modernidade líquida

25
Resumo livro modernidade líquida BAUMAN Z. Modernidade Líquida Rio de Janeiro: Zahar 2001. O líquido não possui uma forma definida, sua forma é temporária, amolda- se facilmente ao recipiente em que é colocado estando em constante mudança e adaptação. Já os sólidos oferecem resistência à separação dos seus átomos. Para Bauman a modernidade encaixa-se na situação dos líquidos. Como os líquidos estão sempre prontos para mudar, o tempo é essencial para na sua análise ou observação e, qualquer descrição ou conclusão que se tenha a respeito dele é temporária. A mobilidade que caracteriza os líquidos faz com que passem a ideia de “leveza”. A leveza é frequentemente associada à mobilidade e inconstância. O presente é muito mais semelhante à condição dos líquidos. A modernidade já nasceu “derretendo os sólidos” – frase cunhada há um século e meio pelos autores do Manifesto comunista. Significa que tudo o que apresentasse uma tendência a permanecer constante à medida que o tempo passasse, deveria ser destruído. Todas as tradições deveriam ser “liquefeitas”. Todas as obrigações “irrelevantes” deveriam deixar de existir: as empresas deveriam se libertar dos deveres para com a família e das obrigações éticas; só deveria permanecer nas empresas o que tivesse fins materiais. As relações sociais ficavam desprotegidas e o papel da economia ganhava destaque. Ela ia se libertando progressivamente de obstáculos éticos, políticos e culturais. Desse modo, construía-se uma nova ordem, a qual era definida principalmente pela economia. “Não que a ordem econômica, uma vez instalada, tivesse colonizado, reeducado e convertido a seus fins o restante da vida social; essa ordem veio a dominar a totalidade da vida humana porque o que quer que possa ter acontecido nessa vida tornou-se irrelevante e ineficaz no que diz respeito à implacável e contínua reprodução dessa ordem.” (BAUMAN, 1999, p.11). Consoante Bauman, essa nova ordem é composta por subsistemas livres, mas o modo que esses sistemas estão ligados é bastante rígido. A ordem das coisas se apresenta fixa, não está aberta a opções. “A rigidez da ordem é o resultado de ‘soltar o freio’, deixar livre: a desregulamentação, a liberalização,a ‘flexibilização’, a ‘fluidez’ crescente, o descontrole dos mercados financeiro, imobiliário e de trabalho,

Upload: luciane-santini

Post on 20-Dec-2015

43 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Resumo Livro

TRANSCRIPT

Page 1: Modernidade Líquida

Resumo livro modernidade líquidaBAUMAN Z. Modernidade Líquida Rio de Janeiro: Zahar 2001.

O líquido não possui uma forma definida, sua forma é temporária, amolda-se facilmente ao recipiente em que é colocado estando em constante mudança e adaptação. Já os sólidos oferecem resistência à separação dos seus átomos.Para Bauman a modernidade encaixa-se na situação dos líquidos. Como os líquidos estão sempre prontos para mudar, o tempo é essencial para na sua análise ou observação e, qualquer descrição ou conclusão que se tenha a respeito dele é temporária. A mobilidade que caracteriza os líquidos faz com que passem a ideia de “leveza”. A leveza é frequentemente associada à mobilidade e inconstância. O presente é muito mais semelhante à condição dos líquidos. A modernidade já nasceu “derretendo os sólidos” – frase cunhada há um século e meio pelos autores do Manifesto comunista. Significa que tudo o que apresentasse uma tendência a permanecer constante à medida que o tempo passasse, deveria ser destruído. Todas as tradições deveriam ser “liquefeitas”. Todas as obrigações “irrelevantes” deveriam deixar de existir: as empresas deveriam se libertar dos deveres para com a família e das obrigações éticas; só deveria permanecer nas empresas o que tivesse fins materiais. As relações sociais ficavam desprotegidas e o papel da economia ganhava destaque. Ela ia se libertando progressivamente de obstáculos éticos, políticos e culturais. Desse modo, construía-se uma nova ordem, a qual era definida principalmente pela economia.

“Não que a ordem econômica, uma vez instalada, tivesse colonizado, reeducado e convertido a seus fins o restante da vida social; essa ordem veio a dominar a totalidade da vida humana porque o que quer que possa ter acontecido nessa vida tornou-se irrelevante e ineficaz no que diz respeito à implacável e contínua reprodução dessa ordem.” (BAUMAN, 1999, p.11).

Consoante Bauman, essa nova ordem é composta por subsistemas livres, mas o modo que esses sistemas estão ligados é bastante rígido. A ordem das coisas se apresenta fixa, não está aberta a opções.

“A rigidez da ordem é o resultado de ‘soltar o freio’, deixar livre: a desregulamentação, a liberalização,a ‘flexibilização’, a ‘fluidez’ crescente, o descontrole dos mercados financeiro, imobiliário e de trabalho, tornando mais leve o peso dos impostos etc.” (BAUMAN, 1999, p.11).

Uma consequência disso é que é cada vez mais difícil encontrar pessoas que satisfaçam o “perfil revolucionário”, que esteja disposto a abrir mão de interesses individuais em nome do coletivo. A ausência desses revolucionários torna a construção de uma nova ordem tarefa impossível. “Instituições zumbi” – instituições que estão vivas e mortas ao mesmo tempo, como é o caso da família, da classe e do bairro. Qual o significado da família, por exemplo? É claro que há crianças, filhos. Mas a paternidade e maternidade está se deteriorando no divórcio. Avôs e avós são incluídos e excluídos sem meios de participar nas decisões de seus filhos. Os velhos moldes foram sendo distribuídos por outros, as pessoas foram se libertando das antigas gaiolas e com seus próprios esforços, tiveram de encontrar lugar nos novos nichos pré-fabricados e, para integrar esses novos nichos, os indivíduos deveriam seguir regras que lhes eram exteriores.Essas regras, que serviam para orientar, estão cada vez mais em falta. Mas isso não quer dizer que as pessoas hoje constroem sua vida utilizando-se somente de sua própria imaginação, quer dizer que o trabalho de autoconstrução individual não está totalmente determinado. Hoje os padrões não são dados, eles são bem variados e alguns deles se chocam, mudam de natureza.

Page 2: Modernidade Líquida

Compreender esses padrões e utilizá-los na própria vida é agora tarefas individuais. Uma consequência disso é que “o que acontece” com o indivíduo é problema dele somente.Velhos conceitos se tornam obsoletos e necessitam ser atualizados ou inteiramente descartados e é isso que Bauman se propõe a fazer no livro. Como zumbis, esses conceitos são hoje mortos vivos e necessita-se saber se uma ressurreição, sob nova forma, ainda é possível ou então que eles tenham um enterro eficaz.Neste livro foram selecionados cinco conceitos básicos em torno da condição humana:A emancipação; A individualidade; o tempo/espaço; o trabalho e a comunidade.

EMANCIPAÇÃO“Libertar-se” significa libertar-se de algum tio e grilhão que obstrui ou impede os movimentos; começar a sentir-se livre para se mover ou agir.“Sentir-se livre” significa não experimentar dificuldades, obstáculos, resistência que impeça o movimento pretendido ou concebível.A “realidade” é criada pelo ato de querer. É a teimosa indiferença do mundo em relação à minha intenção. A relutância do mundo em se submeter à minha vontade é que resulta na percepção do mundo como “real”, limitante e desobediente. Sentir-se livre das limitações significa equilíbrio entre desejo, imaginação e capacidade para agir.O “equilíbrio” pode ser alcançado de duas maneiras: ou reduzindo os desejos e a imaginação ou ampliando nossa capacidade de ação.Enquanto o equilíbrio for mantido a “libertação” é um slogan sem sentido, falta força motivacional.A “libertação” objetiva e subjetiva – pode ser que o desejo de melhorar tenha sido frustrado, ou que nem tenha ocorridas intenções, houve uma adaptação à capacidade de agir. Também pode ocorrer a manipulação direta das intenções (“lavagem cerebral”), impossibilitando verificar a capacidade “objetiva” de agir e, menos ainda, saber as intenções que são colocadas abaixo do nível da libertação objetiva.A distinção entre liberdade objetiva e subjetiva trouxe várias questões embaraçosas de significação filosófica. Uma delas e a possibilidade de que o que se sente como liberdade não ser de fato liberdade – as pessoas podem estar satisfeitas com o que lhes cabe, mesmo que isto não seja “objetivamente” satisfatório (na escravidão se sinta livre e não sintam necessidade de se libertar, perdendo a chance de sentirem-se genuinamente livres).É possível que as pessoas sejam juízes incompetentes para sua própria situação e precisem ser guiadas para experimentar a necessidade de ser “objetivamente” livres e reunir coragem para lutar por isso.Ameaça sombria ao coração dos filósofos é que as pessoas pudessem não querer se livres e rejeitassem a perspectiva da libertação pelas dificuldades que o exercício da libertação pode acarretar.As bênçãos mistas da liberdade - A libertação é uma benção ou uma maldição?Quando ficou claro que a liberdade demorava a chegar e que os que dela gozavam relutavam em dar-lhe as boas vindas, houve dois tipos de resposta:- Lançava dúvida sobre a prontidão do “povo comum” para a liberdade. Como disse Herbert Sebastian Agar “a verdade que torna os homens livres é na maioria dos casos, a verdade que os homens preferem não ouvir.”.- Os homens podem não estar inteiramente equivocados quando questionam os benefícios que as liberdades podem lhes trazer.A resposta do primeiro tipo inspira compaixão pelo povo desorientado, levado a desistir de sua chance de liberdade ou então desprezo contra a “massa” que não quer assumir os riscos e responsabilidades que acompanham a autonomia e a autoafirmação. Outros discursos para protestos semelhantes foi o do “aburguesamento” dos “despossuídos” – a substituição do “ser” pelo “ter” e do “agir” pelo “ser” como valores mais altos e da cultura de massa (lesão cerebral coletiva causada pela “indústria cultural”).

Page 3: Modernidade Líquida

As do segundo tipo sugere que a liberdade louvada pelos libertários não é uma garantia de felicidade. Libertários como David Conway que compreende que a felicidade geral é promovida se mantivermos nos adultos “a expectativa de que cada um será deixado com seus próprios recursos para prover suas próprias necessidades”. Charles Murray descreve a felicidade intrínseca à busca solitária: “O que faz um acontecimento causar satisfação é que você produziu... com responsabilidade substancial sobre seus ombros, sendo uma parte substancial do bem alcançado uma contribuição sua.” “Ser abandonado aos seus próprios recursos” anuncia tormentos mentais. “responsabilidade sobre os próprios ombros” prenuncia um medo paralisante do risco e do fracasso.Se a liberdade significa tudo isso não pode ser garantia de felicidade nem objetivo digno de luta.Ainda em resposta ao segundo tipo, surge em última análise o horror visceral de Thomas Hobbes (horror hobbesiano) – um homem dispensado das limitações sociais coercitivas ou nunca submetido a elas é uma besta e não um indivíduo livre. Outra suposição é a de que a falta de limites eficazes faz a vida “detestável, brutal e curta”. Não há uma só contradição entre dependência e libertação: não há outro caminho para buscar libertação senão “submeter-se à sociedade". O resultado de rebelião contra as normas é uma agonia perpétua de indecisão ligada a um Estado de incerteza sobre as intenções e movimentos dos outros ao redor – o que faz da vida um inferno. Graças à monotonia e a regularidade os homens sabem como proceder a maior parte do tempo. A ausência das normas é o pior que pode acontecer para quem luta para dar conta de seus afazeres. A rotina pode apequenar, mas ela também pode proteger. Richard Sennett faz a proposição de que “imaginar uma vida de impulsos momentâneos, de ações de curto prazo, destituídas de rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, é imaginar uma vida sem sentido.”.Muitos danos foram causados no sentido da vida. O que foi sepado não pode ser mais colado. Devemos abandonar a esperança da totalidade, nós que vivemos no mundo da modernidade líquida. Recentemente Alain Touraine anunciou “o fim da definição do ser humano como um ser social". A defesa por todos os atores sociais pode ser encontrada dentro do indivíduo, e não mais em instituições sociais ou em princípios universais. O indivíduo já ganhou toda a liberdade com que poderia sonhar. As instituições sociais estão mais que dispostas a deixar à iniciativa individual o cuidado com as definições e princípios universais.As comunidades podem ser apenas artefatos efêmeros e não mais forças determinantes e definidoras das identidades.Na modernidade líquida, a hospitalidade crítica segue o padrão de um acampamento (os acampantes querem os serviços cumpridos, pouco importa como é a gestão do administrador e, quando eles vão embora, tudo fica como antes, esperando os próximos acampantes). Quando Adorno formulou a teoria crítica clássica era diferente o modelo – como de uma casa compartilhada, normas habitualizadas, deveres e desempenho supervisionados. Esse novo modelo poder ser explicado pela diminuição do apetite pela reforma social, do interesse pelo bem comum, a alta do sentimento do “eu primeiro”. Mas as mudanças vão mais fundo –enraizadas na mudança do espaço público. A crítica clássica de Adorno parece “pesada", “sólida, condensada e sistêmica” enquanto a modernidade contemporânea parece “leve, fluida, capilar, em forma de rede”.A modernidade “pesada” era impregnada de totalitarismo. Era inimiga da contingência, da variedade, da ambiguidade, da instabilidade, da incerteza, declarou “guerra santa” contra essas “anomalias”. Esperava-se que a liberdade e a autonomia fossem as primeiras vítimas nessa cruzada. Ícone dessa modernidade era a fábrica fordista – atividade humana e movimentos simples, rotineiros e predeterminados, pessoas obedientes e mecanicamente seguidos, sem envolver faculdades mentais, excluindo a iniciativa individual. A burocracia, nas suas tendências inatas, prezava pela equidade.A teoria crítica buscava desarmar ou neutralizar a tendência totalitária da sociedade. O principal objetivo da teoria crítica era a defesa da autonomia e liberdade, do direito de ser e permanecer

Page 4: Modernidade Líquida

diferente.A sociedade do século XXI também é moderna, o que a faz tão moderna quanto às outras fazes do século XX é a compulsiva, obsessiva, contínua, a insaciável sede de destruição criativa. “Limpar o lugar em nome de um novo e aperfeiçoado projeto”, em nome da competitividade e produtividade. Ser moderno passou a significar ser incapaz de parar e ainda menos capaz de ficar parado. Movemos-nos pela incapacidade de atingir satisfação. A consumação está sempre no futuro e os objetivos perdem sua atração de satisfação no momento.Duas características da nossa modernidade:- declínio da antiga ilusão moderna de que há um fim do caminho, um estado de perfeição, algum tipo de sociedade boa, justa e sem conflitos das coisas humanas que se tornarão transparentes, que se sabe tudo o que tem que ser sabido, o completo domínio do futuro. O fim das disputas, das consequências imprevistas das iniciativas humanas.- A razão humana, vista como coletiva, foi fragmentada, individualizada. A ênfase se transladou para a autoafirmação do indivíduo. Isso se reflete na realocação do discurso ético/político da

“sociedade justa” para os “direitos humanos”. A modernidade clássica era pesada no topo no governo a modernidade líquida é leve no topo, pois se livrou dos deveres “emancipatórios” , apenas do dever de ceder a emancipação às camadas média e inferior. “Não mais salvação pela sociedade” disse Peter Drucker. Não existe mais essa coisa de sociedade, disse Margaret Thatcher. No mundo dos indivíduos há apenas outros indivíduos que assumem toda a responsabilidade de ter investido nesse e não em outro exemplo. Individualização consiste no estabelecimento de uma autonomia. A modernidade substitui a posição social pela autodeterminação compulsiva e obrigatória.A divisão das classes e gênero foi um resultado secundário do acesso desigual aos recursos para a autoafirmação. Pessoas com menos recursos compensaram a fraqueza individual pela força do número – partiram para a ação coletiva, o que era corriqueiro para essa classe. O corriqueiro para os patrões era a perseguição da autoafirmação individual.A individualização é uma fatalidade, não uma escolha. A auto-satisfação e a auto-suficiência podem ser uma ilusão. E, se ficamos doentes, supõe-se que não fomos suficientemente decididos. Se ficarmos desempregados é porque não sabemos passar por uma entrevista ou não nos esforçamos suficientemente em procurar trabalho. Isso é o que nos passam hoje, são as “verdades”. O único auxílio que a companhia dos outros pode prestar é como sobreviver em nossa solidão e que a vida de todos é cheia de riscos que devem ser enfrentados solitariamente. O indivíduo é o pior inimigo do cidadão. O cidadão busca o “bem comum” a “sociedade justa” enquanto o indivíduo busca se satisfizer. O sentido do “interesse comum” é que cada um satisfaça seus interesses.O trabalho conjunto é visto com uma limitação da liberdade de buscar o que quer que lhe pareça adequado separadamente. A única utilidade do “poder público” é que ele observe os direitos humanos, ou seja, que permita que cada um siga seu próprio caminho “em paz”. O interesse geral não é mais que um sindicato de egoístas. O público é colonizado pelo privado. As questões públicas que resistem a essa redução são quase incompreensíveis.Os atores individualizados busca reacomodar-se não é a busca de causas comuns e princípios da vida, mas a necessidade de “fazer parte da rede”. Esse talvez seja o único método que resta para a construção da comunidade. As são tão frágeis e transitórias como emoções esparsas e fingidas, saltando de um objetivo para outro em buscas inconclusivas de um porto seguro: comunidade “cabide” de temores, ansiedades ódio – reuniões momentâneas em que muitos indivíduos solitários penduram seus solitários medos individuais.O compromisso da teoria crítica na sociedade dos indivíduosA tarefa da teoria crítica foi invertida. A tarefa costumava ser a defesa da autonomia privada contra a “esfera pública”, sei domínio opressivo, onipotente e impessoal. Hoje a tarefa é repovoar o espaço público que se esvazia pela deserção: do cidadão e do poder real. As instituições

Luciane, 10/04/15,
O homem deixa de ser cidadão para ser indivíduo
Page 5: Modernidade Líquida

democráticas só podem ser descritas como um “espaço cósmico”.Não é mais o público que coloniza o privado, mas o privado que coloniza o público. Os indivíduos retornam diariamente às suas excursões pelos espaços públicos, reforçando sua individualidade e tranquilizam-se em perceber que seu modo solitário de levar a vida é o mesmo que todos os outros indivíduos.

A PROMESSA DE EMANCIAPAÇÃO AUMENTOU MAS HOUVE UM CRESCIMENTO DA INDIVIDUALIDADE - RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL DE CRESCIMENTO, DE FELICIDADE...

INDIVIDUALIDADECapitalismo – pesado e leveOrdem e desordem – Ordem significa monotonia, regularidade. Situação em ordem significa que alguns eventos têm maior probabilidade de acontecer do que suas alternativas, enquanto outros acontecimentos são improváveis. Isso significa que alguém deve interferir nas probabilidades, manipulá-las e viciar dados, garantindo que eventos não ocorram aleatoriamente. Em nossos tempos modernos, com Deus em prolongado afastamento, a tarefa de projetar e servir à ordem cabe aos seres humanos.E, neste mundo, não tem espaço para o que não tiver uso e propósito. Para ser reconhecido, deve servir à manutenção e perpetuação do todo ordenado. As ideias das classes dominantes tendem a serem ideias dominantes. Por 200 anos foram administradores das empresas capitalistas que dominaram o mundo – separaram o sensato do insensato, o racional do irracional e circunscreveram a gama de alternativas dentro das quais confinar as trajetórias da vida humana. Eram essas visões que alimentavam e davam substância ao discurso dominante.E a academia, nestes séculos, não teve outro mundo para envolver em suas tramas conceituais que não aquele sedimentado pela visão e prática do capitalismo dominante. (Ex: o paradigma industrial incluía o princípio taylorista da racionalidade com a constante mecanização). Era o controle da administração sobre os trabalhadores.O fordismo é outro exemplo que demonstra o capitalismo pesado, obcecado por volume e tamanho. Henry Ford decidiu um dia dobrar o salário dos empregados e disse a célebre frase “quero que meus trabalhadores sejam pagos suficientemente bem para comprar meus carros”. O volume de compra dos empregados seria mínimo, a verdadeira razão foi a redução da rotatividade dos empregados. Ele “aumentou o salário para fixá-los à linha...”.O coração do fordismo era uma corrente invisível que prendia os trabalhadores em seus ligares, impedindo sua mobilidade. O rompimento dessa corrente foi um divisor de águas na experiência da vida humana, associada à decadência do modelo fordista.Os passageiros do navio “capitalismo pesado” confiavam nos seletos membros da tripulação. Com direito a chegarao destino. Se reclamassem, era contra o capitão que não foi suficientemente veloz, ou porque negligenciaram o conforto aos passageiros.Os passageiros do avião “capitalismo leve” descobrem que a cabine do navio está vazia e que não há meio de extrair a “caixa preta” chamada piloto automático, qualquer informação de para onde vai o avião ou sobre regras que permitam que os passageiros contribuam para a segurança da chagada.Max Weber, quando falou da gaiola de ferro não imaginou que o peso era um atributo temporário do capitalismo e que outro atributo estava em gestação. Weber previu a “racionalidade instrumental” - as pessoas passariam a se dedicar, aperfeiçoar, ajustar os meios.Weber também falou de valores que passavam pela ética, estética e religiosidade, categorias que o capitalismo degradou e considerou dispensáveis. O capitalismo leve não é racional por referência a valores no sentido de Weber. 

Page 6: Modernidade Líquida

No capitalismo leve temos muitas instituições competindo pela supremacia. A questão dos objetivos volta a ser causa de hesitação, de agonia. A agonia na escolha de objetivos e não na procura de meios para os fins. É como dizem os cientistas: “achamos a solução. Agora vamos procurar o problema.”.“o que posso fazer” substituiu a pergunta “como fazer da melhor maneira possível aquilo que tenho e que não posso deixar de fazer”.Como o pequeno número de supremas repartições que cuidavam da regularidade do mundo e guardavam os limites não estão mais a vista, o mundo tornou-se uma coleção infinita de possibilidade. Cabe ao indivíduo descobrir o que é capaz de fazer, esticar suas capacidades e escolher os fins a que essa capacidade poderia melhor servir. Neste mundo cheio de possibilidades, poucas coisas são predeterminadas e menos ainda irrevogáveis.O mundo hoje é como uma mesa de Bufê com tantos pratos deliciosos que o comensal não poderia provar de todos. O comensal é o consumidor que experimenta a infelicidade do excesso e não da falta de escolha.A compulsão transformada em vícioProcurar exemplos, conselhos e orientação são um vício. Todos os vícios são autodestrutivos, destroem a possibilidade de se chegar à satisfação.As receitas para uma vida boa têm data de validade e, no fascínio da competição de ofertas, surgirão “novas e aperfeiçoadas” receitas.O que vale é se manter na corrida, no jogo, e não um prêmio a quem chegar primeiro, porque não há linha de chagada.É uma corrida particular em que cada membro de uma sociedade de consumo está correndo é a atividade de compras nas lojas, supermercados, templos de consumo.O código em que nossa “política de vida” está escrito deriva da pragmática do comprar.A atividade consumista não é mais um conjunto mensurável de necessidades, mas o desejo - entidade volátil e efêmera, evasiva, caprichosa, não precisa de justificação ou causa.Importante observar que despertar o desejo toma tempo, esforço e considerável gasto para canaliza-lo na direção certa. Consumidores guiados pelo desejo devem ser “produzidos”, sempre novos e a alto custo.A necessidade considerada noséculo XIX pelos economistas foi descartada. Era circunscrita e finita. Substituída pelo desejo, mais “fluido” e expansível que a necessidade, devido relação ilícita com sonhos plásticos e volúveis. O “quere” é o substituto necessário, completa a libertação do princípio do prazer, limpando os últimos resíduos dos impedimentos do “princípio da realidade”.O corpo do consumidorA vida em torno do papel produtor tende a ser regulada. A vida em torno do consumo deve se bastar sem normas. Orientada pela sedução, desejos crescentes e voláteis. O principal cuidado é então estar “sempre pronto”, ter a capacidade de aproveitar oportunidades, desenvolver novos desejos feitos sob medida para as novas e nunca vistas seduções. Não permitir que necessidades estabelecidas tornem novas seduções dispensáveis.Comprar como ritual de exorcismoEm função da volatilidade e instabilidade intrínsecas de todas as identidades, é a capacidade de ir às compras no supermercado das identidades, o grau de liberdade genuína de selecionar a própria identidade e de mantê-la enquanto desejado. É o verdadeiro caminho para a realização das fantasias de identidade. Com essa capacidade, somo livres para fazer e desfazer identidades à vontade, ou assim parece.A busca de identidade é a busca incessante de deter ou tornar mais lento o fluxo, de solidificar o fluido. Lutamos para negar, ou pelo menos encobrir, a terrível fluidez logo abaixo do fino envoltório da forma.Numa sociedade de consumo, compartilhar a dependência de consumidor – a

Page 7: Modernidade Líquida

dependênciauniversal das compras – é a condição de toda liberdade individual, da liberdade de ser diferente e ter identidade.Essa liberdade fundada na escolha do consumidor não funciona sem dispositivos e substâncias disponíveis no mercado. Dado isso, quão ampla é a gama de fantasias e experimentações dos felizes compradores...A dependência não se limita ao ato da compra, lembrar-se dos formidáveis meios de comunicação de massa. Exercem poder sobre a imaginação popular, coletiva e individual.A vida desejada passa a ser a vida vista na TV.A produção de mercadorias substitui hoje o mundo dos objetos duráveis por produtos perecíveis projetados para a obsolescência imediata.O capitalismo não entregou os bens às pessoas, as pessoas é que foram entregues aos bens.As pessoas querem seguir padrões, não pela coerção, mas pelo aparente disfarce do livre-arbítrio, em vez de revelar-se como força externa.Numerosos estudos mostram que as narrativas pessoais (entrevistas na TV) são ensaios montados pelos meios públicos de comunicação para representar verdades subjetivas. Os espetáculos dão vazão à agitação dos “eus íntimos” que lutam para se expor.A oportunidade de ir às compras, de escolher e descartar o verdadeiro eu, de estar em movimento, veio a significar liberdade na sociedade de consumo atual. Quando os recursos são abundantes, pode-se esperar, pode-se até subestimar os riscos e incertezas e supor que a profusão de escolhas compensa o desconforto de viver no escuro, de nunca estar seguro de onde termina a luta e, seé que termina. “Numa corrida, a pista é lugar mais agradável que a linha de chegada”; “Viajar com esperança é melhor do que chegar” – “Só o desejo é desejável – quase nunca a satisfação”.Observe que os corredores (consumidores) são muitos, mas a pista é a mesma para todos. Pobres e ricos vivem no mesmo mundo.Numa sociedade de viciados em compras, os pobres não podem desviar os olhos, não há mais para onde olhar.Quanto mais escolhas os ricos tem, tanto mais a vida sem escolha parece insuportável.Separados compramosMudar de identidade pode ser uma questão privada, mas inclui ruptura de certos vínculos e cancelamento de certas obrigações. No caso do divórcio há efeitos secundários – quando ricos, as pensões para as crianças ajudam a aliviar a insegurança intrínseca às parcerias que acabaram. Mas, escorrida para os pobres, a fragilidade do contrato matrimonial espalha muita tristeza, agonia e sofrimento e em volume crescente as vidas partidas, sem amor e sem perspectiva.Em suma, a mobilidade e a flexibilidade da identificação que caracteriza a sociedade “ir às compras” não são tão veículos de emancipação quanto instrumentos de redistribuição das liberdades. Despertam sentimentos mais contraditórios, com valores ambivalentes que geram reações incoerentes e neuróticas.TEMPO E ESPAÇO“condomínio” Heritage Park” – local afastado dos riscos, Garantia de vida agradável – lojas, igrejas, teatros e até floresta e área livre para acrescentar o que a moda da vida decente possa demandar.Você ainda terá acesso auma comunidade – relíquias das utopias da boa sociedade de outrora. O local possui câmeras e dizias de seguranças armados, portões com senhas. Tudo contra assaltantes. Pessoas falsamente obsecadas pela ameaça de serem assaltadas, gastam o dinheiro público já foi de antemão destinado a caçar assaltantes e esse orçamento é crescente a cada ano.O perigo mais tangível para a cultura pública está na política do medo cotidiano. O pavor das ruas inseguras afasta as pessoas para longe dos espaços públicos e as afasta da necessidade de compartilhar a vida pública. O entorno urbano deve ser civil a fim de que seus habitantes possam

Page 8: Modernidade Líquida

aprender as difíceis habilidades da civilidade.Espaço público e espaço civilHá espaços que incorporam todos os traços de espaço público, mas não são civis.Um exemplo são praças, rodeadas de prédios espelhados, sem janelas que aparentam estar de costas para a praça. Não há árvores ou sombras para as pessoas desancarem, nem há pessoas por ali. De tempos em tempos chega o trem. As pessoas, em minutos passam pelo local e entram nos edifícios e a praça volta a ficar vazia.Outro exemplo de espaço público, mas não civil se destina aos consumidores que frequentemente compartilham espaço físico – exibições, pontos turísticos, áreas de esporte, shoppings, cafés, sem que tenham nenhuma interação social real. Esses locais encorajam a ação e não a interação. Qualquer interação os afastaria da ação em que estão individualmente envolvidos. Não acrescentaria nada aos prazeres da compra e desviaria o corpoda tarefa.A tarefa é o consumo e o consumo é um passatempo absoluta e exclusivamente individual. Mesmo cheios, os locais de consumo não tem nada de coletivo.Lugares êmicos, fágicos, não lugares, espaços vaziosSeja o que quer que ocorra dentro de um espaço de consumo, não tem nenhuma relação com o ritmo ou teor da vida diária, fora dos portões. Estar num shopping, parece estar em outro mundo. Já uma cidade que promove o carnaval PE transformada num intervalo de tempo para depois voltar à rotina. Um tempo que retorna ciclicamente. O carnaval desvenda outro lado da realidade diária. O que é diferente dos templos de consumo que embora estando dentro da cidade, não fazem parte dela, não é o mundo temporariamente transformado, mas um mundo completamente outro.O carnaval mostra que a realidade não é tão dura quanto parece e que a cidade pode ser transformada. Os templos de consumo não revelam nada da natureza da realidade cotidiana.Os lugares de compras oferecem o que nenhuma realidade pode dar: equilíbrio quase perfeito entre liberdade e segurança.O antropólogo Levi-Strauss sugeriu duas estratégias utilizadas pelos humanos para enfrentar a alteridade dos outros:Êmica – consiste em vomitar, cuspir os outros vistos como incuravelmente estranhos e alheios. impedir contato físico, diálogo, interação social. O encarceramento, a deportação e o assassinato são formas êmicas Mas há também formas delicadas como separação espacial, guetos urbanos, acesso seletivo a espaços, impedimento seletivo de uso.Fágicaconsiste numa desalienação das substâncias alheias. Ingerir, devorar corpos, espíritos, de modo a fazê-los, por metabolismo, idênticos aos corpos que os ingere, logo indistingíveis. É sua forma o canibalismo à assimilação forçada, contra calendários, cultos, dialetos e superstições. No exemplo anterior, a praça vazia é um espaço êmico e os templos de consumo são fágicos, mas ambas respondem ao mesmo desafio de enfrentar estranhos.Tanto os espaços êmicos como fágicos derivam da falta de habilidade da civilidade – arte do viver urbano.É preciso acrescentar uma terceira categoria, chamam-se os não lugares – lugares não civis, presença meramente física, passantes temporários. Lugar destituído de símbolos, de identidade, de relações e história. Por exemplo, aeroportos, autoestrada, quartos de hotel, transporte público. Os espaços vazios são vazios de significado.Outra forma de compreender os espaços-vazios são os locais que os habitantes não conhecem. Um guia turístico leva seus clientes pelo trajeto mais bonito, vias principais. Se utilizarmos o serviço de um taxista e solicitarmos que faça o caminho mais rápido, poderá utilizar vielas, atalhos, espaços feios da cidade, locais que o guia pode não conhecer. Cada habitante tem o seu mapa da cidade, em sua cabeça. Esse mapa tem seus espaços vazios, espaços sem sentido. Excluir estes espaços permite que o resto brilhe e se encha de significado.Vazios são os locais onde não se entre e onde se sentiria perdido, vulnerável, aterrorizado pela presença de humanos.

Page 9: Modernidade Líquida

Não falecom estranhosA capacidade de conviver com a diferença, sem falar na capacidade de gostar da vida e beneficiar-se dela não é fácil de adquirir e não pode ser adquirida sozinha. Quanto mais eficazes na tendência à homogeneização e no esforço para eliminar a diferença, tanto mais difícil sentir-se à vontade na presença de estranhos, tanto mais ameaçadora a diferença e maior ansiedade geram. A arte de negociar interesses comuns e um destino compartilhado vem caindo em desuso. Ninguém mais sabe falar com ninguém.A etnia leva a identidade postulada onde o “ninguém sabe falar com ninguém” é levado para “nichos seguros” onde “todos são parecidos com todos” e assim há pouco sobre o que falar e a fala é fácil. As pessoas tornaram-se espectadores passivos de uma personagem política que lhes oferece sentimentos em lugar de ação. Os espectadores esperam nada mais que um espetáculo. Há um esforço para manter a distância do outro, o diferente, o estranho, evitar a necessidade de negociação, de compromisso mútuo são algumas das respostas concebíveis à incerteza existencial, enraizada na fluidez dos laços sociais.É uma patologia do espaço público que resulta numa patologia política: o esvaziamento e a decadência do diálogo e da negociação e a substituição do engajamento e comprometimento pelas técnicas de desvio e evasão.O tempo e o espaço são diferentes. O tempo pode ser mudado e manipulado, é o parceiro dinâmico no casamento do tempo-espaço. Kennedy advertia seus concidadãos: “utilizem o tempo como uma ferramenta, e nãocomo um sofá.”. Primeiro o tempo se tornou uma ferramenta, para depois se tornar dinheiro, como na frase de Benjamin Franklin “tempo é dinheiro”.Com o vapor e o motor de explosão as pessoas passaram a poder chegar antes que as outras. Quem chegasse mais depressa poderia reivindicar o território – controlá-lo, supervisioná-lo. Pode-se associar o começo da era moderna a emancipação do tempo em relação ao espaço. É a colocação do tempo contra o espaço, ferramenta da conquista do espaço e da apropriação de terras.A modernidade nasceu sob as estrelas da aceleração e da conquista de terras. A conquista do espaço veio a significar máquinas mais velozes.Da modernidade pesada à modernidade leveA modernidade pesada é obsecada pelo volume, quanto mais, melhor, tamanho é poder, volume é sucesso. Fábricas gigantescas, equipes enormes. Foi a era da conquista territorial. A riqueza e poder estavam firmemente enraizadas ou depositadas dentro da terá como os leitos de minério de ferro e carvão.O espaço somente era possuído quando controlado e controle significa amarrar o temo – simplificação, uniformidade e coordenação do tempo.O tempo congelado da rotina da fábrica, junto com os tijolos da parede simobilizava o capital to eficientemente quanto o trabalho que este empregava. Mas tudo isso mudou com o advento do capitalismo software e da modernidade leve.“Quem começa uma carreira na Microsoft não tem a menor ideia de onde ela terminará”. Quem começa na Ford ou na Renault podia estar quase certo de terminar no mesmolugar.São formas organizacionais mais soltas e por isso mais adequadas ao fluxo. As organizações são vista como em permanente adaptação num mundo múltiplo, complexo e ambíguo, vago ou plástico.Em tais condições, a carreira parece nebulosa e inteiramente fora de lugar.A quase instantaneidade do tempo do software anuncia a desvalorização do espaço. Se todas as partes podem ser atingidas a qualquer momento, não há razão para se garantir o direito de acesso.O tempo instantâneo e sem substância do software é também um tempo sem consequências. Instantaneidade significa realização “no ato” e também exaustão e desaparecimento de interesse.

Page 10: Modernidade Líquida

Mas, por mais próximo de zero que seja o tempo necessário para alcançar um destino espacial, ainda não se chegou lá. A lógica da irrelevância do espaço ainda não se realizou completamente como também não se realizou a leveza e a infinita volatilidade e flexibilidade da agência humana. Milan Kundera retratou “a insustentável leveza do ser” como o centro da tragédia do mundo moderno. Michel Crozier identificava a dominação como a fonte da incerteza: quem manda é quem consegue manter suas ações livres, sem normas e portanto imprevisíveis, enquanto regulam normativamente as ações dos protagonistas. Pessoas com mãos livres mandam em pessoas com mãos atadas. A liberdade das primiras é a causa primeira da falta de liberdade das últimas. Neste aspecto nada mudou com a passagem da modernidade pesada para a leve. As pessoas que não podem se mover muito rápido, que não podem deixar seulugar quando quizerem, as que obedecem são as dominadas.

A dominação consiste em nossa capacidade de escapar, de desengajarmos, de estar “em outro lugar” e no direito de decidir sobre a velocidade com que isso será feito. A batalha contemporânea da dominação é travada entre forças – as da aceleração e da procrastinação.A modernidade leve permitiu que um dos parceiros saísse da gaiola – é a era do desengajamento, da fuga fácil e da perseguição inútil. Mandam os mais escapadiços, os que se movem de modo imperceptível.Kark Polanyi em “A grande transformação”, proclamou a ficção do tratamento do trabalho como mercadoria. O trabalho não pode ser uma mercadoria como as outras dado que não pode ser vendido ou comprado separado dos seus portadores. É o trabalho incorporado, que não pode se mover sem mover os corpos dos trabalhadores. Esse requisito colocou o trabalho e o capital face a face e, para o bem ou para o mal, os manteve juntos. Houve muitos conflitos mas também acomodação mútua. Assistimos uma grande transformação – fenômeno oposto ao observado por Polanyi: a descorporificação daquele tipo de trabalho. O capital ficou livre da tarefa que o prendia e o forçava ao enfrentamento direto com os agentes explorados em nome de sua reprodução e emagrecimento.A descorporificação do trabalho anuncia a ausência de peso do capital. O capital pode viajar rápido e leve e acaba virando fonte de incerteza para todo o resto.Esta hoje é a principal base de dominação e o principal fator das divisões sociais.Oscapitalistas trocam seus maciços prédios por cabines, flutuar é mais lucrativo. Tamanho e volume deixam de ser recursos para se tornar rico. Flutuar e deixar em terra os membros dispensáveis da tripulação. Um dos itens embaraçosos para livrar-se é a onerosa tarefa da supervisão de uma grande equipe.É o equivalente à lipoaspiração – emagrecer, reduzir de tamanho (downsizing), superar, fechar ou vender algumas unidades porque não são eficazes e poque é mais barato deixar que lutem por sua própria conta pela sobrevivência – melhor do que assumir a tarefa cansativa da supervisão gerencial – essa é a nova arte.Fusões e redução de tamanho não se contrapõe, ao contrário se reforçam mutuamente. É uma contradição aparente pois é a mistura de estratégias de fusão e redução de tamanho que oferece ao capital e ao poder financeiro o espaço para se mover rapidamente, ampliando para uma viagem mais global.A competição pela sobrevivência atinge todos os níveis. Gerentes devem reduzir tamanho das equipes, dos escritórios, precisam aumentar reconhecimento nas bolsas. O objetivo original da maior eficiência torna-se irrelevante – o medo de perder o jogo da competição, ser ultrapassado, excluído dos negócios é o suficiente para manter o jogo da fusão/redução de tamanho. O jogo não precisa de um propósito, continuar nele é sua única recompensa.Sennett fala das impressões que teve sobre Bill Gates – Parece livre da obsessão de agarrar às coisas. Seus produtos surgem furiosamente para desaparecer tão rapidamente. Gates declarou “preferircolocar-se numa rede de possibilidades a paralisar-se num trabalho particular”. Ele tinha

Page 11: Modernidade Líquida

cuidado em não desenvolver apego ou compromisso duradouro com nada, inclusive suas próprias criações. Não tinha medo de pegar o caminho errado, pois nenhum caminho o manteria muito tempo naquela direção e, voltar no caminho ou alterar o trajeto eram opções constantes e instantaneamente disponíveis.O longo prazo, ainda que continue a ser mencionado, é como uma concha vazia sem significado. O curto prazo substitui o longo prazo e fez da instantaneidade seu ideal último. A modernidade fluida não tem função para a duração eterna.É a capacidade de Bill Gates de encurtar o espaço de tempo da durabilidade de esquecer o longo prazo, de focar a manipulação da transitoriedade em vez da durabilidade que é o privilégio dos de cima e que faz com que estejam por cima.TRABALHONa modernidade sólida, o futuro era visto como os demais produtos numa sociedade de produtores: alguma coisa a ser pensada, projetada, acompanhada em seu processo de produção. O futuro era criação do trabalho e o trabalho era fonte de toda criação.O progresso era feito de duas crenças inter-relacionadas - de que o tempo está a nosso favor, de que somos nós quem fazemos acontecer.Somo atraídos e puxados pela esperança de que nossos negócios prosperarão, a única evidência que temos é o jogo da memória e da imaginação, que nos liga ou os separa é a nossa autoconfiança ou a ausência dela.A autoconfiança é o único fundamento em que a fé no progresso se apoia e, nosnossos tempos, essa fé encontra-se oscilante e fraca. Pelas seguintes razões:- Ausência de uma agência capaz de mover o mundo para a frente. A fé no progresso é hoje visível por suas rachaduras e fissuras. Seus elementos sólidos estão perdendo o caráter compacto junto com a soberania, credibilidade e confiabilidade. A fadiga do Estado moderno seu poder para fazer as coisas é tirado da política quem outrora decidia o que deveria ser feito e por quem (p. 153, 154)- Cada vez está menos claro sobre o que a agência – qualquer agência – deveria fazer para aperfeiçoar o mundo. Que tipo de pensamento seria capaz de superar Auschiwits num processo geral em direção à emancipação universal? Pergunta que permanecerá sem resposta. O veredito de Peter Drucker “não mais salvação pela sociedade” A vida moderna é uma tarefa, não algo determinado e tarefa ainda incompleta que clama pr cuidados e novos esforços. É um desafio e uma necessidade perpétua e talvez sem fim, o verdadeiro significado de permanecer vivo e bem.Se a ideia de progresso parece tão pouco familiar é porque o progresso, como outros tantos parâmetros da vida moderna, está agora individualizado (desregulado, privatizado).Desregulada porque a questão da novidade particular significa de fato um aperfeiçoamento? Foi deixada a livre competição antes e depois da introdução da novidade e a disputa permanece mesmo depois de feita a escolha. Privatizada porque o aperfeiçoamento não é mais empreendimento coletivo, mas individual. Pessoas deverão utilizar às suascustas, com seu próprio juízo, recursos e indústria para elevar-se a uma condição mais satisfatória.Vivemos num mundode flexibilidade universal de ansiedade aguda e sem perspectivas, que penetra em todos os aspectos da vida individual. São poucos os porto seguro da fé, e a maior parte do tempo a fé flutua sem âncora, buscando em vão enseadas protegidas das tempestades.O trabalho foi elevado ao principal valor nos tempos modernos pela capacidade de dar forma ao desforme e duração ao transitório. Supostamente contribuía para o estabelecimento da ordem e colocava a espécie humana no comando do próprio destino.Trabalho era um esforço coletivo de que cada membro tinha que participar e repercutir na elevação dos padrões éticos da sociedade. Lapsos de tempo encurtam, é a mudança do longo para curto prazo, a duração da vida é fatiada em episódios: o mérito de cada episódio deve ser revelado e consumido inteiramente, antes que termine e o outro comece. 

Page 12: Modernidade Líquida

A imagem do labirinto é o que hoje domina. Nossas ideias sobre o futuro e nossa participação nele, é um espelho em que a civilização se contempla. No mundo do homem labiríntico, os trabalhos humanos de dividem em episódios isolados como o resto da vida humana. O que conta são os efeitos imediatos de cada movimento.E assim o trabalho mudou de caráter. É mais o resultado de agarrar a oportunidade que o produto de planejamento do projeto. O trabalho perdeu a centralidade que lhe era atribuída na galáxia de valores dominantes na era da modernidade sólida e do capitalismopesado. O trabalho adquiriu uma significação estética – a pessoa é medida e avaliada por sua capacidade de entreter e alegrar, satisfazendo não tanto a vocação ética do produtor e criador quanto aos desejos estéticos do consumidor que procura sensações e coleciona experiências.Ascenção e queda do trabalhoOs historiadores econômicos concordam que em termos dos níveis de riqueza e renda, há pouco que distinga as civilizações de Roma séc I, China séc. XI, India no XVII assim como a Europa no limiar da Revolução Industrial. A renda per capita na Europa Ocidental no séc. XVIII não era mais que 30% maior que a da Índia, Àfrica ou China daquelas épocas. Porém, pouco mais de um século depois, foi suficiente para transformar drasticamente a proporção. Por volta de 1870 a renda per capita na Europa industrializada era 11 vezes maior que as dos países mais pobres do mundo. Em 1995, chegou a 50 vezes maior.A emancipação do trabalho não o manteve flutuando, nem o tornou autônomo, autodeterminado e livre. O desmantelamento do “modo tradicional de vida”, de que o trabalho era parte, estava para ser substituído por uma nova ordem. Ao descobrir que o trabalho era fonte de riqueza, a razão tinha que buscar e explorar essa fonte de modo mais eficiente que nunca. (p.164) O ingrediente crucial da mudança múltipla é a nova mentalidade de “curto prazo” que substitui a de “longo prazo”. Casamentos “até que a morte nos separe” estão fora de moda e são raridade. Flexibilidade é o slogan do dia e, quando projetado sobre o trabalho, augurao fim “do emprego como conhecemos” – contratos por curto prazo, ou sem contrato, sem cobertura previdenciária. Vida de trabalho está saturada de incertezas.Do casamento à coabitaçãoA incerteza do presente é uma poderosa força individualizadora. Divide ao invés de unir. A ideia do interesse comum fica cada vez mais nebulosa e perde todo valor prático. Isso priva a solidariedade e o enfraquecimento das organizações militantes em defesa da classe trabalhadora e da participação política.Há poucas chances de que a lealdade e o compromisso mútuos brotem e se enraízem.Ark Granovetter sugeriu que nosso tempo é de “laços fracos”. Sennett propõe “formas fugazes de associação são mais úteis para as pessoas que conexões de long oprazo”.O presente liquefeito, fluido, disperso, desregulado da modernidade pode não implicar a ruptura, o divórcio final da comunicação mas o advento do capitalismo leve e flutuante, marcado pelo desengajamento e enfraquecimento dos laços que prendem o capital ao trabalho. Esse movimento sugere a passagem do “casamento” para o “viver juntos”. O capital rompeu sua dependência em relação ao trabalho com uma nova liberdade de movimento, impensável no passado. A reprodução e o crescimento do capital, dos lucros e dos dividendos e a satisfação do acionista se tornaram independentes da duração de qualquer comprometimento local com o trabalho.A independência não é completa e o capital não é tão volátil como gostaria. Fatores territoriais ainda devem ser considerados e o “poder da confusão” dosgoverno ainda pode colocar limites à sua liberdade de movimento. O capital se tornou extraterritorial, leve, solto o suficiente para chantagear as agências políticas dependentes dos territórios e fazê-las se submeter a suas demandas. A política hoje se tornou um cabo-de-guerra entre a velocidade com que o capital pode se mover e as capacidades lentas dos poderes locais. Surge a ideia da “livre empresa”, é o ajuste político às regras, a promessa de

Page 13: Modernidade Líquida

que os poderes reguladores do governo não serão utilizados para restringir a liberdade do capital Isso significa menos regras emercado de trabalho flexível. O que significa população dócil, incapaz ou não-desejosa de oferecer resistência organizada a qualquer decisão que o capital venha a tomar.Tendo se livrado do entulho do maquinário e das enormes equipes de fábrica, o capital viaja leve. A fonte de lucro está na ideia e não no objeto material. A riqueza depende do número de pessoas atraídas como compradores/clientes e consumidores e não do número de pessoas empregadas e envolvidas na replicação do protótipo. O principal compromisso do capital é como os consumidores. Só nesta esfera pode se falar em “dependência mútua”.Trabalhos de rotina feitos por operadores ou em equipamentos automatizados são os mais dispensáveis. Seus requisitos de emprego não contam nem habilidades particulares, nem a arte da interação social com clientes e assim mais fáceis de serem substituídos. Eles sabem que são dispensáveis e por isso não vêem razão em aderir ou se comprometer com seutrabalho ou integrar-se em associações com seus companheiros de trabalho.Hoje, no polo da divisão social, no topo da pirâmide, encontra-se o capital leve. Sua riqueza vem de recursos portáteis: conhecimento das leis do labirinto. Adoram criar, jogar e estar em movimento. Tomam novidades como boas novas, a precariedade como valor, a instabilidade como imperativo e hibridez como riqueza. Duas pessoas em uma mesa no aeroporto por uma hora, cada uma falando no seu celular – Demonstração de prestígio, posição e poder. Demosntrando seu grau de conectividade e densidade, através de seus recursos portáteis. Estavam competindo. Estavam fisicamente próximos, mas espiritualmente infinitamente distantes.Essas pessoas, como a maioria das que existiam antes delas, são dominadas e controladas, a diferença é que de uma maneira diferente. A liderança foi substituída pelo espetáculo. A “informação” (geralmente eletrônica) se tornou um direito humano e bem estar da população (atualmente medido pelo número de domicílios equipados, ou”invadidos” pelos televisores que possibilitam a confusão com a verdadeira representação do “mundo lá fora”. São espetáculos de celebração constante da velocidade da mudança, do acelerado envelhecimento e da perpetuidade de novos conceitos.Procrastinação - CRAS = amanhã (latim) Crastimus = o que pertence ao amanhãPro-crastinar = pôr alguma coisa entre as coisas que pertence ao amanhã.Pôr algo lá implica que o amanhã é o lugar natural dessa coisa; mas por direito o lugar dela não é amanhã – ela fazparte do presente. Essa coisa foi tirada do presente (barrada ao acesso a ele) e destinada ao amanhã.Diferente da impressão que o senso comum, na era moderna, atribuiu ao termo, procrastinar não é uma questão de indolência, lassidão; é uma posição ativa, uma tentativa de assumir o controle da sequência de eventos e fazer diferente do que aconteceria se ficasse dócil, se não resistisse.Procrastinar é manipular o presente de alguma coisa, adiando esse estar presente, transferindo sua imediatez.A procrastinação deriva sei sentido do tempo vivido como uma peregrinação. Cada presente é avaliado por alguma coisa que vem depois. Viver a vida como uma peregrinação obriga cada presente a servir a alguma coisa que ainda-não-é e servi-la. O peregrino procrastina para estar mais bem preparado para captar as coisas que verdadeiramente importam. A procrastinação tende a ser tornar seu próprio objetivo. É o princípio do adiamento da satisfação – arar e semear acima de colher e ingerir o produto. (investimento acima de lucro; poupança acima de gasto, trabalho acima de consumo). E assim se encontra o começo e fim da procrastinação. A distância entre desejo e satisfação se reduz a um momento de êxtase (imediata, constante, divertida, agradável, em quantidade cada vez maior, em formas cada vez mais diversificadas, frequentes)Os laços humanos no mundo fluidoO título do artigo apresentado em 1997, por Bourdieu diz tudo: Precariedade, instabilidade, vulnerabilidade, é a característica mais difundida das condições de vidacontemporâneas. Alguns

Page 14: Modernidade Líquida

teóricos falam em precariedade, em insegurança, em incerteza, mas todos têm em mente o mesmo aspecto da condição humana – é a experiência combinada da falta de garantia (de posição, título), da incerteza (em relação à sua continuação, estabilidade futura) e de insegurança (do corpo do eu – posses, vizinhança, comunidade). (p. 164)A precariedade do trabalho e emprego nos países prósperos tornou-se estrutural – para cada nova vaga há empregos que desaparecem e não há emprego para todos. E o progresso tecnológico, esforço de racionalização, tende a anunciar cada vez menos empregos. (p. 185)Na falta de segurança de longo prazo somada a “satisfação instantânea” para estratégia razoável, mas fez com que o adiamento da satisfação perdesse o fascínio, pois é altamente incerto que o trabalho e esforço investido hoje venham a contar como recurso na hora da recompensa. Afinal, será que os “prêmios” de hoje parecerão atraentes e desejáveis quando finalmente forem conquistados?As modas vêm e vão, objetos tornam-se obsoletos e de mau-gosto antes que tenhamos tempo de aproveita-los.Além disso, o mundo parece ser feito de caixas-pretas hermeticamente fechadas e que jamais serão abertas, nem consertadas quando quebrarem. Os mecânicos são trenados para trocar peças, substituí-las por outras novas, seladas. Assim não gastam tempo consertando,o que consome trabalho, mas também não conhecem o interior da peça.Abandonar interesse privados para aumentar o poder do grupo, sacrificar o presente em nome dafelicidade futura não parece ser proposição atraente. Qualquer oportunidade que não for aproveitada aqui e agora é uma oportunidade perdida. Como os compromissos de hoje são obstáculos para as oportunidades de amanhã, quanto mais leves, superficiais, menor o risco de prejuízos. Num mundo inseguro e imprevisível, o viajante esperto fará o possível para imitar os felizes globais que viajam leves, e não derramarão muitas lágrimas ao se livrar de qualquer coisa que atrapalhe o movimento.Raramente param para pensar que laços humanos não são como peças de automóvel. A política de “precarização” conduzida pelos operadores dos mercados se apoiam nas políticas de vida adotadas deliberadamente ou por falta de alternativa. O que converge para o enfraquecimento e decomposição dos laços humanos, das comunidades e parcerias. Compromissos como “até que a morte nos separe” são transformados em contratos do tipo “enquanto durar a satisfação” , transitórios. E assim possível de ruptura unilateral assim que um dos parceiros vê maior oportunidade fora da parceria.ComunidadesO sujeito de Decartes e o homem de Kant, armados pela razão, não errariam em seus caminhos humanos a menos que empurrados ou atraídos para fora da reta trilha iluminada pela razão – a razão os manteria no caminho certo. Nos humanos somos dotados de tudo de que todos precisam para tomar o caminho certo que, uma vez escolhido, será o mesmo para todos.Ao contrário desses vereditos da razão que são propriedades de cada indivíduo, as diferenças de juízo têm origemcoletiva e não individual: no teatro, no mercado, festas tribais. Libertar o poder da razão humana significa libertar o indivíduo destas coisas.E esse “libertar” veio a tona no liberalismo – (libertar o indivíduo dos juízos coletivos) – mas muitos críticos se uniram: poetas, historiadores, sociólogos se uniram aos políticos para observar que mesmo antes do homem exercitar seu cérebro para criar o melhor código de convívio eles já tinham uma história (coletiva) e costumes coletivamente seguidos. Contudo, os debates entre liberais e comunitaristas atualmente situam-se mais nas questões políticas e não da “natureza humana”. A questão não é saber se a libertação do indivíduo das opiniões herdadas é garantia coletiva contra a inconveniência da responsabilidade, mas se isso é bom ou ruim.A valente defesa da comunidade e tentativa de restaurar sua posição negada pelos liberais só foi possível pelos meios que a coletividade utiliza para atar seus membros (história, costumes,

Page 15: Modernidade Líquida

linguagem, escola) ficam mais esgarçados a cada ano. Na medida em que precisam ser defendidas para sobreviver e apelas para seus membros, que assumam responsabilidade individual por sua sobrevivência, todas as comunidades são mais projetos que realidades.Esse é o paradoxo do comunitarismo. Para realizar o projeto, é necessário apelar para as mesmíssimas escolhas individuais.Para o sociólogo o que constitui um importante fato social é a popularidade, crescente das ideias comunitárias. O comunitarismo é uma reação esperável à acelerada“liquefação” da vida moderna – o crescente desequilíbrio entre a liberdade e as garantias individuais. Um aspecto visível desse desequilíbrio é a nova fragilidade dos laços humanos. A transitorialidade dos laços pode ser um preço inevitável ao direito de perseguir seus objetivos individuais. A palavra “cominitarismo” é hoje utilizada de forma indiscriminada devido as comundades no sentido sociológico se tornarem difíceis de encontrar na vida real. Homens e mulheres procurando grupos de que possam fazer parte, com certeza e para sempre, num mundo em que tudo o mais se desloca e muda, em que nada mais é certo.A comunidade do evangelho comunitário é um lar evidente. Um tipo de lar que para a maioria das pessoas é mais um belo conto de fadas que uma questão de experiência pessoal. A comunidade ideal é um completo mapa mundo: um mundo total, que oferece tudo de que se pode precisar para levar uma vida significativa e compensadora.Patriotismo e nacionalismoPatriotismo é o membro positivo da dupla, deixando para o nacionalismo com suas realidades desagradáveis, como membro negativo. O patriotismo é mais postulado que empiricamente verificado. É o que o nacionalismo poderia ser, mas não é.Patriotismo é descrito pela negação dos traços mais rejeitados e vergonhosos do nacionalismo. O nacionalista que afirmar a existência tribal pela agressão e ódio aos outros. O patriota destaca-se pela benevolência étnica e religiosa.O nacionalismo é o patriotismo indesejado, e o patriotirmo, o nacionalismo desejado.Essa diferençaultrapassa a retórica e entra no domínio da prática política:Nacionalismo: são antropofágicas (devorar os estrangeiros de modo a assimilá-los)Patriotismo: estratégia antropoêmica – vomitar, cuspir aqueles que não são aptos para serem “nós”, sejam isolados, encarcerados dentro dos guetos ou invisíveis nos muros das proibições culturais (deportados, forçados a fugir)Mas a lógica do pensamento raramente se impõe à lógica dos atos e não há uma relação biunívoca entre a retórica e a prática, e assim cada uma das estratégias pode estar envolvida em qualquer retórica.Unidade – por semelhança ou por diferença?O aspecto em que somos semelhantes é decididamente mais significativo que o que nos separa. Significativo bastante para superar o impacto da diferença quando se trata de tomar posição. Mas se “eles” forem diferentes em um aspecto mais importante que todos os outros, torna-se improvável a solidariedade genuína, independente das semelhanças que existirem.As fronteiras não registram um estranhamento existente, elas são traçadas, com regras, antes que o estranhamento seja produzido. O nacionalismo tranca as portas, desliga a campainha, declarando que apenas os que estão dentro têm o direito de estar e acomodar-se.Nem o patriotismo, nem o nacionalismo admitem a possibilidade de que as pessoas possam se unir mantendo-se ligadas às suas diferenças, estimulando-as e que sua unidade, longe de promover a semelhança , de fato se beneficia da variedade de estilo de vida, ideais e conhecimento – e isso significa ao que as fazdiferentes. Como propõe Bernamrd Crick, é um tipo de unidade que supõe uma sociedade civilizada é inerentemente pluralista, viver em conjunto significa negociação e conciliação de interesses naturamente diferentes. O modelo republicano de unidade é uma realização conjunta dos agentes engajadosna busca de aouto-identificação. Uma unidade erguida pela negociação e reconsiliação e não pela negação, sufocação.

Page 16: Modernidade Líquida

Uma vez que as crenças e valores foram privatizados – desacomodados, com lugares de reacomodação que mais parecem quartos de motel que um lar permanente, as identidades parecem frágeis e temporárias. E são essas identidades voláteis que encaram os habitantes da modernidade líquida. É o fim do ser humano como um ser social definido por seu lugar na sociedade, que determina seu comportamento e ação. E assim a defesa pelos atores sociais só pode ser conduzida pelo que se encontra dentro do indivíduo e não mais em instituições sociais ou princípios universais. Na longa e inconclusiva busca de equilíbrio entre liberdade e segurança, o comunitarismo ficou firme ao lado da última. Uma possibilidade que o comunitarismo não admite é que a ampliação e o enraizamento da liberdade humana podem aumentar a segurança, que a liberdade e segurança pode crescer juntas. A imagem da comunidade é a de uma ilha de tranqüilidade caseira e agradável num mar turbuletno e hostil.Nos tempos modernos, a nação era a “outra face” do Estado e sua principal arma em sua luta pela Mas o Estado também não precisa muito da nação. A riquezado país é medida não pela qualidade, quantidade e moral de sua força de trabalho, mas pela atração que o país exerce sobre as forças mercenárias do capital global.Parece haver pouca esperança de resgatar os serviços de certeza, segurança e garantias do Estado e, a recusa em participar do jogo nas novas regras globais é o crime a ser mais impiedosamente punido, crime que o poder do Estado deve impedir-se de cometer e evitar a qualquer custo.Muitas vezes a punição é econômica – governos insubordinados, culpados de políticas protecionistas ou provisões públicas generosas e não deixar o país a mercê dos mercados financeiros globais, têm seus empréstimos recusados e negada a redução de suas dívidas. A moeda loca é transformada em leprosas globais. As ações locais caem nas bolsas globais; o país é isolado por sanções econômicas.Além da sanção econômica, se o país não cede a cooperação com a nova ordem mundial a força militar é exercida: superioridade da velocidade sobre a lentidão, da extraterritorialidade sobre a localidade. Entra em cena as forças armadas especializadas em táticas de atacar e correr e a separação entre “vidas a serem salvas” e vidas que não merecem socorro.Comentários finaisA condição mais fluida, líquida da modernidade significa que tudo é temporário. Todas as tradições são “liquefeitas”, como por exemplo as empresas que deveriam se libertar dos deveres para com a família e das obrigações éticas. A economia se destaca e se liberta dos tradicionais obstáculos éticos, políticos e culturais.Os tempos líquidos são dotados de laços fracos, observados nas relações familiares (do até que a morte nos separa para a coabitação), nas relações de emprego (o desemprego estrutural). Uma outra observação do autor refere-se aos espaços públicos que encontra-se vazio, todos buscam interesses e desejos individuais. A satisfação desses desejos é instantânea e logo dá lugar a outros desejos gerando a sociedade de consumo, onde a satisfação plena nunca acontece, o alvo nunca será atingido. É uma vida de peregrino e a caminhada é o que dá significado à vida, ou seja, se atingir o objetivo, a vida perde o sentido. O sentido está no caminhar.Como se pode observar, a fluidez traz dificuldades como a passagem de estruturas de solidariedade coletiva para as de disputa e competição; o enfraquecimento da proteção estatal às intempéries da vida, gerando um permanente ambiente de incerteza; a responsabilidade por eventuais fracassos passam para o plano individual; o fim da perspectiva do planejamento a longo prazo.Enfim, o coletivo é enfraquecido. O autor lembra que é difícil encontrar pessoas que satisfaçam o “perfil revolucionário”, que esteja disposto a abrir mão de interesses individuais em nome do coletivo. Há uma diminuição do apetite pela reforma social, do interesse pelo bem comum, a alta do sentimento do “eu primeiro”.

Page 17: Modernidade Líquida

Embora Balman relate uma modernidade cheia de dificuldades para a vida em sociedade, ele não é pessimista. Em entrevista realizada em 2010 à revista Cult, o autor diz ser possível resgatar a utopia, aesperança de uma reforma social, com ampliação do interesse comum, pelas ações coletivas, mas ressalta que essa reforma depende de duas questões:- É preciso compreender que o mundo não está funcionando adequadamente e que precisa ser revisto- É preciso confiança no potencial humano de reformar o mundo, a crença nos seres humanos em que eles são capazes de reconhecer o que precisa ser mudado, que é a capacidade emancipadora do ser humano).A obra abrange várias questões sobre a realidade social, mas não propõe resoluções de como romper com as dificuldades do processo de liquefação da modernidade. Nas palavras do próprio autor na entrevista à Revista Cult, em 2010, Balman explica que no curso de meio século de estudos e de escrita nunca conseguiu adquirir a habilidade de terminar um livro... e reconhece que todos os seus livros foram entregues ao editor inacabados e que “o fim” de uma obra era, de fato, um começo com uma sequência, de uma nova obra, desconhecida, mas tremendamente necessária. Desta forma, o livro requer revisões e leitura de obras complementares ao longo do tempo, para que seja completada com novos e atuais temas e, talvez a proposição de soluções para as dificuldades que a “modernidade líquida” apresenta.Referência Bibliográfica:

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.BAUMAN Zygmunt. Entrevista à Revista Cult,n.138, 30 de março de 2010. http://baumaneaeducacao.blogspot.com.br/2010/08/entrevista-de-bauman-revista-cultn138.html