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DAVIDJUSTINO Presidente do Conselho Nacional de Educação "Não sou um grande adepto ao conceito cheque- -ensino" ENTREVISTA PÁGS.6A9

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Page 1: Não sou um grande adepto ao - tecnico.ulisboa.pt · Nacional de Educação "Não sou um grande adepto ao conceito cheque--ensino" ENTREVISTA ... Por isso é que eu não percebo muito

DAVIDJUSTINOPresidente do ConselhoNacional de Educação

"Não sou umgrande adeptoao conceitocheque--ensino"

ENTREVISTA

PÁGS.6A9

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"O Estado tem, desde os anos 1980, contratos com várias instituições privadas no sentido de financiardiretamente, ou seja, comparticipar nos custos de frequência dos alunos que eventualmente tenhamrendimentos mais baixos. Chama-se a isso contratos simples, e existem há 20 anos. Não percebo porque é quese vai introduzir a lógica do cheque-ensino quando já existe um instrumento disponível, estabilizado, cujasregras são conhecidas, em que a contratualização é transparente... Há ali uma margem enorme para favorecera participação em especial das famílias mais carenciadas no acesso ao ensino privado. É perfeitamente possívelfazê-10. Por isso é que eu não percebo muito bem estar aqui a falar num novo modelo que vai introduzir "ruídoideológico" no debate, quando as coisas já existem "

"Não sou um grandeadepto do conceitocheque-ensino

"

David Justino entrou na política pelaesquerda (chegou a militar no MES)mas foi depois deputado pelo PSD

e é hoje conselheiro do PresidenteCavaco Silva para os temas sociais.A esta entrevista vem, no entanto,como especialista em ensino, atual

presidente do Conselho Nacionalde Educação, órgão independentecom funções consultivas. Ex- minis-tro da área, de 2002 a 2004, comDurão Barroso, tem, por isso, umavasta experiência e pensamentoconsolidado. Advoga uma maior au-tonomia das escolas públicas, quedevem poder escolher os seus pro-

fessores tal e qual acontece no sec-tor privado, e afirma que Portugalnão tem espaço para mais de três acinco universidades generalistas. As

outras vão ter de se especializar.Nestas entrevistas são os convi-dados que escolhem os capítulosprincipais, nós apenas escolhe-mos as perguntas. E o primeirocapítulo que escolheu abordar foi"o que mudou em Portugal nosúltimos dez anos". Há dez anos,mais ou menos, o senhor tinhaacabado de ser ministro daEducação. Por isso, devolvo-lhe apergunta: o que mudou nos últi-mos dez anos em Portugal?Aparentemente, parece que os pro-blemas são os mesmos. Costumoutilizar a imagem do rio, em que à

superfície há sempre uma grandeturbulência, mas lápor baixo as coi-sas vão calmamente fluindo para a

I PISA |

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! International !

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) prova internacional j

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! teracia dos jovens de !

! 15 anos, que é reali- !

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foz. Nessa perspetiva, há três, qua-tro indicadores que eu julgo que são

importantes. Primeiro, diminuiuaquilo que poderemos designar porineficiência do sistema - há menosabandono. Hoje, aquele velho aban-dono escolar dos miúdos que entra-vam precocemente para o mercadode trabalho, o trabalho infantil, etc,praticamente é residual- 1,7%, 1,5%.Isso é importante. Neste momento,

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o valor da educação é

bem superior do queera há dez ouvinte anos.

Segundo: diminuiu o

outro fator de insuces-so dentro do sistema, as

retenções. Ainda temosmuita reprovação, maso chamado "chumbo"é muito menor do queaquilo que era!

E isso é bom?Isso é bom, é óbvio.Costumo dizer que aesrnla en sistema edu-cativo são uma instância, uma ins-

tituição inclusiva por natureza.É aquilo que nos permite socializare preparar as novas gerações paraos desafios do futuro. Se temos mais

pessoas na escola, ou pelo menostemos uma taxa de cobertura maior,e se temos menos insucesso, entãoisso é bom.Mas isso às vezes é ligado a umcerto facilitismo na educação...Há um aspeto importante: em 1991,

pegando nos dados do censo, a es-colaridade média da população por-tuguesa era de quatro anos e meio.Tínhamos taxas de analfabetismoelevadas. Felizmente, os mais ido-sos vivem mais tempo e, portanto,vão pesando cada vez mais nisto,mas para todos os efeitos progredi-mos! Hoje temos uma taxa de esco-

larização média que está a aproxi-mar-se dos 8, daqui a pouco 9 anos,

temos o abandono que diminui, e

acho que isso é bom. A missão daescola, que é a de envolver cada vezmais gente e de conferir um nívelde formação superior ao das gera-ções anteriores, está a ser cumpri-do. Não sei se se lembram, mas em1995 foi feito um estudo interna-cional, o TIMSS, e os nossos resul-tados foram desastrosos. O novoestudo feito, nomeadamente sobre

os miúdos que só têmquatro anos de escola-

ridade, já permitiu ver

que Portugal foi da-queles que mais pro-grediram, quer na li-teracia matemáticaquer na literacia toutcourt. No PISA, progre-

dimos. A tendência é

claramente para pro-gredir. Portanto tenhode estar satisfeito, por-que estes são os indica-dores fundamentais.

Quer acrescentar mais algumacoisa à análise que estava afazer sobre a última décadano ensino?Outra coisa é saber o que é necessá-rio e se é possível fazer melhor. É. Háineficiência? Há.Houve coerência nas políticas daalternância PSD/PS?Coerência não houve. O que houvefoi continuidade de um conjunto de

políticas que, de outra forma, teriam

regredido. Por exemplo, o reorde-namento da rede de I.° ciclo, comaquelas escolinhas isoladas, etc, fuieu que o iniciei, embora a legislaçãofosse anterior a mim. Dei especialdestaque a essa política, mas depoisfoi continuada nos governos seguin-tes. Outro exemplo é o problema da

prestação de contas e orientação das

aprendizagens. Os resultados tam-bém contam. Hoje, as escolas têm

uma cultura muito diferente daqui-lo que tinham há dez anos. Analisamos resultados dos seus alunos e

sabem que têm um papel, não direidecisivo mas importante, sobre os

resultados que os miúdos obtêm.E as famílias também estão preocu-padas com isso. A geração dos paisdos miúdos que estão no sistema é

muito mais escolarizada do que era.E isso tem um efeito necessariamen-te no capital cultural que os miúdosdetêm e que expressam depois naescola com maior facilidade.Esta permanente contestaçãodos professores, também ligadaà racionalização do número de

professores, que peso tem noambiente escolar e na qualidadede ensino?

Aquilo que tenho dito sempre e con-tinuo a dizer, até prova em contrá-rio, é que os professores têm tido umdesempenho notável no que diz res-

peito asepararo seu mal-estarpro-fissional do seu desempenho den-tro das escolas. Há algum profissio-nalismo que permite precisamen-te que esse mal-estar não se tradu-

za em piores aprendizagens.Não é só uma questão de mal--estar, é também a instabilidadedo corpo docente nas escolas,os contratados nos últimos dezanos... Tudo isso criou algumaestabilidade...Esse é um problema que não estáresolvido. As instâncias de forma-

ção de professores continuaram aformar professores, nomeadamen-te nos estabelecimentos de ensi-no superior, muito para lá das ne-cessidades do sistema. O nosso sis-

tema, em termos de demografia,está a perder alunos desde meadosdos anos 1990. E pelo menos nosdez anos seguintes continuou-sea contratar mais professores. Essedesfasamento teve de ser reajus-tado. O primeiro reajustamentoque houve foi em 2003, 2004, de-pois perdeu-se novamente. Houvenovo reajustamento até 2008, vol-tou-se a perder novamente... O queé que isso dá? O processo de mas-sificação do acesso leva precisa-mente a que haja, neste momen-to, um enorme contingente degente muito valiosa.E que são contratados?E que são contratados e estão no

desemprego. Este é um problemaque não se resolve de um momen-to para o outro.

Alguma estabilidade do corpodocente poderia permitir umamelhoria do ensino...Todo o processo, quer de recruta-mento, quer de progressão, quer de

mobilidade, incentiva ou pelo menossustenta a instabilidade. Dou-vos umexemplo, porque é paradigmático.Falava com uma diretora de uma es-

cola, há uns tempos, e ela dizia-me:"Isto estava a caminhar muito bem,estávamos a criar uma cultura extre-mamente interessante. Veio o con-curso, daqueles que se fazem de qua-tro em quatro anos, e levou-me 60%dos professores que tinha. Vêm novos

professores e tenho de voltar a fazertodo o trabalho que andei a fazer."É uma espécie do complexo de

Penélope, o fazer e desfazer constan-

temente, que leva a que não se resol-

vam os problemas. Não me cabe amim como presidente do Conselho

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Nacional estar a dar soluções. Agora,

que a estabilização da afetação dosdocentes às escolas é problema, é.

Até agora, temos estado a falarquase exclusivamente da escola

pública...?Sim. Mas é um problema da escola

privada também. Só que a escola

privada tem duas ou três coisas quesão fundamentais: escolhe os seus

professores, se não gostar deles li-berta-se e tem, desde há muitotempo, os chamados agrupamen-tos. A maior parte dos colégios pri-vados funciona em agrupamentohá muitos anos.Vamos ao segundo tema quetrouxe para esta conversa: "Em

que medida o sistema de ensino

responde às atuais necessidadesde desenvolvimento do País".

Faço-lhe a pergunta ao contrário:o que é que as capacidades doPaís têm ajudado no ensino? Nãoacha que os cortes no orçamentotêm prejudicado a qualidade doensino em Portugal?Isso é algo que só se pode demons-trar daqui a uns anos, porque os re-sultados na educação são diferidos.

Que expectativa tem?A experiência que tenho é que criá-mos a ideia de que toda a despesaem educação é investimento. E aqui-lo que tenho sempre a dizer é: des-

pesa que é despesa de ineficiêncianão é um bom investimento, pelocontrário, é mau investimento.Quando os ministros mudam,a tendência é mexer nas leis.No caso da educação é mexer noscurrículos e nos programas. Elessão adequados, neste momento,na sua opinião?Eu não mexi nos currículos. Ou me-lhor, fiz uma revisão do ensino se-cundário no que diz respeito à or-ganização dos cursos, mas não mexiem programas nem em conteúdos.Mas eles hoje estão adaptados às

necessidades e ao desenvolvi-mento do País?

Essa é uma das questões. A maiorparte destas mudanças, feitas já dehá uns anos para cá, são remendos;identificam- se problemas pontuaise tenta-se remendar aquele ponto.Estamos a falar do ensino básico?Básico e secundário. No superior é

relativamente diferente, mas tam-bém tenho algumas dúvidas sobreisso. A minha preocupação é quenos estamos a preparar de acordocom modelos quejá têm mais de 20

anos, e em 20 anos as sociedadesmudaram completamente. O tipode conhecimento que a escola temde promover, alterou-se profunda-mente. Quando, por exemplo, umasociedade está a passar por um pro-cesso de mutação imprevisível,muito contingente, em que os fato-res de aleatoriedade são muito for-tes, o que é que devemos fazer?É voltar ao fundamental, ou seja, às

literacias básicas, à leitura, ao cál-culo, à maneira de pensar... Temos ?

PERFIL

DAVIDJUSTINO> Sociólogo> Ex-deputado eleito pelo PSD

> Antigo ministro da Educação> Presidente do ConselhoNacional de Educação desde2013, David Justino é assessordo Chefe do Estado para osAssuntos Sociais. Licenciado emEconomia e doutorado emSociologia, professor associado

na Universidade Nova, ganhou oPrémio Gulbenkian de Ciência e

Tecnologia. Tem 61 anos.

? de reforçar os saberes axiais, que são

estruturantes, digamos assim, detodos os outros saberes. Isso tem deser discutido.E estarão as escolas a precisar de

mais autonomia ao nível curricu-lar? Não está tudo centralizado?A autonomia é sempre relativa.Devemos caminhar para que as es-colas possam ter uma margem de

intervenção sobre a gestão dos seus

recursos um pouco mais alargada.É necessário descentralizar compe-tências do Estado Central ou paraas escolas ou para outras entidades,mas entendo que, privilegiadamen-te, deve ser para as escolas.

Vamos ao ensino superior.Concorda com a nova oferta for-mativa dos politécnicos?Não vou pronunciar-me sobre isso,

por uma razão simples: neste mo-mento, o Conselho Nacional de

Educação está a estudar o assunto,vai emitir um parecer ou uma reco-

mendação, vamos ver. Em princí-pio será uma recomendação.

Brevemente?Dentro de um ou dois meses. O mi-nistério não nos submeteu esse di-

ploma à apreciação, mas entende-mos que, tratando-se de um diplo-ma estruturante, nos devemos pro-nunciar. Elevai alterar significativa-mente a arquitetura do sistema e da

transição do ensino secundário parao ensino superior.Um dos grandes avanços é que os

politécnicos estão hoje espalha-dos por todo o País, de norte a sul,no interior...[Interrompendo] ...E universidadestambém....E universidades, é verdade. Mas

chegámos a uma fase em que se

percebe que há ali algumas coisas

que não correram bem, porquehá cursos que não têm alunos,porque há dificuldade em ter bons

professores para todas as áreas.É preciso repensar a rede toda de

politécnicos e universidades nointerior? É preciso coragem políti-ca? Não é uma matéria fácil...

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iiNão houve ainda ninguémque me tivesse contrariadonum princípio que ébásico: quem querdefendera escola pública,e também a defendo, devedar-lhe as melhores

condições para que possafuncionar bem."

iiAs instâncias de

formação de professorescontinuaram a formarprofessores,nomeadamente nosestabelecimentos deensino superior, muitopara lá das necessidadesdo sistema. "

ii"Não é o tipo de

propriedade quedefine a qualidade dagestão, é os limites daprópria gestão. Nãoquer dizer que agestão privada sejamelhor do que apública."

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A matéria não é fácil porque envol-ve, precisamente, o sacrifício de al-

guma coisa. Se não houvesse sacri-fício, o consenso era rápido.Julgo intuir que entende que arede é muito alargada...O problema não é a rede física.O problema é que tem de haver umcritério de alguma coesão nacional.Para mantermos a presença univer-sitária ou de politécnicos no inte-rior do País e noutras zonas que nãosão do interior, vamos ter de sacri-ficar alguns cursos. Seria interessan-te que estes estabelecimentos de en-sino superior se orientassem paraáreas de competência.Específica?Específica, em vez de andarem a ofe-recertudo......E a duplicar o que já existe nou-tros sítios?Exatamente.O DN noticiava esta semana queo Ministério da Educação querpartilha de professores, cursos,entre universidades, politécni-cos, de fornia a racionalizar aoferta, mas depois diz que esperaque sejam as instituições a fazê--10. Acredita que é possível essa

autorregulação para garantir asustentabilidade da rede?A autorregulação só é possível quan-do se conhece bem as regras do jogo,ao nível de financiamento, dos prin-cípios e os critérios do que se pre-tende fazer para se levar a que os res-

ponsáveis por essas instituições se

possam sentar à mesa. Tenho esta-do sempre em contacto quer com oConselho de Reitores, quer com oConselho Superior dos InstitutosPolitécnicos, quer mesmo com as

universidades privadas, no sentidode dizer "meus senhores, temos de

nos sentar à mesa, mais tarde oumais cedo, e quanto mais cedo o fi-zermos, melhor". Se não se fizer esse

repensar da rede vai ser o ministé-

rio, qualquer ministério, com qual-quer Governo, que vai ter de o fazerde forma abrupta, não direi violen-ta mas de forma coerciva, o que nem

sempre é a melhor solução para as

instituições. Continuo apensar queo fundamental é que estas institui-ções se possam especializar. Não su-

portamos mais que três, quatro,cinco grandes instituições que te-nham oferta generalista. As outrasvão ter de se orientar para determi-nados nichos e afirmar-se naquiloem que têm capital de competên-cia, de investigação científica.Como é viu a fusão, em Lisboa,da Universidade Clássica com aTécnica?Vi bem. Quer da parte do professorCruz Serra, que na altura era o res-

ponsável da Universidade Técnica,

quer da parte do professor AntónioNóvoa, acho que foi um exemplo!Eles abriram caminho, foram pio-neiros.Um exemplo para ganhar escala?Sim. Ao ganhar escala, a margem de

gestão de recursos aumenta.O que pensa do cheque-ensino,que visava financiar as famílias

que quisessem colocar os filhos

nas escolas privadas? O Estadodeve financiar essa liberdadede escolha?Já nem os bancos utilizam muito os

cheques! Portanto, o Estado recu-

perar essa forma de pagamento nãocreio que seja a melhor.Pode ser por transferência ban-cária...?Exatamente. [risos) Parajá, o termoé uma coisa que não acho muitofeliz.E a filosofia que está por trásdisso?Vamos lá ver: o Estado tem, desdeos anos 1980, contratos com várias

instituições privadas no sentido definanciar diretamente, ou seja, com-participar nos custos de frequênciados alunos que eventualmente te-nham rendimentos mais baixos.Chama-se a isso contratos simples,e existem há 20 anos. Não perceboporque é que se vai introduzir a ló-

gica do cheque-ensino quando jáexiste um instrumento disponível,estabilizado, cujas regras são conhe-cidas, em que a contratualizaçãoé transparente...A não ser que seja por apostaideológica?Eventualmente. Não vale a pena es-tarmos a mudar os nomes às coisassó para criar novos "pacotes", quan-do a natureza das instituições acon-

selha a que se mantenha o que fun-ciona bem. Podemos alterar a formade comparticipação? Podemos.Podemos aumentar os escalões deacesso? Podemos. Há ali uma mar-gem enorme para favorecer a parti-cipação em especial das famíliasmais carenciadas no acesso ao en-sino privado, por exemplo. É perfei-tamente possível fazê-10. Por isso é

que eu não percebo muito bem estar

aqui a falar num novo modelo quevai introduzir "ruído ideológico" nodebate, quando as coisas já existem.Não sou um grande adepto do con-ceito, defendo é que se pegue no queexiste e se melhore. Não estamos emperíodos fáceis para isso, mas a sede

vantajosa, que detém mais benefí-cios para aliviar o encargo que as fa-mílias têm em pôr os seus filhos noensino privado, é a via fiscal. É a me-lhor, a mais eficaz e aquela queé mais igualitária.Coisa que tem diminuído muitono período de austeridade emque vivemos...?E esse é o problema! É saber se nós

queremos dar mais subsídios ou se

queremos dar mais abatimentos noIRS. A escolha tem de ser feita nes-tes termos. Não estou a ver como é

que o Estado tem disponibilidadefinanceira para poder acentuar esse

apoio. Não estou a ver!

Olhemos, como também nos pro-pôs, para o que queremos da edu-cação no futuro. Retomo a ideiada autonomia das escolas parapoderem selecionar os seus pró-prios docentes. Essa ideia temacolhimento por parte dos pro-fessores?Não houve ainda ninguém que metivesse contrariado num princípioque é básico: quem quer defendera escola pública, e também a defen-do, deve dar-lhe as melhores condi-

ções para que possa funcionar bem.Já teve esta conversa com sindi-catos?

Já!

E teve boa recetividade?Sim, pelo menos as pessoas não mecontrariaram. Ficaram de dizer al-

guma coisa... Uma boa escola pú-blica exige que o Estado tenha nãosó o direito mas o dever de escolher

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os melhores professores, nomea-damente à entrada na carreira.Havendo excesso de oferta, o Estadotem esta incrível e oportuna possi-bilidade de poder definir critérios

para saber quem são os melhores.

Quando foi eleito para o Conse-lho Nacional de Educação, ad-mitiu que levava na agenda a re-visão da Lei de Bases do SistemaEducativo, que é de 1986, quaseartigo a artigo - a sua expressãofoi essa. Como sabe, o ministroda Educação, Nuno Crato, en-tende que essa revisão não é ur-gente. Como é que está esse seuprojeto?Está a andar. O meu objetivo nãoé rever a lei de bases, porque o

Conselho Nacional de Educação nãotem iniciativa legislativa, quem teminiciativa legislativa é o Governo oua Assembleia da República.Mas pode dar contributos e colo-car as coisas na agenda.Exatamente. A ideia é avaliarmos,artigo a artigo, a adequação daqui-lo que está na lei de bases com aqui-lo que é a realidade. A lei de basesvai fazer 30 anos em 2016. Nestes 30anos o mundo mudou completa-mente, a educação mudou profun-damente. Não há na história de

Portugal um processo de mudançatão acelerado e tão profundo no sis-

tema educativo como houve nos úl-timos 20, 30 anos. Quer isso dizer

que aquela lei, por muito boa queseja, há de ter aspetos que já nãocondizem e já não respondem.Quando umaleipassaaserumfatorde bloqueio e não um fator de des-

envolvimento, deve ser revista.E estamos já nessa fase?

Na minha opinião, estamos. Estoua dar-lhe uma opinião pessoal.Em que aspeto?Na organização dos ciclos, na defi-

nição dos direitos, no tipo de conhe-cimento a lecionar, no problema de

recrutamento, da gestão e organiza-ção das escolas... são vários aspetosem que a lei já é, às vezes, de algumaforma, um travão e não um catalisa-dor. As leis, nomeadamente as leis

estruturantes, como são as leis debases, devem apontar para cami-nhos de futuro. Ora o futuro daque-la lei esgotou-se. Agora temos de fazera avaliação. O que vamos fazer?Vamos produzir conhecimento, fazer

investigação, fazer audições com vá-rias entidades, elaborar um relató-rio e fornecer ao Governo e àAssembleia da República alguma re-flexão. A iniciativa, a decisão políti-

ca de fazer essa revisão, será destesdois órgãos, conforme entenderem.

Agora, este é um trabalho que nãovai ser feito à pressa. A educaçãomuda-se devagar e, acima de tudo,a reflexão que tem de ser feita deve

ser alargada e ponderada. É precisotempo. Aquilo que defini para estes

quatro anos de mandato, neste caso

já três anos e meio, é precisamentepodermos até ao final deste manda-to elaborar um ou vários documen-tos em que forneceremos avaliação,conhecimento, para que os deciso-

res políticos possam tomar as me-didas que entendam.O ministro tem procurado muitoo apoio e o conselho do ConselhoNacional de Educação?Sim, sim. Se calhar não tanto quan-to eu gostaria, mas de qualquer ma-neira também estamos numa faseinicial de mandato. Pelo menos, jános fez duas ou três solicitações e

estamos a trabalhar. Pela primei-ra vez, recebi há dias uma solicita-

ção da senhora presidente daAssembleia da República relativa-mente ao programa do ensino es-

pecial, e vamos também trabalharsobre isso. Estamos lá para traba-lhar, e quanto mais nos pedirem,mais trabalharemos.

"O desafionão é entreo públicoe o privado"Como vê a relação escolapública/ensino privado?Há aqui ainda campopara desinvestimentodo Estado na escola pú-blica em detrimentodo reforço do ensinoprivado?Não creio. A maior partedas discussões que se têm

centrado sobre esta opo-sição público /privado sãodiscussões marcadamen-te ideológicas. Não é isso

que resolve.Isso tem correspondên-cia naquilo que estáa acontecer noterreno?A esmagadora maioria das

escolas são públicas, 70%ou 80%.E na sua opinião deveriacontinuar a ser?Sim, esse equilíbrio devia-se manter. O grande pro-blema é que as escolaspúblicas estão condicio-nadas pela situação que oEstado tem em termos

financeiros. Sou defensorda coexistência de váriossubsistemas dentro domesmo sistema. Devehaver privado, deve havercooperativo, deve haverassociações que possamter escolas, pode haver es-colas públicas nacionais,escolas públicas munici-

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pais. Quanto maior fora diversidade, melhor.Desde que seja uma diver-sidade competitiva, ouseja, que as escolas atra-vés de diferentes formasde organização possamcompetir para ter melho-res resultados. O grandedesafio não é entre públi-co e privado, é entre boasescolas e más escolas, in-dependentemente de elasserem mais privadasou mais públicas. Estaideia de que só as escolaspúblicas é que são boas é

uma ideia que não temsentido.A perceção das pessoasestá a mudar?Espero que sim.

Está a mudar no sentidoem que voltamos a achar

Li...E entre boasescolas e másescolas"que o privado é melhordo que o público.Há pouco estava afalar da prestação decontas e da avaliaçãodos resultados que é

preciso ter, e vemosque quando saem os

rankings as privadasestão sempre à frente.Isso cria a ideia de

que o públicoé mau e o privadoé bom, não é?Exatamente. Estava a falardas diferenças entre geriruma escola privada e umaescola pública. Desdea escolha dos professoresao desenvolvimento deidentidades próprias, re-lativamente aos critériose às práticas de gestão, apa-rentemente a escola priva-da tem vantagens sobre aescola pública. Ou seja,não é o tipo de proprieda-de que define a qualidadeda gestão, é os limitesda própria gestão. Nãoquer dizer que a gestãoprivada seja melhor do quea pública; conheço esco-

las públicas que são muitobem geridas. E isso leva--me a pensar que devería-mos investir um poucomais na formação dosnossos diretores de esco-las, por exemplo, porqueno fundo eles são profes-sores. Aprende-se coma experiência, mas há prin-cípios básicos que tantose ensinam a um gestorprivado como a um gestorpúblico. Tenho de reco-nhecer que isso se refletenos resultados, tal comoa capacidade [económica]das famílias. Fazer estaanálise só pelos resultadosobtidos e não atenderà composição social decada escola é um erro.

"Só faz compromissos quem tem força e autoridade"É consultor para os assuntos sociais doPresidente da República...[Interrompendo] ...Emboranão esteja cá nessa

qualidade!...E o Presidente da Repúblicaescreveu agora mais um pre-fácio dos Roteiros, em aveconsidera um entendimentopolítico global a única solu-

ção para assegurar a governa-bilidade e a gestão da crise

que vivemos. Como olha paraa classe política e para aforma como tem reagido aesta insistência do Presidenteda República?Julgo que está a falar da ideia de

compromisso...Sim.Também estive envolvido naquela que foi a

primeira tentativa de se encontrar um com-promisso - não o consenso, são coisas dife-rentes - em torno de um conjunto de princí-pios, de opções e de decisões, medidas pro-priamente ditas.Para o pós- troika...Na altura era para o "antes troika" e para o

pós- troika.Era para resolver a crise política de julho.E continuo a pensar- e não quero envolvernem o senhor Presidente da República nem

a Presidência da República nisto - que teráde haver alguma convergência de base mí-nima sobre a forma como vamos lidar como problema da dívida, do crescimento eco-

nómico, da organização doEstado. Não há nenhumGoverno que, por si só, consigagerar um consenso ou um com-promisso mínimo sobre estas

questões profundas da organi-zação do Estado e da socieda-de portuguesa. O problema está,

em grande parte, na minha opi-nião, nanaturezado sistemapo-lítico e dos partidos e, muitasvezes na própria fragilidade doEstado, porque só faz compro-misso quem tem força e auto-ridade.

Duas das pessoas que assinaram o docu-mento dos 70 trabalham diretamentecom o Presidente. Há depois tambémBagão Félix, que é conselheiro de Estado,Manuela Ferreira Leite, que toda agentesabe, em Portugal, tem uma relaçãopróxima, política e de amizade, com oPresidente da República. Será que se podeconcluir que este movimento tem a sim-patia também da Presidência da

República? [A pergunta é feita na manhãde quarta feira e nessa mesma tarde o PR

aceitaria o pedido de demissão deSevinate Pinto eVítor Martins, os dois co-laboradores]Nunca envolveria a minha posição naPresidência da República com aquilo que pu-desse pensar. Isso, para mim, é adquirido. Emsegundo lugar, o senhor Presidente daRepública tem uma prática reconhecida, pelomenos internamente, que é fazer as coisas

com grande capacidade de antecipação re-lativamente aos problemas. Não há qualquercoincidência entre o manifesto e o que estáescrito nos Roteiros. E aí estou a constatarfactos, não estou a emitir juízos de valor. Não

vejo que uma coisa tenha a ver com a outra.A forma como o senhor Presidente daRepública, no seu prefácio, tenta esclarecer

osportugueses sobre as implicações da dívi-da, sobre a situação de Portugal, é aquilo queum Presidente da República deve fazer, atéde forma pedagógica, ainda por cima numaárea em que ele domina. Ler aquele prefácio

"Não há qualquer coincidênciaentre o manifesto e o que estáescrito nos Roteiros"

! Roteiros !

! Publicação anual que !

! reúne os principais !

jdiscursos do ¦

;Presidente da

[

J República, acompa- [

! nhadaporumprefá- |

! cio onde Cavaco Silva !

! defende, este ano, !

! um programa caute- !

¦ lar para o pós-troika. ¦

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dá-nos, pelo menos, melhor esclarecimen-to do que está em causa.Acredita que, passadas as próximas elei-ções europeias, haverá uma conjunturamais favorável ao compromisso?Se houver, é marcadamente conjuntural, por-que a seguir têm as legislativas. O problemade compromisso não é um problema de con-

juntura, é um problema de estrutura, de cul-tura política.Esteve envolvido quando o PS e os parti-

dos do Governo negociaram um acordono verão passado...Eraumobservadorparticipante,maseraumobservador.Sentiu que nas atuais lideranças políticasexiste essa capacidade de fazer o consen-so? O que é que fez que falhasse e que podevoltar a fazer falhar?

Repito o que disse: só se consegue fazer con-sensos quando existe poder e autoridade efe-

tiva, quer no Governo quer nos partidos. Nos

países do Norte da Europa, o papel dos par-tidos está claramente consolidado dentro dosistema político e a natureza dos partidostambém está reconhecida. A autoridade de-corre disso, o que facilita o consenso. O quetemos de fazer é criar cultura, dizer que o queestá em causa é o interesse nacional, acima

dospróprios interesses conjunturais de ordem

partidária.

"A requalificaçãodas escolas feztodo o sentido "

O que pensa da requalifica-ção das escolas?O trabalho que se andou afazer sobre a concentração dasescolas quer através da elimi-nação das mais pequenas e

mais isoladas, quer através do

esquema dos agrupamentos,isso conferiu eficiência ao fun-cionamento das escolas e dosistema. Houve ganhos de efi-ciência.Deixe -me falar concreta-mente em infraestruturas.Viu como positiva a requali-ficação das escolas emPortugal no Governo ante-rior?

Sim, vi.Mesmo com os excessos?Para as escolas foram boas.Para o País, não sei se foi. Masisso é outra conversa. Para as

escolas, ter melhores condi-ções físicas de funcionamen-to tende a criar melhores am-bientes de aprendizagem.Mas fazia sentido ou viu aliapenas um negócio?Fazia sentido. Nos últimosmeses em que estive noGoverno começámos a elabo-rar um plano de recuperação

dos antigos liceus nas grandescidades, que eram aqueles queestavam mais degradados.O 'Maria Amália', o 'Camões',etc. Agora, não estava previstoa intervenção ser com a dimen-são que veio a ser realizada.Estamos a falar da ParqueEscolar?Sim, da Parque Escolar e detoda a intervenção que foifeita. Para as escolas foi bom.O problema é saber qual foio custo.Esse balanço ainda não estáfeito?Acho que não está feito. E te-mos de ter sempre uma pers-U"... O problemaé saber qualfoi o custo"

petiva de relação de custo/be-nefício nestas coisas.Se a requalificação das esco-las tivesse sido feita sem der-rapagens, sem excessos, semalguns luxos de que ouvimosfalar, teria sido uma boa

ideia?Não tenho grandes dúvidasao nível da execução. Quandoestava no ministério, um dos

capitais que dispúnhamos eraconseguirmos construir a pre-ços muito baixos com duascondições: projeto-modelo eos pagamentos aos emprei-teiros feitos a 30 dias. Comestas duas condições, conse-guimos preços imbatíveis.O que veio a acontecer é quenão se adotou os modelos quejá estavam consagrados, tes-tados e que permitiam umarentabilidade maior, e dá-mea sensação que os pagamen-tos aos empreiteiros tambémnão foram dos melhores. Masquando entro numa escolaque foi intervencionada pelaParque Escolar, sinto-mebem. São bons materiais, hábom gosto. Algumas das es-colas ficaram muito bonitas,e fico muito contente comisso. É claro que penso ime-diatamente quanto é que dosmeus impostos vai para ali...Na altura, criou-se a ideia de

que havia dinheiro, e se hádinheiro, toca a fazer tudoainda melhor.

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