zygmunt bauman: Ética na modernidade líquida€¦ · · 2015-02-13técnica do poder, ... o...
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Zygmunt Bauman: Ética na Modernidade Líquida
A sociedade é um mecanismo que nos ajuda a lidar com o destino
de sermos entes morais.
Zygmunt Bauman
Noção de Sociedade
Rede de instituições destinada a garantir:
• repetição de rotinas
• padrões de conduta aceitáveis
• justiça e conforto para todos os membros da sociedade
Finalidade dessa garantia:
• guiar nossa conduta de sorte que possamos nos sentir seguros em nossa
relações recíprocas, ajudar-nos uns aos outros, cooperar e derivar nossa
de convivência prazer não corrompido pelo medo ou pela desconfiança.
Para isso, as instituições devem limitar as escolhas
individuais (qualidade e quantidade)
Noção de Sociedade
Situação
Não conseguem manter sua forma por muito tempo – nem se
espera que o façam
Se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e
estabelecê-las.
São sociedades líquidas
Sociedades da Modernidade Líquida
Modernidade Líquida
Resumo do livro
Modernidade Líquida: Prefácio: Ser leve e líquido
• Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com
facilidade. Os fluidos não fixam o espaço nem prendem o tempo. Os sólidos
têm dimensões espaciais claras e suprimem o tempo; os líquidos não se
atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos)
a mudá-la e, o que conta para eles, é o tempo.
• Ao descrever os sólidos podemos ignorar completamente o tempo; ao
descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria um grave erro. Descrições
dos fluidos são fotos instantâneas, que precisam ser datadas.
• A desintegração social é tanto uma condição quanto um resultado da nova
técnica do poder, que tem como ferramentas principais o desengajamento e
a arte da fuga.
• Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de
cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. Precisa que o sólido
se liquefaça.
Modernidade Líquida: Cap. 1: Emancipação
• Dificuldade de lidarmos com a liberdade: “a libertação é uma bênção ou uma
maldição?”
• Necessidade de uma crítica social que saiba trabalhar com as duas
características de nossa situação: inexistência de um telos e
desregulamentação e privatização das tarefas e deveres.
• Realocação do discurso ético/político do quadro da “sociedade justa” para o
dos “direitos humanos” – os indivíduos têm o direito de permanecerem
diferentes e de escolherem à vontade seus próprios modelos de felicidade e
de modo de vida adequado.
• O indivíduo é o pior inimigo do cidadão: a individuação consiste em
transformar a “identidade” humana de um “dado” em uma “tarefa” e de
encarregar os atores da responsabilidade de realizar esta tarefa e das
consequências (e do efeitos colaterais) de sua realização.
Modernidade Líquida: Cap. 1: Emancipação
• Estabelecimento de uma autonomia de direito (independentemente de a
autonomia de fato também ter sido estabelecida).
• Libertar as pessoas pode tornar o ato de escolher insignificante e isto leva à
corrosão e à lenta desintegração da cidadania.
• Ser um indivíduo de direito significa:
a) não ter ninguém a quem culpar pela própria miséria
b) não procurar as causas das próprias derrotas senão na própria
indolência e preguiça
c) não procurar outro remédio senão tentar com mais e mais
determinação.
Nota: Viver diariamente com o risco da autorreprovação e do
autodesprezo é torturante.
Modernidade Líquida: Cap. 2: Individualidade
• Inversão dos prognósticos de Huxley e Orwell: ao invés dos indivíduos não poderem
controlar suas próprias vidas eles foram condenados a fazê-lo numa sociedade
sem administradores, projetistas e supervisores.
• Discurso de Joshua (ordem é regra, desordem é exceção) Discurso do
Gênesis (desordem é regra, ordem é exceção).
• Capitalismo pesado (matéria/navio) Capitalismo leve (conhecimento/avião).
Regulação inovação e empreendedorismo. Ford Microsoft/Apple/Google...
• Novo tipo de incerteza: não saber os fins, em lugar da incerteza tradicional de
não saber os meios. A maioria das vidas humanas consuma-se na agonia quanto à
escolha de objetivos, e não na procura de meios para os fins, que não exigem tanta
reflexão. O capitalismo leve tende a ser obcecado por valores.
• Perguntamos: o que posso fazer? ao invés de como fazer o que não posso
deixar de fazer?
Modernidade Líquida: Cap. 2: Individualidade
• Compulsão e consumismo: a compra como ritual de exorcismo. A compra se
tornou um vínculo social.
• Por causa da inflação de autoridades, elas não mais ordenam; buscam se
tornar agradáveis aos eleitores; tentam e seduzem.
• Desaparecimento da Política como arte de traduzir problemas privados em
questões públicas (e vice-versa).
• O líder é substituído por casos (exemplos e receitas).
• O excesso de oportunidades faz crescer as ameaças de desestruturação, e
desarticulação da individualidade.
• Numa sociedade líquida (onde nada é prédeterminado ou irrevogável) já
não temos o Grande Irmão, mas também não temos o Irmão Mais Velho.
Modernidade Líquida: Cap. 3: Tempo/Espaço
• A comunidade já não é lugar de convívio, mas de abrigo contra a
violência e de provisão de “facilidades” (serviços, entretenimento, etc.).
• Rodeando a comunidade (condomínio) há 2 espaços de convivência com
estranhos: a) espaços de admiração e b) espaços de consumo. São lugares
públicos mas não civis.
• Ambos não são espaços civis porque têm pouca ou nenhuma relação com a
vida diária que flui fora dos portões – cada um deles é um “lugar sem lugar”.
• São: não-lugares, espaços vazios, espaços não-vistos e não requerem
domínio da sofisticada e difícil arte da civilidade, pois reduzem o
comportamento em público a preceitos simples e fáceis de aprender. São
espaços vazios de significado.
• Civilidade = capacidade de interagir com estranhos sem utilizar essa
estranheza contra eles e sem pressioná-los a abandoná-la ou a renunciar a
alguns dos traços que os fazem estranhos.
Modernidade Líquida: Cap. 4: Trabalho
• O valor do trabalho foi deslocado do futuro para o presente – a “qualidade do futuro” foi
condicionada ao que se é capaz de fazer no presente. Crenças de fundo: somos nós
que fazemos acontecer e o tempo está a nosso favor.
• Grande questão (e menos respondível) da modernidade líquida, não é, “O que
fazer?” (para tornar o mundo melhor ou mais feliz), mas “Quem vai fazê-lo?”.
• Questão da realização do progresso: não é mais vista como destino da espécie (tarefa
histórica), mas como tarefa do indivíduo ancorado em seu próprio presente
(empreendedor).
• Na era da incerteza o estar-no-mundo é sentido menos como uma cadeia de ações
legal, obediente, lógica, consistente e cumulativa, e mais como um jogo, em que o
“mundo lá fora” é o dos jogadores.
• Portanto, devemos nos comportar como todos os jogadores: mantendo as cartas
fechadas junto ao peito.
• Como em qualquer jogo, os planos para o futuro tendem a se tornar transitórios e
inconstantes, não passando de poucos movimentos à frente.
• Trabalho no capitalismo pesado: a interdependência entre capital e trabalho
desapareceu: os trabalhadores dependiam do trabalho para sua sobrevivência e o
capital dependia de empregá-los para sua reprodução e crescimento. Nenhuma dos
dois podia mudar-se com facilidade para outra parte.
• Trabalho no capitalismo leve: O longo prazo foi substituído pelo curto prazo.
Flexibilidade é a nova regra – a incerteza de contratos temporários no lugar da
segurança empregos vitalícios.
• A incerteza atual é uma poderosa força individualizadora: os medos, ansiedades e
angústias contemporâneos são feitos para serem sofridos em solidão. Não se
somam, não se acumulam numa causa comum e isto minou o espírito de militância e
participação política. No lugar da confiança e da solidariedade entraram a
incerteza e o Você S.A.
Modernidade Líquida: Cap. 4: Trabalho
Modernidade Líquida: Cap. 5: Comunidade
• Querela: Comunitários vs. Liberais.
• Os arreios com os quais as coletividades atam seus membros a uma história
conjunta, ao costume, linguagem e escola, ficam mais esgarçados a cada
ano que passa.
• Cada vez menos gente sente que faz (e fará) parte de uma comunidade por
muito tempo.
• Porém, a fragilidade e transitoriedade dos laços com a comunidade é um
preço inevitável do direito de os indivíduos perseguirem seus objetivos
pessoais.
• Mas não pode deixar de ser, simultaneamente, um obstáculo dos mais
formidáveis para perseguir eficazmente esses objetivos.
• Este paradoxo está profundamente enraizado na natureza da vida na
modernidade líquida.
Modernidade Líquida: Cap. 5: Comunidade
• Hoje, a comunidade está mais próxima da idéia de lar (lugar de nascimento e
proteção) que da ideia de espaço público – daí o principal arquétipo de
comunidade ser o da etnia.
• Etnia: naturaliza a história
a) A cultura é um fato da natureza e devemos escolher a lealdade a
nossa natureza.
b) A lealdade com a unidade étnica fortaleceu a lealdade com o Estado-
nação (único “caso de sucesso” da comunidade nos tempos
modernos) e, portanto, com o nacionalismo.
• A comunidade baseada na etnia é mais refratária aos estranhos:
• o nós, significa pessoas como nós
• o eles, significa pessoas que são diferentes de nós.
O nós é hoje um ato de autoproteção – o desejo de comunidade é
defensivo.
Richard Sennett
Consequências da VIDA líquida
Incertezas e ambiguidades em todos os assuntos
Erotização do discurso político
As rotinas já não produzem mais os resultados esperados
Substituição da idéia de perigo (vai e vem; é externo) pela de
risco (está sempre presente; decorre de nossos atos)
A crise se tornou a condição permanente das coisas
Consequências da vida líquida na POLÍTICA
Experiências anteriores não dão conta das rápidas e imprevisíveis
mudanças de circunstâncias, propósitos, riscos etc.
A velocidade vale mais do que a duração
Trocamos as referências pela flexibilidade
Por isso:
a) usar a experiência nos planejamentos é quase sempre
ineficaz
b) e o sucesso obtido no passado é estéril – é visto como
página virada ou a ser virada e não mais como história ou
biografia
Consequências da vida líquida na POLÍTICA
Passagem de estruturas de solidariedade coletiva para as de
disputa e competição
Enfraquecimento dos sistemas de proteção estatal às
adversidades
Fim da perspectiva do planejamento a longo prazo
Metamorfose do cidadão: o sujeito de direitos virou indivíduo em
busca de afirmação no espaço social
Consequências da vida líquida na POLÍTICA
A Política (arte de propor objetivos de organizações sociais e
resolver conflitos de interesses) dissociou-se do poder
(capacidade de decidir a ação).
Consequências da vida líquida na Política
Consequências da vida líquida no CUIDADO DE Si
Os indivíduos têm o direito de permanecerem diferentes e de escolherem à
vontade seus próprios modelos de felicidade e de modo de vida adequado
Buscamos oportunidades mais de acordo com nossa disponibilidade atual do
que com nossas próprias preferências
Se estabeleceu uma autonomia de direito sem que uma autonomia de fato
também tenha sido estabelecida.
Identidade: dado tarefa
Responsabilização dos indivíduos pelos “fracassos” em sua vida
• Cada um por si: estamos encarregados da responsabilidade de realizar –
sozinhos – esta tarefa e das consequências de sua realização.
Ser um indivíduo significa:
• Não ter ninguém a quem culpar pela própria miséria.
• Não procurar as causas das próprias derrotas senão na própria
indolência e preguiça.
• Não procurar outro remédio senão tentar com mais e mais
determinação.
• Viver diariamente com o risco da autorreprovação e do
autodesprezo não é fácil.
Consequências da vida líquida no CUIDADO DE Si
Impera a prontidão em mudar de:
a) normas, táticas e estilos
b) abandonar compromissos
E isso: repentinamente, sem aviso e sem arrependimento
MORALIDADE
• Na vida cotidiana queremos a distração
• Nos compromissos (contratos) queremos a liberdade do
distrato
• Nos relacionamentos (tratos) queremos a liberdade de
destrato, desconsideração, indiferença etc.
Consequências da vida líquida na MORALIDADE
Consequências da vida líquida na MORALIDADE
Quando Deus perguntou a Caim onde estava Abel, Caim replicou,
zangado, com outra pergunta: “Sou por acaso o guardião de meu
irmão? Com essa pergunta de Caim começou toda a imoralidade.
Zygmunt Bauman
As preocupações mais intensas e obstinadas que assombram este
tipo de vida são os temores de ser pego tirando uma soneca, não
conseguir acompanhar a rapidez dos eventos, ficar para trás, deixar
passar as datas de vencimento, ficar sobrecarregado de bens agora
indesejáveis, perder o momento que pede mudança e mudar de
rumo antes de tomar o caminho de volta.
Z. Bauman – A vida líquida (p.9)
Consequências da VIDA líquida
Recuperar a importância da sabedoria.
Se você quer a paz, cuide da justiça.
Revitalizar o espaço público
Reaproximar a Política do poder
O que fazer?
Trocar a atitude de conformidade à norma pela
de conduta responsável
A percepção das consequências deve preceder a
consciência da norma
Diminuir a distância entre o que é de direito
e o que é de fato justiça
O que fazer?
Não tolerar negociações sobre o que é intolerável
Diminuir o impacto destrutivo do consumismo
reincorporando o hábito da reciprocidade em nosso estilo
de vida
O que fazer?
Revalorizar o longo prazo e as virtudes que cuidam
dele:
Respeito | Consideração
Prudência
Paciência
Perseverança
Bom humor
Boa-fé e boa-vontade (honestidade)
O que fazer?
Do jeito que as coisas estão, é de supor que 19 dentre 20
habitantes do planeta estariam em melhor situação se a
reciprocidade substituísse a troca de mercadorias.
Z. Bauman – Em busca da política; p. 192
O que fazer?