malu favero

9

Upload: gente-de-atibaia

Post on 21-Jul-2016

228 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Pode parecer brincadeira, mas cuidar da vida dos cachorros e pequenos animais da cidade vem sendo a maior preocupação de Maria Luiza Favero pelo menos nos últimos trinta e quatro anos. Chamar Maria Luiza de Maria Luiza fica até meio estranho para quem, na verdade, sempre foi chamada por Malu. A Malu dos cachorros, a Malu cachorreira, a Malu encrenqueira na luta para proteger seus amigos cachorros e os pequenos animais.

TRANSCRIPT

Afinal, quando

e que Atibaia vai melhorar

essa vida de cachorro?

Texto: Edgard de Oliveira BarrosFotos: Jean Takada

Pode parecer brincadeira, mas cuidar da vida dos cachorros e pequenos animais da cidade vem sendo a maior preocupação de Maria Luiza Favero pelo menos nos últimos trinta

e quatro anos.Chamar Maria Luiza de Maria Luiza fica até meio es-

tranho para quem, na verdade, sempre foi chamada por Malu. A Malu dos cachorros, a Malu cachorreira, a Malu encrenqueira na luta para proteger seus amigos cachor-ros e os pequenos animais.

Mais do que ninguém ela acredita que mais vale ter ca-chorros como amigos do que amigos cachorros. Pois não é o que se diz por aí? Só que em Atibaia os cachorros só são bem vistos pelos homens e mulheres do bem, do bom co-ração, humanos no melhor sentido da palavra. No entanto são mal vistos ou até esquecidos pelos ditos ou malditos homens políticos. Nem Malu e nem a população concorda com essa atitude dita oficial. Aqui, em Atibaia, os peque-nos animais vivem realmente aquilo que se convencionou chamar de vida de cachorro. São maltratados, ficam ao léu, não têm nenhum tipo de proteção e o que é pior: se repro-duzem de maneira exponencial, para não falar que o nú-mero de animais abandonados é imenso na cidade.

“Já foi melhor”, lembra Malu, contando que tivemos sim alguns governos municipais que deram o braço a tor-cer e olharam um pouco mais para o problema. “Fizemos pouco, mas conseguimos melhorar essa situação, reco-lhendo animais, cuidando deles, e, especialmente, pro-cedendo a campanhas de castração. Por isso é que o nú-mero de animais abandonados perambulando pelas ruas

Gente de Atibaia - Pessoas ilustres e nobres desconhecidos

ainda não atingiu o limite.”Tem sim, políticos que não podem nem ver a cara de

Malu. Porque ela é insistente, persistente e não se deixa abater pelas adversidades em sua luta pelos cachorros. Luta que começou em 1981, por aí, quando Maria Lui-za, hoje com 72 anos, deixou São Paulo ao lado de seu marido Mario Seabra, para morar em Atibaia e se tor-nar a Malu. “A gente não aguentava mais viver em apar-tamentos, queríamos largueza e viemos para cá.” Am-bos trabalhavam na Grou, uma importante empresa de brinquedos. Mario Seabra havia deixado de ser publi-citário de renome para se dedicar à criação de jogos in-fantis e Malu, como pedagoga formada, depois de anos e anos trabalhando em escolas partiu para a elaboração de brinquedos pedagógicos.

“Minha ligação com animais vêm da infância. Minha mãe e meu pai sempre tiveram um monte de cachorros em casa. Viemos para Atibaia e fomos morar na Vila Gi-glio. Naquele tempo a região era um brejão só. Não exis-tia asfalto, uma delícia.” E foi assim que Mario e Malu deram abrigo aos seus primeiros cães. Que, claro, foram encontrados na rua. Daí para a frente Malu passou a ser conhecida como “a mulher que catava cachorros na rua”. E todo mundo que encontrasse um cachorro perdido, fa-minto, doente, abandonado, levava para a casa da Malu. E a história da “mulher que gosta de cachorros” correu a cidade. Quando uma cadelinha dava cria, diziam: “joga lá que a mulher gosta”.

“Aqui não se falava de movimentos de proteção aos ani-mais”. Um dia me irritei e disse para meu marido: “Ou a gente volta para São Paulo e não vemos mais essa desgra-ça de abandono em relação aos animais ou a gente cria um movimento para protegê-los,” Mario, o marido, to-paria qualquer coisa desde que não tivesse que voltar e viver o tumulto da capital. Nasceu então o primeiro mo-

vimento de proteção animal.“Pesquisamos o que deveria ser feito para criar a asso-

ciação. Por sorte encontramos uma amiga, Vera Helena André Rodrigues Costa que à época era diretora da Câma-ra Municipal. Ela também era protetora de animais e nos ajudou muito no processo. Percebemos então que havia muita gente interessada no problema e as reuniões que realizávamos aconteciam na Câmara Municipal.”

Nem a cidade e nem a região possuíam um Centro de Controle de Zoonoses. “Sempre contamos com o apoio do então vereador Mário Inui. Até hoje ele é solidário com a causa e tem nos ajudado. Ele foi praticamente o único po-lítico da cidade que veio e continuou conosco até hoje.”

A movimentação levou à criação da AVA, Associação Vidanimal no começo da década de 90. “Muita gente as-sinou a ata, muita gente prometeu, só que quando ama-nheceu o dia seguinte percebi que estava sozinha. Sumiu todo mundo. E o telefone não parava de tocar as pessoas chamando para dizer que tinha um animal doente aqui, outro abandonado ali e as reclamações seguiam...”

Malu foi se virando sozinha. “Eu nem imaginava onde estava me metendo. Pensei em seguir o modelo da UIPA, União Internacional Protetora dos Animais que abrigava animais abandonados, machucados, doentes, etc. Hoje isso está em desuso, mas naquela época era o que se fazia e algumas pessoas contribuíam mensalmente com a en-tidade. Vimos que isso não daria certo exigiria estrutura e muito dinheiro ou tudo viraria um depósito de animais, lugar insalubre, melhor que ficassem soltos na rua.”

A grande virada aconteceu. Baseando-se em procedi-mentos internacionais, a única solução era a castração. “Até então o controle era feito através da matança de ani-mais. Passamos a recolher, cuidar, castrar, tratar, tornar os saudáveis os animais recolhidos até encontramos um novo dono para ele.”

Malu aprendeu a superar barreiras. “Me vejo como aquelas corredoras que saltam obstáculos. Porque até hoje tudo são barreiras a serem vencidas. A persistência é a minha maior qualidade para quem lida com a falta de apoio. E não me arrependo de ter persistido. Os governos em geral são muito criativos em criar problemas, dificil-mente facilitam as soluções.”

A AVA funcionou na casa de Malu e no abrigo, um gal-pão alugado no morro do Saci. “Era muito precário, tí-nhamos uns 40 animais. Eu e umas poucas solidárias malucas como eu íamos lá todos os dias e a população era completamente desinformada sobre o trabalho. Aos poucos a imprensa local começou a dar publicidade ao problema. Precisávamos de colaborações.”

Durante um tempo a AVA ficou em um centro de con-trole de zoonose no bairro da Boa Vista. “Nosso abrigo estava em pedaços. Lá começamos a ter um pouco mais de visibilidade. Aos poucos aprendi a fazer política, ser mais diplomata, driblar os problemas.”

Houve uma época que se conseguiu a castração em massa de cachorros. “Foi com a ajuda “muito forçada” da prefeitura. Importamos uma veterinária de São Paulo e ela promoveu vários mutirões de castração. Recebíamos a ajuda de três senhoras aposentadas que nunca quise-ram ser mencionadas. Colaboravam pagando os custos de castração. Chegamos a castrar 150 animais por sema-na. Foi quando conseguimos fazer essa “limpeza” nas ruas da cidade. Diminuiu visivelmente o número de ani-mais abandonados na cidade. Eram menos crias, menor o abandono e o número de animais doentes.”

O que ficou de importante para Malu é que quando se investe no controle da população canina o resultado é vi-sível. “Nem falo para os animais, mas temos uma melho-ria para o município. As reclamações diminuem, menos briga de vizinhos, menos acidentes de trânsito, menos

Gente de Atibaia - Pessoas ilustres e nobres desconhecidos

denúncias, menos arranhaduras que vão parar no posto de saúde. Pena que os governantes não entendam assim.”

“Hoje as coisas estão paradas e não temos apoio ne-nhum da prefeitura. A não ser do vice-prefeito Mario Inui que continua conosco. Vêm aí uma época de elei-ções, reeleições e pode ser que os cachorros ou os donos dos cachorros mordam. Será que os políticos já pensaram nisso?”, questiona Malu. Que já chegou a ter 180 animais em casa, hoje tem só 47, dez gatos e 37 cachorros.

Malu conta que a AVA morreu por falta de colaboração. “Hoje eu trabalho na Ajudajudar Associação. Só castra-mos os animais. Buscamos recursos em festas e promo-ções. Tem também a Amapatas, que recolhe animais. Foi criada por um grupo de pessoas que dificilmente doam os animais. Sei que eles abrigam uns 300. Mantém con-vênio com a prefeitura, mas não conheço a contrapartida desse convênio.”

Existem sim muitas feirinhas de doação. “Eu até posso ficar com animais temporariamente, naquilo que a gente chama de “lar temporário”, quando se prepara, castra os animais para leva-los às feiras. A feirinha do Tinho que funciona na Lucas é uma delas e se transformou em um point de doação, funcionando todos os sábados.”

Para não dizer que os políticos nunca fizeram nada pelo problema canino, a Câmara já instituiu comissões e mais comissões. “Produzem relatórios interessantes. Só que aparentemente nunca se vai adiante. Os vários departa-mentos da prefeitura entram, discutem e abandonam o assunto. Cada um diz que o problema é do outro. A gente se queixa, as pessoas ouvem, ouvem e não fazem nada. O pouco que era feito já não se faz mais.”

Malu sente que a situação dos cachorros está horrível em Atibaia. “Eles estão nas ruas abandonados ou não, procriam e aumenta sensivelmente o abandono. Já tem cachorro esperando vaga para andar nas ruas”, brinca.

Talvez a coisa só melhore quando cachorros revoltados comecem a morder políticos. Meio abatida, de forma poé-tica Malu vê que toda a água que se guardou nessa luta está indo para o ralo. E alerta: “Ainda há tempo de Atibaia ser uma cidade bonita para todos.” Malu, que no passado já viu muita coisa e já foi obrigada até a levar cachorro morto para jogar no lixão não quer ver seu trabalho jogado fora.

“Quero alertar a todos os que vivem incomodados co-migo pelo fato de lutar pelos animais: eu morro, mas o meu espírito volta. A luta continua. E os políticos não se esqueçam de que cachorro também morde e vota através dos seus donos.” ■