laudato si’: um "guia" (pt)

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SALA DE IMPRENSA DA SANTA SÉ EMBARGO até às 12 horas (10 U.T.C.) de 18 de Junho de 2015 Laudato si’: um “guia” Este texto oferece um instrumento de suporte para uma primeira leitura da Encíclica, ajudando a compreender o seu desenrolar na totalidade e a identificar as linhas principais. As primeiras duas páginas apresentam a Laudato si’ na sua globalidade; depois, cada página corresponde a um capítulo, indica seu objetivo e reproduz alguns trechos significativos. Os números entre parêntesis remetem aos parágrafos da Encíclica. Um olhar por inteiro «Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer(160). Este interrogativo é o âmago da Laudato si’, a esperada Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum. Que prossegue: «Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária», e isso conduz a interrogar-se sobre o sentido da existência e sobre os valores que estão na base da vida social: « Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra?»: « Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo,diz o Pontífice não creio que as nossas preocupações ecológicas possam surtir efeitos importantes». O nome da Encíclica foi inspirado na invocação de São Francisco «Louvado sejas, meu Senhor», que no Cântico das criaturas recorda que a terra, a nossa casa comum, « se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços» (1). Nós mesmos «somos terra (cfr Gen 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar e a sua água vivifica-nos e restaura-nos» (2). Agora, esta terra maltratada e saqueada se lamenta e os seus gemidos se unem aos de todos os abandonados do mundo. O Papa Francisco convida a ouvi-los, exortando todos e cada um – indivíduos, famílias, coletividades locais, nações e comunidade internacional – a uma «conversão ecológica», segundo a expressão de São João Paulo II, isto é, a «mudar de rumo», assumindo a beleza e a responsabilidade de um compromisso para o «cuidado da casa comum». Ao mesmo tempo, o Papa Francisco reconhece que se nota « uma crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza, e cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso planeta. » (19), legitimando um olhar de esperança que permeia toda a Encíclica e envia a todos uma mensagem clara e repleta de esperança: « A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum. » (13); «o ser humano ainda é capaz de intervir de forma positiva » (58); «nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se » (205). O Papa Francisco se dirige certamente aos fiéis católicos, retomando as palavras de São João Paulo II: « os cristãos, em particular, advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em relação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé » (64), mas se propõe « especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum » (3): o diálogo percorre todo o texto, e no cap. 5 se torna o instrumento para enfrentar e resolver os problemas. Desde o início, o Papa Francisco recorda que também «outras Igrejas e Comunidades cristãs – bem como noutras religiões – se tem desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão

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  • SALA DE IMPRENSA DA SANTA S

    EMBARGO at s 12 horas (10 U.T.C.)

    de 18 de Junho de 2015

    Laudato si: um guia

    Este texto oferece um instrumento de suporte para uma primeira leitura da Encclica, ajudando a compreender o seu desenrolar na totalidade e a identificar as linhas principais. As primeiras duas pginas apresentam a Laudato si na sua globalidade; depois, cada pgina corresponde a um captulo, indica seu objetivo e reproduz alguns trechos significativos. Os nmeros entre parntesis remetem aos pargrafos da Encclica. Um olhar por inteiro Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, s crianas que esto a crescer? (160). Este interrogativo o mago da Laudato si, a esperada Encclica do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum. Que prossegue: Esta pergunta no toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque no se pode pr a questo de forma fragmentria, e isso conduz a interrogar-se sobre o sentido da existncia e sobre os valores que esto na base da vida social: Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de ns esta terra?: Se no pulsa nelas esta pergunta de fundo, diz o Pontfice no creio que as nossas preocupaes ecolgicas possam surtir efeitos importantes. O nome da Encclica foi inspirado na invocao de So Francisco Louvado sejas, meu Senhor, que no Cntico das criaturas recorda que a terra, a nossa casa comum, se pode comparar ora a uma irm, com quem partilhamos a existncia, ora a uma boa me, que nos acolhe nos seus braos (1). Ns mesmos somos terra (cfr Gen 2,7). O nosso corpo constitudo pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar e a sua gua vivifica-nos e restaura-nos (2). Agora, esta terra maltratada e saqueada se lamenta e os seus gemidos se unem aos de todos os abandonados do mundo. O Papa Francisco convida a ouvi-los, exortando todos e cada um indivduos, famlias, coletividades locais, naes e comunidade internacional a uma converso ecolgica, segundo a expresso de So Joo Paulo II, isto , a mudar de rumo, assumindo a beleza e a responsabilidade de um compromisso para o cuidado da casa comum. Ao mesmo tempo, o Papa Francisco reconhece que se nota uma crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza, e cresce uma sincera e sentida preocupao pelo que est a acontecer ao nosso planeta. (19), legitimando um olhar de esperana que permeia toda a Encclica e envia a todos uma mensagem clara e repleta de esperana: A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construo da nossa casa comum. (13); o ser humano ainda capaz de intervir de forma positiva (58); nem tudo est perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradao, podem tambm superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se (205). O Papa Francisco se dirige certamente aos fiis catlicos, retomando as palavras de So Joo Paulo II: os cristos, em particular, advertem que a sua tarefa no seio da criao e os seus deveres em relao natureza e ao Criador fazem parte da sua f (64), mas se prope especialmente entrar em dilogo com todos acerca da nossa casa comum (3): o dilogo percorre todo o texto, e no cap. 5 se torna o instrumento para enfrentar e resolver os problemas. Desde o incio, o Papa Francisco recorda que tambm outras Igrejas e Comunidades crists bem como noutras religies se tem desenvolvido uma profunda preocupao e uma reflexo

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    valiosa sobre o tema da ecologia (7). Ou melhor, assume explicitamente sua contribuio a partir do que foi dito pelo amado Patriarca Ecumnico Bartolomeu (7), amplamente citado nos nn. 89. Em vrios trechos, o Pontfice agradece aos protagonistas deste esforo seja indivduos, seja associaes ou instituies , reconhecendo que a reflexo de inmeros cientistas, filsofos, telogos e organizaes sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre estas questes (7) e convida todos a reconhecer a riqueza que as religies possam oferecer para uma ecologia integral e o pleno desenvolvimento do gnero humano (62). O itinerrio da Encclica traado no n. 15 e se desenvolve em seis captulos. Passa-se de uma anlise da situao a partir das melhores aquisies cientficas hoje disponveis (cap. 1), ao confronto com a Bblia e a tradio judaico-crist (cap. 2), identificando a raiz dos problemas (cap. 3) na tecnocracia e num excessivo fechamento autorreferencial do ser humano. A proposta da Encclica (cap. 4) a de uma ecologia integral, que inclua claramente as dimenses humanas e sociais (137), indissoluvelmente ligadas com a questo ambiental. Nesta perspectiva, o Papa Francisco prope (cap. 5) empreender em todos os nveis da vida social, econmica e poltica um dilogo honesto, que estruture processos de deciso transparentes, e recorda (cap. 6) que nenhum projeto pode ser eficaz se no for animado por uma conscincia formada e responsvel, sugerindo ideias para crescer nesta direo em nvel educativo, espiritual, eclesial, poltico e teolgico. O texto se conclui com duas oraes, uma oferecida partilha com todos os que acreditam num Deus Criador Omnipotente (246), e outra proposta aos que professam a f em Jesus Cristo, ritmada pelo refro Laudato si, com o qual a Encclica se abre e se conclui. O texto atravessado por alguns eixos temticos, analisados por uma variedade de perspectivas diferentes, que lhe conferem uma forte unidade: a relao ntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convico de que tudo est estreitamente interligado no mundo, a crtica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor prprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da poltica internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida (16).

    Primeiro Captulo O que est a acontecer nossa casa O captulo apresenta as mais recentes aquisies cientficas em matria ambiental como modo de ouvir o grito da criao, transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao mundo e, assim, reconhecer a contribuio que cada um lhe pode dar (19). Enfrentam-se assim vrios aspectos da actual crise ecolgica (15). As mudanas climticas: As mudanas climticas so um problema global com graves implicaes ambientais, sociais, econmicas, distributivas e polticas, constituindo actualmente um dos principais desafios para a humanidade (25). Se o clima um bem comum, um bem de todos e para todos (23), o impacto mais pesado da sua alterao recai sobre os mais pobres, mas muitos daqueles que detm mais recursos e poder econmico ou poltico parecem concentrar-se sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas (26): a falta de reaces diante destes dramas dos nossos irmos e irms um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil (25). A questo da gua: O Pontfice afirma claramente que o acesso gua potvel e segura um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivncia das pessoas e, portanto, condio para o exerccio dos outros direitos humanos . Privar os pobres do acesso gua significa negar-lhes o direito vida radicado na sua dignidade inalienvel (30). A preservao da biodiversidade: Anualmente, desaparecem milhares de espcies vegetais e animais que j no poderemos conhecer mais, que os nossos filhos no podero ver, perdidas para sempre (33). No so somente eventuais recursos explorveis, mas tm um valor em si mesmos. Nesta perspectiva, so louvveis e, s vezes, admirveis os esforos de

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    cientistas e tcnicos que procuram dar soluo aos problemas criados pelo ser humano , mas a interveno humana, quando se coloca a servio da finana e do consumismo, faz com que esta terra ondevivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta (34). A dvida ecolgica: no mbito de uma tica das relaes internacionais, a Encclica indica que existe uma verdadeira dvida ecolgica (51), sobretudo do Norte em relao ao Sul do mundo. Diante das mudanas climticas, existem responsabilidades diversificadas (52), e as dos pases desenvolvidos so maiores. Consciente das profundas divergncias quanto a essas problemticas, o Papa Francisco se mostra profundamente impressionado com a fraqueza das reaces diante dos dramas de tantas pessoas e populaes. Embora no faltem exemplos positivos (58), sinaliza um certo torpor e uma alegre irresponsabilidade (59). Faltam uma cultura adequada (53) e a disponibilidade em mudar estilos de vida, produo e consumo (59), enquanto urgente criar um sistema normativo [...] que inclua limites inviolveis e assegure a proteco dos ecossistemas (53).

    Segundo captulo O Evangelho da criao Para enfrentar as problemticas ilustradas no captulo precedente, o Papa Francisco rel as narraes da Bblia, oferece uma viso global oriunda da tradio judaico-crist e articula a tremenda responsabilidade (90) do ser humano diante da criao, o elo ntimo entre todas as criaturas e o fato de que o meio ambiente um bem colectivo, patrimnio de toda a humanidade e responsabilidade de todos (95). Na Bblia, o Deus que liberta e salva o mesmo que criou o universo. [...] nEle se conjugam o carinho e a fora (73). A narrao da criao central para refletir sobre a relao entre o ser humano e as outras criaturas e sobre como o pecado rompe o equilbrio de toda a criao no seu conjunto: Essas narraes sugerem que a existncia humana se baseia sobre trs relaes fundamentais intimamente ligadas: as relaes com Deus, com o prximo e com a terra. Segundo a Bblia, essas trs relaes vitais romperam-se no s exteriormente, mas tambm dentro de ns. Esta ruptura o pecado (66). Por isso, mesmo que ns cristos, algumas vezes interpretmos de forma incorrecta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do facto de ser criados imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domnio absoluto sobre as outras criaturas (67). Ao ser humano cabe a responsabilidade de cultivar e guardar o jardim do mundo (cfr Gen 2,15) (67), sabendo que o fim ltimo das restantes criaturas no somos ns. Mas todas avanam, juntamente connosco e atravs de ns, para a meta comum, que Deus (83). Que o ser humano no seja o dono do universo, no significa igualar todos os seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar que o caracteriza; tambm no requer uma divinizao da terra, que nos privaria da nossa vocao de colaborar com ela e proteger a sua fragilidade (90). Nesta perspectiva, todo o encarniamento contra qualquer criatura contrrio dignidade humana (92), mas no pode ser autntico um sentimento de unio ntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo no houver no corao ternura, compaixo e preocupao pelos seres humanos (91). Necessita-se da conscincia de uma comunho universal: criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laos invisveis e formamos uma espcie de famlia universal, []que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde (89). O corao da revelao crist conclui o Captulo: Jesus terreno com a sua relao to concreta e amorosa com o mundo ressuscitado e glorioso, est presente em toda a criao com o seu domnio universal (100).

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    Terceiro captulo A raiz humana da crise ecolgica Este captulo apresenta uma anlise da situao atual, de modo a individuar no apenas os seus sintomas, mas tambm as causas mais profundas (15), em um dilogo com a filosofia e as cincias humanas. Um primeiro fulcro do captulo so as reflexes sobre a tecnologia: reconhecida, com gratido, a sua contribuio para o melhoramento das condies de vida (102-103); todavia ela oferece queles que detm o conhecimento e sobretudo o poder econmico para o desfrutar, um domnio impressionante sobre o conjunto do gnero humano e do mundo inteiro (104). So precisamente as lgicas de domnio tecnocrtico que levam a destruir a natureza e explorar as pessoas e as populaes mais vulnerveis. O paradigma tecnocrtico tende a exercer o seu domnio tambm sobre a economia e a poltica (109), impedindo reconhecer que o mercado, por si mesmo[...] no garante o desenvolvimento humano integral nem a incluso social (109). Na raiz se diagnostica na poca moderna um excesso de antropocentrismo (116): o ser humano no reconhece mais sua correta posio em relao ao mundo e assume uma posio autorreferencial, centrada exclusivamente em si mesmo e no prprio poder. Deriva ento uma lgica do descartvel que justifica todo tipo de descarte, ambiental ou humano que seja, que trata o outro e a natureza como um simples objeto e conduz a uma mirade de formas de dominao. a lgica que leva a explorar as crianas, a abandonar os idosos, a reduzir os outros escravido, a superestimar a capacidade do mercado de se autorregular, a praticar o trfico de seres humanos, o comrcio de peles de animais em risco de extino e de diamantes ensanguentados. a mesma lgica de muitas mfias, dos traficantes de rgos, do trfico de drogas e do descarte de crianas porque no correspondem ao desejo de seus pais. (123) Nesta luz, a encclica aborda duas questes cruciais para o mundo de hoje. Antes de tudo, o trabalho: Em qualquer abordagem de ecologia integral que no exclua o ser humano, indispensvel incluir o valor do trabalho (124), bem como renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata um pssimo negcio para a sociedade (128). A segunda diz respeito aos limites do progresso cientfico, com clara referncia aos OGM (132-136), que so uma questo de carcter complexo (135). Embora nalgumas regies, a sua utilizao ter produzido um crescimento econmico que contribuiu para resolver determinados problemas, h dificuldades importantes que no devem ser minimizadas (134), a partir da concentrao de terras produtivas nas mos de poucos (134). O Papa Francisco pensa em particular nos pequenos produtores e trabalhadores rurais, na biodiversidade, na rede de ecossistemas. , portanto, preciso assegurar um debate cientfico e social que seja responsvel e amplo, capaz de considerar toda a informao disponvel e chamar as coisas pelo seu nome a partir de linhas de pesquisa autnomas e interdisciplinares que possam trazer nova luz (135).

    Quarto captulo Uma ecologia integral

    O corao da proposta da Encclica a ecologia integral como novo paradigma de justia; uma ecologia que integre o lugar especfico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relaes com a realidade que o circunda (15). De fato, isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de ns ou como uma mera moldura da nossa vida (139). Isto vale, por mais que vivemos em diferentes campos: na economia e na poltica, nas diversas culturas, em particular modo nas mais ameaadas, e at mesmo em cada momento da nossa vida cotidiana. A perspectiva integral pe em jogo tambm uma ecologia das instituies: Se tudo est relacionado, tambm o estado de sade das instituies de uma sociedade tem consequncias no ambiente e na qualidade de vida humana: toda a leso da solidariedade e da amizade cvica provoca danos ambientais (142).

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    Com muitos exemplos concretos, o Papa Francisco reafirma o seu pensamento: h uma ligao entre questes ambientais e questes sociais e humanas que nunca pode ser rompida. Assim, a anlise dos problemas ambientais inseparvel da anlise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relao de cada pessoa consigo mesma (141), enquanto No h duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma nica e complexa crise scio-ambiental (139). Esta ecologia integral inseparvel da noo de bem comum (156), a ser entendida, no entanto, de modo concreto: no contexto de hoje, no qual h tantas desigualdades e so cada vez mais numerosas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais comprometer-se pelo bem comum significa fazer escolhas solidrias com base em uma opo preferencial pelos mais pobres (158). Esta tambm a melhor maneira para deixar um mundo sustentvel s geraes futuras, no com proclamas, mas atravs de um compromisso de cuidado dos pobres de hoje, como j havia sublinhado Bento XVI: para alm da leal solidariedade entre as geraes, h que reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade entre os indivduos da mesma gerao (162). A ecologia integral envolve tambm a vida diria, para a qual a Encclica reserva uma ateno especfica em particular em ambiente urbano. O ser humano tem uma grande capacidade de adaptao e admirvel a criatividade e generosidade de pessoas e grupos que so capazes de dar a volta s limitaes do ambiente, [...] aprendendo a orientar a sua existncia no meio da desordem e precariedade (148). No entanto, um desenvolvimento autntico pressupe um melhoramento integral na qualidade da vida humana: espaos pblicos, moradias, transportes, etc. (150-154). Tambm o nosso corpo nos coloca em uma relao direta com o meio ambiente e com os outros seres vivos. A aceitao do prprio corpo como dom de Deus necessria para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrrio, uma lgica de domnio sobre o prprio corpo transforma-se numa lgica, por vezes subtil, de domnio sobre a criao (155).

    Quinto captulo Algumas linhas de orientao e aco Este captulo aborda a pergunta sobre o que podemos e devemos fazer. As anlises no podem ser suficientes: so necessrias propostas de dilogo e de aco que envolvam seja cada um de ns seja a poltica internacional (15), e que nos ajudem a sair da espiral de autodestruio onde estamos a afundar (163). Para o Papa Francisco imprescindvel que a construo de caminhos concretos no seja enfrentada de modo ideolgico, superficial ou reducionista. Por isso, indispensvel o dilogo, termo presente no ttulo de cada seo deste captulo: H discusses sobre questes relativas ao meio ambiente, onde difcil chegar a um consenso. [...] a Igreja no pretende definir as questes cientficas, nem substituir-se poltica, mas [eu] convido a um debate honesto e transparente para que as necessidades particulares ou as ideologias no lesem o bem comum (188). Com esta base o Papa Francisco no tem medo de fazer um julgamento severo sobre as dinmicas internacionais recentes: as cimeiras mundiais sobre o meio ambiente dos ltimos anos no corresponderam s expectativas, porque no alcanaram, por falta de deciso poltica, acordos ambientais globais realmente significativos e eficazes (166). E se pergunta: Para que se quer preservar hoje um poder que ser recordado pela sua incapacidade de intervir quando era urgente e necessrio faz-lo? (57). Servem, em vez disso, como os Pontfices repetiram vrias vezes, a partir da Pacem in Terris, formas e instrumentos eficazes de governana global (175): precisamos de um acordo sobre os regimes de governana para toda a gama dos chamados bens comuns globais (174), j que a proteco ambiental no pode ser assegurada apenas com base no clculo financeiro de custos e benefcios. O ambiente um dos bens que os

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    mecanismos de mercado no esto aptos a defender ou a promover adequadamente (190), que retoma as palavras do Compndio da Doutrina Social da Igreja). Sempre neste captulo, o Papa Francisco insiste sobre o desenvolvimento de processos de deciso honestos e transparentes, para poder discernir quais polticas e iniciativas empresariais podero levar a um desenvolvimento verdadeiramente integral (185). Em particular, o estudo do impacto ambiental de um novo projeto requer processos polticos transparentes e sujeitos a dilogo, enquanto a corrupo, que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projecto em troca de favores, frequentemente leva a acordos ambguos que fogem ao dever de informar e a um debate profundo (182). Particularmente significativo o apelo dirigido queles que detm cargos polticos, para que se distanciem da lgica eficientista e imediatista (181) hoje dominante: se ele tiver a coragem de o fazer, poder novamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como pessoa e deixar, depois da sua passagem por esta histria, um testemunho de generosa responsabilidade (181).

    Sexto captulo - Educao e espiritualidade ecolgicas O ltimo captulo vai ao cerne da converso ecolgica qual a Encclica convida. As razes da crise cultural agem em profundidade e no fcil reformular hbitos e comportamentos. A educao e a formao continuam sendo desafios centrais: toda mudana tem necessidade de motivaes e dum caminho educativo (15); esto envolvidos todos os ambientes educacionais, por primeiro a escola, a famlia, os meios de comunicao, a catequese (213). O incio apostar em uma mudana nos estilos de vida (203-208), que tambm abre possibilidade de exercer uma presso salutar sobre quantos detm o poder poltico, econmico e social (206). Isso o que acontece quando as escolhas dos consumidores conseguem a mudana do comportamento das empresas, forando-as a reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produo (206). No se pode subestimar a importncia de percursos de educao ambiental capazes de incidir sobre gestos e hbitos cotidianos, da reduo do consumo de gua, diferenciao do lixo at apagar as luzes desnecessrias (211): Uma ecologia integral feita tambm de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lgica da violncia, da explorao, do egosmo (230). Tudo isto ser mais fcil a partir de um olhar contemplativo que vem da f: O crente contempla o mundo, no como algum que est fora dele, mas dentro, reconhecendo os laos com que o Pai nos uniu a todos os seres. Alm disso a converso ecolgica, fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a desenvolver a sua criatividade e entusiasmo (220). Retorna linha proposta na Evangelii Gaudium: A sobriedade, vivida livre e conscientemente, libertadora (223), bem como A felicidade exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim disponveis para as muitas possibilidades que a vida oferece (223); desta forma torna-se possvel voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos (229). Os santos acompanham-nos neste caminho. So Francisco, muitas vezes mencionado, o exemplo por excelncia do cuidado pelo que frgil e por uma ecologia integral, vivida com alegria (10), modelo de como so inseparveis a preocupao pela natureza, a justia para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior (10). Mas a encclica recorda tambm So Bento, Santa Teresa de Lisieux e o Beato Charles de Foucauld. Aps a Laudato si, o exame de conscincia, o instrumento que a Igreja sempre recomendou para orientar a prpria vida luz da relao com o Senhor, dever incluir uma nova dimenso, considerando no apenas como se vive a comunho com Deus, com os outros, consigo mesmo, mas tambm com todas as criaturas e a natureza.

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