tiphula. Isso fez desse material umaimportante fonte de genes de resistência em programas dehibridaçao, graças aos quais se avalia que, somente no Estadode Montana, foram evitadas perdas anuais da ordem de 3milhões de dólares (BURGUESS, 1971).

Os dois maiores centros de coleções vivas de sementes são o"Instituto Federal de Indústrias de Plantas Nikolai IvanovitchVavilov", de Leningrado, e o "Laboratório Nacional deConservação de Sementes", de Fort Collins, Colorado, EstadosUnidos (JAMES, 1972). Este último laboratório foi fundadoem 1958 e funciona em conexão com a Universidade Estadualde Colorado.

Seu edifício contém: a) no pavimento térreo, todas as máquinasde refrigeração e outras; b) no 1° andar, escritórios egabinetes; c) no 2° andar, os depósitos de sementes (onze salascom temperatura e umidade controladas) e os laboratórios. Acada 2 ou 5 anos as coleções de sementes são "testadas"quanto à viabilidade. Se esta diminui, contrata-seimediatamente a cultura da planta em questão com uma firmaespecializada, com rigorosa especificação das condições decultivo. Em outubro de 1966 o referido laboratório abrigavamais de 52.000 tipos de sementes, com amostras de 4 a 5 milunidades para cada uma (JAMES, 1967). Outra grande coleçãonacional de sementes vivas é a do laboratório de Hiratsuka, noJapão (ITO, 1972). Existem coleções mais especializadas desementes vivas, das quais um bom exemplo é a "U.S. livingcollection of perennial Triticeae grasses" (DEWEY, 1977), doCrops Research Laboratory, Utah State University, situado emLogan. Essa coleção foi iniciada em 1969 e destina-se apesquisas e ao intercâmbio internacional de material vivo dessegrupo de gramíneas. De 1965 a 1977 esse serviço criou mais de50 espécies incipientes, por duplicação cromossômica ehibridação introgressiva.

3. Identificação, análise e certificação desementes

Em meados do século passado já havia na Europa um comérciobastante ativo que negociava com sementes. Essa atividade (que

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mais tarde se estendeu ao mundo inteiro) estava, porém, eivadade falhas graves, tais como falsificações, misturas compropágulos de outras espécies, inclusive de ervas daninhas,contaminações com microorganismos patógenos, além dasimples má qualidade das sementes fornecidas (JUSTICE,1972). Houve, como é natural, reação dos interessados, entreos quais se incluíam também muitos produtores de sementes.De cada uma das mencionadas falhas nasceu uma linha detrabalho nova.

Para combater as falsificações e controlar as misturasinvoluntárias, foi necessário desenvolver técnicas e serviços deidentificação de sementes. O primeiro laboratório voltadoespecificamente para esse fim foi criado em 1869 por F.Nobbe, em Thorandt, na Saxônia (Alemanha). Como se sabe, aidentificação de uma espécie apenas por caracteres da semente éuma taxonomia artificial, que não é nada fácil. Daí seremimprescindíveis coleções e catálogos, para comparações diretas.Assim, pois, em 1876, Nobbe publicava o seu "Handbuch derSamenkunde" que, durante 50 anos, foi o principal guia paraexame e identificação de sementes. Diversas obras foramsubseqüentemente publicadas sobre o assunto (MARTIN,1946, BROUWER & STAHLIN, 1955; USDA, 1955;VAUGHAN, 1970; DELORIT, 1970; CORNER, 1976). Aregião neotrópica é especialmente carente desse tipo deinformação, e alguns estudos preliminares (cf., por exemplo,SENDULSKY, 1965, 1966) demonstram que a catalogação deformas de frutos e de sementes de plantas nativas apresentapossibilidades muito interessantes. Trata-se de estruturas queestão ligadas a problemas de interesse biológico muito amplo(HARPER et al., 1970). Há no mundo vários laboratórios quese dedicam a levantar e coordenar esse tipo de dados. Os doismaiores são o já citado Instituto Vavilov, de Leningrado e, nosEstados Unidos, o "New Crops Research Branch", doDepartamento de Agricultura, em Beltsville, Maryland(GUINN, 1972).

Além das tarefas de produzir e identificar, impõe-se também, ade avaliar o valor potencial das partidas de sementes (JUSTICE,1972). Esse trabalho desenvolveu-se de maneira tão intensa, apartir do fim do século passado, que deu lugar ao aparecimentode duas sociedades especializadas, Uma delas, a "Associationof Official Seed Analysts" foi fundada em 1908 e congregaespecialmente laboratórios e pessoas dos Estados Unidos e doCanadá, editando " Proceedings of the Association of OfficialSeed Analysts of North America" (New Brunswick). A outra,

Os problemas deidentificação

envolvidos naanálise desementes

freqüentementevão além do nível

de espécie,exigindo que se

determine aexatidão davariedade.

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de âmbito geográfico mais amplo, é a "International SeedTesting Association", fundada em 1924 edita "Seed Scienceand Technology". De modo geral, dois são os problemas quemais preocupam o analista de sementes: 1) assegurar-se de queas amostras analisadas são representativas do conjunto oupartida das sementes em estudo; 2) certificar-se de que asdeterminações e experiências feitas com tais amostrasapresentam uma relação concludente e repetível com situaçõesque se encontram na prática dos cultivos. O problema de obteramostras representativas conduziu à invenção de diversosdispositivos muito engenhosos para colher amostras grandes epara subdividi-las no laboratório (USDA, 1952; JUSTICE,1972). Os problemas de identificação envolvidos na análise desementes freqüentemente vão além do nível de espécie,exigindo que se determine a exatidão da variedade. Isso implica,além dos clássicos exames de laboratório, cultivos em casa devegetação, mesmo em pequenas parcelas no campo (COWAN,1972; JUSTICE, 1972). O ensaio de germinação da análise desementes envolve não só o que a maioria dos fisiólogosdenomina germinação (fenômeno que terminaria com aemergência de uma das partes do embrião), mas também odesenvolvimento subseqüente da plántula. Isso se justifica doponto de vista prático, já que, afinal, o objetivo de todo otrabalho de análise é avaliar a capacidade que tem um lote desementes de efetivamente produzir plantas normais. O examesanitário é particularmente cuidadoso: "A luta contra osparásitos transmitidos pelas sementes não constitui uma açãolocalizada no tempo: ela é permanente e deve traduzir-se emvigilância em todas as etapas da produção e da utilização dassementes. Contribui para a proteção global dos vegetais e, porisso, não apenas faz parte de uma luta integrada, mas elaprópria necessariamente e inelutavelmente começa peloemprego de sementes sadias" (ANSELME, 1975).

O clímax da elaboração dos procedimentos destinados apreservar e a garantir a qualidade das sementes é sem dúvida asua certificação. Para conceder uma etiqueta de certificação asorganizações encarregadas examinam, estipulam e inspecionama cultura quanto a tudo o que possa influir na qualidade dasemente produzida: a localização do cultivo, os ventos locais, oscultivos próximos, as técnicas de plantio e de manutenção, oprocesso de colheita, o modo de armazenamento e detransporte, o cuidado com os rótulos etc. Atualmente,procura-se conseguir uma série de acordos internacionais queassegurem, na medida do possível, uniformidade de critérios de

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A distribuiçãogeográfica e as

preferênciasecológicas de

muitas espécieso determinadas

pela faixa decondições

ambientaistoleradas pela

germinação desuas sementes.

análise e de certificação em todo o mundo (ANSELME, 1975).Essa orientação tem um sentido prático muito claro: com oaumento da eficiência dos meios de transporte, nenhuma regiãoestá resguardada contra as conseqüências dos descuidos dequalquer outra, especialmente no que se refere a doenças epragas. Por outro lado, essa diretriz põe em relevo o fato deque as sementes selecionadas e tudo o que a elas se refereconstituem um patrimônio de espécie humana.

4. Necessidade de estudos básicos eaplicados sobre a germinação das sementes

Em que pese ao que repetem os pessimistas, as relações entre osgrupos humanos — quanto às sementes ou no tocante aqualquer outro assunto — tendem a afastar-se daquelesmétodos da predação, do segredo e do monopólio, que eramtão típicos dos séculos XV e XVI. Nos nossos dias, a maioriadas informações científicas relevantes é rapidamente publicada.Assim, a hierarquia da qualidade de vida se estabelece pelacapacidade que tem cada grupo de mobilizar informações erecursos de pesquisa em tempo hábil, de modo a facilitar adescoberta e o uso de novos fatos e de novas relações. Nessesentido, é importante considerar que a massa de informações jádisponíveis é tão grande e tão variada que até o simpleslevantamento efetivo da lista dos dados já descobertos exigecerto grau de organização. Para que se possa fazer uma idéiaconcreta, no caso específico das sementes, basta considerar aobra "Bibliography of Seeds", editada em 1967 pela Drª L. V.Barton, do Boyce Thompson Institute for Plant Research, deYonkers, N.Y. (BARTON, 1967). Essa lista de trabalhospublicados sobre sementes começou a ser compilada pelo Dr.William Crocker, conhecido especialista em fisiologia desementes, na Universidade de Chicago. A compilação teveprosseguimento quando ele se trasladou para o Departamentode Agricultura dos Estados Unidos e, depois, em 1924, para oBoyce Thompson Institute. Nesta última instituição, continuoua Drª L.V. Barton a tarefa de organizar o fichário, cobrindogrande variedade de referência até 1966. A lista contém 20.140títulos de trabalhos e, ainda assim, não é exaustiva.

É claro que para que um país ou região possa participar dosavanços científicos e tecnológicos sobre sementes precisapossuir uma infra-estrutura de trabalho que vai das bibliotecase coleções documentárias aos campos experimentais, passandopelos laboratórios de pesquisa tecnológica, pelos laboratórios

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de pesquisa básica e pelas reservas biológicas. É esse conjuntotodo, de pessoas e de instalações, com suas articulações laterais,que proporciona a capacidade de resolver problemas, por meioda circulação de informações e de perguntas. É também dessaestrutura que decorre a capacidade de planejar com realismo ecom visão.

Para esclarecer alguns dos principais motivos que tornamurgente a implantação, na América Latina, de uma consciênciada necessidade de pesquisas sobre sementes e sua germinação, éconveniente considerar certas situações concretas.

Em quase toda a região neotrópica, proliferam os plantios deeucaliptos e de coníferas, em flagrante contraste com a escassezde iniciativas semelhantes em relação a quaisquer árvoresnativas. Percebe-se que, se o mercado de madeira plantadaestivesse mais diversificado, poder-se-ia atender, em mais amplaescala e de modo mais satisfatório, a grande variedade de usosdessa matéria-prima. O que nem sempre se percebe, com amesma clareza, é que o plantio de árvores nativas não poderáser feito enquanto não se dispuser de dados seguros sobrecomo germinam suas sementes, como crescem essas plantas,que exigências, tolerâncias e capacidades de utilização derecursos do meio essas espécies apresentam e que rendimentosse pode esperar de seu cultivo. A carência desses dados é tãoinibidora que os plantios de eucaliptos e de coniferas seestendem, inclusive, a extensas zonas em que as queimadasanuais são tradicionais e dificilmente evitáveis. Os riscos deincêndio em maciços de árvores que, como essas, são fortesprodutoras de óleos essenciais inflamáveis, são consideradosmenores que os riscos decorrentes da operação com espéciesainda não estudadas.

Um segundo motivo que torna urgentes os estudos sobre agerminação das sementes de plantas neotrópicas consiste emque tais trabalhos constituem uma providência essencial paraproteger muitas espécies contra a ameaça de extinção. De fato,a exclusiva exploração extrativista tende a fazer desaparecer ospróprios produtos sobre os quais incide. Tal foi o caso do freijó(Cordia goeldiana), excelente madeira amazônica própria para ofabrico de asas de aviões leves e para tanoaria. O mercado dessamadeira virtualmente desapareceu por falta de suprimentosregulares. A mesma situação deverá apresentar-se dentro embreve no caso do pau-rosa (Aniba rosaedora,, A. duckei), outraárvore amazônica que vem sendo objeto de intensa exploração

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extrativista por causa do óleo essencial (que é uma fonteindustrial de iinaiol), produzido pela destilação de sua madeirapor arraste de vapor. Muitas outras espécies estão ameaçadas deextinção, por não se saber como plantá-las, de modo acontrabalançar a destruição causada pela exploração extrativista,pelo consumo inespecífico como lenha, ou pela simplesqueimada para desbaste do terreno.

Um terceiro motivo para que se venha a cuidar, sem demora,do estudo da germinação das sementes de diversas espéciestropicais já reconhecidas como úteis, está em que talinformação será imprescindível a qualquer iniciativa demelhoramento genético dessas espécies, porque esses trabalhossempre impõem programas de hibridação e, portanto,propagação por via sexuada. Além da necessidade de conheceras condições exigidas para que essas sementes germinem, háoutros problemas, como o de inventar métodos para conservartais sementes viáveis por períodos mais longos do que os quecorrespondem às sementes atualmente disponíveis. Umbotânico, com 17 anos de experiência no estudo das florestaspluviais tropicais do Sudeste Asiático, diz a tal respeito oseguinte: " A ausência de dormência dificulta o cultivo paramelhoramento, que se torna cada vez mais importante para oprogresso da silvicultura com árvores plantadas. O mesmosucede com o aperfeiçoamento de muitas espécies regionais deárvores frutíferas cujos ancestrais habitam a floresta pluvial. Emsuma: não há exagero em afirmar que o desenvolvimento demétodos para induzir dormência nas sementes de árvores dafloresta pluvial tropical permanece um campo de pesquisasainda virtualmente inexplorado. De seu sucesso depende aabertura de novos horizontes para a silvicultura e para ahorticultura" (WHITMORE, 1975).

Temos, pois, na América Latina, uma vasta fonte de problemasde germinação de sementes, cuja solução apresenta boasperspectivas de aplicação prática. Esse "filão" quase não estáexplorado. Para isso contribuem diversos fatores, como a faltade núcleos pioneiros estáveis de pesquisa, a insuficiência depessoal científico e técnico especializado e a carência debibliografia específica. De todas essas causas, é certamentefundamental no mais alto grau, a primeira, porque osespecialistas sempre se formam a partir de outros preexistentese a pressão para aquisição dos meios de trabalho só surgequando existem pessoas interessadas profundamente noassunto. A organização básica de um laboratório pioneiro, que

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inclui pesquisas sobre germinação de sementes, foi objeto deum estudo recente, feito em co-autoria por um fisiólogo deplantas e por um arquiteto (LABOURIAU & FIUZA COSTA,1976).

A par dessas considerações de natureza prática, o estudo dagerminação de sementes apresenta muito interesse do ponto devista da pesquisa básica. A distribuição geográfica e aspreferências ecológicas de muitas espécies são determinadaspela faixa de condições ambientais toleradas pela germinação desuas sementes. Por isso, o estudo do processo de germinaçãopode contribuir para explicar muitas peculiaridadesbiogeográficas. Esse gênero de aplicações não se restringe aostempos atuais, mas pode ser usado para a interpretação dedados paleoecológicos, como os diagramas polínicos, porexemplo. O estudo das condições ambientais requeridas para agerminação de muitas sementes suscita interessantes problemasde seleção natural, bem como muitas questões novas sobre ocontrole ambiental do desenvolvimento das plantas por meio desinais de baixo nível energético que lhes chegam do exterior. Avida latente de muitas sementes levanta questões básicas, aonível molecular, quanto aos mecanismos de reparo das lesões,especialmente das lesões de biomembranas. O estudo dospadrões metabólicos da semente, tanto na fase de maturaçãocomo na fase de atividade reduzida, principalmente na fase dagerminação, apresenta evidente interesse bioquímico. Ademais,toda semente, como produto de um processo dedesenvolvimento, apresenta uma organização estrutural e ésumamente interessante descobrir como essa organizaçãointerage com a atividade fisiológica durante a germinação.

O processo fisiológico da germinação das sementes é, pois, umfenômeno com muitas facetas e implicações, e disso decorregrande interesse biológico de seu estudo.