método - psicologia
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Psicologia: O Método
Jorge Barbosa
Num estudo científico, quatro atitudes são indispensáveis: curiosidade,
cepticismo, objectividade e pensamento crítico.
1. Antes de tudo o mais, o cientista tem de ser curioso. Porque é que
algumas pessoas são felizes e outras não? Quais são os
ingredientes de uma vida feliz? O cientista repara nas coisas do
mundo e quer saber que coisas são essas e porque é que são
como são. Fazer ciência é, antes de mais, fazer perguntas, por
vezes, perguntas enormes como “Qual é a origem do Universo?”
ou “Como é que o amor entre duas pessoas pode durar cinquenta
anos?”
2. Os cientistas são também cépticos. As pessoas cépticas são
aquelas que questionam as coisas que outras pessoas dão como
certas. O cepticismo científico é um cepticismo metódico, isto é,
orienta as perguntas e previne-o contra conclusões precipitadas.
Investigação Científica
Na prática, a investigação
científica começa com um
problema que suscita uma
ideia-chave: uma teoria.
Agosto, 2009
O segundo passo na
pesquisa científica é a
formulação de hipóteses.
Uma hipótese é uma ideia,
derivada logicamente de
uma teoria: é uma predição
susceptível de ser testada.
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2 Jorge Barbosa, Agosto 2009
3. Ser-se cientista significa também ser-se objectivo. Os cientistas acreditam que a melhor forma de se ser
objectivo é a de orientarem os seus estudos pelas regras da própria investigação científica. Recorrem,
portanto, a métodos empíricos. Método empírico significa que o conhecimento dos cientistas tem
origem na observação dos acontecimentos e das acções humanas e no raciocínio lógico-matemático.
Ser-se objectivo significa, então, tentar ver as coisas tal como elas são, e não como gostaríamos que
fossem, e usar métodos de decisão que nos mantenham em contacto com o mundo real, seja através
da observação e verificação dos fenómenos, seja através da sujeição das suas hipóteses explicativas à
lógica matemática.
4. Finalmente, ser-se cientista exige pensamento crítico. Pensar criticamente significa pensar
reflexivamente, pensar produtivamente e avaliar as evidências. Os pensadores críticos encontram
questões e necessidade de verificação naquilo que os não críticos consideram factos.
Estas quatro atitudes são atitudes ideais. Os cientistas nem sempre as possuem todas em todos os momentos. Mas
quanto mais próximos se encontrarem delas, mais serão capazes de usar as ferramentas básicas da teoria
científica e da observação objectiva. Por outras palavras, mais facilmente reduzirão a tentação de basear as
suas teorias em crenças, opiniões ou emoções pessoais.
A ciência resulta de um esforço colaborativo. Mesmo quando diferentes grupos de cientistas parecem competir
entre si para serem os primeiros a responder a uma questão particular, fazem parte de um esforço colectivo para
aumentar o corpo de conhecimentos numa determinada área. Mais do que isso, nenhuma investigação
científica tem qualquer impacto, se não for construída alguma forma de acordo, ou sentida a necessidade de
debate, na comunidade científica, através de processos de revisão e verificação dos resultados obtidos ou da
racionalidade da teoria apresentada.
Cooperação
3 Jorge Barbosa, Agosto 2009
Teoria: uma ideia geral ou um conjunto de ideias relacionadas entre si que tentam explicar certas observações. Variável: algo que pode ser alterado ou alterar-se Definição Operacional: descrição objectiva de como uma variável a investigar vai ser medida e observada. Hipótese: ideia derivada de uma teoria para explicar um ou mais fenómenos. Corresponde à predição que vai ser testada.
Etapas da Investigação Científica
As cinco fases clássicas
Nas revistas científicas, a maior
parte dos cientistas apresenta os
resultados das suas investigações,
como se decorressem de cincos
passos metódicos:
1. Observação;
2. Formulação de hipóteses;
3. Experimentação e
verificação das hipóteses;
4. Conclusões;
5. Avaliação das conclusões.
Na prática, a investigação
científica começa com um
problema que suscita uma ideia-
chave: uma teoria. Teoria é uma
ideia geral ou um conjunto de
ideias relacionadas que
pretendem explicar certos
fenómenos. As teorias tentam
explicar por que razão certas
coisas acontecem e fazer
predições para observações
futuras.
Na psicologia, as teorias ajudam a
organizar e a ligar as observações
à investigação. O significado da
maior parte dos estudos científicos
em Psicologia seria difícil de ser
apreendido, se não houvesse
teorias que fornecessem uma
estrutura que os sumariasse e os
compreendesse, colocando-os em
contexto com outras
investigações. Para além disso, as
boas teorias são aquelas que
geram questões interessantes e
incentivam os investigadores a
fazer novas observações, para
responder às questões que elas
levantam. A investigação pode,
ou não, apoiar a teoria em
questão: as teorias devem ser
revistas, em função dos resultados
obtidos. Os cientistas, portanto,
não encaram as teorias como
sendo completamente e
permanentemente correctas. Uma
teoria é avaliada pela sua
capacidade em gerar ideias sobre
como funciona o nosso mundo e
pela capacidade em predizer
acontecimentos e
comportamentos futuros.
http://web.mac.com/jbarbo00/
Investigação Científica
4 Jorge Barbosa, Agosto 2009
A observação pode, ela própria, conduzir o investigador a algumas conclusões. Por exemplo, Crowley, em 2001, observou que os pais que visitavam um museu da ciência com os seus filhos, davam três vezes mais explicações científicas aos rapazes do que à raparigas. Esta diferença era igual, quer a criança fosse acompanhada pelo pai, pela mãe, ou pelos dois.
Os resultados desta observação naturalista são compatíveis com uma teoria experimentada por investigadores catalães, cujo nome agora não recordo, a respeito da atenção dada pelos professores a alunos rapazes e raparigas em sala de aula. Nessa experimentação, as autoras verificaram que os rapazes recebiam mais atenção dos professores (homens ou mulheres), do que as raparigas.
Observação
O primeiro passo técnico na pesquisa científica é a observação de
alguns fenómenos que possam ajudar a formular ou a aperfeiçoar uma
teoria. Aos fenómenos estudados pelos cientistas, dá-se habitualmente o
nome de variáveis. Variável é algo que se altera ou pode ser alterado.
Por exemplo, há autores para quem a variável em estudo é a felicidade.
Observam que há pessoas que parecem mais felizes do que outras, e
procuram saber que outras variáveis podem influenciar estas diferenças.
Um aspecto importante na condução de uma investigação científica é
encontrar uma forma de medir as variáveis. Chama-se definição
operacional a uma descrição objectiva sobre como essas variáveis vão
ser observadas e medidas. Na verdade, as definições operacionais, na
maior parte dos casos, são uma ajuda preciosa no processo de
delimitação rigorosa do problema em estudo.
Por exemplo, no seu estudo sobre a felicidade, Diener, em 1985, utilizou
um questionário em que as pessoas se situavam, em diferentes aspectos
da sua vida, numa escala de felicidade: “As minhas condições de vida
são excelentes”, “(...) muito boas”, etc. Os resultados no questionário
foram utilizados como medidas de felicidade. Deste modo, encontrou
factores (variáveis) fortemente relacionadas com a felicidade:
casamento, fé religiosa, objectivos na vida, saúde. Curiosamente, o
dinheiro só parece ser importante para quem não tem o suficiente.
Etapas da Pesquisa
Científica
5 Jorge Barbosa, Agosto 2009
http://jbarbo.com.pt/moodle3
http://web.mac.com/jbarbo00/
Aqueles que têm dinheiro, que lhes
garanta uma vida confortável,
não sentem que mais dinheiro lhes
traga felicidade.
Já Harker e Keltner, em 2001,
utilizaram o sorriso “Duchenne”
para medir a felicidade, isto é, a
medida do sorriso genuíno, aquele
que é acompanhado de
pequenas rugas no canto exterior
dos olhos (se quiser saber, a partir
de uma fotografia, se uma pessoa
está a sorrir genuinamente, basta-
lhe tapar a boca e verificar se lhe
parece que a pessoa continua a
sorrir). Haker e Keltner, a partir do
seu estudo sobre fotografias de
estudantes, concluíram que a
felicidade (medida através do
sorriso Duchenne), durante o
tempo em que os jovens
frequentavam a Universidade, era
um bom critério para predizer uma
vida de sucesso futuro, 30 anos
depois (casamentos bem
sucedidos, condições de vida
satisfatórias, etc.).
Formulação de Hipóteses
O segundo passo na pesquisa
científica é a formulação de
hipóteses. Uma hipótese é uma
ideia, derivada logicamente de
uma teoria: é uma predição
susceptível de ser testada.
Podemos pensar na hipótese
como uma aposta bem
fundamentada, a partir de uma
teoria existente e da aplicação da
lógica.
Por exemplo, uma teoria sobre o
bem-estar é a teoria de auto-
determinação de Deci e Ryan
(2000). Segundo esta teoria, as
pessoas sentir-se-ão mais
realizadas se as suas vidas
satisfizerem três necessidades
fundamentais: relacionamento
(relacionamento satisfatório com
os outros), autonomia
(independência) e competência
(aquisição de novas
capacidades). Uma hipótese que
deriva logicamente desta teoria é
que as pessoas, para quem o
dinheiro, a posse de bens
materiais, o prestígio e a
aparência física (recompensas
extrínsecas) são necessidades mais
satisfeitas do que as necessidades
de relacionamento, autonomia e
competência, sentir-se-ão menos
realizadas, menos felizes e menos
ajustadas. Foi o que Kasser e outros
demonstraram em 2004.
Experimentação Empírica
O passo seguinte consiste em
testar as hipóteses através de uma
pesquisa empírica, isto é, através
da recolha e análise de dados. As
duas mais importantes decisões a
tomar no que diz respeito à
recolha de dados são
1. A escolha dos sujeitos
2. A escolha da técnica de
pesquisa empírica
6 Jorge Barbosa, Agosto 2009
Quando os psicólogos levam a cabo um estudo
científico pretendem, normalmente, que as suas
conclusões sejam aplicáveis a um número muito
mais vasto de pessoas do que aquele que é
utilizado na testagem das hipóteses. Vejamos,
por exemplo, o caso de uma investigação que
tenha demonstrado que o dinheiro não compra
felicidade e que colocar o dinheiro acima de
outros valores é bastante mau para o bem-estar
das pessoas. Uma questão relacionada seria:
“Será que as pessoas pensam que o dinheiro
compra a felicidade?” Com efeito, não é
garantido que aquilo que o dinheiro pode
comprar corresponda necessariamente àquilo
que as pessoas pensam que o dinheiro pode
comprar. Podemos, então, testar esta questão
relacionada com a teoria anterior, isto é,
podemos tentar verificar se, em geral, as
pessoas acham preferível ser rico e infeliz a ser
pobre e feliz. Teremos de construir um projecto
de pesquisa em que procuraremos saber até
que ponto estudantes do ensino secundário
(por exemplo) classificam a vida como boa ou
desejável, quando essa vida é descrita como
feliz ou infeliz, com significado ou sem
significado, rica ou pobre. Admitamos que
obtemos o resultado de que os jovens do ensino
secundário questionados valorizaram mais a
vida feliz e com significado e que deram menos
importância ao dinheiro.
O grupo total, a respeito de quem o
experimentador pretende retirar conclusões é a
população alvo(todos os jovens do ensino
secundário). Neste caso particular, admitamos
que só nos estamos a referir aos jovens alunos
do ensino secundário portugueses. O
subconjunto da população escolhida pelo
investigador para este estudo é uma amostra. A
população alvo a quem o investigador
pretende generalizar os resultados pode variar
consoante o estudo realizado. Por exemplo,
podia interessar-nos só o grupo de jovens alunos
do ensino secundário, com classificação média
nas várias disciplinas superior a 14, ou só os
jovens que pretendem prosseguir estudos
superiores no domínio das matemáticas. O
importante é que a amostra estudada seja
representativa da população a que o
experimentador quer generalizar as conclusões.
Tendo em vista representar a população de
forma o mais aproximada possível, o
investigador deve utilizar uma amostra ao
acaso, isto é, uma amostra onde cada membro
da população ou cada grupo da população
tem a mesma probabilidade de ser escolhido.
Por exemplo, no estudo sobre a vida boa, a
amostra de jovens alunos do ensino secundário
deveria ter o cuidado de manter a proporção
da população alvo no que diz ao estatuto
socioeconómico, origem étnica, localização
geográfica, crença religiosa, etc. Uma amostra
ao acaso dá mais garantias de os resultados
poderem ser generalizados à população.
Em certas áreas da Psicologia, as teorias
pretendem ser aplicáveis a todos os seres
humanos: por outras palavras, a população é
constituída por todos os seres humanos.
População: Todo o grupo a quem o experimentador pretende generalizar as conclusões.
Amostra: Subconjunto da população escolhido pelo investigador para levar a cabo o estudo.
Amostra ao acaso: Uma amostra que garante que cada membro da população terá igual probabilidade de ser escolhido para o estudo.
7 Jorge Barbosa, Agosto 2009
Nestes casos, devemos reconhecer que não é
possível constituir uma amostra que represente
todas as variantes da espécie humana. A
testagem de hipóteses faz-se através de um
desenho experimental, onde se procura
verificar se a presença de uma ou mais
variáveis (chamadas independentes) produz
resultados (variáveis dependentes) diferentes
daqueles que se obtêm quando elas não estão
presentes.
Há uma teoria, por exemplo, que diz que a
capacidade humana de recuperação de
informação na memória a curto prazo é
limitada 7 unidades de informação mais ou
menos duas (isto é: entre 5 e 9 unidades de
informação). Assim é, de facto. Todas as
experiências realizadas sobre este assunto
confirmam esta teoria.
A tarefa da investigação científica, nestes
casos, não é tanto a de encontrar grupos
representativos da população que confirmem
as hipóteses, mas a de encontrar grupos que as
ponham em causa, que as falsifiquem. Sendo
as hipóteses destinadas a explicar o
comportamento do ser humano, o facto de se
encontrar seres humanos a quem,
consistentemente, elas não se aplicam é a
melhor garantia de que devem ser revistas.
Enquanto tal não acontecer, a comunidade
científica vai aceitando a teoria como válida,
desde que tenha sido experimentalmente
confirmada.
Aqui, convém, no entanto, tomar algumas
precauções. Tirando algumas teorias, como a
da capacidade de recuperação de
informação na memória de curto prazo acima
referida, em Psicologia, as teorias nunca são
verdadeiramente generalizáveis a todos os
seres humanos. Já é uma muito boa teoria é
aquela que tenha uma alta probabilidade de
se aplicar aos seres humanos, sem que, todavia,
essa probabilidade alcance os 100%. Para
falsificar, portanto, uma teoria psicológica não
basta que se encontrem algumas excepções: é
preciso que se determine uma igual ou idêntica
probabilidade de os resultados poderem ser
diferentes dos enunciados pela teoria em
causa. Assim sendo, a expressão vulgar de que
“a excepção confirma a regra” não é uma
expressão que se aplique com rigor à
Psicologia. As excepções são outras tantas
razões para se procurar novas e mais completas
explicações para os fenómenos, dentro de uma
mesma teoria ou procurando uma nova.
Com efeito, em muitas áreas da Psicologia, em
particular naquelas que estudam os processos
mentais, as generalizações fundamentam-se na
obtenção de resultados similares em grande
número de estudos, mais do que nos resultados
obtidos a partir de uma amostra ao acaso num
único estudo.
Conclusões
Baseando-se na análise dos dados colhidos na
fase anterior, os cientistas elaboram as suas
conclusões. Note-se que a análise dos dados
muitas vezes implica o recurso a técnicas
quantitativas sofisticadas e muito complexas
que exigem bons conhecimentos de
matemática.
Quando as conclusões apontam para uma
revisão da teoria, é importante ter presente a
necessidade de garantir a replicabilidade das
experiências realizadas. Replicabilidade
significa a medida em que uma investigação
pode ser repetida, para obtenção de
resultados similares ou diferentes. Uma
investigação circunstancial, que tenha em
consideração apenas aspectos não
reprodutíveis, não é aplicável em contextos
diferentes daqueles em que foi realizada.
As fases 3, 4 e 5 do método científico fazem parte de um
processo interactivo que pressupõe uma atitude
cooperativa entre todos os investigadores.
Avaliação das Conclusões
A etapa final do método científico
é, de facto, uma etapa que
nunca acaba.
Os investigadores submetem o seu
trabalho a uma rigorosa revisão
para que possa ser publicado.
Os trabalhos publicados
continuam ainda a ser vistos, lidos
e avaliados continuamente. A
comunidade de investigadores
mantém uma conversa activa a
respeito do estado actual dos seus
conhecimentos, e as conclusões
dos estudos publicados estão sob
permanente questionamento.
Jorge Barbosa Vila Nova de Gaia, 2009
9 Jorge Barbosa, Agosto 2009
Bibliografia
EYSENCK, Michael W. E KEANE, Mar T. (2005) Cognitive Psychology, 5ª Ed., Psycology Press, Nova York
KING, Laura A. (2008) The Science of Psychology, McGraw-Hill, Nova York
PINEL, John P.(2005) Biopsychology, 5ª Ed., Pearsons Education, Allyn & Bacon