lafaiete neves - 11_05_12 - 08_37 - gr

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Lafaiete Neves - 11_05_12 - 08_37 - Gr

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  • Lafaiete Santos Nevesorganizador

    DESENVOLVIMENTO E DEPENDNCIA:

    atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    EDITORA CRVCuritiba - Brasil

    2012

  • Copyright da Editora CRV Ltda.Editor-chefe: Railson Moura

    Editor Executivo: Lafaiete Santos NevesDiagramao e Capa: Editora CRV

    Reviso: Os AutoresConselho Editorial:

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    2012Proibida a reproduo parcial ou total desta obra sem autorizao da Editora

    CRVTodos os direitos desta edio reservados pela:

    Editora CRVTel.: (41) 3039-6418

    www.editoracrv.com.brE-mail: [email protected]

    D486 Desenvolvimento e dependncia: atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini / Lafaiete Santos Neves (organizador). - Curitiba, PR: CRV, 2012. 164p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8042-288-7 1. Diviso internacional do trabalho. 2. Amrica Latina - Poltica econmica. 3. Desenvolvimento econmico - Amrica Latina. 4. Trabalho - Amrica Latina. I. Neves, Lafaiete.

    12-2789. CDD: 331.1098 CDU: 331.1(8)

    30.04.12 03.05.12 034985

    Prof . Dr. Andria da Silva Quintanilha Sousa (UNIR);Prof. Dr. Antnio Pereira Gaio Jnior (UFRRJ);Prof. Dr. Carmen Tereza Velanga (UNIR); Prof. Dr. Celso Conti (UFSCAR);Prof. Dr. Gloria Faris Len (Universidade de La Havana Cuba);Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte (PUC-PR);Prof. Dr. Guillermo Arias Beatn (Universidade de La Havana Cuba);

    Prof. Dr. Jailson Alves dos Santos (UFRJ);Prof. Dr. Josania Portela (UFPI);Prof . Dr. Maria Llia Imbiriba Sousa Colares (UNIR);Prof. Dr. Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL);Prof. Dr. Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFS);Prof. Dr. Solange Helena Ximenes-Rocha (UFPA);Prof. Dr. Sydione Santos (UEPG); Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonalves (UFPA);Prof. Dr. Tania Suely Azevedo Brasileiro (UNIR)

  • SUMRIO

    PREFCIOA DIVISO INTERNACIONAL DO TRABALHO COMO CATEGORIA CENTRAL DA ANLISE DE RUY MAURO MARINI ............................................................... 7Liana Maria da Frota Carleial

    APRESENTAO ................................................................... 17Roberta Traspadini

    NOTAS SOBRE AS BASES TERICAS DA TEORIA MARXISTA DA DEPENDNCIA .............................................. 31Niemeyer Almeida Filho

    ESTADO, MULTINACIONAIS E TRABALHADORES NA INDSTRIA AUTOMOTIVA BRASILEIRA ............................... 41Lafaiete Santos Neves

    DEPENDNCIA, INDUSTRIALIZAO E DESENVOLVIMENTO NA AMRICA LATINA: uma comparao entre as ideias de Ruy Mauro Marini e de Ral Prebisch .................................................................. 63Sergio Tadeu Gonalves Muniz

    CRESCIMENTO ECONMICO, PROGRESSO TCNICO E DESIGUALDADE SOCIAL SOB A PERSPECTIVA DE MARINI E OLIVEIRA ............................... 87Rafael Rodrigo Mueller, Deise Luiza da Silva Ferraz

    A SUPEREXPLORAO DO TRABALHO NO BRASIL: algumas evidncias da atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini .............................................................111Lenina Formagi, Eliete Maceno Novak, Eugnia Picone, Taiane Dagostin Dars

    A SUPEREXPLORAO DA FORA DE TRABALHO NO SETOR BANCRIO BRASILEIRO ........................................ 127Yuri Korello, Lafaiete Santos Neves

  • A DEPENDNCIA TECNOLGICA SEGUNDO A DIALTICA DA DEPENDNCIA DE RUY MAURO MARINI .................... 145Daniela Prado Damasceno Ferreira Reinecken, Lafaiete Santos Neves

    SOBRE OS AUTORES .......................................................... 161

  • PREFCIO

    A DIVISO INTERNACIONAL DO TRABALHO COMO CATEGORIA

    CENTRAL DA ANLISE DE RUY MAURO MARINI

    Liana Maria da Frota Carleial

    A relevncia, argcia e atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini atestada pelas inmeras publicaes recentes que procuram discutir,analisar e retomar os principais aspectos de seu pensamento. Este livro uma delas.

    A nosso ver, a grande atualidade e a capacidade elucida-tiva do capitalismo contemporneo presentes na obra de Marini deve-se, em grande parte, centralidade da categoria analtica diviso internacional do trabalho. Para ele, a Amrica Latina engendrou um capitalismo sui generis, o qual s pode ser melhor entendido, se observado na escala internacional. Marini(2000) define ento dependncia como uma relao de subordinao entre naes formalmente independentes, em cujo mbito as relaes de produo das naes subordinadas so modificadas ou recriadas para assegurar a reproduo ampliada da dependncia (p.109)1. Nesse sentido, o desenvolvimento dos pases subdesenvolvidos depende do desenvolvimento daqueles j desenvolvidos.

    sempre a partir da insero da Amrica Latina e do Brasil na diviso internacional do trabalho que Marini desenvolve o seu pensamento. Num primeiro momento, quando a diviso interna-cional do trabalho j havia diferenciado o mundo entre aqueles que haviam conseguido acompanhar os movimentos da revoluo

    1 Marini, R.M. A Dialtica da Dependncia. Uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini.RJ/Buenos Aires. Vozes/Clacso, 2000.

    Mariano FELIZ

    Mariano FELIZ

  • 8industrial ocorrida na Inglaterra e os retardatrios, esses j no tinham escolha, pois o sistema produtivo instalado naquela ocasio comandaria o sistema produtivo mundial. Seriam as necessidades deste sistema central que definiria as possibilidades de insero dos retardatrios no sistema produtivo mundial.

    Por essa razo, a insero da Amrica Latina e do Brasil, em particular, como possuidores de uma base rica de recursos naturais, terras,minrios e populao atendia a uma necessidade dos pases centrais; ocupava assim uma posio subordinada expressa na dependncia de recursos externos e de tecnologia, na constituio de uma estrutura produtiva heterognea, pouco diver-sificada com implicaes desastrosas sobre a constituio do seu mercado interno, instalando assim uma tendncia de concentrao de renda e ainda, um mercado de trabalho heterogneo e limitado. Marini, ento, analisa o percurso da Amrica Latina incorporando o seu desenvolvimento histrico.

    Ruy Mauro Marini compe o grupo de pensadores sociais que durante o sculo passado se dedicaram a explicar a especifici-dade latino-americana. Compe assim com Raul Prebisch, Celso Furtado, Theotonio dos Santos, Francisco de Oliveira entre outros, o grupo de pensadores que escolheram avanar na compreenso da nossa realidade, a partir das nossas condies concretas ao invs de repetir os ensinamentos presentes nos manuais de economia e nos receiturios dos documentos dos organismos multilateriais.

    A opo de orientao terica de Marini, a interpretao marxista da natureza da acumulao capitalista, ao mesmo tempo que lhe conferiu capacidade analtica insupervel e anlise crtica poderosa, arregimentou crticos, e nos ambientes nos quais vigoram o pensamento econmico ortodoxo, foi muitas vezes esquecido.

    No entanto, foi a partir da anlise marxista que Marini desen-volveu sua interpretao das diferentes fases do desenvolvimento latino americano e de sua insero na diviso internacional do trabalho. No momento inicial, retratado na fase de economia primrio-exportadora, a dissociao entre a produo e a circu-lao de mercadorias que opera, uma vez que a produo latino--americana no depende da capacidade interna de consumo para a sua realizao, fazendo emergir a contradio fundamental entre capital e trabalho. Naquele momento a incorporao da Amrica

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  • 9Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    Latina na economia mundial foi uma resposta exigncia da passagem gerao da mais valia relativa nos pases desenvolvidos, no sentido de que a mais valia relativa corresponde desvalori-zao dos bens de salrio, mas no necessariamente produtivi-dade do trabalho. A resultante a reduo do valor real da fora de trabalho nos pases centrais, permitindo assim cotas de mais valia mais elevadas.

    Como os preos dos produtos primrios(alimentos e matrias primas) caem em relao aos manufaturados quando a oferta amplia-se, de modo tambm muito inovador MARINI vai considerar que a presena de trocas desiguais (transaes realizadas em condies de divergncia entre preos e valores) no enseja uma busca pelo equivalncia nas trocas mas, fundamentalmente, vai procurar compensar essa perda de renda, internamente ao pas exportador de bens primrios, atravs de um mecanismo de superexplorao dos trabalhadores que se consubstancia em salrios abaixo do custo de reproduo da fora de trabalho, longas e intensas jornadas de trabalho e sem mudanas que levem a aumentos da produtividade do trabalho. importante destacar que essa ser uma marca da constituio do mercado de trabalho brasileiro.

    No caso da Amrica Latina, a industrializao no cria a sua prpria demanda, mas nasce para atender a uma demanda j existente e se estruturar a partir das exigncias procedentes dos pases avanados. Dado o baixo nvel tecnolgico, o preo de produo se determina basicamente pelos salrios e o capi-talista industrial se valer do excedente de mo-de-obra criado pela prpria economia exportadora e agravado pela crise que esta experimenta (crise que obriga o setor exportador a liberar mo--de-obra) para pressionar os salrios no sentido da baixa. Isso lhe permitir absorver grandes massas de trabalho e a prolongao da jornada, acelerar a concentrao de capital no setor industrial.

    Concretamente, a economia mundial j tinha conseguido ampliar o seu padro de concentrao de capitais e necessitava mesmo escoar capital, e assim, o fluxo de capital para a periferia orienta-se para a indstria, associada ainda ao crescimento da produo de bens de capital no mundo desenvolvido. Tem-se, ento, uma nova hierarquizao da economia capitalista mundial, cuja base a redefinio da diviso internacional do trabalho. Vale

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    porm referir que para MARINI h uma espcie de reaproximao do modelo industrial ao da economia exportadora uma vez que, a incorporao de progresso tcnico em condies de superexplo-rao do trabalho acarreta inevitvel restrio ao mercado interno, contando assim com significativo exrcito de reserva e ainda com a permanente necessidade de voltar-se ao exterior.

    Nestas condies, Marini reconhece que na nossa regio a industrializao nunca foi de fato o centro da acumulao; esse sempre foi a atividade exportadora de produtos primrios. Observe--se, porm, que no caso brasileiro, durante cinco dcadas(1930-80) o pas fz um significativo esforo industrializante, iniciando pela produo dos produtos necessrios a atender o mercado interno que se constituiu em torno do caf at a instalao de setores pesados, no mbito dos investimentos empreendidos pelos governos militares durante a ditadura( IPND) e a nossa indstria chegou a ter uma participao de quase 36% do PIB-Produto Interno Bruto brasileiro, no inicio da dcada de 1980.

    O processo de desindustrializao pelo qual passa o nosso pas, iniciado naquela mesma dcada, a partir da crise da dvida externa, no logrou ainda ser revertido e nos coloca numa posio extremamente desvantajosa quando comparada com os emergentes, China e India.As polticas implementadas nos anos noventa do sculo passado, inadvertidamente intituladas de neo-liberais, aprofundaram essa dificuldade pela privatizao de empresas estatais produtoras de servios e insumos, pela desnacionalizao do parque produtivo, como foi o caso da cadeia automotiva, e ainda pela perda de elos de importantes cadeias produtivas. Naquele momento aprofundamos o nosso subdesenvolvimento, agora globalizado( Carleial; 2004)2.

    Na realidade, em 2012, nos deparamos com a mesma situao apresentada por Marini, ou seja, o centro da acumulao continua sendo as atividades primrias destinadas s exportaes, agora mais diversificadas( minrios, gros, carnes e automveis) e a indstria, num quadro perverso de juros altos e cambio valorizado, no consegue retomar o ritmo necessrio para reverter esse retrocesso. As descobertas na camada pr-sal tornam ainda mais complexa tal

    2 Carleial, L. Subdesenvolvimento globalizado: a resultante das escolhas de poltica econmica nos anos noventa, Curitiba. Revista do IPARDES,no.106, 2004.

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  • 11Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    situao especialmente se a sua explorao no for necessariamente indutora da indstria nacional. Desde 2004, os governos brasileiros estebeleceram polticas industriais(PICTE I e II,Plano Brasil Maior) as quais no existiam desde a dcada de noventa do sculo passado, associou-as s polticas de cincia e tecnologia e comrcio exterior, no entanto, os resultados so ainda muito limitados.

    Alm disto, mesmo diante dos avanos dos ltimos anos, no Brasil, de expanso das universidade pblicas, de criao dos Insti-tutos Federais Tecnolgicos e da expanso dos recursos destinados ps-graduao, a interao entre a produo do conhecimento e a apropriao desse conhecimento pelo sistema produtivo ainda muito lenta. Um dado relevante o crescimento de patentes brasileiras depositadas no Escritrio Europeu de Patentes(EPO) que quase triplicou entre 2001 e 2011. Esse nmero passou de 73 para 208, no perodo. No entanto, a China depositou 2049 patentes no EPO, s no ano de 2010.

    relevante tambm reconhecer que Marini no se furtou de incorporar na sua anlise as tendncias que se descortinavam com o movimento da chamada globalizao. No ensaio intitulado: Processo e tendncias da globalizao capitalista publicado tambm em 2000, MARINI considera que essa uma transio para nova etapa histrica cujos dedobramentos ainda no podiam ser vislumbrados completamente3.

    MARINI destaca, ento, quatro aspectos da globalizao que para ele eram fundamentais: a dimenso populacional, uma vez que esse processo atinge praticamente toda a populao do globo; o segundo aspecto a acelerao do tempo histrico, pela rapidez com a qual se difundem processos e prticas quando comparadas, por exemplo aos trs sculos que a Inglaterra necessitou para deixar de ser uma sociedade agrria; o terceiro a magnitude da capa-cidade produtiva que mobilizada por esse movimentos e, ainda, a revoluo que acontece nas comunicaes a qual associada `as crescentes concentraes urbanas multiplica a velocidade de circu-lao de mercadorias, ideias, servios e dinheiro. Aqui Marini j antecipava os impactos da constituio de um mercado financeiro nico e dos movimentos do capital especulativo.

    3 Marini, R.M.op.cit.pp269-295.

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    Igualmente, Marini chamava a ateno para os efeitos das revolues tecnolgicas que exigem maior contedo de conhe-cimento nos processos de produo, propiciam novas formas de competio intercapitalista, intensificam as prticas de fuses e aquisies entre firmas bem como os seus efeitos sobre os mercados de trabalho. Chama a ateno para as prticas de flexibilizao da organizao do trabalho e para os processos de terceirizao da fora de trabalho que precarizam as condies de trabalho e reduzem a proteo social dos trabalhadores.

    De forma contundente, considera essa uma nova diviso inter-nacional do trabalho, que estabelece em novas bases as formas de dependncia entre pases. Isto porque os pases desenvolvidos detm grande superioridade em matria de pesquisa e desenvolvi-mento, detendo praticamente o monoplio da inovao e promo-vendo a transferencia de atividades industriais com menos contedo de conhecimento para os pases menos desenvolvidos, e ainda, dispersando etapas produtivas entre diferentes pases, ou seja, fragmentando a produo.

    Tal interpretao pode ser validada atravs dos efeitos da deslocalizao industrial que ocorreu na Europa Central em direo Europa Oriental e Amrica Latina ; do mesmo modo a desloca-lizao industrial implementada pelos Estados Unidos, especial-mente em direo Asia, movimentos esses em busca de mercados com mo de obra abundante, ainda desorganizada e passvel de trabalhar a baixos salrios e com reduzida( e, em alguns casos, inexistente) proteo social .

    Para Marini, o movimento de globalizao tambm levaria a uma dominao das empresas transnacionais, especialmente atravs da fragmentao produtiva. Este fato altera profundamente as relaes econmicas internacionais e o comrcio internacional dado o intenso comrcio intrafirmas. Nesse sentido, no seria excessivo considerar que, luz de Marini, possvel afirmar que a firma-rede internacioanal a expresso concreta da diviso internacional do trabalho contempornea, ideia que eu compartilho inteiramente.

    De forma surpreendente, MARINI considera ainda que a marca central do capitalismo dependente, a super explorao dos trabalhadores, invadiria tambm o mundo desenvolvido.

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  • 13Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    Essa interpretao de Marini pode ser facilmente comprovada pela crescente flexibilizao do mercado de trabalho europeu, a crescente participao de contratos de trabalho part-time e pela crescente intensificao do trabalho4.O assalariamento, que continua prevalente como forma de insero nos mercados de trabalho, convive com estatutos diferenciados de emprego, distintos contratos de trabalho que desafiam at mesmo o direito do trabalho vigente. A Europa, que portadora de importantes conquistas histricas consubstanciadas no Estado do Bem Estar, convive tambm com propostas da ordem da flexsecurit, a qual pretende associar flexibilidade a alguma proteo social.

    tambm indiscutvel a reduo da participao dos salrios na renda total dos pases desenvolvidos, fato evidenciado por ocasio da ecloso da crise financeira de 2008, quando a perda salarial contrabalanada pelo crescente endividamento familiar ficou mais evidente 5. Ademais, a Europa detm no momento, (abril/2012) a mais alta taxa de desemprego aberto, 10,7% de sua populao economicamente ativa, desde a instituio do euro, em 1999.

    A clareza e argcia de Marini para desvendar a natureza do capitalismo contemporneo porm no para por aqui. Ele reconhece que nesse cenrio globalizado

    as polticas pblicas passam a assumir carter prioritrio, tanto no mbito nacional como no marco das instncias supra nacionais .... em outras palavras, a economia se converte em um problemas a ser resolvido eminentemente no plano da poltica(p.284)

    Enfim, Marini reconhece que o Estado nacional tem um papel a desempenhar e denuncia que no caso da Amrica Latina, h incompetncia das classes dominantes e dos seus Estados em defender as suas economias.

    Nesse sentido, nas condies concretas que o Brasil vive hoje, extremamente necessrio reler Marini. Simplesmente por que Marini no se contenta em desvendar a natureza do capita-

    4 Carleial, L. & Azais, C. Mercados de Trabalho e Hibridizao: uniformidade e diferenas Frana-Brasil, v20.no.51 set/dez 2007. Cadernos CRH, Salvador-Ba. pp401-418.

    5 Housson, M. Housson, M.(2008) El capitalismo txico. Viento Sur, no.101, novembro(www.houssonet.free.fr)

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    lismo, ele evidencia que h tambm possibilidades de mudanas na medida em que atribui poltica um papel central na conduo dos problemas econmicos. luz de sua reflexo, possvel indagar em que medida a poltica pblica brasileira est conseguindo construir uma estratgia nacional de desenvolvimento capaz de reverter as condies de subdesenvolvimento.

    Para Marini, neste processo os trabalhadores podem exercer um papel importante:

    Os trabalhadores no podero reverter essa situao se, depois de assegurarem sua unidade de classe, no se colocam firme-mente no terreno da luta pela democratizao do Estado,a fim de retirar das classes dominantes o controle da economia e, sobre uma base de uma mobilizao lcida e perseverante, estabelecer um projeto de desenvolvimento econmico compatvel com a nova configurao do mercado mundial. S a interveno ativa na formulaa e implementao das polticas pblicas e a ampla utilizao dos instrumentos da democracia direta, da participao popular e da vigilncia cidad podem proporcionar aos povos latino-americanos condies adequadas para ganhar um lugar ao sol no mundo do sculo XXI(p.294).

    A elaborao de Marini nos incita construo de um pensa-mento prprio e ao exerccio da audcia necessria para propor polticas pblicas que desafiem os manuais e que nos possibilite a construo do nosso desenvolvimento e a constituio das naes brasileira e latino-americana. S assim, as amarras da dependncia histrica da Amrica Latina podero ser cortadas.

    Por todas as questes aqui apontadas ganha grande signifi-cado o lanamento deste livro. Ele produto de um esforo coletivo construdo de forma muito especial. A sua elaborao se d no mbito de um Programa de Incentivo ao avano da pesquisa na rea do desenvolvimento brasileiro, patrocinado pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPEA da SAE- Secretaria de Assuntos Estratgicos, vinculada presidncia da Repblica.

    O IPEA vem j h alguns anos construindo uma rede de pesquisadores, para alm do seu prprio corpo tcnico, para pensar o desenvolvimento brasileiro luz da contribuio de pensadores

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  • 15Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    latino-americanos, e entre eles, encontra-se Ruy Mauro Marini. o programa Ctedras para o Desenvolvimento. O organizador deste livro, o professor Lafaiete Neves, submeteu um projeto ao IPEA, foi selecionado, sendo assim portador de uma bolsa ctedra, cujo patrono Marini. No mbito das atividades desenvolvidas nesse projeto, o professor Lafaiete constituiu o Grupo de Estudos Ruy Mauro Marini(GERMMARINI), envolvendo alunos e professores; no GERMMARINI trabalham alunos de graduao, estudantes de economia que desenvolvem projetos de pesquisa no mbito do Programa de Iniciao Cientfica(PAIC) da FAE-Centro Universi-trio, alunos de ps-graduao do programa de Mestrado em Orga-nizaes e Desenvolvimento tambm da FAE, e ainda, pesquisa-dores de vrias Insituties de Ensino Superior. Foi criado tambm um site (sites.google.com/site/germmarini/home) e o grupo ainda realizou um Seminrio Nacional, em novembro de 2011, na FAE- Centro Universitrio, para a discusso do pensamento de Marini.

    O livro ora publicado rene ento artigos que abordam as questes mais centrais do pensamento de Marini, ensejando um rico debate e possibilitando que estudantes, professores, pesquisa-dores e interessados no tema do desenvolvimento possam aprender com ele, Marini, e com as competentes interpretaes e anlises apresentadas pelo conjunto dos autores aqui reunidos. Enfim, vamos leitura.

  • APRESENTAO

    Roberta Traspadini

    Esta coletnea, organizada pelo Profo Lafaiete Neves, sob o ttulo Desenvolvimento e dependncia: a atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini, coloca-nos diante de um dos principais pensadores latino-americanos.

    A importncia de seu reconhecimento est nos elementos constitutivos de suas teses e na complexidade em que a vida cotidiana pulsa independente de nossa vontade.

    As ideias de Ruy Mauro Marini no se inserem num plano de abstrao ideal irrealizvel. Ao contrrio, Marini parte do concreto vivido-dominado, rumo compreenso sobre a natureza do processo de desenvolvimento. Seu objetivo transformar a realidade em prol da classe trabalhadora.

    E mais, suas ideias esto estreitamente ligadas forma parti-cular de reproduo das relaes de explorao na Amrica Latina. Logo, so ideias que exigem um posicionamento poltico na disputa terica e na proposio poltica a ela relacionada.

    Se lermos o texto A dialtica da dependncia isoladamente, descolado da histria e do processo individual-coletivo do sujeito, perderemos de vista o sentido de totalidade buscado pelo autor.

    Com base nesta perspectiva, importante recuperar trs processos contidos no tema geral deste livro sobre a atualidade de Ruy Mauro Marini.

    1. Processo: o indivduo, textos e contextos

    Ruy Mauro Marini nasceu em 1932, no interior de Minas Gerais e morreu em 1997, na cidade do Rio de Janeiro.

    Pelo tempo vivido, podemos visualizar os vrios contextos que forjaram as teses intelectuais e polticas desse grande pensador brasileiro.

    Mencionemos apenas alguns elementos que permitem contextualizar o debate.

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    Dcada de 30: O mundo vivia uma grande crise de produo. Aps a Primeira Guerra Mundial e o plano de reconstruo das naes envolvidas, os EUA, que detinham a supremacia na confor-mao do imperialismo hegemnico, no mais encontram terreno frtil para escoar suas mercadorias.

    O Brasil seguia predominantemente rural. Com a produo centrada nas plantations, o foco produtivo era o monocultivo--latifundirio e o trabalho assalariado livre. Esta renovada forma de explorao do trabalho, conduz como condio estrutural, ao pagamento de salrios bem abaixo da subsistncia mnima neces-sria para garantir a reposio das energias dos trabalhadores.

    Nesta forma de produo, o Brasil desempenha uma funo prioritria na dinmica geral de funcionamento do comrcio inter-nacional: a produo de bens primrios de exportao (alimentos e matrias primas), fundamentais para a dinmica geral de repro-duo do capital.

    Dcada de 40: No interior dos pases centrais vivem-se trans-formaes produtivas radicais, relativas ao estgio de desenvolvi-mento tcnico-cientfico que, se comparado o teor da Primeira para a Segunda guerra mundial, sofre um significativo salto tecnolgico.

    Cabe destacar a consolidao de mecanismos mundiais sob a tutela da Organizao das Naes Unidas que no Ps Segunda Guerra, conformam a nova poltica hegemnica mundial de repro-duo ampliada do capital dos pases centrais em sua relao com os perifricos.

    Em Bretton Woods, em 1944, reuniam-se os principais econo-mistas dos pases centrais, com destaque para Keynes (Inglaterra) e White (EUA) para discutir a poltica de reconstruo econmica mundial.

    Desta reunio e sob a fora da conduo hegemnica norte--americana, nascem o Fundo Monetrio Internacional, e o Banco Interamericano para a Reconstruo do Desenvolvimento (Banco Mundial), cada qual com sua poltica especfica de financiamento do desenvolvimento dos pases subdesenvolvidos da poca.

    Logo aps a consolidao destes mecanismos, a ONU abrigaria a conformao das comisses econmicas continentais que estudariam a realidade concreta relativa ao estgio de desen-volvimento dos pases perifricos.

  • 19Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    Destaca-se a criao da Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL) que ser um dos marcos de conformao terica sobre o desenvolvimento desigual entre centro e periferia, cujo principal expoente foi o argentino Ral Prebisch.

    O ps 2 Guerra requeria uma mudana na poltica monetria internacional que, sob a incontestvel supremacia norte-americana, permitiu a consolidao do padro ouro-dlar.

    No Brasil, os quinze anos de ditadura Vargas, abriam passo industrializao substitutiva de importaes, fruto de uma conjun-tura internacional favorvel ao nacional desenvolvimentismo:

    a) a reestruturao produtiva dos EUA aps a crise de 30 ge-rou inovaes tcnico cientficas que permitiram o avano de seu poder comercial mundial, ao mesmo tempo em que encontrou espao para a exportao dos maquinrios no mais utilizados, que conformariam a nova matriz industrial dos pases perifricos.

    b) os pases capitalistas centrais entraram em uma fase de rees-truturao de seus territrios o que no os permitia um avan-o no comrcio internacional com a respectiva importao expressiva de bens oriundos de outras naes;

    c) havia recursos financeiros disponveis FMI e BIRD que, na forma de emprstimos, subsidiariam, segundo proclama-vam seus idelogos, o salto no modelo de desenvolvimento das economias capitalistas perifricas.

    O nacional desenvolvimentismo oriundo deste cenrio inter-nacional em transformao seria conformado por um Estado inter-ventor, protecionista, gerador do progresso tcnico e da consoli-dao do parque industrial brasileiro.

    Dcada de 50: A dcada do avano das comunicaes, as transmisses televisivas foram efetivadas. tambm o momento em que o satlite russo, Sputnik, colocaria a disputa pela hegemonia mundial da terra entre dois projetos de sociedade, a partir de um novo cenrio da disputa: a era das informaes. Uma dcada depois, o homem pisaria na lua. So saltos tcnico-cientficos que abrem uma fase de desenvolvimento sem precedentes na histria do capitalismo mundial.

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    O mundo sob o palco a Guerra Fria, vivia a dinmica das revoltas, reformas e revolues ordem burguesa, com especial destaque para a Revoluo Cubana.

    A hegemonia capitalista norte-americana questionada nos cinco continentes. Para lidar com a grande URSS, os EUA passam a criar mecanismos de coero para conter qualquer contra-veno sua ordem no mundo, em especial na Amrica Latina.

    No Brasil, temos a transio do processo nacional desen-volvimentista de Vargas (Petrobrs, BNDES) para a abertura do perodo Juscelino Kubitschek na Presidncia.

    Com JK, o Estado brasileiro executa, via plano de Metas, um modelo de desenvolvimento associativo entre o capital nacional e o internacional.

    O Estado deixa de ser o principal promotor/executor do desen-volvimento, para ser o planejador do capital.

    Em meio reconstruo poltica do Brasil, incluindo a mudana da capital do Pas, parte expressiva da populao brasi-leira continuava vinculada terra, muito distante das mudanas produtivas ocorridas no permetro urbano, concentrado no sul e sudeste brasileiros.

    Dcadas de 60/70/80: As revolues se alastravam e a ateno do Governo americano sobre o territrio latino aumentava. A guerra do Vietn trouxe maior complexidade sobre o papel dos EUA na ordem mundial.

    Os conflitos blicos que seriam vividos na Amrica Latina sob o controle norte-americano, estavam atrelados recuperao de outras naes capitalistas e disputa mundial entre os dois projetos de sociedade. Por um lado, o bloco formado por URSS-China-Cuba e Vietn, e por outro lado, o bloco do capitalismo concorrencial em disputa, formado por EUA-Japo-Alemanha.

    No Brasil, as dcadas de 60 e 70 foram de tempos perversos para a intelectualidade de esquerda e os militantes polticos engajados na luta de classes.

    Perversos devido s inmeras atrocidades cometidas pelos ditadores no/do Estado contra aqueles que ousavam pensar e atuar contra seus mandos de ordem e progresso.

    O Estado criava os esteretipos de criminosos aos que se afirmavam contrrios ordem existente. Apelava-se priso, ao

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  • 21Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    desaparecimento, tortura, morte, ao exlio. Qualquer coisa para calar e tornar invisveis os indivduos contestadores.

    Apesar destas atrocidades, foi um perodo intelectual muito produtivo, uma vez que a disputa exigia a interveno poltica sobre a realidade. As universidades, os sindicatos, as organizaes estudantis e polticas tomaram partido, e lutaram pela efetivao de um projeto diferente de sociedade.

    Foi um momento de realizao, no Brasil e na Amrica Latina, de uma teoria da ao revolucionria. Exigia-se dos sujeitos subsdios necessria transformao da sociedade.

    No golpe militar brasileiro, em 1964, as foras conservadoras organizadas eram integradas pelos latifundirios, pela burguesia nacional e pelo capital internacional operante no pas.

    Em 1968, com o endurecimento do conflito pelo Ato Institu-cional no. 5, os suspeitos ou contestatrios sofreram interroga-trios, mediados por torturas, e foram, quando no mortos, exilados.

    Marini, Paulo Freire, Josu de Castro, Francisco de Oliveira, Teothnio dos Santos, Vnia Bambirra, Eder Sader, Apolnio de Carvalho, Florestan Fernandes, Prestes, entre inmeros outros, pagaram com o exlio forado, o preo por defenderem outro projeto de Nao para a classe trabalhadora.

    Dialeticamente eram vividos dois processos no interior da Nao: 1) o fervor da luta de classes pelos sujeitos que no se subordinavam ordem imperante, e sofriam atrocidades como consequncia da disputa; 2) a ode ao progresso, dado que parte expressiva da populao, conduzida pelo crescimento econmico e pela expanso do comrcio mundial, no viveria na tortura as atrocidades de dito modelo.

    Em 1970, a populao migra forosamente do campo para as cidades, sem condies bsicas de moradia e permanncia e se consolida um novo esteretipo de desenvolvimento centrado no avano da cidade em contrapartida ao atraso do campo.

    O discurso propagandeado nos anos 70 sobre o progresso e a incluso, ocultaria a disputa de projetos e ressaltaria o socialismo como o atraso, frente melhoria de vida da populao brasileira. O crescimento na ordem acima de 12% ao ano era motivo de orgulho.

    A ditadura e capitalismo eram forjados via ideologia dominante como dois lados da mesma moeda, complementares e necessrios ordem e ao progresso.

    Mariano FELIZ

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    A reconstruo capitalista de Japo, Alemanha e parte da Europa aquecia o cenrio mundial. O Brasil chegou fase do desen-volvimento industrial tardio. O milagre econmico submergia a situao de endividamento externo e interno, ocultava a fragilidade do Estado, cujas polticas pblicas no garantiam o bem-estar social, a melhoria dos salrios e dos direitos trabalhistas, alm de ocultar a inflao dos preos dos bens de primeira necessidade.

    O direito ao trabalho, moradia, terra, dignidade tambm no apareciam na formao geral da conscincia da Nao, cuja educao moral e cvica era a do progresso e a adorao aos smbolos ptrios.

    O Brasil vivia, como Pas dependente e complementar, uma euforia. O sonho de consumo americano havia se projetado em escala mundial pelo fordismo-taylorismo.

    Chegamos dcada de 80, s Diretas J. Apesar das disputas abertas e de todo o processo de luta manifesto pelos movimentos sociais brasileiros, o que se configura a vitria do capital sobre o trabalho. Cai o Muro de Berlim.

    Os vnculos de dependncia e subordinao do Brasil com as naes capitalistas hegemnicas fazem com que o pas cresa ou desacelere sua produo.

    Novamente o Brasil e a Amrica latina veem explicitada sua dependncia e subordinao com relao ao comercio interna-cional. A crise no centro do capitalismo hegemnico tem impactos diretos sobre os preos do principal produto de exportao brasi-leiro: o petrleo.

    O Pas entra em uma fase recessiva, de alto endividamento externo e interno, com necessidade de reestruturao poltica de sua economia dependente e subordinada.

    A crise capitalista, por um lado, e a queda do muro de Berlim por outro, como histrico contraponto hegemonia americana, conformam as mudanas polticas vividas em toda a Amrica Latina.

    Os levantes operrios e camponeses atestam a situao degra-dante de vida para quem vive da venda de sua fora de trabalho ou da produo oriunda da agricultura camponesa.

    Os protestos e levantes, sobre a crise brasileira, contriburam para a consolidao da constituio de 1988.

    Dcada de 90: Era neoliberal. A hegemonia do capital interna-cional transforma as naes em territrios livres para a realizao

  • 23Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    de sua acumulao e de resoluo de suas crises estruturais, via extrao de mais-valia.

    A internacionalizao do capital reconfigura a relao capital--trabalho e reestrutura o papel do Estado na sua funo de organizar os direitos e deveres de uma cidadania, gradativamente, restringida.

    A abertura econmica, as privatizaes, as terceirizaes, a consolidao dos blocos de livre comrcio, so o resultado do que fora anunciado pelos EUA, dado seu aparato formal de finan-ciador majoritrio do desenvolvimento das naes perifricas, via recursos do FMI e do BIRD.

    Alm disso, a derrota na organizao poltica de esquerda e a precarizao do mundo do trabalho criavam as condies ideais para a invisibilidade, tanto na academia, quanto na poltica, dos histricos indivduos que se entregaram luta da classe trabalha-dora, via filosofia da prxis.

    Qui a volta tenha sido mais dura que a ida, se que isto possvel, como relata o prprio Marini em sua autobiografia.

    2. Processo: a filosofia da prxis de Ruy Mauro Marini

    Marini pe suas ideias em movimento dialgico e dialtico com as transformaes ocorridas ao longo dos seus mais de 60 anos de vida.

    Assim como Marx, Lnin, Rosa, Che, Mandel e Maritegui, Marini no se atm a relatar a aparncia dos fenmenos.

    Sua preocupao a de entender a dinmica da produo de riqueza capitalista, inerente extrao de valor, via mais-valia (relativa, absoluta, extra) - explorao do trabalho.

    Insistimos: no palco latino-americano de compreenso sobre o funcionamento da sociedade, Marini era rigoroso no mtodo.

    Com base no Materialismo Histrico Dialtico(MHD), Marini parte da realidade vivida e das contradies manifestas por ela - independente da vontade militante de que fosse diferente. Avana para uma reflexo profunda sobre a natureza constitutiva do modo de produo capitalista e suas particularidades no continente. E culmina no retorno realidade e s contradies manifestas por ela, com vistas a super-la.

  • 24

    O rigor nas referncias tericas de Marini exige uma compre-enso da teoria valor-trabalho de Marx.

    Encontramos, em seu texto, no o dogma como verdade absoluta, mas a ortodoxia, enquanto princpio. Entendida a ortodoxia como o processo de compreenso das relaes contra-ditrias e complementares entre o particular-geral, a teoria-prtica, o concreto vivido-concreto refletido.

    O seu referencial analtico a partir da Amrica Latina, ancorado no mtodo de anlise marxista. Coloca os clssicos em movimento. Explora o vivenciado com suas particulares formas-contedos. Traz para sua anlise elementos particulares, somente encontrados nos textos daqueles que, com os ps no cho, analisam as complexas relaes mediadas pelo conflito de primeira ordem: a relao capital--trabalho na natureza da produo da riqueza capitalista.

    No encontramos em sua obra um transplante esttico das teorias marxistas originariamente desenvolvidas na Europa pelos autores clssicos. Marini nos brinda com uma reflexo sobre a natureza do capitalismo brasileiro e latino-americano, coadjuvante de um processo mundial.

    gnese da explorao do trabalho mundial, caber uma forma particular de expressar o contedo na Amrica latina a superexplorao do trabalho. da compreenso entre o todo e a parte que nasce a interpretao da dependncia de Marini.

    Marini ajudou a construir processos organizativos importantes para a classe trabalhadora, tanto do Brasil, quanto da Amrica Latina.

    Difcil dissociar Marini da simbologia do intelectual orgnico: militante poltico, intelectual de partido, membro-organizador da Organizao Operria Marxista, Poltica e Operria (POLOP), inte-grante do Movimento de Esquerda Revolucionria chileno (MIR), professor universitrio, sujeito ativo do pensamento e da prtica latino-americana. Esse foi Ruy Mauro Marini.

    Ele colocava sua teoria prova da ao revolucionria da classe trabalhadora. Com seu estudo sobre a realidade, preparava o trabalhador e o militante de esquerda para entender contra o qu e contra quem lutava.

    A dialtica da dependncia (1973), principal texto de Marini, apresenta duas faces: 1) um texto pensado para contribuir na formao da conscincia de classe mediante a compreenso sobre

    Mariano FELIZ

    Mariano FELIZ

  • 25Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    o processo de desenvolvimento capitalista; 2) um texto embasado na teoria valor-trabalho de Marx que se enriquece com as particu-laridades de cada Nao.

    Esta dupla faceta nos leva a crer que Marini, a partir dos elementos colocados disposio no debate, refora a clareza da interpretao marxista.

    Nas palavras do mestre:

    En sus anlisis de la dependencia latinoamericana, los investigadores marxistas han incurrido, por lo general, en dos tipos de desviaciones: la sustitucin del hecho concreto por el concepto abstracto, o la adulteracin del concepto en nombre de una realidad rebelde a aceptarlo en su formulacin pura. (MARINI, 1973, p.13)1

    E, segue:

    En la identificacin de estos elementos, las categoras marxistas deben aplicarse, pues, a la realidad como instru-mentos de anlisis y anticipaciones de su desarrollo ulterior. ...El rigor conceptual y metodolgico: a esto se reduce en ltima instancia la ortodoxia marxista. Cualquier limitacin no tiene ya nada que ver con la ortodoxia, sino tan slo con el dogmatismo (MARINI, 1973, p.16)2

    Ao partir da teoria produzida pela CEPAL para explicar o intercmbio desigual entre o centro e a periferia, Marini marca posio distintiva no mtodo, a partir da explicitao das limitaes da anlise cepalina na compreenso das contradies inerentes ao desenvolvimento-subdesenvolvimento capitalista.

    Marini cria uma leitura particular de explicao sobre a teoria do valor-trabalho de Marx, com sua tese sobre o capitalismo latino--americano sui generis.

    Este o mesmo procedimento realizado por Marini no debate da dependncia. Utilizou sua leitura particular, com base na teoria valor trabalho de Marx MHD, para tecer duras crticas aos intelectuais latino-americanos de direita e de esquerda, no interior da dependncia.

    1 MARINI, R. M. (1973). Dialctica de la depencencia. Mexico: Era, serie popular.2 Ibid

    Mariano FELIZ

    Mariano FELIZ

    Mariano FELIZ

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    Em Marini, a teoria do intercmbio desigual cepalina subs-tituda pela teoria da transferncia de valor, centrada na teoria da mais-valia e suas particularidades na dinmica geral do capital.

    A contribuio economia poltica crtica de Marini est centrada no seu atuar-pensar desde Amrica Latina, a partir de todos aqueles elementos colocados na presente introduo.

    A dcada de 60 foi frtil no debate, apesar de todo contexto de coero e consenso vividos na dinmica hegemnica do capital sobre o trabalho.

    O dilogo entre intelectuais da mesma corrente marxista, como Teothnio dos Santos, Gunder Frank, Agustn Cueva, Vnia Bambirra, entre outros, permitiu a Marini conformar suas teses consonantes com as intervenes polticas de seu grupo.

    O debate sobre o desenvolvimento do subdesenvolvimento era inerente s reflexes deste grupo, ainda quando divergissem na anlise histrica sobre o ponto de partida do desenvolvimento dependente.

    As teses marxistas deste grupo em permanente relao dialgica, os coloca em disputa intelectual, poltica e organiza-tiva com os tericos da direita, e os intelectuais de esquerda que manifestavam a crena da viabilidade de um capitalismo nacional e soberano, na periferia do processo mundial.

    A volta de Marini ao Brasil, na dcada de 90, foi conturbada. A era neoliberal, bania intencionalmente da memria-histria do Pas a luta recente travada por estes sujeitos, fora e dentro da Nao. Os partidos, os sindicatos, as universidades eram moldados dentro de uma nova ordem hegemnica do capital: a ps-modernidade.

    3. Processo: Marini e a atualidade da teoria marxista da dependncia

    A partir dos anos 2000, o pensamento de Ruy Mauro Marini volta a figurar nas anlises de conjuntura do Brasil e da Amrica Latina como referncia fundamental.Em meio avalanche ps-moderna projetada como porto seguro, em plena era de incertezas, o debate marxista da dependncia retomado como uma das teses centrais de explicao sobre como funciona a sociedade.

    Mariano FELIZ

  • 27Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    Aps um longo perodo de invisibilidade e anulao deste debate, os textos-teses marxistas da dependncia so retomados.

    A atualidade do debate da dependncia revigorada tanto pelos movimentos sociais em seus trabalhos de formao de quadros, quanto nos debates universitrios relativos anlise sobre a atual fase do capitalismo (inter) nacional.

    A coletnea de textos reunida neste livro uma mostra do exerccio de reflexo, luz do pensamento de Marini, sobre a realidade e suas possibilidades.

    As reflexes apresentadas, ao contrapor-se leitura dominante, trazem nos marcos do debate crtico, elementos constitutivos da anlise sobre o funcionamento da dinmica do capital sobre o trabalho na Amrica Latina e a relao desta com o mundo.

    Podemos relacionar os textos ora apresentados em trs grupos de reflexo:

    a) O resgate histrico e as principais referncias contidas nas obras de Marini.

    Neste grupo, esto o prefcio desenvolvido por Liana e os textos de Niemeyer e Lafaiete. Estes autores recuperam os conceitos de Marini e revigoram a reflexo a partir do que vivemos no atual estgio de desenvolvimento do capitalismo.

    Todos eles mostram, como fio condutor da anlise, os distan-ciamentos entre as correntes de pensamento cepalina e marxista e o dilogo existente entre elas, sem perder de vista o que as diferencia metodolgica e politicamente.

    A anlise dos autores baseada nas principais categorias de Marini, nos permite reviver, luz do processo de desenvolvimento atual, a importncia de uma leitura correta sobre o funcionamento do capital, para a execuo de polticas compatveis com dita leitura.

    A diviso internacional do trabalho, o segredo do intercmbio desigual, a transferncia de valor (extrao de mais-valia), a supe-rexplorao, so apenas algumas destas categorias mediadoras que encontraremos nos textos destes autores.

  • 28

    b) Dilogos pertinentes: Marini, Ral Prebisch e Francisco de Oliveira.

    No texto de Sergio, encontramos uma leitura muito particular da dependncia, dada sua viso polmica e divergente das demais, sobre a relao entre as construes tericas de Prebisch e Marini.

    A tentativa de mostrar a relao entre o referencial da Cepal, a deteriorao dos termos de troca e o segredo do intercmbio desigual de Marini aparece como frutfera provocao reflexiva.

    Entretanto, o estruturalismo indutivo da CEPAL e a leitura marxista da dependncia centrada no MHD, tm como ponto de partida de anlise uma matriz analtico-prtica substantivamente distinta.

    Vale destacar, que Marini nos convida para um debate que parte da ortodoxia, do rigor explicativo, do mtodo de anlise e sua funo de intervir na realidade para transform-la, a partir de um projeto de sociedade contraposto ao capitalista.

    Na mesma frente de exerccio dialgico entre grandes pensa-dores, Rafael e Deise colocam em movimento as reflexes de Marini e Francisco de Oliveira.

    Com um especial debate sobre a teoria do antivalor de Oliveira, e ancorados no tema da participao dos fundos pblicos na lei do antivalor, mostram a relao existente entre estas ideias e o tema do segredo do intercmbio desigual de Marini.

    Um debate a aprofundar se, para Marini, na dinmica geral de produo da lei do valor, h espao para algum tipo de antivalor.

    A marca destes textos o fecundo exerccio de colocar em movimento debates cujo teor ref lexivo culminava em teses polticas disputadas no interior dos partidos, tanto de direita, quanto de esquerda. Ponto de destaque importante na anlise da economia poltica crtica.

    c) Estudos dirigidos a partir das categorias de Marini.

    Inicialmente, o texto de Lafaiete sobre a indstria automotiva brasileira vai apresentar a concentrao e centralizao do capital, a partir da maior extrao da mais-valia no Brasil.

    O autor faz um apanhado histrico sobre o desenvolvimento da indstria, o consecutivo processo de precarizao do trabalho, a fragilizao dos sindicatos e a reorganizao poltica.

  • 29Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    Referencia o papel do Estado na organizao entre capital--trabalho, na apropriao dos recursos pblicos nacionais pelo capital privado internacional.

    Dando seguimento, o texto coletivo de Lenina, Eliete, Eugnia e Taiane, relata a pertinncia e a vigncia das teses de Marini a partir da atual situao da classe trabalhadora brasileira.

    As autoras fazem um estudo relativo aos dados formais sobre a Pesquisa de Emprego e Desemprego, desenvolvida pelo DIEESE e comprovam, atravs dos estudos contemporneos de Maia e Garcia, a vigncia da superexplorao.

    Os estudos apontam para: 1) a tendncia ao padro universal que tomar a superexplorao na era neoliberal; 2) sua capacidade ainda mais perversa de constituir um processo que impede o desen-volvimento de uma teoria que d conta de analisar a complexa e contraditria relao entre o marco nacional e o internacional.

    Mais adiante, Lafaiete e Yuri tratam a situao da dialtica da dependncia luz da superexplorao e da transferncia de valor, a partir do estudo do sistema bancrio.

    Os autores fazem uma anlise seminal do modelo de indus-trializao cepalino de Furtado e mostram seus limites. Logo aps, com os ensinamentos de Marini, apresentam a trajetria histrica da dependncia na Amrica Latina.

    Ao final do texto, com base em dados formais sobre o nmero de funcionrios do sistema bancrio, os lucros realizados sob a gide da superexplorao do trabalho, os autores reforam as teses de Marini contidas em A dialtica da dependncia.

    Por fim Daniela, Ferreira e Lafaiete, refletirem sobre o papel complementar e contraditrio que Amrica Latina cumpre no marco do desenvolvimento mundial, e expressam os limites cepalinos na crena do desenvolvimento da periferia transformando-a em nao central.

    Confirmam a tese de que o subdesenvolvimento condio sine qua non do desenvolvimento capitalista mundial. No possvel pensar em um capitalismo autnomo e com vantagens competitivas na periferia tecnolgica, dada a capacidade de irradiao dependente do capital hegemnico central sobre os territrios perifricos.

    Com estes oito textos, temos nossa disposio um trabalho sobre a histrica e atual contribuio de Ruy Mauro Marini, tanto pelos aportes dados por ele teoria da ao revolucionria, quanto

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    pela pedagogia do exemplo retratada em sua trajetria militante na formao marxista de quadros da classe trabalhadora.

    Assim como Marini, os autores aqui reunidos nos remetem, atravs de suas reflexes, ao sentido poltico de nosso que-fazer intelectual.

    Em seu artigo sobre o Estado na Amrica Latina, Marini refora a leitura de futuro que devemos ter sobre a Amrica Latina:

    Na melhor tradio da esquerda latino-americana, o sonho de Bolvar e Che se encontra hoje reatualizado pela prpria vida. No nos cabe, seno, lutar por uma Amrica latina integrada poltica e economicamente, mediante estruturas supranacio-nais capazes de assegurar a seus povos e etnias o direito de se desenvolver sem restries. (...) Parece ser altamente impro-vvel que esse novo curso da histria possa seguir adiante sem a superao do capitalismo, regime social que se funda na desigualdade e na superexplorao. Ter, assim, de haver uma reviso de nossa concepo sobre o socialismo e uma dissociao de sua identificao exclusiva com a revoluo bolchevique e suas transformaes, retomando a ideia-chave de Marx, que v o socialismo como uma era histrica, fruto de um longo perodo de transformaes e realizao efetiva do prota-gonismo das massas. (...)A cincia no um conjunto de proce-dimentos destinados a embelezar ou escamotear a realidade. Cabe cincia lidar com os fatos, embora isso implique perder a elegncia e sujar as mos.3 (MARINI, 2005, p. 235)

    Com base na melhor tradio marxista latino-americana, os textos apresentados nesta coletnea nos permitem refletir sobre a realidade e tomar partido na disputa terico-prtica, em uma ao permanente em prol da classe trabalhadora brasileira, latino--americana e internacional.

    A histria, entendida como movimento dialtico, como palco da luta de classes, nos faz retomar os clssicos e revigorar nossos estudos-aes, com vistas a transformar a sociedade.

    Bom debate!!!!Vitria, 21 de abril de 2012

    3 MARINI, R.M. (1991). O Estado na Amrica Latina. Arquivo de Ruy Mauro Marini, com a anotao: Interveno no congresso da Associao Latinoamericana de Sociologia (ALAS), Havana. In: TRASPADINI, R. E STEDILE, J.P. (2005): Ruy Mauro Marini vida E OBRA. SP: Expresso popular.

  • NOTAS SOBRE AS BASES TERICAS DA TEORIA

    MARXISTA DA DEPENDNCIA

    Niemeyer Almeida Filho

    A Teoria Marxista da Dependncia (TMD) vem sendo retomada nos ltimos anos, em grande parte pelo interesse acadmico, social, em discutir as limitaes ao desenvolvimento brasileiro e latino--americano. Embora a regio tenha se sado comparativamente bem nos ltimos dez anos, do ponto de vista econmico e social, em relao a outras regies, sobretudo a Europa, o seu dinamismo est muito abaixo do alcanado pela China.

    No Brasil algumas publicaes traduzem essa retomada de interesse pela TMD. Alm da publicao em portugus do Dialtica da Dependncia em 2000, h pelos menos trs publicaes indis-pensveis para entender o alcance da discusso. A primeira delas de Roberta Traspadini e Joo Pedro Stdile (2005) Ruy Mauro Marini, vida e obra , que tem o propsito de retomar a discusso de Marini como parte de um esforo de politizao de quadros no mbito do Movimento dos Sem Terra (MST), alm de divulgar trabalhos dele em portugus.

    Um segundo livro organizado por Carlos Eduardo Martins e Adrin Sotelo Valencia e coordenado por Emir Sader e Theotnio dos Santos (2009) A Amrica Latina e os Desafios da Globalizao ensaios dedicados a Ruy Mauro Marini, serve como balano histrico da contribuio do autor. Finalmente, um terceiro livro, este publicado em espanhol, de Jaime Osrio (2004) Crtica da Economia Vulgar , autor citado por Marini em suas Memrias como um dos autores que procuravam avanar nas suas interpretaes.

    A retomada do penamento de Marini se faz a partir do seu ensaio Dialtica da Dependncia, publicado originamente em 1973, que representou um marco no processo de gestao de uma nova ref lexo sobre o desenvolvimento latino americano e brasileiro.

  • 32

    O ensaio passa a ser discutido, questionado e contestado tanto pela esquerda comunista tradicional como por interlocutores do tema da dependncia.

    Neste ltimo caso, merecem destaque os trabalhos de Serra & Cardoso (1978) e Castaeda & Hett (1978). Ademais, h reper-cusses positivas que buscam o aprofundamento das proposies de Marini, como a de Leal (1978). Este autor parte da teoria marxista do processo de trabalho, examinando sucessivamente Paul Baran, Andr Gunder Frank, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, Prebisch e Marini, com o fim de determinar em que medida esses autores contribuem a fundar uma teoria do capita-lismo latino-americano. O prprio Marini aponta este trabalho de Leal como o que teria frutificado melhor o desenvolvimento da teoria da dependncia.

    Ainda sobre as repercusses positivas de seu trabalho nesse perodo, Marini destaca as de Arroio & Cabral (1974); Osrio (1975); Frbel, Jrgen e Kreye (1977); Bambirra (1978); Castro Martinez (1980); Torres Carral (1981) e Chilcote & Johnson (1983).

    A partir dos anos 1980, a teoria da dependncia entra numa nova fase em que se torna referncia para as reflexes sobre o desenvolvimento. Sobre essas reflexes, Marini menciona como trabalhos relevantes os de Bottomore (1988), Kay (1989), Davydov (1985; 1986), Kuntz (1984); Dussel (1988); Cueva (1988; 1989) e Osrio (1990). Estes dois ltimos so mencionados em razo de seus propsitos de recuperar e transcender, no plano do marxismo, a teoria da dependncia. Finalmente, h meno a Bordin (1988), que se serviria da teoria da dependncia para reinterpretar os fundamentos e as projees da teologia da libertao.

    Neste contexto da produo histrica sobre o tema da depen-dncia, a importncia de se retomar o pensamento de Marini est em dar conhecimento pblico nos meios acadmicos de economia ao pensamento de um autor de grande originalidade terico-hist-rica, para alm de sua contribuio especfica para a teoria da dependncia. Como se pode perceber das referncias feitas por ele, sua produo repercutiu de forma significativa no campo crtico da economia na Amrica Latina. De modo que a recuperao da sua obra pode contribuir para dar densidade terica discusso do desenvolvimento capitalista, especialmente num momento de crise aguda como este dos anos 2008 a 2012.

  • 33Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    Por outro lado, observa-se que o debate sobre o desenvolvi-mento vem se concentrando nos requisitos ao crescimento susten-tado, ideia teoricamente imprecisa e por si s limitada no que diz respeito aos diversos elementos tericos que compem a investi-gao do desenvolvimento. A concepo terica e o mtodo utilizado por Marini inserem-se no campo crtico da economia, comprome-tidos em pensar caminhos alternativos para a sociedade brasileira. Portanto, o estudo dos seus textos contribui para reafirmar um campo de estudo mais abrangente sobre o desenvolvimento.

    Assume-se aqui que a ideia de dependncia apresenta um sentido quase que consensual nas vertentes que compem o que pode ser chamado de aporte da dependncia. A referncia ao aporte feita em razo das divergncias a respeito do alcance (ou status terico) do conceito de dependncia, o que motivou o debate clssico entre as posies de Theotnio dos Santos\Rui Mauro Marini e de Fernando Henrique Cardoso\Serra.1 Contudo, se formos sintetizar a ideia, parece-nos apropriado apresentar a definio de Theotnio dos Santos (1970): Por dependncia enten-Por dependncia enten-demos uma situao em que a economia de certos pases est condi-cionada pelo desenvolvimento e expanso de outra economia qual a primeira submetida. (SANTOS, 1970:231, traduo prpria)

    Esta expresso enxuta da ideia de dependncia por certo no fiel aos argumentos e aos debates acalorados que ocorreram nos anos 1970, sobretudo aqueles que aconteceram no Brasil. Ali, como est muito bem apreendido em Paulani & Christy (2006:43-46), tratava-se de discutir se o projeto de desenvolvimento capita-lista brasileiro (e outros da Amrica Latina) tinha potencial de se concretizar. As posies radicalizaram-se entre a negao completa (Marini) e um exagero de potencial (FHC) 2.

    Mesmo assim, essa ideia apreende suficientemente uma dimenso considerada por muitos como estrutural ao sistema capi-

    1 Esta questo est tratada em Almeida Filho (2005) e Arajo (2001). Uma sntese do debate propriamente pode ser encontrada em Hunt (1989) e Hette (1990). Para uma referncia a posies dos participantes no debate veja Santos (2000); Marini (2000); Frank (1980); e Cardoso (1993).

    2 Enquanto Marini procurava mostrar que o desenvolvimento capitalista exigia um rompi-mento (evidentemente, esta no era a sua preferncia) das amarras da dependncia, com mobilizao poltica suficiente para alterar uma insero historicamente construda e sob controle dos pases imperialistas, Fernando Henrique Cardoso argumentava que era possvel desenvolvimento numa situao de dependncia, inclusive com aproximao s condies dos pases centrais.

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    talista global, particularmente desde que o mesmo incorporou todo o espao que o processo de acumulao do capital poderia apro-veitar. Este fenmeno vem sendo extensivamente referido como processo de globalizao3.

    O ponto a considerar que o desenvolvimento dos pases da periferia est condicionado pelo desenvolvimento dos pases centrais. Mais ainda, que a riqueza gerada nos pases perifricos serve de base para a acelerao do desenvolvimento dos pases centrais. Este um ponto intensamente trabalhado por Marini, mediante o uso do conceito de superexplorao da fora de trabalho, muito embora o argumento seja mais diretamente utilizado para interpretar as condies concretas dos pases da Amrica Latina e no da periferia como um todo.

    O texto mais conhecido de Marini sobre este assunto dialtica da dependncia faz um longo percurso histrico, desde o perodo colonial, passando pela etapa de exportao capitalista, at os anos 1960, para mostrar que a dependncia produto de um processo histrico de insero das economias perifricas no capitalismo global.

    O argumento pode ser sintetizado nos termos atuais da seguinte forma. Desde os primrdios da diviso internacional do trabalho no mundo capitalista os pases da Amrica Latina inse-riram-se como fornecedores de bens-salrio e matrias-primas. O processo de industrializao tornou esta insero mais diversifi-cada, mas no a alterou na essncia: a diversificao ocorreu na margem, conservando as antigas exportaes e complementando-as com bens mais sofisticados. A insero no permite uma dinmica de acumulao a essas economias que seja baseada no progresso tcnico, exigindo depreciao dos salrios, o que por sua vez determina um mercado interno limitado.

    Vale a pena a reproduo da formulao de Marini nos seus prprios termos:

    A insero da Amrica Latina na economia capitalista responde s exigncias que coloca (sic) nos pases capitalistas a passagem produo de mais-valia relativa. Esta entendida

    3 Estamos nos referindo ao perodo que se abre nos anos 1990, quando socialismo real sucumbe, mantendo-se marginalmente, pois a economia chinesa abre-se ao capitalismo. Da para frente, s ficam de fora do sistema global os espaos que no apresentam sinergia com o processo de acumulao global, grande parte deles situados no continente africano.

  • 35Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    como uma forma de explorao do trabalho assalariado que, funda-mentalmente com base na transformao das condies tcnicas de produo, resulta da desvalorizao real da fora de trabalho. (MARINI, 2000, p.113)

    A passagem mais-valia relativa apreende a nfase concor-rencial no progresso tcnico, com aumento de produtividade do trabalho pela incorporao de novas tcnicas produtivas. Isto permite o aumento da expropriao do trabalho sem necessaria-mente aumentar o dispndio de energia fsica do trabalhador, possi-bilitando ainda a acelerao da produo. A condio histrica precedente sustentava o aumento da expropriao pela extenso e intensificao da jornada.

    Segundo ele, para que isto ocorra essencial que as novas tcnicas produtivas venham a diminuir o custo de reproduo da fora de trabalho, determinando o piso para a reproduo da mesma. Assim, se pudssemos imaginar uma economia isolada, haveria uma dinmica especializada com parte dos setores produ-zindo bens-salrio e parte produzindo bens de produo e bens de consumo capitalista. Os limites desta dinmica seriam dados pela capacidade de consumo total de bens finais.

    Porm, a ideia de partir de uma diviso internacional do trabalho est precisamente justificada pelas mudanas que ela vem a produzir em cada uma das economias. O movimento de superao dos limites apontados acima de incorporao de novos espaos de produo/consumo, o que foi realizado pelo movimento imperialista. A diviso internacional do trabalho pode ser tomada como resultado desse processo.

    De todo modo, segundo Marini, a diviso internacional do trabalho que resultou do primeiro movimento de internacionali-zao, com incorporao de novos mercados, reservou Amrica Latina a funo de fornecedora de alimentos e matrias-primas.

    A oferta mundial de alimentos, que a Amrica Latina contribui a criar e que alcana seu auge na segunda metade do sculo XIX, ser um elemento decisivo para que os pases industriais confiem ao comrcio exterior a ateno de suas necessidades de meios de subsistncia. O efeito dessa oferta (ampliado pela depresso dos preos dos produtos primrios no mercado mundial) ser o de reduzir o valor real da fora de trabalho nos pases industriais, permitindo assim que o incremento da produtividade se traduza ali

  • 36

    em cotas de mais-valia cada vez mais elevadas. Em outras palavras, mediante sua incorporao ao mercado mundial de bens-salrio, a Amrica Latina desempenha um papel significativo no aumento da mais-valia relativa nos pases industriais. (MARINI, 2000, p. 115)

    Ainda segundo Marini, as consequncias desse papel para o desenvolvimento (capitalista) so claras. Em primeiro lugar, ocorrem trocas desiguais no comrcio internacional. Os produtos industrializados submetem-se ao processo concorrencial cuja natureza de obteno de ganhos extraordinrios pela via da incorporao do progresso tcnico. H queda de preos compen-sada pelo aumento de produtividade e aumento da produo. No que diz respeito ao comrcio, esses produtos tm preos relativos mais altos que os produtos primrios. 4

    Desenvolvendo sua economia mercantil, em funo do mercado mundial, a Amrica Latina levada a reproduzir em seu seio as relaes de produo que se encontravam na origem da formao desse mercado e que determinavam seu carter e sua expanso. Mas esse processo estava marcado por uma profunda contradio. Chamada a coadjuvar a acumulao de capital com base na capacidade produtiva do trabalho nos pases centrais, a Amrica Latina teve que faz-lo mediante uma acumulao fundada na superexplorao do trabalhador. Nesta contradio, radica-se a essncia da dependncia latino-americana (grifos prprios). (MARINI, 2000, p. 131-2)

    Explica Marini que esta condio dos pases da Amrica Latina traz consequncias dramticas para o desenvolvimento de suas economias. Isto porque no trabalhador aparecem duas caracte-rsticas contraditrias: ele produtor e consumidor de mercadorias. Essas caractersticas expressam-se em fases diferentes, sendo a de produtor de riqueza prpria fase da produo e a de consumidor prpria fase de circulao. O desenvolvimento do capitalismo e a sua expanso acelerada da produo exigem que essa condio de consumidor seja exercida. De maneira que o padro de consumo dos trabalhadores vai incorporando, mesmo que defasado, produtos prprios ao consumo capitalista, redefinindo assim o prprio custo de reproduo da fora de trabalho.

    4 A problemtica a mesma da CEPAL do intercmbio desigual. Como veremos, a anlise de Marini leva a caminhos distintos.

  • 37Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    Numa economia em que h superexplorao, esta condio no exercida da mesma maneira que numa economia desenvol-vida. Desta forma, a natureza da acumulao vai sendo redefi-nida. Segundo ele, o processo histrico de industrializao dessas economias no foi suficiente para alterar essa determinao estru-tural. A diversificao que a industrializao produziu encontrou seus limites na expanso do mercado interno dessas economias, engendrando um novo ciclo de exportaes de bens-salrio e matrias-primas, uma espcie de reiterao da insero histrica.

    Ao abrir-se a fase de realizao, esta contradio aparente entre o consumo individual dos trabalhadores e a reproduo do capital desaparece, dado que esse consumo (somado ao dos capita-listas e das camadas improdutivas em geral) restabelece ao capital a forma que lhe necessria para comear um novo ciclo, isto , a forma dinheiro. (...)

    Atravs da mediao que estabelece a luta entre operrios e patres em torno da fixao do nvel dos salrios, os dois tipos de consumo dos operrios tendem assim a se complementar, no curso do ciclo do capital, superando a situao inicial de oposio em que se encontravam. Esta , alis, uma das razes pelas quais a dinmica do sistema tende a canalizar-se atravs da mais-valia relativa, que implica, em ltima instncia, no barateamento das mercadorias que entram na composio do consumo individual do trabalhador. (MARINI, 2000, p. 133)

    Marini assume que a diviso internacional do trabalho que se estabeleceu no sculo XIX sofre mudanas com o desenvolvimento da economia global. Assim, aps o processo de industrializao das economias latino-americanas, que ocorre na primeira metade do sculo XX, h mudanas qualitativas nessa diviso do trabalho, mas no se altera o aspecto que poderia ser tomado como fulcral. Persiste a caracterstica da superexplorao. Isto lhe permite denominar a ordem social da regio como capitalismo dependente.

    Coerente com a sua motivao de apreender as condies de desenvolvimento da Amrica Latina para instrumentalizar uma ao poltica de transformao, ele mostra que essa determinao estrutural, em nvel da economia, s ser alterada por uma ao poltica que reordene as economias nacionais, mesmo que limitadas ao desenvolvimento capitalista.

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    Cabe indagar se esta formulao tem sentido geral de traduzir uma condio intrnseca das economias da regio.5 Para isto, importante assumir o recorte apresentado por Marini de que essas determinaes estruturais, que tendem a se reproduzir, estejam postas em nvel da economia. Entenda-se com isto que as determinaes esto postas em nvel das foras produtivas e das relaes sociais de produo. H pelo menos dois outros nveis tericos referidos por Marini e que so importantes: o poltico e o sociolgico.

    ... o fundamento da dependncia a superexplorao do trabalho. No nos resta, nesta breve nota, seno advertir que as implicaes da superexplorao transcendental no plano da anlise econmica devem ser estudadas tambm do ponto de vista sociolgico e poltico. avanando nessa direo que aceleraremos o parto da teoria marxista da dependncia, liber-tando-a das caractersticas funcional-desenvolvimentista que se aderiram a ela em sua gestao. (MARINI, 2000, p. 165)

    Sugerimos que este ponto final do ensaio de Marini que deve ser tomado como referncia para uma requalificao dos seus termos, j que a tese mais ampla a de que no h alterao da condio internacional brasileira nos anos que se seguem falncia do socialismo real.6 Registre-se que o sentido de uma proposio de requalificao dos termos no ser de discusso terica de validade do conceito de dependncia, ou de seu status terico. Esta foi a polmica interna aos dependentistas. Distin-tamente, propomos uma requalificao orientada pelas condies concretas do desenvolvimento capitalista, que no obstante apre-sentem especificidades, garantiram a reproduo das condies de subordinao formuladas h quarenta anos.7

    5 A este respeito, veja-se Katz (2011).6 Evidentemente, estamos nos referindo aos aspectos fundamentais que configuram a depen-

    dncia. Esta tese est desenvolvida em Carcanholo (2004). Para uma discusso da insero internacional da economia, do ponto vista produtivo e financeiro, veja-se Almeida Filho (2003).

    7 A referncia para esses trinta anos a publicao do artigo de Theotnio dos Santos na American Economic Review em 1970.

  • 39Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

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  • ESTADO, MULTINACIONAIS E TRABALHADORES NA

    INDSTRIA AUTOMOTIVA BRASILEIRA

    Lafaiete Santos Neves8

    Introduo

    Ao analisar o tipo de industrializao nas economias depen-dentes, Ruy Mauro Marini esclarece que nessas economias se reproduz o modelo de produo de bens sunturios, com a utili-zao da mesma tecnologia para a produo desses bens nos pases desenvolvidos, o que acarretaria nas economias dependentes um problema de realizao, ou seja, de mercado, dada a alta concen-trao de renda nesses pases. A soluo para esse problema foi buscada no Estado, que pelas polticas de subvenes aos produ-tores e de financiamento aos consumidores, e pela inflao, que funciona como um mecanismo de transferncia de renda para viabi-lizar o consumo desses bens sunturios pelas camadas de mdias e altas rendas. Tal situao leva ao crescimento da indstria de bens de luxo, onde Marini coloca a indstria automotiva, em detrimento da indstria de bens populares. (MARINI, 2000, p.148).

    Tal afirmao de Marini permanece atual, medida que o perfil de concentrao de renda se acentuou at o final da dcada de 1990, de acordo com os dados do IBGE.

    Marini acrescenta:

    no podendo estender aos trabalhadores a criao de demanda para os bens sunturios e orientando-se na realidade para a compresso salarial, que os exclui de fato desse tipo de

    8 Agradeo a Yuri Korello, bolsista do PAIC FAE Centro Universitrio, pelas contribuies apresentadas nas tabelas deste artigo.

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    consumo, e economia industrial dependente no s teve que contar com um imenso exrcito industrial de reserva, como se obrigou a restringir aos capitalistas e s camadas mdias e altas o consumo das mercadorias de luxo. A exportao de manufaturas tantos de bens essenciais como de produtos sunturios se converte ento na tbua de salvao de uma economia incapaz de superar os fatores desarticuladores que a afetam. (MARINI, 2000, p.149-150).

    Cabe destacar que o poderoso meio de transferncia de renda, resultado das polticas como as que existiram no Brasil at meados dos anos de 1990, pela via da inflao sofreram pouca modificao no que se refere concentrao de renda at a dcada de 1990, como revelam os dados mais recentes do IBGE sobre a distribuio de renda nas camadas mdias e altas da populao. Mesmo com a inflao sob controle, dada a histrica concentrao de renda brasileira, a questo da realizao dos bens de luxo como os automveis, conti-nuaram a ser um problema para a indstria automotiva, que dado o seu poder de presso sobre os governos conseguiu polticas que a beneficiou, como a da poltica cambial, reduo de tarifas de impor-tao para bens de capital, as Cmaras Setoriais, de incentivos fiscais, de crdito e outros benefcios, conhecidos por guerra fiscal, entre os Estados para atrarem esse tipo de indstria, e que favoreceram a realizao da produo dessa indstria no mercado brasileiro e internacional, acentuando o quadro de dependncia. O fenmeno da dependncia se manifesta inicialmente sob a forma de imposio externa de padres de consumo que somente podem ser mantidos mediante a gerao de um excedente criado no comrcio exterior. (FURTADO, 1974, p.87).

    Celso Furtado acrescenta o aprofundamento da dependncia, vinculada ao sistema financeiro e tecnolgico de hegemonia inter-nacional, o que implica na articulao do sistema financeiro e da dominao tecnolgica com as empresas multinacionais, que ampliam sua acumulao pela importao de tecnologia dos pases centrais para os pases perifricos, assim como a exportao dos seus produtos industrializados e a realizao de sua produo no mercado interno, voltado aos segmentos de rendas mdias e altas, que mais se beneficiam dos financiamentos para o consumo. Essa

  • 43Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    anlise de Celso Furtado corrobora a viso de Ruy Mauro Marini, que entende essas relaes econmicas entre o centro e a periferia, como uma relao sustentada pelos Estados com polticas que favorecem os capitais internacionais e que acentuam a dependncia, ao invs de superar o subdesenvolvimento na viso da Comisso Econmica para a Amrica Latina (CEPAL). Sabemos agora de forma irrefutvel que as economias da periferia nunca sero desen-volvidas, no sentido de similares s economias que formam o atual centro do sistema capitalista. (FURTADO,1974, p.75).

    O aprofundamento da dependncia dos pases perifricos em relao s economias dos centros capitalistas, situam-se em vrias esferas, principalmente a dependncia tecnolgica, a medida que desen-volveu um modelo industrial e de consumo imitativos, que depende da tecnologia dos pases das economias centrais para continuar seu processo produtivo. Outra esfera a do capital financeiro, para continuar seus investimentos diretos e o financiamento do consumo dos bens durveis e de bens de capital. Este o sentido da afirmao de Furtado quando diz que estaremos sempre defasados em relao aos pases do centro, que por essas formas de relaes econmicas e financeiras mantm permanente a desi gualdade que estrutural.

    Ruy Mauro Marini vai alm na sua anlise e na sua crtica CEPAL, demonstrando que a dependncia mais ampla do que os fatores econmicos, financeiros e tecnolgicos. Acentua o processo de superexplorao da fora de trabalho na Amrica Latina, que exporta alimentos e matrias-primas, a preos mais baixos em relao aos produtos industrializados do exterior, contribuindo assim para baratear o custo da fora de trabalho nas economias centrais e apro-fundar a superexplorao da fora de trabalho nas economias depen-dentes. Processo esse que se aprofunda no decorrer da dcada de 80, 90 e 2000, atingindo a organizao sindical dos trabalhadores, que nos setores mais avanados da economia, como o caso da indstria automobilstica, conseguiram um nvel mais elevado de enfrentamento dessa situao, por serem mais organizados, o que no ocorreu com os setores da atividade econmica em que os trabalhadores tinham um nvel menor de organizao sindical.

    Para Marini, entender a industrializao contribuir para compreender o que o capitalismo dependente e a formao dos processos polticos na Amrica Latina.

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    A partir da anlise das relaes entre Estado e indstria para resolver o problema da crise de realizao da produo nas economias dependentes, formulado por Ruy Mauro Marini, na Dialtica da Dependncia, o objetivo deste artigo buscar entender historicamente, na industrializao brasileira, a interveno do Estado com as polticas de incentivos fiscais, de crdito e outras formas de benficos para um determinado tipo de indstria de bens de luxo, a indstria automotiva, instalada no Brasil a partir dos anos de 1950, na perspectiva das polticas desenvolvimen-tistas da CEPAL, que se revelaram um mito na afirmao de Celso Furtado (1974). O mtodo adotado o histrico-dialtico, a partir da anlise do modelo desenvolvimento da Cepal, via processo de substituio de importaes e da dialtica da dependncia, de Ruy Mauro Marini, que faz a crtica ao modelo da CEPAL, demons-trando que tal modelo de industrializao levou ao aprofunda-mento da dependncia e no superao do subdesenvolvimento, como defendiam os tericos da CEPAL. Tais anlises partem da retrospectiva histrica da industrializao latino-americana, que neste artigo aplicamos ao Brasil, no caso concreto da produo de bens durveis, como os veculos automotores, as sucessivas crises de mercado interno e externo, enfrentado pelas multinacionais automotivas, conseguindo nos governos referidos, a garantia de polticas de benefcios fiscais e de crdito, que resolveram seus problemas de vendas de veculos, demonstrando assim o poder de presso dessas multinacionais sobre o Estado brasileiro.

    Para compreender essa realidade que iremos analisar as polticas de industrializao, que beneficiaram a indstria automo-tiva no Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), com o Plano de Metas, a continuidade dessa poltica nos governos de Fernando Collor de Mello e Itamar Franco (1990-1993) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), com as Cmaras Setoriais e os incentivos fiscais e de Luiz Incio Lula da Silva (2002-2010), com os benefcios fiscais, via reduo de impostos para venda de veculos automotores. Foram escolhidos esses governos, por serem os que mais dinamizaram e contriburam para a superao da crise de realizao da produo desse tipo de indstria multinacional.

  • 45Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    1 A Implantao da Indstria Automobilstica

    A indstria automobilstica chega ao Brasil na segunda metade do sculo XX. A sua instalao estava voltada para a montagem de veculos, cujos componentes eram totalmente importados.

    Por problemas de balano de pagamentos, o governo federal passou a restringir as importaes e, dada a presso da nascente indstria de autopeas, foram criadas as condies para se implantar no pas a indstria automobilstica. As duas principais empresas que importavam componentes e montavam veculos, a Ford e a General Motors, se opuseram instalao das fbricas no Brasil (HUMPHREY, 1982, p.53).

    Com a eleio de Juscelino Kubtschek de Oliveira (1956-1960) Presidncia da Rep blica, o seu programa de governo, expresso no Plano de Metas, passou a ser implementado.

    A partir desse governo a poltica industrial dirigida para o objetivo de intensificar o processo de substituio de importaes. o perodo da ascenso das ideias desenvolvi mentistas da Cepal. No centro das ideias desenvolvimentistas estava a industrializao como forma de romper o atraso econmico e social do Continente.

    Os eixos essenciais dos postulados desenvolvimentistas para a transformao da economia e da sociedade brasileira so:

    I) A industrializao integral o caminho para superar a po-breza e o subdesenvolvimento do Brasil;

    II) No h possibilidade de conquistar uma industrializao su-ficiente e racional do pas mediante o jogo espontneo das foras do mercado, e por isso necessrio que o Estado pla-nifique o processo;

    III) O planejamento deve definir a expanso desejada dos setores econmicos e os instrumentos para promover essa expanso;

    IV) O Estado deve ainda, orientar a expanso, captando e for-necendo recursos financeiros e realizando investimentos diretos naqueles setores nos quais a iniciativa privada in-suficiente. (BIELSCHOWSKY, 1996, p.72).

    Para viabilizar o projeto desenvolvimentista, com a indus-trializao voltada produo de bens de consumo durveis e

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    de produo, foi necessrio um volume de financiamento cuja poupana interna no era suficiente, tendo assim que recorrer ao mercado financeiro inter nacional e abrir a economia brasileira ao capital estrangeiro mediante uma srie de incentivos, que pudessem atrair esses investimentos. (TAVARES, 1978, p.168).

    Os incentivos estavam voltados a facilitar as importaes e exportaes das indstrias multinacionais aqui instaladas. Entre estes incentivos estavam a diminuio de alquotas de importao de mquinas e equipamentos, componentes e tambm a queda de alquotas para exportao de produtos acabados. A contrapartida do governo para viabilizar este processo de industrializao era fornecer a infraestrutura nas reas de educao, estradas, teleco-municaes e energia.

    Com essa poltica, o Governo JK conseguiu atrair a indstria automobilstica para o Brasil no final da dcada de 1950. As princi-pais montadoras, cujas matrizes estavam nos pases do capitalismo central, se instalaram no Brasil; entre as quais: Ford, General Motors, Volkswagen, Chrysler, Mercedes Benz e Scania. Essas montadoras se instalaram na regio do ABC paulista. A Ford, que estava instalada na capital paulista, se transferiu para o ABC.

    O que caracterizou essa indstria foi a produo em escala, altamente concentrada e com uma grande incorporao de fora de trabalho. A Volkswagen, em So Bernardo do Campo, no ano de 1974, produziu 400.000 veculos e tinha 30.000 empregados e a Mercedes Benz e a Ford, mais 10.000 empregados. (HUMPHREY, 1982, p.13).

    Era uma industrializao altamente concentrada em uma regio, com um grande nmero de trabalhadores, tendo 64% concentrados na indstria metalrgica e de transporte, sediada na regio do ABC paulista. A indstria automobilstica da regio, na dcada de 1970, empregava 66.000 trabalhadores, sendo que outras dez indstrias empregavam 18.000, nos setores mecnico--metalrgico (HUMPHREY, 1982, p.55). A Volkswagen, maior montadora da regio, empregava na poca, 39.000 trabalhadores e no final da dcada de 1990, reduziu para 15.000 (FOLHA DE S. PAULO, 17/7/02, p.b10). Esse o resultado da reestruturao produtiva da dcada de 1980.

    A instalao de grandes empresas automobilsticas no Brasil, com um alto progresso tecnolgico e uso intensivo de capital,

  • 47Desenvolvimento e dependncia:atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini

    criou uma demanda de trabalhadores altamente quali ficados, com salrios relativamente altos em relao aos setores mais atrasados da economia, levando muitos autores a cunharem a expresso aristo-cracia operria para os trabalhadores da indstria automobilstica.

    O que caracterizava esses trabalhadores era a mobilidade, pois sua origem era rural, significando para eles uma grande ascenso social, medida que passaram a ter um emprego em uma indstria moderna, com um salrio que eles nunca tiveram, gerando um alto ndice de satisfao. Nesta situao o sindicato no era reconhecido pelos trabalhadores, j que a empresa se antecipava s reivindicaes. Alm de um alto salrio, a empresa ainda oferecia ganhos indiretos, tais como: transporte gratuito, refeies no local de trabalho, assis-tncia mdica, cooperativa de consumo etc.

    Rodrigues (1970, p.45) deixa bem claro quando afirma:

    Empresa grande, empresa automobilstica, empresa mais simptica etc., para os trabalhadores, constituem justa-mente sinnimo de salrios mais altos e melhores possi-bilidades profissionais. tambm nas grandes companhias que o operrio acredita encontrar maiores possibilidades de elevar-se na hierarquia profissional, uma especializao e a aquisio de um ofcio que, amide, as pequenas empresas no podem oferecer.

    Essa poltica salarial, aliada a uma srie de benefcios que a empresa concedia, era estratgia para neutralizar o sindicato:

    patente que o salrio bem como outras vantagens que os operrios valorizam no aparece para o grupo como resultado de uma presso coletiva ou de uma ao sindical... Demais, em parte por razes de ordem tcnica e, em parte, em funo da poltica de relaes humanas, a Empresa Auto-mobilstica orientou-se no sentido da promoo interna, do aproveitamento de seus prprios empregados para as novas vagas, que se abriram na hierarquia da companhia. Os trabalhadores mais capazes e mais antigos tiveram, destarte, efetivas possibilidades de ascenso que no ocorreram em outras indstrias e no sem acontecer nestes mesmos ramos em outros pases. Estas chances, provavelmente desaparecero quando a indstria automob