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    Trabalho e Mundializao doCapital

    - A Nova Degradao do Trabalho naEra da Globalizao

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    Giovanni Alves

    Trabalho e Mundializaodo Capital

    A Nova Degradao do Trabalho na

    Era da Globalizao

    2 Edio

    PraxisLondrina

    1999

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    Sumrio

    APRESENTAO

    CAPTULO 1

    Os Fundamentos Ontolgicos da ReestruturaoCapitalista

    CAPTULO 2

    O Que a Mundializao do Capital

    CAPTULO3

    Mundializao do Capital e Acumulao Flexvel- A Nova Ofensiva do Capital na Produo

    CAPTULO4

    Toyotismo e Mundializao do Capital

    CAPTULO5

    Racionalidade (e desrazo) do Toyotismo

    CAPTULO6

    Um Admirvel Mundo Novo do Trabalho?

    - As Metamorfoses do Trabalho Industrial

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    CAPTULO 7

    A Fragmentao de Classe

    - Desemprego Estrutural e Trabalho

    Precrio

    CAPTULO 8Perspectivas Polticas do Novo (e Precrio)

    Mundo do Trabalho

    APNDICE

    Uma Dimenso da Cultura Global:

    A Internet como o arcabouo miditico da era dafinanceirizao

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    Apresentao

    Onosso objetivo apresentar algusn ensaios, escritos

    nos ltimos anos, de 1995 a 1999, que procuram pen-

    sar (e repensar) as metamorfoses do mundo do traba-

    lho numa perspectiva materialista, buscando vincul-la com

    a nova etapa de desenvolvimento do capitalismo mundial

    denominada mundializao do capital.

    Este pequeno livro surgiu da necessidade urgente de uma

    publicao que pudesse expressar, de modo sinttico, a nossa

    interpretao sobre as transformaes do mundo do trabalho.

    Estavmos preparando a disciplina Trabalho e Globaliza-

    o, que iriamos dar no 2 semestre de 1999, no Programa

    de Mestrado em Cincias Sociais da UNESP-Marlia, quando

    decidimos reunir alguns ensaios escritos nos ltimos anos.

    Alguns deles so inditos, tais como o Captulo 2 e Captu-lo 8 (O Que Mundializao do Capital e Perspectivas

    Polticas do Novo -e Precrio- Mundo do Trabalho). O Ca-

    ptulo 1 (Os Fundamentos Ontolgicos da Reestruturao

    Capitalista) e o Apndice (A Internet como o arcabouo

    miditico da era da financeirizao) sairam publicados nas

    revistasEstudos de Sociologia (da FCL/UNESP-Araraquara)

    eNovos Rumos (do Instituto Astrojildo Pereira), respectiva-mente. Os demais captulos so partes revisadas e adaptadas

    da minha tese de doutorado intitulada Reestruturao Capi-

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    talista e Crise do Sindicalismo no Brasil (no prelo, para ser

    publicada, no ano 2000, pela editora boitempo).

    A nossa pretenso meramente introdutria, apresen-tando algumas sugestes de pesquisa que possam ir alm

    do caldo empiricista da sociologia (ou da economia) do

    trabalho, procurando recuperar, a partir da boa tradio da

    critica da economia poltica, uma perspectiva da totalidade

    histrico-ontologica subjacente as transformaes do mundo

    do trabalho.

    Para isso, o cerne da nossa analise retomar (e reconsti-tuir) o conceito de toyotismo, indo alm da sua significao

    original e procurando vincula-lo com o complexo ideolgico

    que molda as organizaes capitalistas no limiar do sculo

    XXI. A partir procuraremos analisar o novo perfil do mundo

    do trabalho, cada vez mais complexificado, fragmentrio e

    heterogneo.

    Agradecemos o incentivo e apoio do Prof. Dr. RicardoAntunes, da Area de Sociologia do Trabalho, no IFCH/

    UNICAMP. Salientamos o precioso intercmbio intelectual

    com o Prof. Francisco Teixeira e Prof. Jos Meneleu Neto, da

    UECE; com o Prof. Dr. Marcos Del Roio, da UNESP; com

    o Prof. Dr. Juarez Brando Lopes e com o Prof. Dr. Octvio

    Ianni, ambos da UNICAMP; e ainda com o Prof. Ruy Braga

    e Jose do Hamatari Arrais.

    Com certeza, o sculo XXI ir colocar no centro do de-

    bate intelectual (e poltico) as transformaes do mundo do

    trabalho e as perspectivas do gnero humano diante do cres-

    cente avassalamento do capital. Para isso, acredito que tais

    ensaios preliminares (e fragmentrios) possam dar alguma

    contribuio a tal debate no Brasil.

    Marlia, 7 de setembro de 1999

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    Things fall apart;

    the centre cannot hold;Mere anarchy is loosed upon the world

    W.B.Yeats

    A globalizao a ordem absurdaem que o dinheiro a nica ptria

    Subcomandante Marcos

    O movimento do capital insacivel

    Karl Marx

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    1Os Fundamentos Ontolgicos da

    Reestruturao CapitalistaFundao (e Subverso) da Modernidade

    pelo sujeito Capital

    Procuraremos delinear consideraes gerais sobre as ba-ses ontolgicas do processo de modernizao capitalista,buscando responder as seguintes interrogaes: o que estsubjacente s transformaes da economia poltica do capita-

    lismo mundial no limiar do sculo XX ? possvel apreendersuas conexes causais originrias e determinar seus impactosduradouros sobre o ser social capitalista, principalmentesobre o complexo social do trabalho? Finalmente, quais osnovos problemas e desafios para a reflexo e a prxis humano-crtica postos pela constituio do novo complexo societriomundial, subjacente mundializao do capital ?

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    De incio, procuramos apreender o processo de moderni-zao capitalista a partir de dois nveis de abstrao: do pontode vista do capital em gerale do ponto de vista dos mltiploscapitais, cuja distino, vale dizer, apenas heurstica.

    O primeiro momento de abstrao, mais elevado, apreen-deria o movimento do capital em geral e trataria o processode modernizao capitalista como sendo umproduto hist-rico-ontolgico do sujeito capital.

    O capital uma categoria complexa, com mltiplas ex-presses. Podemos dizer que ele o valor em movimento,cujo processo de valorizao, em seu andamento frenticoe desesperado, cria (e recria) a sociabilidade moderna. Ouseja: o capital uma forma social, primeira vista muitomstica, que transforma todo contedo concreto da produoda riqueza social que surge como mercadoria, numa formaabstrata de riqueza - a forma dinheiro. Dinheiro que se

    valoriza. Que cria mais dinheiro. Que almeja, com intensae incansvel presso, fazer mais dinheiro. E que, sob ascondies da mundializao do capital, tende a se autono-mizar, sob a forma de capital financeiro, cujo fluxo contnuotende cada vez mais a desprezar as restries de tempo e deespao. (Harvey, 1991).

    Marx, em sua obra clssica, representou o movimento docapital, do valor que se auto-expande, de um modo preciso,atravs da frmula geral D-M-D, sendo D, dinheiro e M,mercadoria, onde D= D + DD ( e DD a mais-valia). Ou ain-da: M um tipo particular de mercadoria - a fora de trabalho,cujo portador o trabalhador assalariado. No caso do capitalfinanceiro, teramos um tipo particular da frmula geral D-D(onde M no estaria posto). Nesse caso, o empreendimentocapitalista volta-se para obter lucros estritamente financeirossem dar importncia produo real (Marx, 1984).

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    O que Marx procurou demonstrar que o capital umaforma scio-histrica, um modo de sociabilidade humana,que cria (e reproduz) a ciso entre os produtores e suas con-

    dies de trabalho, que surgem, para eles, como potnciasalheias autnomas. uma relao social de produo quetoma forma de coisa, uma quase-fsis. um fetiche social,criado pela ao humana, mas que uma vez criado, adquireumaforma objetiva e autnoma , regido por leis prprias (cuja

    personificao sob a mundializao do capital representadaem nossos dias, pelo capital financeiro).

    Nesse caso, estamos tratando de um nvel de apreensomais geral (e mais elevado) da modernizao capitalista que

    permite discernir apenas o movimento de um nico sujeito- o capital em geral. A partir da podemos compreender ocerne ntimo do processo scio-histrico do capitalismomoderno, onde o movimento do capital, do valor quese auto-expande, em seu processo contraditrio, tende aincrementar um complexo de inovaes sociais, polticas,tecnolgicas e culturais.

    Por outro lado, num segundo momento de abstrao,mais concreto e no menos essencial (e que est contido- e contm- o primeiro momento, o do capital em geral), possvel apreender o movimento dos mltiplos capitais e

    tratar o processo de modernizao capitalista como resultadoscio-histrico da concorrncia intercapitalista e da luta

    de classes.

    A partir da, o que parecia ser - e - o movimento de umnico sujeito - o capital em geral- pode ser apreendidocomo o movimento de mltiplos capitais. O movimento docapital em processo aparece como um complexo societrioconstitudo, em seu ntimo, pormltiplas contradies entreos possuidores de capital, ou ainda (e principalmente) entreos capitalistas e os trabalhadores assalariados.

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    neste nvel de abstrao que se pem as mediaes poltico-institucionais - os modos de regulao - do pro-cesso de acumulao do capital, que surgem no decorrer do

    desenvolvimento capitalista (como constataram os tericosda Escola da Regulao) (Aglietta, 1979; Boyer, 1990; Li-

    pietz, 1987).

    a percepo da variabilidade scio-histrica dos mo-dos de regulao da acumulao capitalista que nos permiteconsiderar que presenciamos hoje, no perodo do capitalismo

    tardio em crise, a passagem para um novo regime de acumu-lao do capital e de modo de regulao social e poltico ondepredomina a denominada acumulao flexvel(na acepode Harvey), ou ainda, o perodo da mundializao do capitalque caracterizada por um novo regime de acumulao pre-dominantemente financeira (Chesnais, 1994).

    A passagem dofordismo para a acumulao flexvelimpli-

    ca em transformaes scio-polticas (e culturais) relevantesque atingem os vrios mecanismos de regulao social e

    poltica das mltiplas contradies que permeiam os possui-dores de capitale, principalmente, entre os capitalistas e ostrabalhadores assalariados. Deste modo tendem a ocorreralteraes importantes nos padres de concorrncia inter-capitalista e nas relaes entre capital e trabalho (Harvey,

    1992; Lipietz, 1992).

    No decorrer da nossa exposio, privilegiaremos a baseontolgica do processo de modernizao, abstraindo, po-deramos dizer assim, o complexo institucional, poltico ecultural que tendem a acelerar ou obstaculizar - a lgica docapital em processo, alm de constituir, de modo concreto, acomplexidade particular de cada sociedade capitalista.

    O que tentamos apresentar aqui, num primeiro momento. apenas um esboo da lei geraldo processo de moderni-

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    zao capitalista, que, sob as condies polticas da luta declasses sob a mundializao do capital (com o predomniodas estratgias neoliberais), tende a se manifestar em sua

    maior plenitude.

    1. Uma ruptura histrica?

    Muitos autores consideram que o complexo de inovaessociais, polticas, tecnolgicas e culturais que atingem ocapitalismo mundial a partir dos anos 70, as modificaes

    radicais em processos de trabalho, hbitos de consumo,configuraes geogrficas e geopolticas, poderes e prti-cas do Estado, etc inauguram um novo perodo histrico,denominado ps-fordista ou neofordista (Escola daRegulao), da especializao flexvel (Piore e Sabel), ouda sistemofatura (Kaplinsky), ou ainda da acumulaoflexvel (Harvey), mundializao do capital (Chesnais),

    ou da produo destrutiva (Mszros). Na verdade, existe uma polmica candente sobre se

    presenciamos uma ruptura ou no, se estamos diante detransformaes slidas ou reparo temporrio na configuraocapitalista. Ou como salienta Harvey,

    se essas mudanas assinalam o nascimento de um novoregime de acumulao capaz de conter as contradiesdo capitalismo durante a prxima gerao ou se marcamuma srie de reparos temporrios, constituindo assimum momento transicional de dolorosa crise na confi-gurao do capitalismo do final do sculo XX (Harvey,1992:177).

    Indo alm das unilateralidades precrias, possveldizer que, a partir da dcada de 80, tornou-se claro, pelo

    menos para alguns autores, o sentido de ruptura histrica,no interior do desenvolvimento capitalista. Entretanto, taldescontinuidade relativa no processo de desenvolvimento do

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    capital apenas repe, num patamar mais elevado, o processode modernizao capitalista. Ou seja, existe uma desconti-nuidade posta no interior de uma continuidade plena (ou

    utilizando a expresso dialtica de Ruy Fausto, a negaodo capitalismo no interior do capitalismo, como capitalismonegado) (Fausto, 1987: 286).

    Seria ocioso delimitar, a priori, o que pode nascer dadolorosa crise de desenvolvimento do capitalismo mundial,se iremos presenciar uma nova ordem paradigmtica, no

    caso do fordismo, ou se, ao invs disso, o processo da mun-dializao do capital ir constituir algo fludo, indefinido, ecatico, adequado desenvoltura complexa do capital em

    processo - o que parece ser o mais provvel .

    O que presenciamos, hoje, na terceira idade do ca-pitalismo (Fausto), uma notvel inflexo - no apenasquantitativa, mas qualitativa, no salto histrico ocorrido na

    histria humana com o surgimento efetivo (e durvel) doprocesso de produo do capital. Esta nova epocalidade docapitalismo mundial, da vigncia da acumulao flexvel, damundializaco do capitale daproduo destrutiva, impenovas determinaes reflexo sobre o ser social capitalista(nas esferas da economia, poltica e cultura). Exige um novoesforo do pensamento social crtico.

    O perodo histrico da mundializao do capital impea todos aqueles que procuram apreender o sentido profundodo processo de modernizao capitalista em nossos dias, aconstituio de uma nova sintaxe de cariz dialtico, dominada

    pela contradio. Mais do que nunca, a dialtica constitui anova maneira de dizer, que corresponde a um novo objeto.

    No caso, a plena posio do capitalismo enquanto modode produo que visa a valorizao do valor inclusive, e

    principalmente, sob a ofuscante forma do capital financeiro- e que assume uma dimenso global.

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    Apenas a linguagem dialtica capaz de apreendera lgica do capital, que desconhecida para a lgica doentendimento (Hegel), que permeia o discurso empiricista

    e positivista. E apenas ela a dialtica - pode apreender onovo campo de significaes do processo de ruptura histrica,que ocorre no interior do desenvolvimento capitalista, e que alvo de inmeras teorizaes nas cincias sociais de hoje,como salientamos logo acima.

    Sob a mundializao do capital ocorre um novo impulso

    do salto histrico da modernizao capitalista. precisocompreender que a idia de salto histrico processual, eno pontual, e vai alm de um sentido antropomrfico que

    possamos lhe dar (como quando me levanto da mesa e corroao telefone). Ou seja, um processo que dura anos, dcadas(ou at sculos), com vrios pulos para a frente, recadas,e assim por diante. O que ocorre, hoje, de um modo par-ticular, com a acumulao flexvel ou com o regime deacumulao predominantemente financeira, um impulsoqualitativamente novo intrinsecamente contraditrio - dodesenvolvimento do sistema do capital

    A modernizao capitalista um salto histrico de not-veis propores. Iniciada a partir do sculo XVI, com o ca-

    pitalismo comercial, desenvolveu-se a partir do sculo XIX,

    com o capitalismo industrial e aprofunda-se mais ainda, nolimiar do sculo XXI, com a mundializao do capital, coma penetrao do capital financeiro na sia e no Pacfico, e

    principalmente nos pases do ex-socialismo real. Assistimos,hoje, a constituio plena do mercado mundial, da vignciado capital, da lgica da mercadoria, tal como prefigurado porMarx e mais ainda, com sentido intrinsecamente destrutivo,

    que se impe a todos ns como uma quase-fsis.A conscincia social do novo impulso da modernizao

    capitalista evolui e constitui-se pouco a pouco, instigando

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    o mundo da poltica e da cultura. E, com a consolidao doprocesso numa escala mais ampla, novos problemas passam aserem (re)postos, sendo que o principal deles, oproblema da

    prxis humana, intrnseca prpria constituio da moder-nidadade no sculo XIX, assume importncia decisiva coma sensao do enrijecimento frreo do crculo do capital,trazida pela experincia ps-moderna.

    Vivemos, portanto, a experincia da condio ps-mo-derna (Harvey) que no deixa de ser a exacerbao doentia

    da prpria modernidade (e portanto, de seus paradoxos econtradies, contidos, por exemplo, na literatura clssicado sculo XIX). o que poderamos considerar hoje, com aacumulao flexvel, um novo patamar da denominada ofensi-va do capital, que atinge o mundo da economia, do trabalho,da cultura e da poltica, e portanto, os prprios fundamentosda sociabilidade humana, da vida cotidiana, de onde nascemos processos societrios modernos.

    Mais do que nunca, sob a mundializao do capital, osujeito do processo o capital - recria novos (e velhos)mundos, instaurando contradies e paradoxos, ou, numa

    perspectiva ontolgica, pondo em movimento sries causaiscujos resultados so estranhos, cada vez mais, para seusagentes sociais. A dimenso do estranhamento (e, do acaso)

    penetra na experincia da modernidade. E ofetichismo damercadoria tornado ofuscante pelo regime de acumulaomundializado predominantemente financeira - torna-se oni-

    presente.

    2. A experincia ps-moderna enquanto exacerbao do-

    entia da modernidade

    Em seu belo ensaio, Bermann caracteriza o que poderiaser considerado o cerne da modernidade - ou seja, o seu

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    carter diluidor. Segundo ele, a imagem clssica que coroao esprito da modernidade, utilizada por Marx no ManifestoComunista (de 1848) aquela que diz tudo que slido

    desmancha no ar.

    A modernidade caracterizada por Berman, com umasrie de metforas: algo esfumaante, diluidora, vvida,estimulante, que nada retm, a no ser o prprio processo. um mpeto fogoso, de intensidade ofuscante, a mudana

    permanente, a perptua sublevao e renovao de todos os

    modos de vida pessoal e social. Autodestruio inovadora,perptua mudana e progresso, incessante, irrestrito fluxo demercadorias em circulao... Estas so as marcantes imagensda modernidade, cuja irrupo no sculo XIX, na Europa (edepois, Amrica e hoje, sia), pode ser identificada com odesenvolvimento da denominada sociedade burguesa (oucapitalista).

    Esta perspectiva impressionista da modernidade (e damodernizao) encontra-se em vrios autores da gerao de1840, tais como Baudelaire, Flaubert, Wagner, Kierkegaard,Dostoievski, e penetra no decorrer do sculo XX, com seusmovimentos modernistas, de expresso esttica ou intelec-tual. Segundo Berman, a modernidade

    trata-se de uma unidade paradoxal, uma unidade da

    desunidade; ela nos arroja num redemoinho de perptuadesintegrao e renovao, de luta e contradio, deambigidade e angstia. Ser moderno ser parte de umuniverso em que, como disse Marx, tudo o que slidodesmancha no ar. (Berman, 1987: 110)

    Se o cerne da modernidade essa sensao avassaladorade fragmentao, efemeridade e mudana catica, o que

    presenciamos hoje, com as notveis transformaes scio-histricas no capitalismo do final do sculo XX, apenas amodernidade (e a modernizao) em sua plena efetivao. Ou

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    o que poderamos denominar de exacerbao da modernida-de. O que Harvey diria alta modernidade, outros poderiamdizer ps-modernidade.

    Ora, a plena posio do transitrio, do fugidio e do con-tingente, no interior da ampliao do complexo societrio

    produtor de mercadorias, que alcana hoje oglobo terrestre,com a penetrao incisiva da lgica do mercado nos balu-artes do ex-socialismo real - ex-URSS e China comunista, a expresso do que veio a ser denominado por alguns de

    ps-modernidade (com expresses particulares na culturae na poltica).

    como se, sob o impulso dafinanceirizao (ou do pre-domnio da formais mais ofuscanbte de capital o capitalfinanceiro) a modernidade exacerbada pudesse constituirum cenrio scio-cultural de negao da modernidade nointerior da modernidade negada. Ou como observa Harvey,

    o ps-modernismo no assinala seno uma extenso lgicado poder do mercado a toda a gama da produo cultural(Harvey, 1992:64). Ou como assinala Jameson, o ps-moder-nismo no seno a lgica cultural do capitalismo avanado(Jameson, 1985:53).

    No podemos deixar de considerar a particularidade ino-

    vadora de prticas estticas e culturais que emergiram nosanos 60 e que existem at hoje, mas o seu carter ps-mo-derno apenas identifica no uma exausto do modernismo,como crticos conservadores (ou liberais) poderiam assinalar,mas apenas exacerbao do modernismo, a plena posiode suas virtualidade negativas.

    3. Capitalismo financeiro e posio do sujeito capital

    to-somente nas condies da mundializao docapital (Chesnais), na poca da produo destrutiva

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    (Mszros), ou ainda no perodo de passagem para umanova modalidade de acumulao capitalista - acumulao

    flexvel(Harvey), que o insacivel movimento do capital em

    processo, o incessante movimento de ganho, incessantemovimento reduzido a crescimento quantitativo, assumeum carter plenamente inovador, dado pela constituio doscircuitos globais do dinheiro, que projeta, a nvel global,essa caa apaixonada do valor (Marx). sob tal condioscio-histrica, portanto, que podemos apreender o verda-deiro sentido da modernizao capitalista.

    O surgimento de um nico mercado mundial de dinheiroe de crdito parte intrnseca da plena posio do capitalenquanto sujeito da alta modernidade, ou da exacerbao damodernidade, com seus impactos decisivos nas esferas dacultura, da economia e da poltica.

    Alm disso, a constituio do mercado mundial de dinhei-

    ro e de crdito e da financeirizao dominante, principalmentea partir de meados da dcada de 70, est ligada, intrinseca-mente, a nova modalidade de acumulao capitalista, decarter flexvel, e prpria crise do fordismo. A cidadaniaglobal do capital tornou-se efetiva com o notvel desenvol-vimento do capital financeiro rumo internacionalizao dosmercados monetrios e financeiros (e da prpria supremacia

    do capital financeiro internacional) (Moffit, 1982).

    Surge, a partir de meados dos anos 70, um sistemafinanceiro global altamente integrado, coordenado pelastelecomunicaes instantneas, que instaura um mercadode aes global, um mercados futuros de mercadorias (e atde dvidas) globais. Mais do que nunca, propaga-se, de T-quio a Londres, de Nova York a So Paulo, os denominadosempreendimentos com papis, maneiras alternativas deobter lucros que no se restringe produo pura e simplesde mercadorias. Ou seja, lucros estritamente financeiros sem

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    dar importncia produo real:

    s no mercado mundial que o dinheiro funcionaplenamente como mercadoria, cuja forma natural , aomesmo tempo, forma diretamente social de realizaodo trabalho humano em abstrato. Seu modo de existirajusta-se ao seu conceito. (Marx, 1984: 119).

    A lgica do capital financeiro, voltado para a reproduohermafrodita da riqueza abstrata, atravs do mercado de di-nheiro sem Estado, cuja cifra atinge hoje cerca de US$ 30trilhes, assola, com sua fluidez e frenesi, o mundo capitalista,

    provocando instabilidade financeira e arruinando planos na-cionais de estabilizao, constituindo-se, portanto, numa dascaractersticas principais do capitalismo ps-moderno.

    Para alguns autores, como Eric Hobsbawn, possvelimpor controles aos fluxos globais de dinheiro em busca devalorizao:

    necessrio entender que a capacidade de controlar aeconomia internacional existe, ainda no foi perdida. Se-ria possvel controlar at mesmo os mercados financeirosglobais impondo impostos sobre transaes (Sculo dosextremos, Veja, 05.04.1995).

    Entretanto, para outros, como John Kenneth Galbraith,mecanismos de controle sobre a movimentao do dinheiro

    pelo mundo no surtiriam efeitos:No acredito que seja possvel regular o fluxo de capitalinternacional. Os bancos centrais nunca tiveram o poderque se atribua a ele. Com a globalizao e o crescimentodo volume de dinheiro que passou a transitar de um pasa outro, tornaram-se ainda mais vulnerveis. Os recursosdos bancos centrais so muito escassos se comparadoscom os movimentos internacionais de capitais. Por isso,

    qualquer tentativa de restringir esses movimentos deverser pouco eficaz.

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    E salienta:

    Trata-se da prpria natureza do capitalismo. O capita-lismo alterna momentos de pessimismo e otimismo. preciso aprender a lidar com isso. A instabilidade veiopara ficar. Vejo isso como uma caracterstica do sistema,contra a qual pouco podemos fazer (No h nada afazer,Exame, 29.03.1995).

    A maior autonomia do sistema bancrio e financeiro, ofortalecimento do capital financeiro, detonou os mecanismosde regulao do perodo fordista, tendo em vista que limita-

    ram o poder do Estado-nao, que buscam, hoje, no caso dosEstados capitalistas hegemnicos a Trade, na acepode Chesnais (Estados Unidos, Unio Europia e Japo),recuperar seus crescentes poderes de coordenao atravsdo poder de organismos internacionais, tais como o FMI (oFundo Monetrio Internacional) e Banco Mundial, longe docontrole democrtico, circunscrito nao-Estado.

    tal emergncia de um mercado de dinheiro sem Esta-do, ou seja, um sistema financeiro mundial que conseguiufugir de todo controle coletivo, mesmo nos Estados capita-listas avanos e poderosos, que pe, para ns, a percepo docapital enquanto sujeito da modernidade exacerbada (ou daps-modernidade). A fluidez, instabilidade e frenesi dos flu-xos do capital, para l e para c, acentua, mais ainda, o novo,o fugidio, o efmero e o contingente da vida moderna.

    4. A modernizao capitalista enquanto criao do sujei-

    to capital

    possvel, a partir de Marx detectar a vinculao intrn-seca do esprito moderno ou da condio ps-moderna -

    com um modo societrio particular - o complexo produtor demercadorias. Atravs das anlises de Marx possvel incidiruma nova luz sobre os segredos do novo tempo histrico.

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    Encontrar o que realmente est acontecendo, qual o prpriosentido de um drama e trauma histrico, inaugurado pela mo-derna sociedade burguesa, hoje em dimenso planetria. Isto

    , para apreendermos o sentido da reestruturao capitalistaque permeia o complexo mundial do capital, com impactosdecisivos nas esferas da economia, poltica e cultura, inte-ressante lanar a seguinte interrogao:

    O que est subjacente a este desesperado dinamismoda modernizao capitalista, que hoje ganha propores

    globais?De incio, por trs do andamento desesperado, deste ritmo

    frentico da modernidade exacerbada, haveria, segundo Ber-man (recuperando Marx), um agente social - a burguesia eum cenrio scio-histrico, o mercado mundial e a produocapitalista.

    Bermann observa que, para Marx, a burguesia teriavocao para a atividade, e para a perptua sublevao erenovao de todos os modos e vida pessoal e social (pelomenos, a burguesia clssica). Marx no est primordialmenteinteressado nas coisas criadas pela burguesia:

    O que lhe interessa so os processos, os poderes, asexpresses de vida humana e energia [...] O que o atrai

    so os processos ativos e generativos[...] (Berman,1987: 92)

    Observa Berman, citando o Manifesto de 1848 (de Marx),que a burguesia, tomada como um todo, no pode subsistirsem constantemente revolucionar os meios de produo.A intensa e incansvel presso no sentido de revolucionar a

    produo tende a extrapolar, impondo transformaes naquilo

    que Marx chama de condies de produo (ou relaesprodutivas), e, com elas, em todas as condies e relaessociais (Berman, 1987:94).

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    Esse esforo da burguesia est embutido no trabalho enas necessidades dirias da economia burguesa. O que nosconduz seguinte interrogao: o que leva (ou o que fora)

    a burguesia a inovar ?

    Berman diz que, na sintaxe de Marx, a burguesia sujeito - por fora de suas atividades econmicas respon-sveis pelas grandes mudanas - e os homens e mulheresmodernos, de todas as classes, so objetos, j que todos sevem transformados. Assim, a burguesia levada a inovar

    por ser...burguesia.A percepo de Bermann correta. Entretanto, pre-

    ciso salientar, no percurso da anlise, uma categoria que,na poca do Manifesto (de 1848), no estava desenvolvidaainda no discurso de Marx: o capitalenquanto sujeito damodernidade (pode-se dizer que, naquela poca, Marx notinha desenvolvido ainda, de modo sistemtico, uma teoria

    da produo do capital).

    A apreenso da quase-fsis do capital, como j salienta-mos, implica na constituio de uma nova sintaxe, baseada nalinguagem dialtica. O novo objeto que surge com a moder-nidade capitalista, instaura um novo sistema de significaesdesconhecido para a lgica do entendimento, empiricista e

    positivista.

    A partir da lgica do entendimento, que diz respeito dimenso contingente do real, o capital s apareceria comoobjeto tangvel (representando, por exemplo, pelas mquinasou pelo dinheiro). Entretanto, como j salientamos, o capital,na perspectiva dialtica, , antes de tudo, uma relao socialvoltada para a valorizao do valor. , portanto, antes de

    mais nada, uma forma scio-histrica.

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    - o sujeito capital

    O capital, como pressuposto no discurso de Marx (citadopor Berman), um modo de atividade humana, um processoativo e generativo vinculado ao principio de valorizao,uma relao social voltada para a valorizao do valor queaparece como um fetiche, uma coisa que se impe acada um de ns.

    Na sua obra intitulada O Capital Crtica da Economia

    Poltica (1864), Marx soube privilegiar tal apreenso onto-lgica do processo social da modernidade. possvel dizer,parafraseando Puchkin, que disse que oFausto[de Goethe] a Ilada da vida moderna, que O Capital[de Marx] aOdissea da modernidade.

    A prpria obra O Capital, em sua estrutura interna, cons-titui, como o prprio Marx destacou, um todo artstico,ein artistiche Ganzes, adequado exposio da verdadeiraodissia deste sujeito que domina o complexo societrioda modernidade.

    Em sua obra-prima, como salienta Kosik, Marx descrevea estrutura do mundo capitalista tal como o movimento realdo capital a cria (fixa as leis do seu movimento; analisa de

    per se as aparncias ou as formas (Gestalten) reais que osujeito cria no curso, ou ao fim do seu movimento; ofereceum quadro do prprio movimento no seu conjunto) (Kosik,1973: 164:166).

    - o sujeito capital enquanto objeto-movimento

    Se se diz que o capital sujeito, deve-se precisar que ele o que , enquanto movimento autnomo, um objeto-mo-vimento. O capital s aparece como sujeito se o visarmos emmovimento (mas s em movimento ele o que ). Ou mais

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    ainda: o sujeito no apenas movimento, mas movimentoreduzido ao crescimento quantitativo.

    Uma passagem de O Capital importante, para esclarecersobre o modo de ser do sujeito da modernidade:

    Na circulao D-M-D [...] mercadoria e dinheiro, fun-cionam apenas como modos diferentes de existncia doprprio valor, o dinheiro o seu modo geral, a mercado-ria o seu modo particular, por assim dizer camuflado,de existncia. Ele passa continuamente de uma forma

    para outra, sem perder-se nesse movimento, e assimse transforma num sujeito automtico [automatischesSubjekt]. Fixadas as formas particulares de apario,que o valor que se valoriza assume alternativamenteno ciclo de sua vida, ento se obtm as explicaes:capital dinheiro, capital mercadoria. De fato, porm,o valor se torna aqui o sujeito de um processo [Subjekteines Prozesses] em que ele, por meio de uma mudana

    constante das formas de dinheiro e mercadoria, modificaa sua prpria grandeza, enquanto mais-valia se repelede si mesmo enquanto valor original, se autovaloriza(Marx, 1984: 130).

    Esta citao parte da Seo II de O Capital, no captuloIV, intitulado Transformao do Dinheiro em Capital, ondeMarx expe a constituio plena do sujeito capital, um entede novo tipo que surge, ainda em germe, com o comrciomundial e mercado mundial (a partir do sculo XVI).

    Percebe-se que, o sujeito capital conservado, maisdo que isto, constitudo pela supresso constante de um

    predicado pelo outro. Ou seja, o capital a mercadoriasuprimida pelo dinheiro, o dinheiro suprimido em mer-cadoria...Portanto, o capital est nessa supresso constante,

    ininterrupta, ou na acepo de Ruy Fausto, poderamos dizerque o capital est no intervalo da negatividade entre a mer-cadoria e o dinheiro.

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    - objetividade ontolgica do sujeito capital

    Na verdade, mercadoria e dinheiro so apenas formas devalor, formas fetichistas do sujeito capital, que tendem aapresentar as relaes dos homens entre si como relaesentre coisas. Um dos segredos do capital em processo, des-velado por Marx, que ele - o capital - produto do trabalhoe dos homens. Mas, apesar disso, uma vez criado, o capital,cujo ponto de partida a circulao de mercadorias, torna-seuma forma objetiva e autnoma, regido por leis prprias, que

    tende a coagir e dominar homens e mulheres.

    a partir da que pode ocorrer o que Marx denominoudefetichismo da mercadoria, caracterstica bsica da socia-

    bilidade capitalista, carter social peculiar do trabalho queproduz mercadorias, onde uma relao entre pessoas inter-verte-se ou assume a forma fantasmagrica de uma relaoentre coisas (ou relaes entre coisas e pessoas):

    Assim como na religio o ser humano dominadopela obra de sua prpria cabea, assim, na produocapitalista, ele o pela obra de sua prpria mo (Marx,1984: 193).

    O complexo produtor de mercadorias possuiria como traoestrutural (e estruturante) de sua sociabilidade humana o

    que os clssicos denunciaram como sendo o estranhamento,a heteronomia intrnseca ao social sob as sociedadesmercantis complexas, a sensao ntima de uma realidadetranscendente, salientada por Lukcs, que imprimiria o sen-tido da prpria modernidade (Lukcs, 1978). Para Marx, omovimento social, sob o complexo produtor de mercadorias,tenderia a possuir, para homens e mulheres, a forma de ummovimento de coisas, sob cujo controle se encontram, em

    vez de control-las. O processo social, possuiria, portanto,uma objetividade transcendente inteno originria dosagentes sociais.

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    A objetividade do valor uma objetividade de carterontolgico prprio s formas sociais produtoras de mer-cadorias. O surgimento de relaes sociais entre pessoas,

    que apareceria na conscincia de seus agentes sociais comopotncias alheias autnomas (e objetivas) contrapostas aosprprios homens e mulheres, trabalhadores assalariados ecapitalistas, intrnseco prpria existncia do ser socialsob o sistema produtor de mercadorias.

    Como j salientamos, se as pessoas - capitalistas e traba-

    lhadores assalariados - aparecem apenas como personagenseconmicas na obra O Capital, representantes de merca-dorias, portadores de relaes econmicas das quais elasse defrontam, porque a trama da prpria obra de Marx imbuda do sentido profundo da modernidade. Ela reflete, nosentido objetivo, o trao essencial do nosso tempo.

    Entretanto, vale salientar, a exposio dialtica reflete

    apenas para poder desvelar (e negar), no plano da conscin-cia, o fetichismo da mercadoria, cuja expresso dada pelomovimento ininterrupto do sujeito capital. Na medida emque ressalta a objetividade do valor, a sua quase-fsis, a anlisedialtica re-lembra o seu carter histrico (e mistificador),decorrente das condies de produo do complexo produtorde mercadorias.

    A gnese e realizao do capital em processo decorrem,portanto, da ao dos homens e mulheres (o que, nos remete problemtica da praxis humano-crtica). E sua abolio, na

    perspectiva marxiana, seria produto histrico, da ao huma-na organizada, que iria contestar um modo de produo, onde,segundo Marx, o trabalhador existe para as necessidadesde valorizao de valores existentes, ao invs de a riquezaobjetiva existir para as necessidades de desenvolvimento dotrabalhador. (Marx 1984: 193).

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    O que merece ser ressaltado na observao de Marx mais a sua apreenso objetiva da sociabilidade capitalista emenos a inexorabilidade da supresso do modo de produo

    capitalista, decorrente de um processo histrico complexo,do prprio desenvolvimento da luta de classes. Mais do queum profeta da sociedade comunista, como os arautos liberais

    parecem querer reduzir o legado do autor de O Capital, omrito de Marx reside em sua anlise percuciente, e muitoatual, das leis gerais do modo de produo capitalista, da

    prpria odissia do capital em processo.

    - capitalistas e trabalhadores assalariados enquanto su-portes do capital

    Em vrias passagens de sua obra-prima, Marx pe o ca-pital - e no a burguesia, como o sujeito da modernizao. Ocapital, diz Marx, , com efeito, o sujeito (o capital sujeito

    que domina [bergreifendes Subjekt], sujeito automtico[automatisches Subjekt], sujeito de um processo [Subjekteines Prozesses].

    Na realidade, o discurso de O Capitaltem como objetocentral no o operrio e o capitalista (o que poderia ser dito, deum modo bastante geral, do discurso sobre a luta de classes)- mas o prprio capital.

    Trabalhadores assalariados e capitalistas, no discurso deO Capital(que possui um sentido mais ontolgico do que

    propriamente lgico), so suportes desse sujeito, e portan-to, seus predicados. Sendo mais rigoroso, poderamos dizerque, os predicados do sujeito capital - seus momentos- seriam o dinheiro e a mercadoria. Por serem suportes do

    dinheiro e das mercadorias - inclusive a fora de trabalho,os capitalistas e os trabalhadores assalariados so suportesdo capital (e, portanto seus predicados).

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    Ao capitalista, por exemplo, corresponde uma objetivi-dade, mas ele, tal como o trabalhador assalariado, no temobjetividade. a objetividade (enquanto capital) que o tem.

    Poderamos dizer que, a subjetividade existe agora noobjeto (expresso ontolgica do processo de estranhamentointrnseco prpria sociabilidade do capital). o que salientaMarx (nos Grundrisse):

    No conceito de capital est posto que as condiesobjetivas do trabalho - e estas so o prprio produto dotrabalho - adquirem umapersonalidade diante do tra-

    balho, ou, ainda, o que a mesma coisa, que elas sejampostas como propriedade estranha ao trabalhador. Noconceito de capital, est contido o capitalista (Marx, K.ApudFausto, Ruy 1987:43).

    O texto de Marx no significa que a personalidade seja ado capitalista. A personalidade a do capital, encarnada nocapitalista (Fausto, 1987:43).

    Portanto, para Marx, capitalista e o trabalhador assala-riado, surgem, nesse caso, como expresso do indivduo

    subjetivo, postos numa relao contingente, de uma maneirapuramente no-objetiva, subjetiva, livre. Mas, tal liberda-de percebida como estranhamento, posto que capitalistase trabalhadores assalariados so indivduos de classe (naacepo de Marx).

    Na obraA Ideologia Alem(1847), Marx salienta, aindanuma percepo rudimentar do processo de produo dosujeito capital (o escrito de 1845), o que o indivduode classe. O indivduo de classe, para ele, seria produtoda burguesia, a classe dominante de um perodo histricocaracterizada pela contingncia das condies de vida para

    o indivduo:Esta contingncia apenas engendrada e desenvolvidapela concorrncia e pela luta dos indivduos entre si.

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    Assim, na imaginao, os indivduos parecem ser maislivres sob a dominao da burguesia do que antes, por-que suas condies de vida parecem acidentais; mas, na

    realidade no so livres, pois esto mais submetidos aopoder das coisas (Marx, 1987:120).

    O poder das coisas que submeteria os indivduos declasse, tanto capitalistas, quanto proletrios, poderia sertraduzido porcapital.

    - A diferenciao lgica (e ontolgica) entre forma e mat-

    ria

    At o momento, procuramos apresentar uma compreensodo sujeito capital no nvel da forma, ou seja, procuramosconceber o capital como o valor que se valoriza a si mesmo,cujo movimento no apenas movimento, mas crescimentoquantitativo. A partir da, possvel apreender atravs da

    sintaxe dialtica, portanto, uma particularidade do processosocietrio capitalista - a diferena entreforma e matria, umadas significaes que permite perceber a descontinuidadeentre o capitalismo e as formas societrias anteriores. Taldiferenciao lgica (e ontolgica) pode nos ajudar a pensaras transformaes do capitalismo tardio em crise.

    Sob o capitalismo, poderamos dizer que a prpriaformasocial(o capital) se repe enquanto forma no nvel mate-rial. A forma social, que apresentamos como sendo o fluxoininterrupto do capital, enquanto valor que se valoriza a simesmo, se imprime no processo material. Deste modo, a

    forma materialdo capital se apresentar tambm como ummovimento constante, ocorrendo a instaurao da revoluotcnica permanente.

    Pode-se dizer que o sistema em que a forma econmica seautonomiza tambm aquele em que a base material mais

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    radicalmente derivada. Por isso, no capitalismo, se a formaeconmica tem um mximo de autonomia, a base material a mais determinada pela forma econmica, portanto pela

    forma social.

    Por exemplo, o que recobre a subordinao material quefaz do trabalhador um apndice diante da forma material docapital a subordinao formal, que no plano da forma jfazia dele um suporte. Ou ainda, por ser o capital como

    forma no apenas movimento incessante, mas movimento

    incessante em expanso, que leva a forma material do capitala se apresentar tambm como um movimento incessante.

    deste modo que poderamos explicar, a partir da dimen-so do capital em geral, o incessante turbilho de inovaessociais, polticas, tecnolgicas, econmicas e culturais queatinge o capitalismo tardio em crise. Na perspectiva dialtica,elas traduzem a impregnao da matria pela forma que

    caracteriza o sistema capitalista. Assim, ao invs de explicaro processo societrio capitalista pelo desenvolvimento datcnica, o correto seria, explica-lo pelo desenvolvimento docapital como forma, da relao social subjacente materia-lidade do capital.

    A explicao tecnicista tende a incorporar, em seu

    bojo, no nvel do discurso do entendimento, algo como umfetichismo do capital. Como diria Ruy Fausto, o fetichismo, de certo modo, o mundo encantado no interior do mundo

    desencantado (Fausto, 1987:55). Ela - a explicao tecnicista,seria to-somente a traduo da forma mais desenvolvida defetichismo, desta impregnao da matria pela forma.

    Como j salientamos, apenas a sintaxe dialtica permite

    pensar uma significao social que se tornou sujeito, quese comporta como se fosse um objeto animado (no caso,o capital). uma quase-fsis.

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    Na modernidade capitalista, o natural artificializado, maso social ganha a forma natural at se apresentar como umaquase-vida (o Sujeito). O fetichismo faz dessa quase-natureza

    uma natureza; ela passa a ser a projeo da quase-fsis nafsis(ela mesma artificializada) (Fausto, 1987: 62).

    5 . A normalidade catica do sujeito capital e seus im-

    pactos sobre as esferas da economia, poltica e cultura

    A autodestruio inovadora do capital, decorrente do im-pulso absoluto de enriquecimento, que se incrementa, hoje,com a passagem para uma nova modalidade de acumulaocapitalista - a acumulao flexvel, revoluciona no apenasos meios de produo, mas os meios de reproduo sociais.Ocasionam crises recorrentes, provenientes da contradiointrnseca prpria atividade do capital, que, pem, a cadamomento problemas de desenvolvimento para o capital (e,

    principalmente, para seus suportes : capitalistas e traba-lhadores assalariados).

    O que presenciamos em nossos dias, portanto, so verda-deiros (e grandiosos) desafios histricos, intrnsecos lgicascio-histrica do capital em processo, que Marx traduziu,de modo epigramtico, na expressoHic Rhodus, hic salta!

    utilizada por ele no apenas em O Capital, mas no 18 Bru-mrio(esta expresso de uma fbula de Esopo em que umfanfarro sustenta ter dado um salto prodigioso em Rhodes,uma das maravilhas arquitetnicas do mundo antigo. A elese replicou, ento: Aqui est Rhodes, agora salta.) (Marx,1983:138; 1986:21).

    Por revolucionar constantemente, e derrubar todos os

    obstculos que freiam o desenvolvimento das foras pro-dutivas, a ampliao das necessidades, a multiplicao da

    produo, o capital em processo um constante desafio

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    para o movimento do trabalho assalariado, que procura darrespostas tais desafios histricos, postas pelo processo deacumulao do capital.

    - O movimento dos trabalhadores assalariados enquantocomplexo scio-histrico reativo posio do sujeitocapital

    possvel salientar, que, o movimento dos trabalhadoresassalariados, sob uma perspectiva ontolgica, originou-se

    como um complexo scio-histrico reativo posio do ca-pital em processo, que tende a revolucionar constantementeas condies sociais (vale dizer que, o prprio movimentoincessante do capital, sua quase-fsis, possui como compo-nente intrnseco, a luta de classes).

    Em sua pequena obra Salrio, Preo e Lucro (1864),

    Marx, por exemplo, observa o carterreativo do movimentodos trabalhadores assalariados, em sua dimenso espontnea(cujo maior exemplo dado pela luta pela elevao dossalrios). Deste modo, a luta por salrios, que pertence dimenso da classe em si, que um dos traos originrios domovimento dos trabalhadores assalariados, intrnsecos aosindical (desde a instaurao do regime de trabalho assalaria-do), constitui apenas, segundo Marx, a reao dos operrios

    contra a ao anterior do capital (Marx, 1987:77).

    A cada movimento do capital corresponde, ou deve cor-responder, uma resposta dos trabalhadores assalariados,que aparece, para os agentes sociais, como uma resistncia(ou luta) social, de carter contingente. Portanto, podemos

    dizer que o movimento do trabalho uma necessidade in-terna do sistema capitalista, que, no entanto, aparece, paraos trabalhadores assalariados (e capitalistas), sob a forma

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    da contingncia (cujo campo prtico dado pelo processohistrico).

    Trabalhadores assalariados e capitalistas, em seus movi-mentos histricos, permanecem, enquanto tais, presos s leisimanentes do capital e, deste modo, em seus movimentosespontneos, traduzidos, por uma complexo de mediaes

    polticas e culturais, aparecem para eles, como leis coercitivasou produtos do acaso (e da liberdade).

    O plano da concorrncia (e da luta de classes), serve ape-nas para tornar claro os limites coercitivos que aparecem, emltima instncia, enquanto condies externas, que o prprioMarx salientou como circunstncias legadas e transmitidas

    pelo passado que determinam a ao humana. a clebrecitao do 18 Brumrio:

    Os homens fazem sua prpria histria, mas no a fazemcomo querem; no a fazem sob circunstncias de suaescolha e sim sob aquelas com que se defrontam dire-tamente, legadas e transmitidas pelo passado (Marx,1986:17).

    Podemos dizer que o movimento do trabalho, em suadimenso espontnea (e no nvel da classe em si) imanente constituio (e desenvolvimento) do sujeito capital.

    E, por outro lado, ele prprio (o movimento do trabalho),atravs do processo da luta de classes, ergue obstculos (oulimites postos como barreiras) sanha implacvel do capi-tal, que tende a reduzir toda a classe operria a degradaosocial.

    Entretanto, preciso observar o seguinte: o movimento

    do trabalho ergue apenas barreiras [Schranke], mas noconsegue, enquanto permanecer em sua dimenso espon-tnea, instaurarlimites [Grenze], ou erguer barreiras postoscomo limites (tendo em vista que ele prprio - o movimento

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    do trabalho, em si, um dos limites imanentes do sistemacapitalista, uma de suas determinaes essenciais e fun-damentais).

    Como j salientamos, a prpria via de desenvolvimentodo sistema do capital tende a conduzir sua corrupo, ouao seu colapso, no sentido processual, onde os limites in-ternos do capital, inclusive, e principalmente, o movimentodo trabalho (que, em si, ergue, tambm, barreiras para ocapital), e o prprio desenvolvimento das foras produtivas,

    instigado pela concorrncia e luta de classes, se transformamem barreiras, intrnsecas a si mesmo, que ele no pode maisultrapassar (surge a crise estrutural do sisteam do capital).Como observa Ruy Fausto, as barreiras do capital, pelo me-nos as que provocariam a crise final do sistema, no existemdesde o incio como limitao (seno para ns, e mesmo parans como latentes) elas emergem do seu desenvolvimentointerno. (Fausto, 1987:78-79).

    A idia de crise do capitalno possui um sentido catastro-fista, de uma grande tempestade, de ruptura revolucionriaiminente da ordem burguesa, como veio a ser interpretado porcorrentes do marxismo. Ela possui um sentido processual,de mdia ou longa durao, marcada, inclusive, por perodosde retomada do crescimento capitalista e de expanso, mais

    ainda, do capital.

    O que tende a predominar, agora sob uma escala planet-ria, so as dificuldades de valorizao do valor, num cenriode irracionalidade societria, de barbrie social e cultural.Penetra-se-se numa era de trevas, marcada pela perptuadesintegrao-integrao societria global. O cenrio mun-dial impe um novo patamar de excluses scio-histricas,

    posto que o mercado no para todos.

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    Ao invs de anormalidades (ou patologias) sociais, operodo histrico de crise do capital que na dimenso dosmltiplos capitais aparece como crise de superproduo -

    apenas o novo cenrio do capitalismo tardio em crise, damundializao do capital, da turbulncia global (Brenner),que sucede os anos dourados do capitalismo do ps-guerra,e cuja maior caracterstica dada pela normalidade catica,onde o sujeito capital em processo cria (e destri) novosmundos, postos como condio de seu prprio desenvolvi-mento efetivo.

    - O sujeito capital enquanto criador dos mundos ( e do

    movimento) do trabalho

    Berman observa que o desesperado dinamismo da(des)ordem do capital, a ininterrupta perturbao, intermi-nvel incerteza e agitao, em vez de subverter essa socie-dade, resultam, de fato, no seu fortalecimento. Ou seja, para

    o capital, a desintegrao trabalha como fora mobilizadorae, portanto, integradora.

    Entretanto, ela integradora, na medida em que destri ereconstri os mundos (e o movimento) do trabalho. A integra-o do capital em processo decorre, portanto, da desintegra-o perptua e fluda, que atinge o complexo societrio.

    Um dos traos marcantes do movimento do capital suain-sistncia em negar o trabalho (vale dizer, em sua dimensoconcreta). O capital cria, destri e recria, de modo contnuo,os mundos do trabalho.

    Mas, apesar desta fluidez perturbadora atingir apenas adimenso concreta do trabalho, ela teria, segundo alguns

    autores, impactos decisivos na prpria sociedade do trabalho,ocorrendo, inclusive, a aparncia necessria de sua dissolu-o (Gorz, 1987; Habermas, 1974; Offe, 1990).

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    Pode-se dizer que, sob a perspectiva dialtica, o trabalhoe a criao de valor, nas condies da mundializao docapital, com o incremento da terceira revoluo cientfico-

    tecnolgica, com a instaurao da sociedade informtica(na acepo de Schaff) tende a ser suprimido, mas noanulado pelo capital em processo (Schaff, 1983).

    Portanto, ao invs de dizermos que a categoria do trabalhono possui mais uma centralidade ontolgica no ser social, ou

    perdeu a sua significao central na alta modernidade, com

    o avano da esfera de servio e da automao, a perspectivadialtica permite-nos ir alm deste mau infinito (Hegel),que pressupe que o capital tende a ultrapassar, continua-mente, os limites postos como barreiras. Ora, numa sintaxedialtica, possvel dizer que o capital em processo, tende aultrapassar apenas idealmente [ideel] o seu plo antagnico,o trabalho produtivo, criador de valor, mas no se segue deforma alguma que ele o venceu realmente [real], tendo emvista que sua produo se move em contradies (ou comodiria Marx, [o capital] a contradio viva), que so cons-tantemente vencidas, mas igualmente constantemente postas.Ao contrrio do que pensam muitos autores, a categoria dotrabalho, portanto, continua mantendo a sua significaocentral sob a terceira idade do capitalismo.

    Apenas a sintaxe dialtica poderia apreender, atravsdo conceito do ideal [ideel], aquilo que suprimido[aufgehoben], mas no anulado. Assim, a supresso dotrabalho criador de valor, salientado por vrios autores (en-tre eles, Kurz) precisa ser compreendido como uma forma

    particular da negao ou do negar, onde o capital, , na pers-pectiva dialtica, o infinito que operou a primeira negao

    do finito - no caso, o trabalho criador de valor (negao que justamente ideal e no real) e na qual por isso mesmo ofinito deve emergir de novo. E o finito que emerge , numadimenso concreta, os novos mundos do trabalho, os ml-

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    tiplos tipos de trabalhos assalariados, cuja auto-expanso constatada, inclusive, por autores que denunciaram a perdada centralidade ontolgica do trabalho nas sociedades capita-

    listas avanadas (o prprio Offe, por exemplo, que salienta aperda da centralidade do trabalho em nossos dias obrigadoa reconhecer que uma parcela maior da populao participado trabalho assalariado ) (Offe, 1989:12).

    Mas, o carter inovador, de autodestruio criativa do ca-pital, atinge, principalmente, o nvel dopara-si do movimento

    do trabalho. Berman percebeu tal paradoxo do desenvolvi-mento do capital, quando observou que, se nada resiste aofluxo dialtico da valorizao em processo, se, como disseMarx, tudo que slido desmancha no ar,

    por que razo as formas comunitrias produzidas pelaindstria capitalista seriam mais slidas do que qualqueroutro produto capitalista? (Berman, 1987:102).

    Isto , o capital, em sua perptua sublevao e renovaode todos os modos de vida social e pessoal, tenderia a tornartemporrios, provisrios e condenar obsolescncia, comotudo o mais, os mundos do trabalho (tal como o conhecemoshoje). Inclusive, em 1856, Marx se referiu aos operrios daindstria, como homens-fruto de uma moda passageira [...],nada mais que uma inveno dos tempos modernos, como o

    prprio maquinrio. (Marx e Engels, s/d :299).

    Berman observa que no apenas a base material da inds-tria estaria condenada obsolescncia, mas a solidariedade,um dos atributo constitutivo dos mundos do trabalho clssico,

    poderiam mostrar-se to transitria quanto as mquinas ope-rados pelos operrios e os produtos que da resultam. A crise

    do movimento operrio tradicional, portanto, seria expressodo prprio desenvolvimento do capital enquanto sujeito damodernizao exacerbada:

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    Os trabalhadores podem dar-se mtuo apoio, hoje, naassemblia ou na linha de piquete, para se verem dis-persados amanh, em meio a outras coletividades, sob

    outras condies, outros processos e produtos, outrasnecessidades e interesses (Berman, 1987: 102).

    Deste modo, teramos a perpetuao da forma social, dascategorias de capital, trabalho assalariado, mercadorias, ex-

    plorao, valor, enquanto sua base material e seus contedoshumanos, segundo Berman, se viriam arremesados numfluxo perptuo (Berman, 1987: 102).

    A idia de estranhamento um dos importantes aspectosdo desvelamento da modernizao elaborado por Marx. Umade suas descobertas cientficas que o sujeito capital tendea debilitar, a longo prazo, o trabalho assalariado, atingindo aclasse-que-vive-do-trabalho (Antunes, 1993). Aprofunda,de modo real, o que est posto, desde o incio, como forma - asubsuno do trabalho assalariado ao capital. E no apenasimpe o estranhamento como condio ontolgica da classedos trabalhadores assalariados, mas tende a desenvolver a

    prpria negao do trabalho no interior da vigncia do capital,criando, deste modo, um novo patamar de estranhamento

    para milhes de desempregados, excludos da sociabilidadedo trabalho, e desvinculados das promessas da modernidade,numa poca de ps-modernidade.

    Portanto, o capital em processo se configura, em si, comoofensiva contra o trabalho assalariado, debilitando seu mo-vimento social, desintegrando-o e colocando novos desafios

    para os mundos do trabalho.

    Na verdade, aofensiva do capital sobre o trabalho assa-lariado intrnseca seu movimento, pois como observouMarx em seus vrios escritos (dos Manuscritos Econmico-

    Filosficos, de1844, O Capital, de1867), um apenas a

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    negao do outro, onde o sujeito capital aparece enquantotrabalho morto. Ou ainda, a supresso do trabalho vivono anula a centralidade ontolgica da categoria trabalho,

    isto , a centralidade da significao trabalho, posto queo que tende a emergir, de novo, apenas o sujeito capitalenquanto trabalho morto. Nesse caso, o trabalho, surge,com a emergncia do sujeito capital, apenas como pres-suposto negado.

    tal percepo do problema da alta modernidade que se

    desenvolve na era da mundializao do capital que torna-noscapaz de reconhecer o sentido das inovaes capitalistas nolimiar do sculo XXI. Ao invs da denncia da incapacidadede categorias oriundas de O Capitalexplicarem o mundodo capitalismo tardio em crise, o importante constatar tal

    paradoxo da modernidade, expresso na viso diluidora (oudialtica) de Marx, que captou o sentido ontolgico do nossotempo, atravs do movimento do sujeito que o constitui,o capital.

    6. Modernizao capitalista e luta de classes para alm

    do sculo XX

    Temos tratado do processo de reestruturao capitalistasob a mundializao do capital na perspectiva do capital em

    geral(o que nos dispensou de concebermos a crise estruturaldo capital que decorre a partir dos anos 70 como sendo umacrise de superproduo). Ao tratarmos do capital enquantosujeito da modernizao capitalista, permanecemos numelevado nvel de abstrao. A partir deste plano analtico,o sujeito capital surge como o ente histrico, fetiche derelaes social voltadas para a valorizao do valor, que pe-

    netra no cerne da sociabilidade humana. uma quase-fsis,produto das prprias relaes humanas estranhadas.

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    Se nos aproximarmos do processo scio-histrico, reale concreto, com a percepo das mltiplas determinaes(e no plano da concorrncia e da contingncia, com seus

    mltiplos capitais), iremos observar a crise estrutural docapital no apenas como processo incessante de constitui-o e reconstituio da modernidade pelo sujeito capital,mas, principalmente, como crise estrutural de superprodu-o, desvelando as intensas contradies da realizao (ereproduo) do sistema do capital. Alm disso, a partir donvel dos mltiplos capitais, iremos ver que o movimento

    do capital caracterizado por um fluxo (e contra-fluxo) deconflitos sociais, de lutas de classes e de fraes de classe,com avanos e recuos, onde o acaso possui sua eficciareal, e a dialtica entre liberdade e necessidade impe sualegalidade ontolgica.

    Por isso, ao invs do movimento do sujeito capitalnegar a luta de classes, pelo contrrio, ele a contm, en-quanto pressuposto de algo que, para os homens e mulheresque lutam contra a explorao (e o estranhamento) postosna ordem do capital, no pode ser esquecido: o capital, o

    princpio de valorizao produto histrico, resultado daatividade estranhada dos homens, e no algo natural,apesar de constituir uma segunda natureza, uma quase-fsis(e, portanto, possuir, hoje, mais do que nunca, uma aparncia

    de naturalidade).

    Como observou Lukcs, o homem um ser que d res-postas (ApudHolz, Kofler e Abendroth, 1969:132). Ou, sobcertas circunstncias, os homens e mulheres so levados darem respostas, sob pena de irem runa. Mas as respostashumanas ocorrem no interior de um sistema desumano,

    onde o homem permanece apenas pressuposto e cujo su-jeito capital ainda domina. Por isso o perodo histrico dedomnio avassalador do capital adquiriu, para Marx o carterde pr-histria humana, tendo em vista que nesse percurso

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    humano, o homem mantm-se ainda subordinado produo (do valor).

    A luta de classes ocorre como necessidade do sistema,mantendo-se, sob diversas formas, no interior dele; partedele, constituindo, portanto, a prpria contraditoriedadenecessria do processo da pr-histria. Mas, por ser partedo prprio nexo contraditrio do sistema do capital, a lutade classes pressupe a possibilidade objetiva da prpria su-

    perao do sistema do capital. Ou seja, ela seria a chave da

    histria que projetaria o homem para alm de sua pr-his-tria (Marx diria que a luta de classes conduziria a ditadurado proletariado).

    Em sua poca, Marx apreendeu o processo social capita-lista como constitudo por classes em si, que, sobre o campode mediaes polticas, atingem o para-si e tendem a buscara negao da negao. Ou seja, ir alm da ordem do capital

    (o que numa leitura mais rigorosa, poderia identificar umterceiro movimento para alm do para-si, que seria, a rigor,a supresso plena da ordem do capital) (Mszros, 1987).

    S que o desenvolvimento da conscincia de classe de-monstrou ser um percurso complexo, cujas mediaes scio-

    polticas tendem a tornarem-se problemticas, principalmente

    com o avanar da socializao capitalista, do fetichismoda mercadoria. Tal processo societrio, que caracteriza associedades industriais tendeu a ser salientado pela Escolade Frankfurt, principalmente Adorno e Horkheimer, que oapreenderam como sendo o avano da razo instrumental(Adorno e Horkheimer, 1985).

    Nos pases capitalistas centrais, sociedades burguesas

    mais desenvolvidas, o movimento operrio, no decorrer dosculo XX, demonstrou manter-se, no limite, no interior dalgica do capital, com suas instituies, partidos e sindicatos,

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    apenas adaptando-se ordem societria vigente, e pressio-nando para obter melhorias no padro de vida no interior dassociedades capitalistas. Nessa perspectiva, mantiveram-se

    enquanto parceiros antagnicos do capital em processo,pressionando-o (ou na linguagem de Marx, colocando merosobstculos que no chegaram a constituir-se limites) para quea explorao capitalista no alcanasse nveis brbaros.

    Em ltima instncia, contriburam para que o capital seautorenovasse, seja em padres tecnolgicos e societrios,

    criando-se novos modos de regulao, capazes de efetivar,no estgio scio-histrico alcanado, condies para a acu-mulao do capital (Aglietta, 1979; Boyer, 1990; Lipietz,1987).

    Alm disso, as experincias de ruptura com a ordem docapital no sculo XX (ou mais precisamente, com o capitalis-mo, mas no com o capital), que ocorreu, de modo clssico,

    na URSS, China e Cuba, por exemplo, demonstraram seuslimites scio-histricos, no conseguiram ir alm de merasexperincias anti-capitalistas, sem romper, portanto, com algica da mercadoria (e da de toda a velha porcaria, comodiria Marx) (Marx, 1987; Mszros, 1987). Com o turbilhodo avano do capital, a partir das da crise do capital nos anos70, tais experincias de socialismo real renderam-se, de

    vez, lgica do mercado. curioso que Berman, em 1982,numa observao visionria, disse (sobre os pases do socia-lismo real): O que poder impedir que as foras sociais quederretem o capitalismo derretam igualmente o comunismo?(Berman, 1987:102).

    claro que, o mrito da anlise sobre a experincia his-trica do socialismo real (que no pode ser identificado, sequisermos ser rigorosos, com o socialismo (e o comunismo)almejados por Marx), advm, principalmente, do seu carter

    post-festum.

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    Na verdade, os homens e mulheres que lutaram (e morre-ram) pela constituio de uma nova sociabilidade, de cartersocialista, tinham, no seu horizonte teleolgico, a certeza de

    que poderia serpossvel, naquelas condies scio-histricasparticulares, ir alm do meramente existente, de construiruma sociedade mais justa, ou ainda, construir o socialismo(ou at o comunismo). Mas o processo histrico do curtosculo XX demonstrou,post festum, ter sido isto umafalsaconscincia.

    Como Marx observou no 18 Brumrio, as classes (e osvrias fraes de classe) se apropriam, em sua prxis poltica,de representaes (e imagens), que, apesar de poderem ser

    falsas (ou no verdadeiras), possuem uma eficcia ontolgicaconsidervel. o que Gramsci, por exemplo, denominou dehistoricamente subjetivo (Gramsci, 1984: 170). Ou ainda,o que o ltimo Lukcs tratou-a como ideologia, no sentidoontolgico(Lukcs, 1981).

    O desenvolvimento da luta de classes e as mltiplasdeterminaes postas pelo mercado mundial, que limitaramqualquer transformao radical de um s pas rumo ruptu-ra com o capital, levaram, com os acasos (e contingnciashistricas) que se acumularam, melanclica desintegraoda experincia socialista na URSS e renncia flagrante

    da Repblica Popular da China lgica do mercado, quese impe, sob condies bem especficas, claro. O sculoXX presenciou, deste modo, um debacle histrico com asexperincias das sociedades soviticas, ocorridas numapoca de plena posio do capital enquanto sujeito e de crisede crescimento do capitalismo tardio.

    A crise do capitalismo tardio, que atinge os pases in-dustriais a partir da dcada de 70, pode ser caracterizadamenos como uma crise de estagnao, como salienta Barane Sweezy, e mais como uma crise de crescimento do su-

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    jeito capital. Um crescimento destrutivo, se poderamosdizer assim (para o gnero humano e no para o sujeitocapital). A crise do capital eleva suas contradies e pa-

    radoxos ensima potncia, o que demonstra a crescenteincompatibilidade scio-histrica entre o desenvolvimentodo sujeito capital e o desenvolvimento dognero humano (Baran e Sweezy, 1972)

    Nesse caso, os mltiplos vetores scio-histricos, muitosdeles apontados em direes contrrias, tais como o mo-

    vimento do trabalho, a institucionalizao da poltica (nosentido representativo), a consolidao cultural de valoresmercantis, que integram a cultura de massa, nos conduziram,no decorrer do sculo XX, apenas numa direo - moder-nizao planetria, sob os auspcios do capital.

    Apenas sob tais condies scio-histricas, de ofensivado capital, de quase capitulao do movimento do trabalho

    almejar algo para alm do capital (mesmo no sentido derepresentao ideolgica), possvel constituir uma leiturada histria passada como sendo a verdadeira odissia docapital enquanto sujeito da modernizao exacerbada.

    possvel, nesse caso, apreender uma leitura ontolgica doprocesso scio-histrico como constitudo pelo movimentodo capital em processo.

    7. Perspectivas para uma atividade crtico-revolucionria

    sob a mundializao do capital.

    Apesar das empresas transnacionais passarem a ocuparo espao societrio mundial desde a dcada de 50, apenasa partir da dcada de 60, com a crise do capitalismo tardio,

    e o incremento da concorrncia intercapitalista no mercadomundial, que emerge uma nova configurao do capitalplanetrio.

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    O surgimento de novos plos de hegemonia capitalista,tais como Europa Ocidental e Japo contestam a hegemoniados EUA no cenrio capitalista internacional. O agravamento

    da concorrncia intercapitalista, o surgimento do mercadodo eurodlar, o dbacle dosAcordos de Bretton Woods e aconstante instabilidade cambial (e financeira) constituramum complexo de causas (e efeitos) da crise do capital, dosuposto desajuste global, que , apenas o novo ajuste dosistema destrutivo do capital (Tavares e Fiori, 1993).

    Pode-se dizer que apesar da idia do capital como umprocesso societrio moderno que constitue (e constitudo)pelo mercado mundial pertencer ao sculo XIX (como assi-nala o Manifesto Comunista de 1848), apenas a partir dosculo XX, ou mais precisamente, no ps-guerra, ou ainda,a partir da crise do capitalismo tardio, da mundializao docapital, que ela ganha dimenso efetiva.

    o novo paradoxo da modernidade exacerbada que surgesob a mundializao do capital: o valor em movimento sur-ge plenamente como sujeito apenas a partir da exacerbaode seu fetiche ofuscante, isto , o capital financeiro.

    Sob a mundializao do capital estamos no incio de um processo societrio do capital que tender a alavancar (e

    aprofundar) ainda mais, rumo ao sculo XXI, o princpio devalorizao por regies mais amplas do mundo, sia, Chinae ex-pases socialistas.

    dessa realidade maior, signo do nosso tempo, quedecorre a inevitabilidade da reestruturao produtiva em

    pases integrados economia global, como o caso do Bra-sil. A reestruturao produtiva surge como condio para o

    capital elevar-se sua nova condio de cidado do mundo,rompendo as amarras que o prendiam. Nisso decorre umaofensiva sobre o trabalho e sobre as instituies do Estado

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    nacional. o que denominamos de ofensiva do capital denovo tipo, de carter planetrio (cuja expresso poltica soas estratgias neoliberais).

    Nessas condies, o movimento do trabalho (e da polticade classe, de cariz revolucionrio) tende a encontrar ainda

    profundos limites de eficcia histrica, que nos levam a dizerque, o sujeito histrico clssico, preso lgica do espao-tempo nacional, tal como o movimento operrio tradicional,est em crise estrutural.

    Na verdade, o movimento operrio clssico, que nasceu nosculo XIX, apenas habita uma dimenso scio-histrica queo curto sculo XX, j demonstrou ser incapaz de projet-lo

    para alm da ordem do capital.

    Uma das dimenses cruciais da crise da sociedade dotrabalho dada pela contradio candente entre o movimento

    do capital desterritorializado e o movimento do trabalhoassalariado ainda territorializado. Com o processo de glo-

    balizao, se desenvolve o novo e surpreendenteprocessode desterritorializao:

    Formam-se estruturas de poder econmico, poltico,social e cultural internacionais, mundiais ou globaisdescentradas, sem qualquer localizao ntida neste

    ou naquele lugar, regio ou nao. Esto presentes emmuitos lugares, naes, continentes, parecendo flutuarpor sobre Estados e fronteiras, lnguas, grupos e classes,movimentos sociais e partidos polticos (Ianni, 1992:93)

    A crise do movimento operrio hoje , portanto, uma crisede carter estrutural, que exige uma soluo estratgica e ar-

    ticulada no plano mundial (e no apenas ttica - e defensiva),sob pena de levar runa o movimento do trabalho. A colo-cao de obstculos efetivos lgica do capital s se tornaeficaz, cada vez mais, quando posta no nvel supranacional

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    (o que equivale, por outro lado, a recuperar, num primeiromomento, a capacidade de regulao dos Estados-nao).

    J salientamos que Marx, principalmente em sua pequenaobraSalrio, Preo e Lucro, destacou que o movimento dotrabalho segue o movimento do capital e pe obstculos sanha avassaladora do princpio de valorizao. Na pers-

    pectiva marxiana clssica, tal processo de luta de classes preparatrio para a plena emancipao dos trabalhadores.

    Mas, a luta poltica dos trabalhadores torna-se eficaz por-que possui um ponto de apoio - oEstado-nao, que garante,num determinado territrio, leis e normas, capazes de limitaro movimento do capital, impondo obstculos efetivos (algo,

    portanto, como um ponto de Arquimedes).

    Em nossos dias, o movimento do capital, numa dimensoregional (e global) no encontra ainda obstculos efetivos,

    pelo menos de sua contra-parte antagnica, o trabalho orga-nizado. A lacuna de um Estado mundial, ou de um campo

    poltico de articulao mundial, um novo internacionalismodo trabalho organizado, capaz de legislar sob a nova tem-

    poralidade e espacialidade do capital em processo, pe parao movimento operrio, que almeja uma insero global,situaes quixotescas.

    Torna-se, inclusive, uma necessidade do trabalho orga-nizado buscar, mais do que nunca, a constituio de um tipode regulao poltico-institucional, de carter supranacional,

    principalmente sob o controle democrtico, capaz de probstculos lgica do capital avassalador. o que reconheceHabermas quando, impressionado com a globalizao demercados de capitais que afeta as condies de produo

    (exclama ele: as condies de produo perderam seucarter nacional), prope o fortalecimento das instituies

    polticas supranacionais. Segundo Habermas, elas devem

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    ser fortalecidas em sua capacidade de ao e abertas a uma programao democrtica (A Histria Negativa,Folhade So Paulo, 30.04.1995).

    Mas, ser que o processo de vacuidade poltica no novoespao-tempo do capital, decorrente apenas de umapoca de transio ? Ser que, mais tade, iro surgir, emdecorrncia do prprio desenvolvimento scio-histrico, umnovo ordenamento mundial (ou regional) das aglomeraeshumanas, onde, mesmo no interior do sistema do capital, o

    trabalho organizado possa alcanar o papel de cidado domundo ? Inclusive, para o capital, o surgimento de um com-plexo de coordenao institucional, algo como um Estadomundial, pode tornar-se uma necessidade diante das novascontradies postas pelo complexo produtor de mercadoriasmundializado. Entretanto, do interesse do capital que taisagncias de controle supranacionais no estejam sob o con-trole de uma programao democrtica.

    claro que, os avanos (ou recuos) do processo societriodo capital dependente da luta de classes, onde, precisa serressaltado, o acaso (e as contingncias) possuem uma di-menso insuprimivel. Acasos (e contingncias), inclusive, denatureza geolgica, ecolgica - ou cosmolgica, que, no atualestgio de desenvolvimento humano sob o globo terrestre,

    precisa ser considerado.

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    O Que a Mundializao do Capital

    2O Que a Mundializao

    do Capital

    Onovo perodo de desenvolvimento do capitalismo mun-dial, que surge a partir da dcada de 1980 pode sercaracterizada como sendo a da mundializao do capital(uma denominao mais precisa para o fenmeno da glo-

    balizao). Na verdade, estamos diante de um novo regimede acumulao capitalista, um novo patamar do processo de

    internacionalizao do capital, com caractersticas prpriase particulares se comparada com etapas anteriores do de-senvolvimento capitalismo. Esse novo perodo capitalista sedesenvolve no bojo de uma profunda crise de superproduo(Brenner, 1999) e caracterizado por outros autores comosendo marcado pela produo destrutiva (Mszros, 1997)ou ainda pela acumulao flexvel (Harvey, 1993).

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    Trabalho e Mundializao do Capital

    a partir das anlises tericas de Chesnais, autor do livroMundializao do Capital (1994), e mais recentemente, dolivro Mundializao Finanaceira (1999), que iremos tentar

    apresentar o verdadeiro sentido da nova etapa do desenvolvi-mento do capitalismo mundial para a partir da, apreendermosseus impactos sobre o mundo do trabalho. Faremos uma pe-quena sntese de suas idias sobre a mundializao do capital,incorporando algumas sugestes tericas de Robert Brenner,Istvn Mszros e David Harvey, que complementam, comvigor analtico, as idias de Chesnais sobre a nova etapa de

    desenvolvimento capitalista e a crise do sistema do capitalno limiar do sculo XXI.

    Uma srie de indicadores macroeconmico da dcada de90 apontam que a economia mundial ainda mantm-se nointerior do que Mszros salientou como sendo um continuumdepresso (uma longa depresso permeada por momentosde desacelarao, recesso e crescimento no-sustentadodas economias capitalistas). a partir da que Chesnais irconcluir que estamos diante de um novo regime mundialde acumulao do capital, que alterou, de modo especfico,o funcionamento do capitalismo. Ele ir denominar a novaetapa do capitalismo mundial, na falta de uma denominaomelhor, de regime de acumulao predominantemente finan-ceira, que caracteriza a mundializao do capital. Ela ,

    segundo ele, algo mais ou mesmo outra coisa do que umasimples fase a mais no processo de internacionalizao docapital iniciado h mais de um sculo (Chesnais, 1997).

    Quais os traos marcantes da macroeconomia do capita-lismo mundial na dcada de 90 que, segundo Chesnais, ca-racterizam o novo regime de acumulao predominantemente

    financeira, denominado de mundializao do capital?

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    O Que a Mundializao do Capital

    1. Taxas de crescimento do PIB muito baixas,inclusive em pases (como o Japo) que desem-

    penharam tradicionalmente o papel de locomo-

    tiva junto ao resto da economia mundial.

    2. Deflao rastejante.

    3. Conjuntura mundial extremamente instvel,marcada por constantes sobressaltos monetriose financeiros.

    4. Alto nvel de desemprego estrutural

    5. Marginalizao de regies inteiras em relaoao sistema de trocas

    6. Concorrncia internacional cada vez maisintensa, geradora de srios conflitos comerciaisentre as grandes potncias da Trade (EstadosUnidos, Europa Ocidental e Japo).

    A economia capitalista mundial o sistema do capital parece manter-se no interior de um perodo de depresso delonga durao, da qual, segundo Chesnais, somente podersair mediante choques externos economia, no sentidoestrito da palavra (o autor no esclarece que choques ex-ternos economia poderiam ser esses, mas supem-se ser,

    por exemplo, guerras)

    A caracterstica predominante do novo regime mundialde acumulao capitalista ser rentista e parasitrio, isto ,est, de modo crescente, subordinado s necessidades pr-

    prias das novas formas de centralizao do capital-dinheiro,em particular os fundos mtuos de investimento (mutualinvestments funds) e os fundos de penso (as caractersticasrentistas dizem respeito tambm ao capital produtivo):

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    Trabalho e Mundializao do Capital

    Os mecanismos endgenos do capitalismo, em particular nospases centrais do sistema, tendem a ter por alvo menos a acumu-lao sob a forma de investimentos geradores de nova capacidade

    do que a salvao/manuteno das posies adquiridas (cuja posio financeira rentista constitui a expresso mais acabada)(Chesnais, 1995:1)

    O poder, se no a prpria existncia, desta massa de capi-tal-dinheiro sustentado pelas instituies financeiras inter-nacionais, tais como FMI e Banco Mundial, e pelos Estadosmais poderosos do planeta a qualquer que seja o custo.

    1. Origens polticas (e estruturais) da mundializao do

    capital

    A mundializao do capital , antes de tudo, decorrentede determinaes polticas. essencial levarmos em consi-derao, ao mesmo tempo, o poltico e o econmico, para

    que possamos compreender a sua verdadeira natureza. Naverdade, uma acumulao predominantemente rentista,reflete mudanas qualitativas nas relaes de fora polticaentre o capital e o trabalho, assim como entre o capital e o

    Estado, em sua forma de Estado de Bem-Estar.

    O marco histrico da mundializao do capital a reces-

    so de 1974 - 1975, o incio desta longa crise rastejante. Apartir da, o capital procurou, de todas as formas, romper asamarras das relaes sociais, leis e regulamentaes dentrodas quais se achava possvel prend-lo com a iluso de poderciviliz-lo. O capital teve xito, apesar de modo bastantedesigual, conforme cada pas.

    O que contribuiu para a ofensiva do capital a partir dos

    anos 70 foi:

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    O Que a Mundializao do Capital

    1. A fora intrnseca do capital adquirida graas longa fase de acumulao dos trinta anosgloriosos.

    2. As novas tecnologias que as corporaestransnacionais, perseguidas pela concorrnciados grupos japoneses, souberam utilizar paraseus prprios fins, principalmente com o intuitode modificar suas relaes com os trabalhadoresassalariados e as organizaes sindicais.

    3. Um apoio fundamental por parte dos prpriosEstados capitalistas, sob a forma das polticas deliberalizao, desregulamentao e privatizao(as polticas neoliberais).

    Portanto, o que se conclui que:

    - no plano da subjetividade poltica, os trinta

    anos gloriosos (o perodo fordista) tendeu acontribuir para a iluso social-democrata de queera possvel domar o capital no mbito dosmodos de regulao nacionais. A nova ofensivado capital na produo e na poltica, a partir dacrise capitalista nos anos 70, ir contribuir paraderrubar a iluso social-democrata clssica.

    - no plano da objetividade imanente do de-senvolvimento da acumulao capitalista, ostrinta anos gloriosos contriburam para orobustecimento do capital industrial e financeirodecorrente do longo perodo de crescimentocapitalista, no bojo do qual se desenvolveramas novas tecnologias vinculadas III RevoluoTecnolgica ( e no apenas isso, mas principal-mente o mercado financeiro).

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    Trabalho e Mundializao do Capital

    s atrves da revoluo conservadora, das polticasneoliberais, de liberalizao, desregulamentao e de priva-tizao, com o triunfo do mercado, que o xito do capital

    seria completo. Foi a vitria de Margaret Thatcher, no ReinoUnido, e Ronald Reagan, nos EUA, que deram uma dimensohistrico-concreta derrocada da iluso social-democrata e a

    posio plena de robustez do capital industrial e financeiro,adquirida na idade de ouro do capitalismo mundial.

    Ocorre, a partir da, mudanas qualitativas nas relaes

    de fora poltica entre o capital e o trabalho, assim comoentre o capital e o Estado, em sua forma de Estado de Bem-Estar. D-se uma nova e precisa - orientao ao processode internacionalizao capitalista, com o capital voltando ater liberdade para se desenvolver e, principalmente, para semovimentar em mbito internacional de um pas ou conti-nente para outro liberdade que no desfrutava desde 1914: o capital no teria podido alcanar seus objetivos semo sucesso da revoluo conservadora do final da dcada de1970 (Chesnais, 1997:24)

    a partir da que a ideologia da globalizao subja-cente s polticas neoliberais - posta como a nova orientaocapitalista, considerada como sada para a crise de 1974-1975.Ao mesmo tempo, se desenvolve a ideologia do progresso

    tcnico, que cultua as novas tecnologias que sero utilizadaspelas corporaes transnacionais, atravs do novo complexode reestruturao produtiva, para modificar suas relaes comos trabalhadores e as organizaes sindicais.

    Portanto, o complexo de reestruturao produtiva e, prin-cipalmente, as polticas neoliberais, que se desenvolvem a

    partir dos anos 80, possuam como objetivo claro destruiras organizaes sindicais, ou melhor, todas as instituies erelaes sociais que colocavam obstculos lgica da valo-rizao do capital, instauradas a partir do primeiro mandato

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    O Que a Mundializao do Capital

    de F. Roosevelt nos Estados Unidos e da vitria sobre onazismo, na Europa Ocidental:

    Essas instituies e essas relaes frearam a liberdade deao do capital, garantindo aos assalariados elementosde defesa contra seus empregadores e, graas ao plenoemprego, uma assistncia social para a grande maioriada populao em, pelo menos, trs plos dos pasesindustrializados. (Chesnais, 1997:24)

    na virada da dcada de 70 para 80, no bojo da ofen-

    siva do capital na produo (o complexo de reestruturaoprodutiva) e da ofensiva do capital na poltica (a poltica e aideologia neoliberal) que se d o ponto de partida para amundializao do capital.

    De certo modo, os dirigentes polticos e sindicais deesquerda da Europa Ocidental (e nos EUA) sociais-demo-

    cratas e comunistas - contriburam para o avano dos neo-conservadores, por terem contido e moderado o potencialverdadeiramente democrtico, e, por isso, anti-capitalista, dosgrandes movimentos sociais operrios e estudantis quedemarcaram a dcada de 1968-1978 na Europa, assim comonos Estados Unidos. (Chesnais, 1997:24). Na verdade, coubeaos neoconservadores explorarem, em benefcio prprio, orefluxo dos movimentos sociais na virada da dcada de 70

    para 80. Mais uma vez, imprescindvel perceber, na anlisede Chesnais, a articulao complexa entre o econmico eo poltico para, a partir da, apreendermos a constituiodo novo regime mundial de acumulao denominado mun-dializao do capital:

    O triunfo atual do mercado no teria sido possvelsem as intervenes polticas repetidas de instncias

    polticas dos Estados capitalistas mais poderosos (emprimeiro lugar os membros do G7). Por meio de umaarticulao estreita entre o poltico e o econmico

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    que as condies para a emergncia dos mecanismose das configuraes dominantes desse regime foramcriadas.(Chesnais, 1997:23-24)

    2. A Mundializao das operaes industriais e financei-

    ras do Capital

    O que denominado mundializao do capital ca-racterizada no pela mundializao das trocas - a troca demercadorias e servios que nos anos 80 e 90 tiveram umcrescimento bastante lento, inferior quele dos anos 60 e 74,mas pela mundializao das operaes do capital, em suaforma industrial ou financeira (na verdade, o que cresceu nosanos 80 e 90 foram os investimentos diretos e os rendimen-tos de capital, sem mencionar os investimentos deportfliorealizados no mercado financeiro).

    Portanto, so tais operaes mundializadas do capital

    capital industrial e capital financeiro - que so constituio verdadeiro contedo da denominada globalizao oumelhor, mundializao do capital:

    Avalia-se que as empresas transnacionais (comomatrizes, filiais ou demandantes em contratos de sub-contratao transfronteiras) respondem pordois terosdo intercmbio internacional de bens e servios.Aproximadamente 40% do comrcio mundial pertence categoria intragrupo (Chesnais, 1995:4)

    A globalizao tendeu a alterar os fatores geradores deinterdependncia entre as economias nacionais. Por exemplo,nos anos 90, perceptvel a importncia dos investimentosexternos diretos ( IED) mais do que as trocas. O IED, aocontrrio das trocas, tende a moldar as estruturas que predo-

    minam na produo e no intercmbio de bens e servios. Decerto modo, a importncia do IED e sua peculiar naturezaque corroboram para a disseminao de um padro mun-

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    dial de inovaes produtivas (o que poderamos denominartoyotismo), capazes de dar um molde comum estruturade produo (e de intercmbio) do capital em vrios lugares

    do mundo capitalista.

    A disseminao do IED tende a ser acompanhado pela glo-balizao das instituies bancrias e financeiras, cujo efeito facilitar as fuses e aquisies transnacionais. O capital ban-crio e financeiro transnacionais acompanha e impulsiona

    as operaes do capital industrial transnacional..

    Alm do crescimento dos IED, a interdependncia entreas economias nacionais ocorre nos anos 90 a partir do (1)crescimento contnuo dos fluxos de trocas intrafirmas, (2)da disseminao de novas modalidades para acordos inter-empresas quanto transferencia internacional de tecnolo-gias (indo alm da concesso de franquias e do comrciode patentes), o que implica a possibilidade das empresas e

    de alguns pases capitalistas terem novos acessos a novosconhecimentos e s tecnologias-chave e (3) o surgimentode novos tipos de empresas multinacionais com formas or-ganizacionais tipo rede.

    Portanto, a globalizao ou a mundializao docapital - antes de tudo, a globalizao do capital e no

    a mera globalizao das trocas. O que implica em noreduzir a nova etapa de internacionalizao capitalista a umamera continuidade da ocidentalizao do mundo iniciada nosculo XV.

    Em seus primrdios, a internacionalizao capitalistasurge como globalizao das trocas, do mero intercmbiode mercadorias, impostas pelo Ocidente ao Oriente. a

    constituio de um mercado mundialque muitos confundemcom a globalizao propriamente dita. A globalizaoou, para ser mais preciso, a mundializao do capital, vai

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    caracter