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LOU CARRIGAN BRIGITTE MONTFORT ARQUIVO

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LOU CARRIGAN

BRIGITTE MONTFORT

ARQUIVO

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CAPITULO PRIMEIROOperação Apartamento

Doze minutos depois de ter o avião da “Panam”, procedente de Nova Iorque, aterrissado numa das pistas do aeroporto romano de Fiumicino, seus passageiros começaram a aparecer no grande vestíbulo, uma vez cumpridas as formalidades inerentes aos vôos internacionais.

Dois homens estavam à espera de um dos passageiros. Trocaram um olhar quando estes começaram a sair, depois lhes dedicaram sua atenção, mas com total indiferença. Nem pareciam vê-los. Até que, súbito, tornaram a se entreolhar.

— Aí está — sussurrou um deles.O outro assentiu. Também tinha visto a belíssima jovem

cujos cabelos negros contrastavam com os olhos azuis mais admiráveis do mundo, que trazia na mio esquerda uma pequena maleta vermelha. Tão-só por esta, ela teria sido identificada. Nem num milhão de vôos poderia chegar outra passageira igual. Nem sequer parecida.

— Se não é ela, me suicido — falou o mesmo homem.— Não creio que você tenha que fazer isso. Vamos?Caminharam para a divina criatura, que já os olhava com

um discreto sorriso. Ao vê-los se aproximar, ela se deteve, mas sem demonstrar que os esperava. Olhou para todos os lados, como quem não sabe para onde ir.

Quando os dois pararam à sua frente, tornou a olhá-los, agora sorrindo mais, porém um tanto expectante.

— Se procura seu caminho, podemos guiá-la — disse um dos homens, em inglês.

— Faz tempo que encontrei meu caminho — replicou ela.

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— O que muito nos alegra — sorriu o outro homem. — Podemos chamá-la de “Baby , não?

— Sim. Olá, Johnny. Olá, Johnny.— Bem-vinda à Itália.— Obrigada. Qual de vocês é o mais velho?— O mais velho? Oh, ambos somos moços!— Mas um tem mais idade que o outro, não? — riu ela.— Bom, eu completei trinta e três há dois meses...— Um ancião! — exclamou o outro. — Eu ainda não fiz

trinta.— Pois o ancião será Johnny I — tornou a rir “Baby”. —

E o rapazinho, Johnny II. Como os jovens não devem permitir que os velhotes se cansem, será Johnny TI quem irá buscar minha bagagem..

—Inconvenientes de ser um broto — sorriu Johnny II, tomando o talão que ela lhe estendia.

—Esperamos você no carro — disse Johnny I. Assim chegou à Itália e foi recebida miss Brigitte Montfort, jornalista americana famosa no mundo inteiro. Mas os homens batizados com os nomes de Johnny I e Johnny II não esperavam propriamente miss Montfort. Mais ainda, nem sequer sabiam que estavam em presença da detentora do Prêmio Pulitzer de jornalismo. Para eles, aquela bonita jovem era “Baby”, simplesmente, a rainha da CIA, a espiã temida por todos os serviços secretos do mundo.

Pouco depois instalava-se no carro, ocupando o assento de trás juntamente com Johnny I, que lhe ofereceu um cigarro, perguntando:

— Fez boa viagem?— Fiz, embora sentindo-me um tanto irritada por ter que

sair tão precipitadamente de casa. Meu chefe foi visitar-me, levando uma passagem para um avião que partia hora e meia

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depois. Quando me dei conta, estava voando para cá, sem mais explicações. Mas tenho a esperança de que não seja devido ao assassinato de nenhum Johnny.

— Não.— Menos mal... Nesse caso, tentaremos resolver o

assunto por bem.— Quanto a nós, estamos de acordo, mas infelizmente

não podemos responder por eles.— Quem são eles?— Inicialmente, os russos.— Oh, os russos... Bons rapazes! Espero que não tenha

havido nenhum choque com eles.— Por enquanto, não. Mas tenho certeza de que estão

dispostos a tudo.— Ah... Qual é o assunto?— Diz-lhe alguma coisa o nome Mikulas Czapok?Brigitte refletiu um instante e depois moveu

negativamente a cabeça.— Não... Não.— É tcheco-eslovaco. Um homem que teve não pouco a

ver com a invasão de seu país pelos russos, anos atrás. Já faz muito que, acredita a CIA, Mikulas Czapok está trabalhando para os russos. Como espião, naturalmente.

— Se entendi bem, isso quer dizer que ele é um tcheco sob as ordens do MVD soviético, e que ajudou os russos a realizarem a invasão.

— Sim.— É, portanto, um traidor de sua pátria.— A Tcheco-Eslováquia é agora duas pátrias... De

qualquer modo, ele traiu sua pátria quando ela era um só país, pois colaborou com os russos preparando sua invasão pelas forças do Pacto de Varsóvia, o que posteriormente deu

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lugar à cisão. Para os nacionalistas tchecos, que sempre quiseram um só pais, Mikulas Czapok é o protótipo do traidor. Quer ver sua foto?

— Naturalmente.Johnny I tirou-a do bolso e estendeu-a. Brigitte olhou

com fria curiosidade. Era o rosto de um homem que aparentava cinqüenta anos. Um rosto simpático, atraente. Os olhos escuros tinham um olhar direto, penetrante. A boca era algo amarga. O aspecto geral indicava uma inteligência mais que notável.

— Até ocorrer a cisão, ele foi professor de História na Universidade de Praga. Posteriormente não se têm notícias muito concretas a respeito de suas atividades. Entretanto, nós pensamos...

— Nós?— Refiro-me à CIA.— Ah. E que pensamos nós?— Que se tenha dedicado com mais intensidade a

trabalhar para o serviço secreto russo. Tem-se movimentado muito pela Europa... e já esteve três vezes nos Estados Unidos, desde então.

Brigitte olhou vivamente para Johnny...— Nos Estados Unidos? Que foi fazer lá?— Aparentemente, visitar universidades americanas com

vistas a coligir dados referentes à projeção histórica da Tcheco-Eslováquia depois da cisão, segundo os estudantes americanos.

— Puxa vida!, como diria um amigo meu. Uma audácia fenomenal de sua parte, não?

— Talvez. Mas, como professor de História, seu interesse pode ser considerado normal.

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— Bem... Que mais fez ele, além de visitar nossas universidades?

— Nada mais,— Nada mais?— Como é lógico, foi estreitamente vigiado desde que

pôs os pés em nosso país. Mas, de acordo com todos os informes, nada mais fez, não realizou encontros ou atividades suspeitas.

— Quem se encarregou de vigiá-lo?— Nós... e esses intrometidos do FBI.— Entendo — sorriu Brigitte. — O que não entendo é

por que Mikulas Czapok nos interessa agora. Houve algo importante que o atualizou?

— Exatamente. Sabemos que caiu em desgraça no MVD, foi detido em Praga e levado a Moscou. E, segundo informam nossos companheiros de lá, sua situação é bastante grave. Segundo todas as aparências, fez ou disse alguma coisa que não agradou aos seus patrões russos.

— Bom, isso não nos deve surpreender, tratando-se de um homem que traiu sua pátria. Talvez agora tenha feito algo tentando trair a Rússia.

— Talvez — admitiu Johnny. — O certo é que está em Moscou como prisioneiro de importância. Em troca, sua mulher conseguiu escapar de Praga com seu arquivo.

— A mulher de Czapok? — exclamou Brigitte.— Sim. É bastante mais jovem que ele: tem algo menos

de trinta anos. Muito bonita. Pensamos que Mikulas se deu conta de que qualquer coisa não ia bem e, compreendendo que não poderia escapar da Tcheco-Eslováquia, fez sair a mulher com seu arquivo. Supomos que para os russos a existência desse arquivo tenha sido uma surpresa e que estejam considerando a situação que eles mesmos

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provocaram ao deter Mikulas. Marya, a mulher dele, foi ajudada em sua fuga por um homem chamado Antonin Stefan, ex-aluno de seu marido. Ambos estão agora em Roma.

— E os russos sabem disso?— Claro. Não tardaram a localizá-los. Gostaria de ter

visto a cara dos rapazes do MVD quando foram deter Marya Czapok e ela lhes deu sua resposta.

— Que resposta lhes deu Marya?— Não a conhecemos textualmente, mas podemos

imaginá-la com bastante aproximação: disse-lhes que, se queriam detê-la e ao jovem Stefan, muito bem, que o fizessem; mas que tivessem em conta que ela enviara o arquivo do marido para um lugar seguro, de onde seria remetido a Washington se algo lhe ocorresse, ou a Antonin Stefan ou a Mikulas Czapok. E disse-lhes também, sempre falando teoricamente, que se ao termo de três dias seu marido não chegasse são e salvo a Roma ela se dirigiria à Embaixada Americana para pedir asilo político... levando como cartas de apresentação todos os documentos de Czapok.

— Santo Deus... — quase riu Brigitte. — Uma jogada formidável!

— Sim — concordou Johnny. — Os russos estão em apuros, não há dúvida. Só se deixarem Czapok sair da Rússia recuperarão os tais documentos. Qualquer outra coisa que façam dará lugar a que esse arquivo vá parar em Washington. Estamos certos de que deixarão Czapok partir, portanto.

— Mas se tal fizerem ele pode pedir asilo à nossa Embaixada de qualquer modo, levando seu arquivo... Não. Se o libertarem será em troca do arquivo.

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— Claro. Ao que parece, o arquivo é constituído de documentos originais russos e tchecos. Você bem pode imaginar a importância que ele teria para nós.

— Creio que não o imagino muito bem, Johnny.O espião olhou-a surpreso.— Como não imagina? Com ele poderemos saber o que

se passou entre os bastidores naquelas datas!— E de que nos servirá isso agora, cinco anos depois?— Bom... Diabo, você me deixa sem jeito, “Baby”! Não

acha, mesmo, que nos seria interessante conseguir esse arquivo?

— Interessante, sim. Mas não sei de que utilidade nos seria,

— Mmm... Dizem que o futuro se baseia na história passada.

— Penso que o futuro se faz com o presente... que depois se transformará em história. A História, Johnny, não tem servido de muito aos seres humanos.

— Você está brincando!— Não estou. Lance uma olhada para trás: quantas

guerras houve?— Guerras...? E eu vou saber? Muitas!— E cada vez que se fazia uma guerra nova sabia-se, pela

História, que tinha havido outras, as quais nada de bom trouxeram, não é assim?

— É... Mas...— E apesar disso, apesar de saber que as guerras não

traziam benefício, os seres humanos coninuaram fazendo novas guerras. Portanto, das duas uma: ou a História não serve de nada, ou nós os seres humanos somos imbecis.

— Macacos me mordam! — Johnny coçou a cabeça. — Você tem uns pontos de vista muito especiais!

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— Não lhe parecem lógicos?— Sim, mas... Oh, diabo, não sei o que dizer!— Pois eu tenho uma pergunta a fazer-lhe — sorriu

Brigitte: — devo entender que me enviaram a Roma para que consiga o arquivo de Mikulas Czapok?

— Claro, naturalmente.— E como posso consegui-lo?— Espera-se que seja você quem resolva isso.— Ah... Mas como? Não posso ir pedir a Marya Czapok

que me diga onde o escondeu. Se fosse ela, eu não diria a ninguém... Só aos russos, quando me devolvessem são e salvo meu marido e tanto ele como eu e esse jovem chamado Stefan estivéssemos em segurança. Daí se infere que, para obter esse arquivo, eu teria que tirá-lo dela à força, não?

— Bom... Sim, parece que deve ser assim...— Em cujo caso, os russos que a localizaram e que a

devem manter estreitamente vigiada cai riam sobre nós dispostos a tudo. Correto?

— Sim, correto...— Com o que teríamos uma grande refrega de espiões,

Johnny. Pergunto: vale a pena que nos façam em pedaços por um montão de papéis escritos há cinco anos, ou seis, ou mesmo dez?

— Papagaio! Que maneira de expor a situação!— Não me ocorre outra melhor, Johnny. E a você?O espião ficou pensativo. Chegou Johnny II com a

bagagem, colocou-a no porta-malas, sentou-se ao volante e virou a cabeça para o assento traseiro, rindo.

— Bem, já podemos... Que há? — surpreendeu-se.— Ele está pensando — sorriu Brigitte.— Em quê?

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— Na História, na Guerra, na Imbecilidade Humana, na Vida e na Morte.

Johnny II ficou boquiaberto, estupefato. Olhou para seu companheiro, tornou a olhar para “Baby” e moveu a cabeça.

— Não entendi nada — confessou.— Trata-se de saber se vale a pena que nos ocupemos em

conseguir esse arquivo de Mikulas Czapok.— Como se vale a pena? Esse arquivo...!— Não continue — resmungou Johnny I. — Do contrário

você ficará convencido de que qualquer outra coisa no mundo vale mais a pena que esse maldito arquivo.

— Eu não disse isso exatamente — riu “Baby”.— Dedicaremos um pouco mais de tempo a refletir sobre

o assunto. Aonde vamos agora? A um hotel?— Se você prefere, sim. Mas pensamos que talvez

achasse conveniente ficar conosco, num apartamento muito discreto que alugamos só para esta operação.

— Nesse caso — tornou a rir Brigitte —, a esta poderíamos chamar “Operação Apartamento”. Bom, vamos lá. Espero que tenham escolhido um lugar agradável.

CAPITULO SEGUNDOQuem vigia quem?

Era um lugar muito agradável.O apartamento ficava num quarto andar de edifício

moderno, situado na Via Annabaldi. Tinha um estupendo terraço, do qual se via o Coliseu. Visão que provocou em “Baby” algumas reflexões.

— É como o Coliseu — disse, após tomar um gole de Valpolicella. — Deveria servir-nos de lição, não acham vocês?

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— De lição? A que se refere?— Segundo a História, milhares de cristãos foram ali

devorados por feras, há dois mil anos. Correto?— Sim, sim. Claro.— E deve ter sido horrível, não?— Realmente.— É preciso um pouco de imaginação para

compreender... Imaginem-se algumas centenas u milhares de pessoas metidas lá, com tigres e leões... Fechem os olhos e pensem nisso. Ponham-se no lugar dessas pessoas: estão nuas, famintas, espancadas e humilhadas, em companhia de dezenas de leões que suponho não estariam menos esfomeados. A atitude dos leões é lógica, pois têm fome e somos sua comida. Mas pensem nesses leões que se aproximam, saltam sobre nós, atacam-nos com suas garras, seus dentes, arrancam-nos pedaços, membros inteiros, devoram-nos... Um ser vivo lançado às feras, que o despedaçam e o comem... Não é terrível?

— Por Deus, claro que é!— Muito bem. Finalmente mudaram os tempos e decidiu-

se não dar mais seres humanos aos leões. Esse tipo de diversão terminou. Ao que parece, o homem compreendeu que se tratava de algo monstruoso e, portanto, deixou de fazê-lo. Que fez ele então?

— Que... que fez?— Pois deu tratos à bola para continuar destruindo o

próximo, só que de outro modo. Lançar seres humanos aos leões? Mas que barbaridade! Em troca, não lhe pareceu tão monstruoso continuar matando-o de diferentes maneiras: a pedradas, a lançaços, a canhonaços, a tiros, por meio de bombas atômicas... Não era o mesmo que lançar pessoas às

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feras, naturalmente. Era muito mais razoável. Suponho que estejam de acordo.

Johnny I e Johnny II trocaram um olhar.— De acordo — murmurou Johnny I —, você tem razão.

E afinal de contas é quem manda aqui: esquecemos esse arquivo.

— Não de todo — replicou “Baby”. Os dois espiões estavam cada vez mais desconcertados.

— Olhe, devemos estar parecendo uma dupla de idiotas, mas não entendemos você. É para esquecer o arquivo ou não?

— Concluí que não o podemos esquecer.— Por quê?— Porque quando os russos o tiverem em seu poder

quererão assassinar Mikulas Czapok, sua mulher e o jovem Stefan. Quererão garantir o silêncio total dessas três pessoas.

— Isso é com eles.— Quanto a Czapok, pouco me importa o que lhe

aconteça. Mas sua mulher e Stefan têm culpa de alguma coisa?

— Penso que não, mas... Diabo, você tenciona ajudá-los a escapar das garras dos russos, hem?

— Por que não? Você não ajudaria um ser humano a livrar-se das garras dos leões?

— Bem... Não sei...— Parece-me — interveio Johnny II — que você está

complicando as coisas, “Baby”. Se não quer esse arquivo, muito bem, tenho certeza de que convencerá os chefes da Central. Mas, que diabo, se lutamos por alguma coisa, que seja pelo tal arquivo, não por duas pessoas que não conhecemos e por quem não nos preocupamos.

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Brigitte olhou-o fixamente, depois para o Coliseu, velho testemunho de tempos de esplendor e morte. Formosa tarde em Roma, céu azul, sol dourado, perfume de flores... Bem, naqueles tempos de esplendor e morte seres humanos eram lançados às feras. Acaso era diferente agora? Desinteressar-se do assunto era como deixar Marya Czapok e Antonin Stefan à mercê das feras. E, claro, não censurava os russos por sua conduta. A CIA teria adotado a mesma, tinha certeza. De qualquer modo, havia ali em Roma duas pessoas à mercê das feras. Abril de 1974, fim do século XX... e a História continuava demonstrando não servir de nada quanto à melhoria da pessoa humana.

— Onde estão a senhora Czapok e seu jovem amigo? — perguntou.

— Você parece considerar Stefan como um rapazola — disse Johnny I —, e não é assim. Tem atualmente cerca de trinta anos.

— Tanto melhor para ele. Num rapazola, esse impulso de ajudar seu mestre pode ser devido à irreflexão. Num homem de trinta anos, é demonstração de fidelidade e amizade, coisas apreciáveis. Onde estão?

— No “Albergo Colombo”, Via Alessandro Severo, perto da zona dos Ministérios...

— Conheço Roma bastante bem. Naturalmente, os russos estão vigiando-os.

— Naturalmente. E nós vigiamos os russos. E os russos a nós — sorriu Brigitte. — E decerto há mais agentes secretos rondando esse albergue e vigiando os americanos, os russos e os tchecos.

— Sim... — murmurou Johnny I. — Decerto.— Qual a atitude das autoridades italianas a respeito do

assunto?

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— Nenhuma determinada. Limitaram-se a admitir Marya e Stefan no país. A menos que...

— A menos que o serviço secreto italiano também esteja na expectativa, vigiando todos os que vigiam.

— Poderia ser — resmungou Johnny.Brigitte sorriu.— Não é uma situação divertida, francamente! Há três

vidas em jogo e duas delas podem valer alguma coisa.— A CIA não se dedica a salvar vida pelo mundo —

lembrou Johnny II.— A CIA, não. Mas a Seção “Pax”, sim. Suponho que

tenham ouvido falar dela.1

— Alguma coisa.— Eu lhes darei muito mais detalhes em outra ocasião.

Agora tenho que sair. Irei sozinha, num táxi.— Se vai a esse albergue, será imprudente que o faça

sozinha.Mas Brigitte já se encaminhava para o quarto. Os dois

espiões tornaram a entreolhar-se.— Que fazemos? — perguntou Johnny I. — Não

deveríamos deixá-la ir desacompanhada.— Supõe-se que saiba se cuidar — disse Johnny II. — De

qualquer modo, se decidiu ir só, nada podemos fazer, salvo prevenir nossos colegas que vigiam o “Albergo Colombo” a respeito de sua ida, para que se mantenham atentos e prontos para intervir, se necessário.

Ficaram ambos pensativos, ruminando esta decisão. E assim os encontrou “Baby”, quando reapareceu minutos mais tarde. Quer dizer, tinha que ser ela, pois saíra do quarto onde tinha entrado, mas...

1 [ver EPISÓDIO PAX]

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Os dois agentes contemplavam estupefatos aquela quarentona loura de grandes seios, de óculos e com roupas que nada tinham de elegantes. Uma mulher vulgar...

— Per la Madonna! — exclamou Johnny II. — É você?— Creio que sim — sorriu a loura. — Espero que não

tentem seguir-me.— Não... Já renunciamos a essa idéia.— Muito bem. Tampouco devem avisar os outros

Johnnies que estão vigiando o albergue. Talvez eles ficassem nervosos e os russos se dessem conta. Depois veriam chegar uma mulher e começariam a tirar conclusões, não é?

Johnny I engoliu em seco, assentindo. A loura apanhou sua maletinha e saiu do apartamento. Na rua chamou um táxi e mandou tocar para o “Albergo Colombo”.

Apeou diante deste e, enquanto pagava a corrida, dirigia olhares discretos para ambos os lados. Esperava identificar qualquer espião, russo ou o que fosse, que houvesse por ali, simplesmente ao vê-lo.

Não o conseguiu. O que só podia significar duas coisas: os espiões que intervinham no caso eram de primeira categoria; e a vigilância era mantida oculta, não com agentes à vista.

No vestíbulo do albergue, sim, dois homens que identificou como agentes secretos. Estavam juntos, sentados em poltronas, conversando aparentemente sobre negócios. Russos. Mais além, em outra poltrona, com um jornal nas mãos, um homem que quase a fez sorrir: via-se que era americano a quilômetros. Não pôde identificar ninguém mais.

Perguntou na portaria por Marya Czapok, em perfeito italiano. Quando, 3á com a informação, virou-se para se dirigir ao elevador, sentiu fixos neta os olhares dos russos.

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De relance, olhou para o americano, que tinha os olhos baixos, como se estivesse lendo o jornal, mas que obviamente a estava olhando. Um trabalho duro, fatigante, muito incômodo, o daqueles homens.

Subiu de elevador ao segundo andar e encaminhou-se para a porta 209. Bateu, enquanto olhava para um e outro lado. Um leve sorriso apareceu em seus lábios excessivamente pintados quando viu uma das portas fechar-se com suavidade. Não pôde ver nenhum olho vigilante, mas foi como se o tivesse visto.

A porta 209 se abriu e apareceu um homem. Um homem que a fez pestanejar: alto, muito louro, atlético, bonito, cujos olhos claros a contemplavam especulativamente e com certa expressão agressiva.

— Que deseja? — perguntou ele, em deficiente italiano.— Disseram-me que Marya Czapok está aqui — disse

“Baby”.— Quem é? E o que quer?— Fala russo? — sorriu a loura.— Falo. É russa?— Não. Mas podemos falar em russo. Certamente nos

entenderemos melhor que em italiano. Posso entrar, senhor Stefan?

— Diga-me quem é e o que quer.— Chamo-me Lili Connors, sou da CIA e quero falar

com Marya Czapok.— Ela não quer receber ninguém. Vá-se embora.Dispunha-se a fechar a porta, mas a loura Lili Connors

adiantou a mão, retendo-a.— Diga a Marya Czapok que me receber pode significar

a vida ou a morte dos três. Creio que me entende.

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Antonin Stefan hesitou. Claro, podia fechar a porta com um simples empurrão, mas, após hesitar, afastou-se para um lado. Lili Connors entrou, ele tornou a fechar e sua mão avançou.

— Se tem alguma arma...— Não seja estúpido — impacientou-se ela. — Se eu os

quisesse matar, a coisa seria atrozmente simples, para mim ou para toda essa gente que os rodeia.

— Tem certeza de que não é russa? — tornou a hesitar ele.

— Absoluta. E pergunto-me se isso o tranqüiliza ou inquieta.

— Na verdade, não sei... — ele passou a mão pelo rosto. — Não sei.

— Talvez a senhora Czapok possa responder melhor às minhas perguntas.

Antonin Stefan assentiu e indicou o interior da suíte.Lili viu Marya Czapok em seguida. Estava de pé a um

canto, como querendo permanecer o mais possível oculta, atitude que não deixava de ser pueril, tendo em conta que se encontrava localizada por três serviços secretos, pelo menos.

Era de boa estatura e bonita, embora um tanto vulgar. Cabelos avermelhados, olhos verdes, lábios sensuais, pele muito branca e salpicada de sardas.

Tranqüilizou-se um pouco ao ver que era só uma mulher quem havia entrado e perguntou algo a Stefan, que lhe deu uma breve explicação em tcheco, de modo que Lili não entendeu. Mas era fácil saber o que havia perguntado.

— Meu nome é Lili Connors — disse em russo — e trabalho para a CIA. Fala o russo, não?

— Muito pouco — Marya moveu a cabeça negativamente.

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— Inglês?— Melhor que o russo — respondeu em inglês.— Poderemos entender-nos usando as duas línguas.— Entender-nos sobre que? — Marya a olhava com os

olhos muito abertos.Lili sorriu, enquanto seus olhos circulavam ao redor.

Havia tantos lugares onde esconder microfones ali dentro que nem valia a pena procura-los, certamente havia mais de um. Salvo se os tchecos não tivessem abandonado um momento sequer aquela suíte desde sua chegada. Talvez.

— Permaneceram nestes aposentos todo o tempo, desde que chegaram de Praga? — perguntou.

— Sim... Por quê?Antonin Stefan disse algo em sua língua e Marya

sobressaltou-se. Lili olhou para ele.— Também fala inglês?— Só algumas palavras — respondeu ele, em russo. —

Mas entendo.— Ótimo. Estão armados?—Claro que não — resmungou Stefan.Lili tornou a sorrir.— É uma boa tática — opinou. — Afinal de contas, de

pouco lhes serviriam umas pistolas. E o fato de estarem desarmados evita que outras pessoas fiquem nervosas. Senhora Czapok, vim lhe fazer uma proposta muito concreta e vantajosa.

— Que oferta? — pestanejou Marya.— Compro-lhes o arquivo de Mikulas Czapok.— Não.— Espere, por favor. Não estou me aproveitando de sua

situação, em absoluto. Meu intuito é ajudá-los. Tento evitar que as feras devorem os três.

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— Não estou entendendo isto muito bem — disse Stefan, em russo.

— Posso ajudá-los a sair vivos desta situação. E asseguro-lhes que minha oferta é a melhor que lhes pode ser feita no momento.

— Mas quer o arquivo de Mikulas — murmurou Marya.— Sim. Só para lhes beneficiar.— Não... — a tcheca moveu a cabeça. — Não, não. Os

americanos não entendem. Tampouco os russos. Ninguém entende. Eu não quero prejudicar os russos e beneficiar os americanos. Nem quero o contrário. Esse arquivo é de Mikulas e será este quem decidirá o que deve ser feito com ele, quando chegar à Roma...

— Seu marido não chegará a Roma se antes a senhora não entregar o arquivo. E uma vez este entregue suas vidas não valerão nada. Espero que me entenda.

— Acha que os russos nos matarão? — exclamou Stefan.— Nós, americanos, faríamos isso. Por que não os

russos?Marya e Antonin trocaram um olhar de sobressalto.

Deram a Lili a impressão de dois coelhos rodeados de lobos.— Não... não creio que os russos nos matem... —

murmurou a mulher.— Vamos, senhora Czapok, seja razoável. Estou lhe

falando com sinceridade. E repito que posso ajudá-los.— Mas é da CIA... Não?— Sou. Entretanto, tenho um modo muito pessoal de

resolver esta espécie de assuntos. Acho que não vale a pena lutar pelo arquivo de seu marido, mas as coisas estão de outro modo e temos que aceitá-las assim. Se me entregar o arquivo...

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— Não penso fazer isso! Já lhe disse que não quero prejudicar os russos, nem ninguém. Para mim, esse arquivo é apenas um meio de conseguir que me devolvam Mikulas. Quando ele estiver comigo, pouco me importará quem o tenha. Mas os russos são quem pode me pagar melhor, com a vida e a liberdade de meu marido, por isso só a eles direi onde está.

— Talvez, se me deixasse falar dois minutos, mudaria de opinião, senhora Czapok.

— Espere, Marya — interveio Antonin, em péssimo inglês. — Não perdemos nada ouvindo-a.

— Obrigada, senhor Stefan — sorriu-lhe Lili. — Esta é minha oferta: servirei de intermediária junto aos russos. Dizem-me onde está o arquivo, eu o vou buscar e o retenho. Enquanto isso, Mikulas Czapok chega a Roma, se os russos aceitarem a troca. Quando ele chegar, os três se dirigem à Embaixada dos Estados Unidos e, a partir desse momento, poderão considerar-se a salvo. Imediatamente, entregarei o arquivo aos russos. Assunto terminado.

Marya Czapok e Antonin Stefan contemplavam-na estupefatos. Olharam-se, tornaram a olhá-la... Continuavam assombrados. Por fim, Stefan perguntou:

— Pretende que acreditemos nisso? Que acreditemos que entregaria o arquivo aos russos? E não só isso: pretende que os russos aceitem semelhantes condições?

— Os russos aceitarão quaisquer condições contanto que recuperem esse arquivo.

— Mas se souberem que passou pelas mãos da CIA compreenderão que foi fotografado, ou algo assim. E isso não aceitarão jamais, suponho.

— Desde o momento em que me fosse entregue o arquivo, haveria um russo comigo para convencer-se de que

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não foi fotografado. Um russo e uma americana. E quando os três já estivessem na Embaixada Americana, eu o entregaria a esse russo, depois nos separaríamos.

— Isso que está dizendo é impossível! — pasmou Marya.— Por quê? — sorriu Lili.— Olhe — interveio Stefan —, nós não entendemos nada

de espionagem, mas... Não sei. Creio que se fosse um espião russo e me fizessem semelhante proposta, teria a impressão de que estavam querendo zombar de mim.

— Digam-me se aceitam este trato, que me encarregarei de estabelecer as negociações com os russos.

— Não .. Não aceitamos.— Lamento-os por isso... — suspirou a loura. — Podem

se dar por mortos. E, claro, nunca mais tornarão a ver Mikulas Czapok vivo.

— Engana-se. Sabemos que logo chegará a Roma, Possivelmente amanhã de manhã.

— Então... já entregaram o arquivo? — sobressaltou-se Lili.

— Não — disse Stefan. — Nós o entregaremos quando Mikulas, Marya e eu estivermos para tomar um avião que nos leve para longe de Roma. Mikulas chegará e, reunidos, partiremos de carro para o aeroporto. Lá adquiriremos passagens, certamente para os Estados Unidos,

— Já que não aceitam oferta alguma da CIA, podem ter certeza de que não os deixarão entrar nos Estados Unidos. Por que nós, americanos, haveríamos de arranjar complicações a troco de nada?

— Pois iremos a outro lugar. Ao Brasil, talvez. E antes de embarcarmos Marya facilitará aos russos o meio de recuperarem o arquivo de meu professor.

— Os russos aceitaram isso?

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— Sim.— Por que não me disseram logo?— Queríamos ouvir sua oferta.— Entendo... O que não entendo é a atitude dos russos. É

quase ingênua, tendo em conta que poderiam enganá-los muito bem a respeito do modo de recuperar o arquivo. Desde quando eles são tão crédulos?

— Sabem que só queremos a vida da Mikulas Czapok. Só isso.

— É a primeira notícia que tenho de tolice dos russos em muitos anos de espionagem — espantou-se Lili. — Mas em minha opinião eles devem ter preparado outra jogada.

— Que jogada?— Não sei, mas tenho certeza de que existe. Insisto em

minha proposta.— Não a podemos aceitar.— Bem. Fiz o que pude. Desejo-lhes boa sorte.Ao sair do albergue, viu um homem que descia de um

carro e, enquanto este se afastava, dirigia-se rapidamente para ela. Era um tipo simpático, alto, louro, magro, de orelhas desproporcionalmente grandes. Apesar de sua simpatia, um olhar da agente “Baby” ao seu rosto, à firmeza de seu queixo ossudo, foi suficiente para ela saber que tinha diante de si alguém digno de ser tomado muitíssimo em conta.

— Olá — sorriu o homem, plantando-se à sua frente. — Como está, colega?

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CAPITULO TERCEIROÉ melhor tomar champanha

Lili Connors arqueou as sobrancelhas e ficou olhando friamente o simpático indivíduo, cuja grande boca se alargava num amplíssimo sorriso.

— Como disse? — perguntou.— Creio que falo muito bem o inglês — replicou ele —,

mas se prefere podemos falar em russo, já que sabe melhor do que eu a sua língua. Permita que me apresente: Mihail Novorov, cidadão soviético e, naturalmente, do MVD. São seis e — olhou seu relógio — vinte da tarde. Ótima hora para tomar um uísque, não lhe parece?

— Está me convidando? — sorriu “Baby”.— Seria um prazer para mim que aceitasse. Podemos

entrar nesse hotel com nome de albergue. Há um bar confortável, miss Connors.

— Santo Deus... — riu ela. — Então há microfones na suíte de Marya Czapok?

— Dentro, não. Pareceu-nos excessivo. Mas colocamos dois fora, na parede do prédio, de grande sensibilidade. E dois de meus camaradas permanecem todo o tempo à escuta. Um deles fala tcheco e italiano; o outro, inglês, francês, italiano e alemão. Estiveram escutando toda a conversa, com um radinho de bolso aberto junto ao receptor, de modo que eu, no carro, pude me inteirar de tudo utilizando também o meu rádio. Constatei que é muito persuasiva, miss Connors.

— Retribuo o cumprimento aceitando esse uísque, colega.

— Muito bem. Vamos lá... E, por favor, nada receie: meus camaradas sabem que prefiro resolver as coisas de

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forma pacífica. Além disso, claro, sabemos que há alguns rapazes da CIA muito perto e não gosto de atritos.

— Como poderíamos chamar isto: entente cordiale?— É um bom nome.Mihail Novorov tomou-a pelo braço, conduzindo-a ao

bar. Ocuparam uma mesa e ele fez sinal para um garçom.— Se prefere outra coisa que não seja uísque...— Na verdade, preferiria uma taça de champanha.O garçom chegou e Novorov fez o pedido. Ofereceu um

cigarro a Lili, acendeu-o e ficou olhando-a com grande curiosidade. Também com certo receio, que ela não deixou de notar.

— Algo não lhe agrada em mim? — sorriu.— Talvez eu esteja enganado a seu respeito, as coisas se

compliquem e terei feito o papel de idiota.— Não compreendo.— Explico. Seu modo de enfrentar esta situação e sua

proposta especialíssima a Marya Czapok, alheia aos interesses básicos da CIA, dão-me esperanças a respeito de sua identidade. Se estou certo, tudo terminará bem. Se estou errado, terei agido como um pateta.

— Continuo sem compreender. Que identidade me atribui? Já sabe meu nome. Não lhe basta?

— Lili Connors é um nome como qualquer outro e pode ser usado por qualquer mulher. Também podia ter dito que se chamava 725 e para mim seria o mesmo. Procuro a identidade, não o nome. Uma pessoa pode usar o nome que quiser, mas continuará sendo ela mesma. Sempre fará as mesmas coisas, atuará do mesmo modo... Compreende-me agora?

— Creio que sim. Mas está falando como se me atribuísse uma identidade que nada tem a ver com meu nome.

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— Exato. Diga-me: estou enganado?— Como posso responder, se ignoro que identidade seja

essa?— Não me atrevo a dizer-lhe. Conversemos um pouco e,

no final da entente cordiale, eu lhe direi se é ou não a pessoa que suponho. Ah, o champanha...

O garçom serviu as duas taças e retirou-se. Novorov ergueu a dele e Lili fez o mesmo, sorrindo.

— Por todos os espiões do mundo — brindou ele.— Sempre que sejam como nós — riu ela.— Claro... — ele tomou um gole e tomou a olhá-la

fixamente. — Miss Connors: eu aceito sua proposta.— Que proposta?— A que fez àqueles dois cretinos. Deviam tê-la aceito

imediatamente.— Refere-se a que Marya Czapok entregue a mim o

arquivo do marido, para que eu o entregue aos russos quando os três estejam a salvo?

— Sim. Eu aceito.— É uma surpresa.— Acha surpreendente minha atitude?Lili refletiu uns segundos e moveu negativamente a

cabeça.— Não. Indica uma inteligência positiva, Novorov.— E muita vontade de evitar complicações. Olhe, nós

queremos esse arquivo, eis tudo. Ficaríamos aborrecidos se Czapok saísse tranqüilamente de cena, mas só um pouco. Por muito que ele fale com os da CIA, não lhe darão crédito se não levar consigo o arquivo.

— O mesmo penso eu.— Portanto, ficamos com o arquivo e Czapok que faça o

que quiser com a sua vida. Ele que vá para o diabo.

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— O que lhes fez ele? — riu Lili. — Até há pouco, entendo que foi muito útil ao MVD.

— Foi. Mas... Bom, não pretenderá que eu lhe explique o que aconteceu, não é?

— Gostaria de saber, mas compreendo sua discrição.— Obrigado. Na verdade, quer apenas salvar a vida de

três pessoas?— Sim, na verdade.— Nenhum outro objetivo?— Nenhum.— E aceitaria que um russo a acompanhasse, quando

fosse receber o arquivo... e o entregaria pacificamente?— Sim.— E se dois russos a acompanhassem?— Também.— Três russos?— Também.— Vinte?— Também — riu Lili.Novorov coçou a cabeça, sorrindo.— Trato feito. Falarei com os dois idiotas aí de cima para

que lhe entreguem o arquivo, dizendo-lhes que aceitamos este acordo.

— E me fará escoltar por vinte russos até onde está o arquivo?

— Não. Um só. Confio em você, “Baby”.— Como disse?— Disse que confio em você, “Baby”.— Você tem muita imaginação, Mihail.— Tenho. Quando garoto, gostava de contar estórias. Isso

foi quando os alemães invadiram a Rússia... Nós, garotos, nos escondíamos deles ficávamos contando estórias.

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Tínhamos uma fome atroz e quase morríamos de frio, mas contamos estórias muito bonitas, nas quais degolávamos milhares de alemães. Até anos atrás, imaginava que meu ódio jamais se extinguiria. Mas depois houve em mim certa evolução e acontece que hoje não odeio ninguém. Não é estranho?

— Talvez,.. Mas admirável. Fico alegre por você ter entrado em contato comigo, Mihail.

— Eu também me alegro. Se terminarmos bem este assunto, pelo menos duas pessoas ficarão contentes. Você e eu.

— Certo — sorriu a loura, tomando a erguer a taça. — Por todos os espiões do mundo?

— Por todos os espiões do mundo — Novorov fez o mesmo e bebeu. — Um de meus camaradas irá com você buscar o arquivo quando chegar o momento.

— Pensei que você mesmo viesse.— Não vale a pena. — Que quer dizer?— Que não espero nenhuma jogada suja de sua parte, por

isso não preciso me incomodar. Falarei com Marya Czapok, quando tiver confirmação da chegada do marido, e direi a ela que aceitei suas condições. Então combinaremos seu encontro com o meu camarada.

— Você me chamará? Onde e como?— Vou lhe entregar meu radinho. Como tenho outros,

poderei chamá-la quando chegar o momento. De acordo?— De acordo.Ele tirou o radinho do bolso e deslizou-o por cima da

mesa. Lili o guardou na maletinha vermelha, que Novorov contemplou com curiosidade.

— Mais champanha? — perguntou ele.

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— Não. Uma taça é a minha conta. Obrigada pelo convite.

— Foi um prazer para mim, por isso quem agradece sou eu. Há uma coisa que quero deixar bem clara, Lili.

— Qual?Novorov serviu-se mais champanha.— Olhe — murmurou —, eu sempre admito que posso

me enganar, o que talvez esteja acontecendo agora a seu respeito. Se assim é, peço-lhe que medite bem. Claro, para você não seria problema desembaraçar-se do camarada que designarei para acompanhá-la... A agente “Baby” é capaz de fazer isso num abrir e fechar de olhos. Mas peço que pense bem, por favor, pois se enganar meu camarada, se o matar, dedicarei o resto de minha vida de espião russo a assassinar agentes americanos — seu olhar frio chocou-se com o dela. — Entendido?

— Entendido.— Talvez o que digo lhe pareça brutal, mas é assim

mesmo.— Parece-me que sua ameaça está sobrando, Mihail.— Tanto melhor.— Fico à espera de que me chame quando souber algo

concreto.— De acordo. Já se retira? — ele se pôs rapidamente de

pé. — Acompanho-a até a porta.Tornou a tomá-la pelo braço e ambos saíram do bar. Na

calcada, Lili, estendeu-lhe a mão.— Adeus, Mihail.— Vou celebrar a boa solução de tudo isto terminando

aquela garrafa de champanha — disse ele. — Não nos tornaremos a ver?

— Sim. Tenho uma proposta a fazer-lhe. De tipo pessoal.

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— Oh! — o russo olhou-a pasmado. — Não pode fazê-la agora?

— Não é o momento. Até a vista, Mihail. Boa sorte.— O mesmo lhe desejo. Quer que lhe chame um táxi?— Não, obrigada. Irei a pé.Ela afastou-se, virando-lhe as costas sem nenhuma

preocupação aparente. Dobrou a esquina e o russo voltou ao bar. Sentou-se, serviu-se mais champanha e bebeu, enquanto um homem sentava-se diante dele e perguntava:

— Que aconteceu?— Nada. Tudo vai bem. Ela era “Baby”.O outro ficou boquiaberto.— “Baby”? — exclamou. — E você a deixou partir? Se

essa mulher intervém...— Tome um pouco de champanha, Georgi — sorriu

Novorov. — Pode usar a taça dela. É uma mulher sadia.— Deixe de tolices! Você podia tê-la eliminado!— “Baby”? — Novorov olhou-o ironicamente.— Claro! Devia ter feito isso! Acontecesse o que

acontecesse, devia ter feito!— É muito mais importante o assunto do arquivo, que vai

por muito bom caminho, do que matar “Baby”. Por outro lado, não teria conseguido.

— Como não? Teve-a ao seu alcance...!— Georgi, vou lhe dar um conselho: é melhor encher a

boca de champanha que de tolices. Beba, camarada. Quanto a matar “Baby”, não serei eu quem o tente, em circunstâncias semelhantes. Não, camarada, não... Eu posso ser o que você quiser, mas nunca um imbecil suicida. E isso o que teria sido se houvesse pretendido surpreender essa mulher... — Mihail tornou a sorrir. — Na verdade, prefiro tomar champanha.

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CAPITULO QUARTO— Qual de vocês vai dormir comigo?

— Dar de beber a quem tem sede! — exclamou Johnny II. — Por todos os diabos, você passou a tarde tomando champanha com um russo!

Lili Connors dirigiu-lhe um olhar plácido e sorridente.— Há piores maneiras de passar o tempo, Johnny —

disse.— Por exemplo, trocando tiros com um russo admitiu

Johnny I. — Mas vejamos, que tinham a se dizer você e esse Novorov?

— Chegamos a um acordo.— Um acordo? Sobre quê?— Sobre o arquivo e essas três pessoas, naturalmente.Os dois agentes da CIA se olharam, pasmados.— Que espécie de acordo? — quis saber Johnny II.Lili o explicou, ante o crescente assombro dos Johnnies.

E, terminado o relato, o pasmo de ambos era insuperável.— Pelo amor de Deus... Você vai confiar nesse russo?!— Por que não?— É um russo!— E nós somos americanos. E daí? — Mas... Ele a enganará!— Que ganharia com isso?— Quê... quê... quê...?— Que ganharia Novorov enganando-me? Ele só quer o

arquivo.— Também nós o queremos! E com esse acordo feito por

você, lá se vão nossas chances de consegui-lo!— Mas talvez possamos dar-lhe uma olhada.

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— Sim? Como? Se você lançar uma olhada a esses documentos, o russo que a acompanhe saberá. E não creio que isso faça parte do trato! Se você lesse alguns documentos desse arquivo, poderia ratificar as explicações que Mikulas Czapok desse à CIA, uma vez livre, e os russos têm que compreender isso. Portanto, não deixarão você ver documento algum. Um momento! Eu entendo sua jogada, “Baby”!

— Ótimo. Qual é minha jogada?— Irá buscar o arquivo com um russo, com efeito. Mas

quando o tiver em seu poder, se desembaraçará do russo e ficará com ele. Okay?

— Não... — riu Lili. — Claro que não! Isso seria uma sujeira! Além disso, a vida do russo que me acompanhará é sagrada. Quero que isto fique bem claro.

— E a sua? Sua vida é sagrada para o russo que a acompanhará?

— Oh, isso é outra coisa... Mas espero saber controlar adequadamente a situação.

— Confiamos nisso — admitiu Johnny II. — Mas não conseguirá o arquivo. E francamente, “Baby”, acho absurdo você arriscar sua vida para nada.

— Não se preocupe: estou me divertindo um bocado.— Está... se... divertindo?— Sim, sim: tudo isto me diverte.— Não entendo! — bradou Johnny I.— Somos um

montão de agentes secretos na iminência de romper hostilidades por esse maldito arquivo e você diz que está se divertindo!

— Como se costuma dizer nas competições esportivas, o importante não é ganhar, mas participar. Diverte-me participar.

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— Embora não ganhe?— É que... Bom, durante muitos anos, Johnny, observei

uma coisa curiosa a meu respeito: sempre ganho.— Se não conseguir o arquivo, esta vez não ganhará.— E por que temos que pensar que o mais importante

neste assunto é realmente o arquivo?Novo pasmo dos agentes da CIA.— Que é mais importante que o arquivo? — grunhiu

Johnny I.— A fome.— Como?!— A fome.— Mas... mas que tem a ver fome com um arquivo de um

espião importante?— Disse fome em sentido figurado. Mas vejamos...

Suponhamos que você tem um barco cheio de pães e que haja mil pessoas famintas, as quais sabem que você tem esse barco. Que supõe que farão essas mil pessoas?

— Suponho... suponho que quererão conseguir os meus pães.

— Exato — concordou Lili. — Mas eu me pergunto: o que é realmente importante nessa situação: o pão ou a fome?

— Sei lá! Você me desconcerta!— Sempre, o mais importante é ânsia por alguma coisa,

não a coisa ansiada. Vejamos outro exemplo: um diamante com o valor de um milhão de dólares. Eu não daria nem mil dólares por ele. Para mim, realmente, não vale nada. Então, na realidade, o diamante não tem nenhum valor?

— Suponho que vale o que alguém quer que valha..— Exatamente! Voltemos ao arquivo de Mikulas Czapok.

Quando vale? Para mim, nada, pois não anseio por ele. Não

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tenho fome desse arquivo. Mas os russos têm. O arquivo, em si, pode não valer nada.

Os russos não pensam assim,— Porque têm fome do arquivo. Então, o importante, o

que realmente nos dará uma idéia do seu valor é a fome dos russos. Quanta fome têm? Vamos deixar que se delatem um pouco nesse sentido. E quando soubermos a medida de sua fome, resolverei se vale ou não a pena buscar complicações por causa desse arquivo? Está claro?

— Minha cabeça está doendo — sorriu Johnny II.— A minha também — sorriu Johnny I.— Há um remédio especial para isso — disse Lili, muito

séria. — São nove e pouco da noite e estou com certo apetite. Sugestão: vamos comprar esses gostosíssimos pastéis italianos, duas garrafas de champanha e caviar persa, e nos dedicaremos a consumir tudo enquanto esperamos que Mihail Novorov me chame pelo radinho.

* * *Pelas dez e meia, Lili Connors, que havia tirado seu

incômodo disfarce de loura, estava explicando aos dois agentes da CIA as peculiaridades da Seção “Pax”, por ela mesma criada dentro da CIA, quando zumbiu o radinho que lhe havia cedido Mihail Novorov. Imediatamente, ela admitiu o chamado.

— Alô?— É você... Lili?— Sim, Mihail. Diga.— Sinto muito, mas não poderemos realizar nosso trato.— Não? Por quê?— Quando uma pessoa é cretina, não tem remédio.

Marya Czapok não quer aceitar.— Como não quer aceitar? — surpreendeu-se Lili.

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— Não pude convencê-la. Diz que não quer complicações, que não quer que a CIA intervenha no assunto, que só quer tratar conosco. Que lhe devolvamos o marido e ela nos entregará o arquivo. Como você compreenderá, isto faz com que os planos do MVD voltem à posição inicial... e eu não posso desobedecer a certas ordens que podem ser perfeitamente cumpridas.

— Quer dizer que matarão os Czapok e Stefan?— Para eles teria sido melhor aceitar a sua proposta, pois

assim se colocariam fora de nosso alcance. E eu justificaria minha atitude declarando que tinha que aceitar esse trato ou nenhum. Mas a obstinação de Marya significa que, quando Mikulas chegar, os três ficarão à nossa mercê.

— Insisto: você tem ordem de matá-los quando recuperar o arquivo?

— Não tenho mais remédio que obedecer. Essa idiota de mulher não me deixa outra saída. Sinto muito ter que dizer a você que entre nós não há mais trato, pelo que cada qual fará o que lhe convenha, ou o que possa. Entendido?

— Entendido, Mihail. Como é possível que essa mulher seja tão tola?

— Tola? É uma retardada mental. Expliquei-lhe tudo muito bem, disse-lhe que o marido chega amanhã às doze num avião da “Aeroflot”, que os três poderiam ir para a Embaixada Americana... Tudo. Mas não adiantou.

— Pior para ela — murmurou Lili. — Então o trato é direto com vocês?

— Marya Czapok quer assim.— Está bem. Obrigada, Mihail.— Olhe... Você sabe como estão as coisas, “Baby”.

Queremos o arquivo acima de tudo, de maneira que não teremos muitas contemplações na hora de consegui-lo...

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— Está sugerindo que, para evitar mortes, a CIA deve conservar-se à margem?

— Não lhe parece uma boa idéia?— Regular, nada mais. Tenha em conta que não se trata

só da CIA. Deve haver agentes de outros serviços rondando o “Albergo Colombo”.

— Sinto por todos, mas nós queremos esse arquivo.— Está bem, Mihail, não se preocupe. Entendi

perfeitamente: a confrontação, se tiver lugar, será brutal, não é assim?

— É.— Agradeço o aviso. Será tomado em conta,— Eu preferiria que não nos enfrentássemos.— Eu também — sorriu Lili. — Refletirei sobre a sua

sugestão.— Faça-o, por favor. Ah, outra coisa: a respeito dessa

proposta pessoal que queria fazer-me... Não posso saber agora de que se trata?

— Não.— É relacionada com este assunto?— Em absoluto.— Ah. menos mal... Adeus, “Baby”.— Adeus, Mihail.Ela fechou o radinho e ficou pensativa, olhar perdido.— Parece que não podemos ter muitas dúvidas sobre a

fome dos russos, hem? — falou Johnny I.— Hã...? Não, claro.— Essa mulher não se fiaria nem no Bom Deus —

resmungou Johnny II. — E com isso só vai conseguir morrer junto com o marido e Antonin Stefan. Imagino que façamos alguma coisa, em vista das novas circunstâncias... que são as mesmas do princípio.

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— Claro que faremos — Johnny I olhou para Lili. — O que, “Baby”?

— Tendo em vista o adiantado da hora, o melhor será irmos dormir.

— Dormir? Mas...— Se nos aproximarmos do “Albergo Colombo”, só

conseguiremos uma refrega estúpida com os russos, prejudicial a ambas as partes, é lógico. Gostaria de resolver este assunto sem disparar um só tiro. Bem... Qual de vocês vai dormir comigo?

Os dois agentes da CIA arregalaram olhos que não tinham tamanho, gaguejariam, alteraram os ritmos respiratório e cardíaco.

— Pergunto porque neste apartamento só há um quarto com duas camas — riu ela. — Logo, um terá que dormir lá comigo e o outro no sofá da sala, não é isso?

CAPÍTULO QUINTOAssassino profissional

Às onze e um minuto da manhã seguinte, o avião da companhia russa “Aeroflot” aterrissou em Fiumicino, muito peto das dependências de recepção para vôos internacionais.

E de um dos terraços a anciã de cabelos brancos e vestes negras colocou uma vez mais diante dos redondos óculos o pequeno binóculo de teatro. Já parado o avião, empregados do aeroporto estavam aproximando a escadinha rolante para a descida dos passageiros.

Como para que tal acontecesse ainda faltava um pouco, a anciã dedicou-se a olhar ao redor com o binóculo. Para qualquer um, ela estaria simplesmente passando o tempo, já que não parecia se interessar por nada. Mas na verdade a boa

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velhota poderia causar surpresas a quantos se encontravam por ali.

Por exemplo, se tivesse abordado Mihail Novorov perguntando-lhe: “Como vai, colega?”, ele sem dúvida se espantaria muito. O mesmo teria ocorrido com mais quatro agentes soviéticos, que se deviam considerar discretíssimos ocupando seus postos de observação e vigilância. Também, salvo se estivesse enganada, muito teria surpreendido pelo menos dois homens que identificara como agentes do serviço secreto italiano. E ainda mais dois homens, claro que espiões, mas que não pudera classificar.

Havia também muitos policiais italianos, todos ostensivamente despreocupados.

— E tudo por um traidor — refletiu a anciã. Até que ponto pode ser interessante seu arquivo do ponto de vista internacional? Um arquivo sem duvida desatualizado. Além disso, parece provável que sua parte mais importante se refira à invasão da Tcheco-Eslováquia pelas forças do Pacto de Varsóvia... E que pode isso valer agora? Creio que nada. Mas, evidentemente, os russos têm fome desse arquivo.

Baixou o binóculo e espiou por sobre a borda do terraço. Agora não via Novorov e seus camaradas, mas decerto ali estavam à espera. Provavelmente só se encarregariam de Czapok quando este deixasse o serviço de passaportes, para então levá-lo para junto de sua esposa e Antonin Stefan.

Os russos e italianos tinham chegado a um acordo? Parecia que sim. Isso significava, naturalmente, que os segundos tinham obtido alguma concessão por parte do MVD. Um trato plausível. Às autoridades italianas não interessava que houvesse complicações em seu país. Assim, em troca de discreta colaboração com os russos, garantiam

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boas maneiras e também alguma informação valiosa que lhes pudesse conceder o MVD.

Em suma, quem estava em pior situação para conseguir o arquivo era justamente a CIA.

— E isso é o que não me agrada — pensou a anciã —, pois eqüivale a desafiar a CIA e, portanto, a mim, pois Novorov sabe que estou ....... Aí vem os passageiros!

Tornou a utilizar o binóculo. Logo identificou Mikulas Czapok, graças à foto que Johnny lhe havia mostrado.

— Um homem interessante... Boa presença, aspecto atraente, saudável. E um famoso professor, de História.

Pôde captar sua expressão de fadiga e também de temor. Em seu rosto não havia marcas de golpes. Mas, pensou, os atuais sistemas de... persuasão excluíam a brutalidade física. Havia drogas que operavam milagres na mente e no corpo do interrogado. Além disso, um homem podia ser espancado até a morte sem que ficasse nenhum sinal de maus tratos.

À medida que Czapok, entre os outros passageiros, ia-se aproximando do terraço, os policiais italianos deslocavam-se também, em boa ordem e com evidente perícia.

Quando todos desapareceram sob o terraço, a anciã abandonou este e, pouco depois, instalava-se perto da saída dos vôos internacionais, verificando que em todo o recinto a concentração policial era intensa. Assim, a possibilidade de seqüestrar Czapok para obrigá-lo a dizer onde estava o arquivo diminuía a cada instante. Os russos estavam trabalhando bem.

Através da vidraça, ao fundo, tornou a ver Mikulas Czapok. Perto dele estava agora Mihail Novorov, com os dois camaradas que na tarde anterior o haviam acompanhado

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ao “Albergo Colombo”. Também dois homens à paisana, de aspecto latino, e meia dúzia de gialli, bem distribuídos.2

A anciã abriu sua maletinha encapada de preto, após sentar-se numa das poltronas do vestíbulo. Sacou um maço de cigarros e destacou um deles.

— Nenhuma possibilidade razoável — murmurou cm inglês. — Retirem-se todos.

— Tem certeza? — brotou do maço de cigarros uma voz masculina.

— Completa. A polícia italiana e também o serviço secreto estão intervindo. E com isto não contávamos. Retirem-se.

Aparentemente, nem sequer havia movido os lábios. Estivera olhando o cigarro e pareceu desistir de fumar, empurrando-o novamente para baixo e guardando o maço. Na verdade, sentia-se irritada com aquela ostentação de forças que impedia os Johnnies de intervir, pois se o fizessem transformariam o aeroporto num inferno, coisa que ela não desejava em absoluto.

Assim, levantou-se e saiu do edifício. Outros policiais no exterior, Incrível. Afastou-se uns passos, virou-se. Perto dela havia muitos carros estacionados. Apoiou-se a um deles e ficou olhando torvamente a saída do aeroporto.

Três minutos depois Mikulas Czapok apareceu, precedido por quatro gialli. Acompanham-no Mihail Novorov e os outros dois russos. Em seguida, mais policiais. Estavam chamando um pouco a atenção, claro, mas esse era um mal menor.

Via perfeitamente o rosto de Czapok, pois este ia-se aproximando do estacionamento. E, súbito, aquele rosto

2 [gialli: plural de giallo, nome dado pelo povo aos policiais italianos]

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desapareceu. Numa explosão vermelha. Explodiu no ar. E o corpo foi brutalmente projetado para trás, com tanta força que os pés atingiram altura superior àquela em que estivera a cabeça. Foi cair aos pés de um dos policiais italianos que o seguiam e ali ficou, grotescamente retorcido.

Por um instante, a surpresa foi tal que ninguém se moveu. Que havia acontecido? Como...?

Por trás da anciã, entre os carros, soou um tiro e ouviram-se gritos de homem, em italiano. Outro tiro. Mais gritos. A anciã virou-se e viu, em primeiro lugar, o quepe de um policial italiano, deslocando-se velozmente por entre os veículos. Depois pareceu-lhe ver a cabeça descoberta de outro homem, que corria, afastando-se para o lado direito do estacionamento.

Mais um tiro, e a cabeça descoberta desapareceu de sua vista.

Agora ouviam-se apitos, vozes excitadas, corridas, ordens em italiano... A anciã virou-se para onde Mikulas Czapok tinha caído. Junto a ele, ajoelhado. estava Novorov e, de pé a seu lado, pistola em punho, os outros dois russos. Os policiais italianos corriam para ela, também empunhando armas. Afastou-se agilmente de seu caminho.

Desinteressou-se deles, aproximando-se, “muito excitada”, de onde jazia Czapok. Deteve-se perto deste e de Novorov, enquanto os dois outros russos não sabiam o que fazer.

— Mon Dieu! — exclamou ela, com sotaque parisiense. — Est-ce qu’il est mort?

Mihail Novorov levantou-se, aproximando-se dela, que parecia incapaz de afastar a vista daquela cabeça destroçada.

— Allez vous en, madame — pediu ele num francês não menos perfeito. — S’il vous plaie, allez vous en.

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— Mais cet homme. es-il...?— Je vous en prie, madame: allez, allez...Tomou-a pelo braço, afastando-a. Os outros dois russos,

apoiados por policiais italianos, formaram uma barreira ao redor do cadáver.

A anciã chegou à entrada do aeroporto e ali se deteve, olhando para onde tinham acorrido em sua maior parte os policiais italianos. Estavam agora agrupados à borda do estacionamento e olhavam o chão. Dois se destacaram do grupo, aproximando-se de Novorov. A anciã viu o rifle na mão de um deles. Permaneceu imóvel, como um ser insignificante, despercebido.

Os dois policiais chegaram diante de Novorov e o que tinha o rifle estendeu-o. Uma arma formidável, munida de silenciador e mira telescópica. Uma arma de atirador profissional.

A anciã voltou, dirigiu-se ao edifício do aeroporto e foi sentar-se numa das poltronas, olhando pela vidraça o grupo que examinava o rifle. Alheia ao pânico que se havia produzido, ali ficou, imóvel, observando uns e outros, até que finalmente chegou uma ambulância, na qual foi colocado o cadáver de Czapok, depois o do atirador profissional que o havia assassinado e que, por sua vez, caíra sob as balas de um dos policiais italianos. O qual, certamente, estava agora dando explicações sobre o ocorrido, com a formidável capacidade mímica de sua raça. Era como se ela estivesse lá, ouvindo as explicações do excitado giallo, que ainda tinha a arma na mão, como se já não soubesse o que fazer com ela. De seus gestos, depreendia-se que, simplesmente, ele estivera no estacionamento e, súbito, vira ou ouvira algo à sua esquerda. Olhara, vira um homem que

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se afastava correndo com um rifle e contra ele atirara uma, duas, três vezes. .

Todo o grupo que ela estava olhando ergueu de súbito a cabeça. Fez o mesmo. E no luminoso céu primaveril avistou o helicóptero, chegando.

Sobrevoou uma só vez o estacionamento, depois desapareceu a toda a velocidade para o norte.

— Admirável... — murmurou ela. — Admirável de verdade.

Levantou-se, saiu do edifício... e súbito ficou como cravada no chão, pensativa. Tornou a entrar, sentou-se, colocou a maletinha sobre os joelhos e assim ficou, imóvel, não menos de cinco minutos.

— Sim. Vou passar esse telegrama.Dez minutos mais tarde, depois de ter enviado o

telegrama, a anciã saía definitivamente do aeroporto, tomava um táxi e mandava tocar para Roma.

* * *Johnny I abriu a porta do apartamento, viu a anciã e

suspirou aliviado.— Graças a Deus! Começávamos a temer que algo

tivesse acontecido com você.— Estou bem — disse ela, entrando. — Já sabem do

ocorrido?— Claro. Nossos companheiros que foram ao aeroporto

nos contaram pelo rádio. Você demorou muito e receamos...— Já vêem que nada houve comigo. Mas temos que

trabalhar e muito.— Vamos em busca de Marya Czapok?— Não. A partir deste momento será ainda mais difícil

aproximar-se dela.— Quer dizer que perdemos definitivamente a partida.

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— Ainda não. E lhe direi uma coisa, Johnny: agora sou eu quem tem fome desse arquivo.

— Ora muito bem! — exclamou Johnny II, refestelado numa poltrona da pequena sala. — Mas se, segundo você mesma, será mais difícil que nunca se aproximar de Marya Czapok e Antonin Stefan...

— Tudo depende do que Mihail Novorov fizer. Se resolver levar Marya para a Rússia, coisa que agora pode fazer, pois chegou a um acordo com o serviço secreto italiano, então já não teremos vez. Talvez, porém, lhe ocorra uma jogada menos violenta... e mais astuta, claro,

— Que jogada?— Nosso colega russo tem agora dois caminhos: levar a

viúva e seu acompanhante para a Rússia, aproveitando seu convênio com os italianos, ou enganá-la.

— Entendemos a primeira possibilidade. Mas como ele a enganaria?

— Pode dizer-lhe que o marido não chegou naquele avião, que chegará esta noite ou amanhã. E enquanto isso, irá convencendo-a a aceitar outras condições, ou irá sondando-a... Sim, poderá enganá-la.

— É muito mais simples levá-la a Moscou, quebrar-lhe alguns ossos e obrigá-la a dizer onde está o arquivo. Simples e eficiente. Na realidade, a morte de Mikulas simplificou as coisas para os russos... sempre tendo em conta que fizeram um trato com os italianos.

— Não estou de acordo com você — disse Johnny II: — para matar Czapok e tudo isso, não o precisavam tirar da Rússia. Que objetivo teria toda essa farsa de trazê-lo aqui para que o matassem? Quanto a levar imediatamente Marya para a Rússia, parece-me o mais conveniente para eles. Mas, contando com a colaboração dos italianos, podiam ter feito

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isso sem necessidade de trazer Czapok até aqui. Além disso, o homem que o matou foi morto por sua vez... Não é assim, “Baby”?

— Foi morto por um policial italiano. Como estão nossas relações com a polícia deste país atualmente?

— Temos lá dois bons amigos.— O bastante bons para que nos facilitem um informe

completo sobre o ocorrido?— Naturalmente.— Pois vá você mesmo conseguir esse informe. Quanto

antes o tivermos, melhor. Você, Johnny II, assuma o comando do nosso grupo. Que não deixem de Vigiar o “Albergo Colombo”, pois quero saber se levam Marya Czapok e Antonin Stefan, mas que não intervenham, que não tentem nada.

— Vamos deixar que os levem?— Não podemos fazer outra coisa. Quando o jogo se

desenvolve entre espiões, e podemos trabalhar em silêncio e à nossa maneira, há sempre uma possibilidade. Mas intervindo a Polícia italiana, só podemos perder. Podem reunir dezenas d homens. Nossa única esperança é que Novorov resolva enganar Marya Czapok retendo-a no albergue. Se tal acontecer, tenho uma jogada especial para os russos e os italianos.

— Que jogada?— Muito especial — murmurou.A anciã sorriu friamente.— Bem... Depois nos dirá de que se trata. Vamos agora

cumprir suas ordens. Ouça: não acha que poderia sondar Novorov falando-lhe pelo radinho que ele lhe cedeu?

— Talvez. Mas se não for ele quem me chamar, então não haverá nada que fazer.

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— Pensa que ele a chamará? — assombrou-se Johnny II.— É possível que o faça. E se o fizer terá perdido a

partida. Eu fico aqui, esperando esse informe de nossos amigos da Polícia italiana... e o possível chamado de Mihail Novorov.

CAPITULO SEXTOO truque é amar

Mihail Novorov chamou a agente “Baby” exatamente às três e cinco daquela tarde.

— Alô?— Miss Connors?— Olá, Mihail!— Olá. Suponho-a sabedora do ocorrido no aeroporto.— Lógico. Estou esperando um informe completo de uns

amigos da CIA na Polícia italiana.— Ah. Bem, não precisava se incomodar por isso: eu

mesmo posso lhe oferecer esse informe, que aliás é muito simples.

— Muito gentil de sua parte. Escuto.— Já sabe que mataram Czapok com um tiro de rifle.

Arma de profissional. Um americano.Brigitte pestanejou.— O atirador era americano?— Segundo seus documentos, sim. Chamava-se Norman

Hayes. Foi averiguado pela Polícia que chegou ontem à Itália, procedente dos Estados Unidos. Não sabia disto?

— Eu?— Ou a CIA, se prefere.— Está sugerindo que esse Norman Hayes foi enviado

pela CIA?

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— Bom... Só perguntei se você sabia algo a respeito.— Não. Em absoluto. Mas acho estúpido que a CIA

enviasse outro agente sabendo que estou aqui.— Sim, claro. Pois não entendo. Claro que os

documentos desse americano podem ser falsos. E talvez nem sequer seja americano. Creio que a Polícia daqui se porá em contato com a do seu país e levantará a identidade do atirador. Mas enquanto tudo isto se resolve pelos trâmites oficiais, eu necessito de você.

— É uma piada, Mihail?— Só quero saber se aceita... reencetarmos o trato que

ontem não pôde cumprir-se por obstinação de Marya Czapok.

— Acaso ela mudou de idéia ao saber que o marido foi assassinado?

— Bem, o fato é que...— Não lhe contou? Ela ainda ignora que o marido

morreu?— Sim, com efeito, ainda ignora.— Pois conte-lhe, para ver o que faz. Talvez se assuste e

aceite que a deixem escapar com vida.— Eu preferiria fazer as coisas de um modo menos

brutal. E as mulheres têm reações imprevisíveis. Talvez ela arranje complicações inesperadas se souber que o marido morreu.

— Que espécie de complicações?— Não sei. Mas, como já lhe disse, só quero o arquivo de

Mikulas. O resto não me importa. E receio que algo imprevisto estrague todo o meu trabalho. Como a morte de Mikulas. Não quero mais problemas. Se você me ajudar, tentaremos novamente convencer Marya e eu conseguirei de uma vez esse maldito arquivo.

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— E se eu não ajudar?— Não sei o que farei. Mas suponho que logo virá a

ordem de levar Marya e Stefan a Moscou.— Isso seria o mais simples para você.— Talvez... Mas seria contanto que Marya não tenha

previsto isso. É uma mulher inteligente, embora teimosa. Se previu que a podemos levar para a Rússia, é possível que tenha algum amigo que, ao vê-la sair, se apresse a comunicar à CIA que pode lhe entregar o arquivo.

— Entendo — riu Brigitte. — De onde se depreende que você não pode retirar Marya Czapok do albergue sem correr o risco de que ela, em represália, envie algum amigo desconhecido para entregar o arquivo à CIA. Per Bacco, colega, você é de uma desfaçatez tremenda pedindo minha ajuda para impedir isso!

— Bem... Pareceu-me que você não tinha interesse pelo arquivo, apenas por algumas vidas humanas. Depois há outra questão: alguém além de nós está intervindo, tendo por objetivo o arquivo de Czapok, naturalmente. Por enquanto eliminaram este. Que mais farão? Se continuarmos utilizando as armas, tudo acabará mal para todos.

— Sim.— Então reencetamos o trato?— Posso responder-lhe dentro de algumas horas, Mihail?

Estou esperando uns dados e terei que me interessar por esse homem com documentação americana. Na verdade, gostaria que não houvesse mais mortes, mas tampouco quero cometer alguma tolice.

— Isso eqüivale a admitir que a CIA pode ter enviado Norman Hayes para que matasse Czapok, dispondo-se então Marya a entregar-lhes o arquivo, por acreditar que o marido

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foi assassinado pelos russos... O que me parece uma jogada das mais sujas, francamente.

— Estou de acordo com você. Mas só dentro de algumas horas lhe poderei dar uma resposta. Sinto muito.

— Quantas horas?— Não sei... Quatro, seis, dez...— Olhe, são três e dez da tarde. Se antes das nove da

manhã você não tiver aceito meu trato, terei de levar Marya e Stefan para a Rússia, aconteça o que acontecer.

— De acordo — disse secamente Brigitte. — Se eu decidir reatar minhas boas relações com você, chamarei pelo rádio. Se não chamar cada um poderá fazer o que queira, pois não haverá flato. Adeus.

Cortou a comunicação. Depois utilizou o seu radinho.— Diga — ouviu.— Quero falar com Johnny I.— À escuta, “Baby’ — soou a voz deste agora. — Pode

dizer.— Soube que o assassino de Czapok tinha documentos

americanos, com o nome de Norman Hayes. Está correto este dado?

— Espero o informe. Não creio que demore muito, mas ainda não lhe posso dar uma resposta exata.

— Está bem. Fique à espera desse informe, mas enquanto isto recorra aos nossos sistemas de comunicação mais rápidos. Envie o nome de Norman Hayes à Central, para que o investiguem. Que recorram à Polícia, ao FBI, a todos os serviços de informação. Quero saber o quanto antes se Norman Hayes era realmente americano, a que se dedicava, quem se relacionou com ele e quando, onde...

— Sim, sim, entendo. Tratarei disso imediatamente. Como soube o nome?

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— Mihail Novorov me disse.— Ah... E isso quer realmente dizer que o russo perdeu a

partida, que vamos conseguir o arquivo?— Sem a menor dúvida.— Oh, formidável! — celebrou Johnny I.— Mas, para

falar a verdade, tenho mais interesse em saber como você vai conseguir o arquivo. Mais alguma coisa?

— Não, Johnny. Até logo.Brigitte fechou o rádio, olhou seu reloginho, pegou sua

maleta e abandonou o apartamento.Regressou às cinco e vinte, com um pacote.Johnny I, que a esperava, olhou o pacote com

curiosidade.— Que é? — perguntou.— Material para brincadeiras. Tem o informe?— Tenho. Chamei você pelo rádio, mas não obtive

resposta.— Estive fazendo compras. Vejamos esse informe —

olhou seu reloginho e fez um cálculo mental. — Deve estar quase chegando.

— Quem?Ela sorriu, tomou o envelope com o informe e sentou-se.

Acendeu um cigarro e começou a ler. Nada que Mihail já não lhe tivesse dito, a não ser o nome do policial que abatera Norman Hayes. Chamava-se Martino Carosone.

— Este nome me diz alguma coisa — murmurou. — Carosone.

— Não sei que fim levou, mas havia um cantor chamado Renato Carosone.

— Ah, sim — riu Brigitte. — Suponho que esse policial não será parente do cantor. Aqui está seu endereço: Via Frattina, 32.

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— Isso fica perto da Piazza di Spagna.— Eu sei. Bom, Johnny, agora quero que me escute com

atenção. Vamos lograr os russos.— Ótimo! — ele esfregou as mãos. — Sou todo ouvidos.— Ótimo, digo também eu: se você esquecer alguma

coisa, todos nós ficaremos em apuros.— Não esquecerei nada — garantiu o espião.— Muito bem. Vejamos, a primeira coisa que...Deviam ser quase seis horas quando Johnny acabou de

repetir pela segunda vez as instruções da agente “Baby”. E seriam seis e oito minutos quando o radinho, que estava sobre a mesa, emitiu um zumbido.

— Alô? — atendeu ela.— Subo? — ouviu-se uma voz masculina.— Não. Desço imediatamente, querido.Fechou o rádio, guardou-o, apanhou o pacote, a matetinha

e olhou para Johnny, que assentiu com a cabeça, sorridente.— Fique tranqüila, não esquecerei nada. Isto é fantástico:

quando a vi no aeroporto, pensei que não podia haver uma mulher mais bonita. E me enganei, pois você está mais bonita ainda. Qual é o truque?

— Amar — disse ela, atirando-lhe um beijo. Saiu a toda a pressa do apartamento e, já na rua, começou

a caminhar em direção ao Coliseu. Caminhou pouco. Um carro escuro se deteve a seu lado e uma forte mão, queimada de sol, abriu por dentro a porta. Ela atirou o pacote ao assento traseiro e sentou-se junto ao motorista, olhando-o com expressão de enlevo.

— Como vai — saudou com indiferença o homem do rosto bronzeado e olhos negríssimos.

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Ela tomou-lhe uma das mãos e colocou-a sobre seu seio esquerdo, como que em resposta. O impressionante atleta moveu a cabeça.

— Você devia cuidar-se — comentou. — Seu coração bate mais do que convém.

— E se você não me beijar depressa, ele explodirá — murmurou Brigitte.

— De qualquer modo, um dia, os russos ou outros quaisquer se encarregarão disso,

— Oh, Um, por favor... Por favor! Deslocou-se no assento e envolveu com os braços o pescoço do melhor espião de todos os tempos. As duas bocas se uniram num beijo longo, apaixonado.

Por trás do carro de Número Um, as buzinas de outros veículos começaram a soar, impacientes.

Brigitte desfez o abraço e suspirou.— Parece que estamos atrapalhando o trânsito, querido.Número Um arrancou.— Aonde vamos?— Daremos um passeio enquanto explico tudo a você.

Depois iremos ao “Albergo Colombo”.— Estava fazendo algo importante quando chegou meu

telegrama?— Estava.— O quê?— Dava uma limpeza no pombal.— Oh, que pena!— Não se preocupe. É um grande privilégio ser chamado

pela agente “Baby”.— Sempre que você fica um tempo sem me ver piora de

humor. Só mesmo uma criatura tolerante como eu é capaz de

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suportar seu mau gênio. Sinto muito tê-lo afastado das suas pombas. Você as trata melhor que a mim.

— É verdade.— Oh! E ainda tem o desplante de concordar...!— Elas gostam mais de mim que você.— Santo Deus! Como pode você dizer isso?— Em várias línguas.— Muito bem... Quer que lhe prove que gosto mais de

você que todas as suas pombas juntas? — riu Brigitte.— Deixe o que está fazendo e venha comigo agora

mesmo para a “Vila Tartaruga”.— De acordo. Vamos lá.Número Um olhou-a, depois sorriu. Um de seus escassos

sorrisos que deixavam Brigitte maravilhada, fascinada...— E deixará os seus meninos sozinhos em Roma?— Farei o que você quiser.— Bem, com isso estou convencido — murmurou

Número Um. — Agora vamos terminar o tal assunto.— Obrigada, querido. Trata-se de um arquivo...

CAPITULO SÉTIMOOs fujões errados

Às sete e meia da noite, um carro se deteve diante do “Albergo Colombo” e o porteiro veio imediatamente abrir a porta, acompanhado de um boy, que por sua vez correu para abrir a do outro lado.

Saltaram um homem e uma mulher. Dos mais comuns e vulgares, ambos. Ela, cabelos e olhos negros, vestia-se discretamente e parecia ter uns cinqüenta anos. O homem era mais alto, um tanto curvado, de cabelos grisalhos,

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aparentando cinqüenta e cinco. Um casal, naturalmente. Neles nada havia que chamasse a atenção.

Seguidos pelo boy com a bagagem, que se compunha de duas velhas malas, entraram e dirigiram-se ao balcão da recepção, onde se identificaram como o casal Tomasini, de Nápoles.

Por sorte havia lugar e lhes foi dada a suíte 104, no primeiro pavimento. Subiram atrás do boy e em poucos minutos ficaram sós na suíte.

Ambos consultaram seu relógio e o do outro. O homem fez uma correção no dele. Depois colocou uma das malas sobre a cama do quarto e começou a tirar coisas. A mulher abriu a maletinha encapada de preto que ela mesma trouxera e tirou uma pequena pistola de coronha de madrepérola, que enfiou no bolso de seu casaco vulgaríssimo. Depois, de um pote de creme facial que tinha fundo falso, extraiu meia dúzia do que pareciam drágeas de medicamento protegidas por papel de alumínio e também guardou-as num bolso. Fechou a maletinha e olhou para o homem, que já tinha tirado a peruca grisalha e estava passando um pano umedecido em álcool pelo rosto, para remover a maquilagem que o envelhecia.

Ela tomou a olhar o relógio.— Faltam oito minutos, querido. Subo já?— Sim.— Ciao.Com a maletinha na mão esquerda, a mulher saiu do

quarto, depois da suíte. Com toda a naturalidade, subiu ao segundo andar. Seu olhar amável, sorridente, dirigiu-se aos dois policiais que guardavam a porta marcada com o número 209. Ambos a olharam, mas sem nenhum interesse.

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Ela foi até a porta em frente da 209 e deteve-se. Meticulosamente, sacou o retângulo de papel de alumínio, destacando uma das drágeas. Agora os policiais a observavam com certo interesse. Interesse e amabilidade, pois parecia-lhes evidente que a pobre senhora não se sentia bem e dispunha-se a tomar seu medicamento.

Um medicamento altamente curioso.De súbito a senhora voltou-se para eles e lançou a drágea

com força contra o peito de um. Um instante de surpresa... e já não tiveram tempo de mais nada. Enquanto, comprimindo com ambas as mãos a boca e o nariz, a senhora os contemplava, eles tombaram, instantaneamente adormecidos. Depois ela foi até a porta que, em duas ocasiões, tinha visto fechar-se muito sigilosamente.

Parou diante dela, desprendeu outra drágea e bateu.— Quem é? — perguntaram do outro lado, em italiano.— Venho a mando de Mihail — respondeu ela, em russo.A porta abriu-se uns centímetros somente, mas a senhora

empurrou-a com o ombro de forma tão brusca que o homem atrás dela foi impelido para trás e caiu sentado. Levou rapidamente a mão à axila esquerda, mas a drágea rebentou no chão, junto a ele. Adormeceu de imediato, enquanto a senhora tomava a tapar o nariz e a boca.

Ergueu o olhar, levemente alarmada, quando apareceu correndo o outro homem, procedente do quarto. Ele teve tempo de vê-la... e isso foi tudo. Girou os olhos, dobrou as pernas e tombou de bruços.

A mulher virou-se e saiu da suíte, encostando a porta atrás de si. Chegou aonde estavam os adormecidos policiais, felicitando-se por ninguém ter aparecido no corredor. Inclinou-se e, com cada mão, agarrou um tornozelo de um deles. Depois, com admirável energia, arrastou-os para a

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suíte onde dormiam os dois agentes russos que estavam à escuta do que se falasse na suíte 209, empurrou a porta com as costas e entrou, sempre arrastando-os. Deixou-os a um lado, fechou a porta e passou ao quarto.

Com um sorriso, contemplou a instalação do receptor-gravador que os russos estavam utilizando. Hesitou um instante, olhou seu relógio, tornou a hesitar... Moveu a cabeça negativamente e em seguida abandonou a suíte, fechando a porta.

Instantes depois, batia na 209.Ouviu a voz de Antonin Stefan atrás da porta. Não

entendeu as palavras, mas tampouco importava.— Abra, senhor Stefan: sou Lili Connors — disse em

russo.A porta se abriu, deixando ver o expectante rosto do

tcheco. Expectação que se transformou em surpresa e alarma à vista daquele rosto completamente desconhecido para ele. Tentou fechar a porta, mas a signora Tomasini já havia introduzido um pé entre esta e o batente.

— Não seja idiota: sou eu, mas disfarçada. É urgente que fale com Marya Czapok, se vocês querem ver o dia de amanhã. Vamos, afaste-se.

Empurrou-o, entrou, fechou a porta e segurou o rapaz pelo braço.

— Vamos falar com Marya. Estão sozinhos?— Sim, sim.Ela entrou no quarto, levando Stefan. Também esta vez

Marya Czapok estava a um canto, olhos muito abertos, assustada.

— Senhora — disse sem preâmbulos a senhora Tomasini —, tenho más notícias: seu marido foi assassinado esta manhã em Fiumicino.

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Marya levou ambas as mãos ao peito e sua boca se abriu, mas não deixou escapar nenhum som. Depois olhou para Stefan e outra vez para a mulher desconhecida.

— Sou Lili Connors — esclareceu esta. — Estou disfarçada. E os dois se disfarçarão também: vamos tirá-los daqui em menos de dez minutos.

— Não... não é possível...— É perfeitamente possível como verá.— Quero... quero dizer que não é possível que tenham

matado Mikulas. O agente russo que...— Se vai me falar de Mihail Novorov, eu o conheço bem.

É boa pessoa, mas tem que agir a favor de seus propósitos. Enganou-a: a viagem de seu marido não foi adiada, Ele chegou esta manhã e um assassino profissional o abateu com um tiro de rifle. Esta é a verdade, senhora. E se insiste em hesitar, em perder tempo, eu me retiro agora mesmo, bem a meu pesar, pois sei que muito breve serão eliminados. Está claro?

— Até eu a entendi — disse Antonin Stefan, em russo. — Que temos que fazer?

— Sair daqui e...— Impossível. Sabemos que os russos e a Polícia

italiana...— Esqueça-os. Agora dispam-se os dois.— Quê...? Quê...? — balbuciou Marya Czapok.— Dispam-se. Depressa!Os dois tchecos trocaram um olhar. Em seguida, Stefan

começou a despir-se e Marya imitou-o.— Não é preciso que fiquem completamente nus. Podem

conservar a roupa de baixo... Continuem.

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Saiu do quarto e voltou um minuto depois, acompanhada de um homem que causou a maior estupefação aos dois tchecos.

Era alto, atlético, louro, de olhos claros. Impressionante. Trazia uma mala, que deixou perto deles, enquanto a senhora Tomasini começava por sua vez a despir-se rapidamente. Stefan parou de olhar aquele homem que parecia feito à sua imagem e semelhança, dedicando-se a contemplar a mulher que conhecia como Lili Connors. Esta terminava de despir-se, atirando suas roupas para Marya Czapok, que agora aparecia em soutien e calcinhas.

— Ponha estas roupas. Você, Stefan, vista as que estão nessa mala. Vamos, depressa.

A idéia ia penetrando nas mentes de ambos os tchecos. O homem louro recém-chegado estava vestindo as roupas de Stefan, e Lili Connors, as de Marya Czapok.

Uma vez vestidos os quatro, Lili tirou a peruca preta com algumas cãs e estendeu-a a Marya.

— Ponha isto. Você, Stefan, ponha a que está na mala. Nós os ajudamos.

Lili ajeitou corretamente a peruca preta na cabeça da tcheca, enquanto seu silencioso companheiro ajudava Stefan a colocar a grisalha. O resultado, decerto, não enganaria ninguém que estivesse por dentro daquele assunto, mas para um observador indiferente Marya Czapok e Stefan podiam parecer o casal Tomasini.

E, ao contrário, quando Lili terminou de colocar a peruca ruiva, ela e seu companheiro podiam passar por Marya e Stefan, pelo menos quanto ao aspecto geral.

— Suponho que já tenham compreendido — disse Lili. — Vamos..

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— Não conseguiremos enganar os russos — cortou Stefan, voz tensa.

— Os russos, não. Mas sim a Polícia italiana, que não os viu o suficientemente bem. O plano é muito simples... para vocês. Dentro de um minuto, saiam daqui, desçam ao vestíbulo e abandonem o albergue. Não façam caso de nada que ocorra ao redor. Ao chegar à rua, caminhem para a direita, depressa, sem se deter, até que pare um carro junto de vocês. Nesse carro estarão dois homens, dois americanos. Um deles lhes dirá: “Subam, vamos dar um passeio”. Entrem imediatamente na parte traseira do carro e, a partir desse momento, não se preocupem por nada, deixem tudo por conta dos dois homens. É só.

— E... e vocês? — perguntou Marya.— Nós — sorriu a nova senhora Czapok — faremos a

nossa parte, que será algo mais agitada.— Compreendo — disse Stefan: — querem que pensem

que vocês somos nós... Mas se os russos os virem lá embaixo, não permitirão...!

— O que os russos permitam, Stefan, é uma coisa. E o que nós consigamos é outra muito diferente. Sinto por eles, mas agora meti na cabeça conseguir o arquivo de Mikulas Czapok. Bem, esperem um minuto. Um minuto: nem um segundo mais, nem um segundo menos.

Sem nada acrescentar, ela saiu do quarto seguida pelo gigante louro de olhos claros, que lhe abriu a porta da suíte. No corredor, ela olhou seu companheiro.

— Não gostaria de matar ninguém, querido... Mas não à custa de minha vida.

— Farei todo o possível.Desceram a pé, sem pressa.

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Durante os três primeiros segundos de seu aparecimento no vestíbulo, não aconteceu nada... pois os russos e policiais italianos que havia ali tinham ficado petrificados de assombro e incredulidade. Quanto às outras pessoas, quase não tiveram tempo de se dar conta do que ocorreu após o quarto segundo, pois quando compreenderam que algo estava acontecendo restava muito pouco para ver.

Um dos russos tinha saltado de sua poltrona, olhando com espanto para o casal. O outro imitou-o rapidamente, após fazer um sinal aos policiais italianos. E num instante o par que caminhava para a saída encontrou-se rodeado de homens fardados e à paisana.

A ruiva Marya Czapok moveu a mão direita e algo pequeno e brilhante desprendeu-se dela, em direção aos russos, que naquele mesmo momento pareceram mais assombrados ainda. Surpresa que era fácil de compreender: tinham-se dado conta de que aquelas duas pessoas não eram verdadeiramente Marya Czapok e Antonin Stefan. Mas não tiveram tempo de dizer nada a respeito, pois a pequena cápsula de gás bateu no peito de um deles, que imediatamente caiu fulminado, seguido pelo outro e pelo policial italiano mais próximo.

Simultaneamente, o falso Antonin Stefan saltava para a direita flexionando os braços, de modo que quando caiu entre os atônitos policiais daquele lado só teve que distendê-los, para que dois fossem lançados longe. Outro policial quis por fim recorrer à sua arma. Porém Marya Czapok já estava no ar, voando para ele. O pontapé em plena testa derrubou-o, enquanto ela voltava ao solo e, girando como se executasse um passo de ballet, chegou diante de outro policial, descarregando-lhe um golpe com o canto da mão no peito,

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que o fez empalidecer e abrir a boca, antes de tombar de costas.

Os dois policiais que restavam de pé, mais perto da porta que os anteriores, estavam gritando alguma coisa e sacavam seus revólveres, enquanto Antonin Stefan corria para eles, golpeando um com uma ombrada no peito, derrubando-o como um boneco e, de passagem, afundando o punho esquerdo no ventre do outro, que deu um grito, dobrou-se, caiu de joelhos,.. e dirigiu a mão para onde havia caldo sua arma.

Marya apareceu junto a ele, aplicando-lhe um pontapé no queixo que o privou dos sentidos, atirando-o rudemente para trás.

Antonin chegou à grande porta de vidro, que abriu com tranqüilidade.

— Querida — convidou.— Obrigada, querido.Saíram. Mal chegaram à rua, dentro do albergue soou o

apito de um dos policiais, que deste modo mostrou-se mal-agradecido às duas pessoas que podiam ter acabado com todos os presentes no vestíbulo em poucos segundos.

Na rua, dois policiais ouviram os apitos e correram para a porta do albergue, olhando desconcertados o par que tão calmamente acabava de sair.

— Corram! — gritou a mulher, em italiano.— Uns homens estão se matando aí dentro!Os dois policiais barafustaram pelo albergue, enquanto

Marya e Antonin corriam velozmente para a esquina.Viram de imediato os dois homens que saíam de um carro

estacionado perto, sacando suas pistolas dos coldres subaxilares.

— Um! — gritou ela. — Há...!

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Plop. Plop. Ele já estava disparando. Um dos homens foi empurrado de novo para dentro do carro pelo balaço recebido. O outro chocou-se contra a porta e caiu de bruços em plena rua.

Marya virou a cabeça e viu o enxame de policiais italianos saindo do albergue. Olhou seu companheiro e compreendeu que também ele se havia dado conta... e resolvia a situação à sua maneira: três tiros altos, agora para não ferir ninguém, mas que assustaram os policiais, obrigando-os a buscar proteção.

A todo o correr, agora, os falsos tchecos dobraram a esquina. Um pouco mais além, “casualmente”, estava parado o furgão de uma floricultura, com as portas traseiras abertas. De um salto, os dois meteram-se dentro, entre uma grande quantidade de ramos de flores, que os ocultaram imediatamente. O gigante louro esticou um braço, fechou uma porta, depois a outra. O furgão pôs-se em marcha.

Um segundo depois aparecia o primeiro policial, depois outro, e outros, olhando para todos os lados. Viram o furgão e dois deles ainda conseguiram colocar-se junto ao chofer, que os olhou sobressaltado e freou em seco.

— Viu um homem e uma mulher...? — começou o giallo.

— Vi! — exclamou o chofer. — O homem era muito alto...! Entraram por aquele portal!

— Siga seu caminho, afaste-se daqui!— Sim, senhor, imediatamente!O furgão reencetou a marcha e o policial pôs-se a gritar

ordens. Quando três minutos mais tarde, por um transeunte, soube que as pessoas que perseguiam não tinham entrado naquele prédio, mas no furgão da floricultura, começou a

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esbravejar, muito pálido... Mas por que esbravejasse, já não poderia alcançar o furgão.

Dentro do qual, já longe dali e rodeado de flores, “Baby” e Número Um estavam se beijando, alheios a tudo.

— Obrigada, querido — murmurou ela.— Você também me ajudou, não?— Oh, mas não me refiro a isso... — sorriu ela. —

Obrigada pelos beijos.— Então terá que me agradecer de novo...Ele tornou a beijá-la. Mas foi um beijo breve.— Oh... — decepcionou-se ela.— Você não tem que chamar os seus meninos do carro?— Ah, sim... Onde terei deixado minha maletinha?Tateou a seu redor, encostou a maleta, abriu-a, tirou o

radinho e fez o chamado.— Alô — soou uma voz masculina no pequeno aparelho.— Alô, Johnny. Tudo bem?— Sim, como você planejou. Temos os dois tchecos aqui

no carro. Alguma nova ordem?— Não. Houve dificuldades?— Nenhuma. Nós os recolhemos com o carro. Estão

assustados, mas bem.— Perfeito. Nos veremos no lugar combinado. Ciao.Fechou o rádio, guardou-o, depois removeu a peruca

loura de Número Um, colocando uma flor entre seus cabelos verdadeiros, cor de cobre.

Ele, por sua vez, tirou-lhe a peruca ruiva. Depois ela retirou as lentes de contato dele, e ele as dela. . Brigitte riu.

— Se vamos continuar nos tirando coisas, acabaremos nus.

— Grave contratempo — disse Um.— Você está muito bonito com essa flor nos cabelos.

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— Em troca, você não necessita de flor alguma.— Oh! Deus... Um, você acaba de me dizer um gracejo.— Não era minha intenção.— Agora você está antipático.— Tampouco é essa minha intenção.— Qual é sua intenção, pode-se saber?— Amar você... Amar você toda a vida.Brigitte fechou os olhos, suspirou, abraçou-se a ele.— Não posso pedir mais — murmurou.

CAPITULO OITAVOA fé admirável

Quando o furgão se deteve, na cabina soaram dois golpes e Número Um e “Baby” compreenderam que tudo estava bem.

Abriram as portas, ele saltou, tomou-a pela cintura e depositou-a no chão. O agente da CIA que fizera as vezes de chofer apareceu junto a eles, iluminado pela luz do pequeno chalé em cuja porta estava Johnny I.

— Tive azar — disse o agente da CIA: — dois dos policiais italianos me viram e poderão identificar-me.

— Nesse caso, você tem que abandonar a Itália — disse “Baby”. — Volte a Roma com o furgão, deixe-o em qualquer parte antes de chegar lá e apanhe seus documentos. Depois tome o primeiro avião que saia de Fiumicino. Do seu ponto de destino, siga para os Estados Unidos, apresente-se na Central e diga que lhe dêem uma bonificação de dez mil dólares e um mês de férias no Havaí.

— Papagaio! E eu disse que tive azar!— Regresse imediatamente... — ela beijou-o nas duas

faces. — E obrigada, Johnny.

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Este olhou impassível para Número Um, de relance.— Você não tem que agradecer a nenhum Johnny —

murmurou, tornando a olhar para “Baby”.— Com isso — riu ela — você ganhou outro mês de

férias.— Um é o bastante — sorriu Johnny. — E se pudesse

trabalhar novamente para você amanhã, nem sequer aceitaria essas férias.

Ele saudou com a mão e voltou ao volante. Brigitte rodeou com um braço a cintura de Número Um e indicou a casinha, enquanto o furgão se afastava.

— Vamos ver nossos convidados — disse ela.— Mas antes devemos recolocar os nossos disfarces.Em poucos minutos voltaram a ser duplicatas de Marya

Czapok e Antonin Stefan, utilizando o material que tinha sido guardado na maletinha.

Na pequena sala estavam os tchecos autênticos, contemplados com curiosidade e alguma ironia por Johnny II, que se levantou ao ver “Baby”.

— Macacos me...! — começou ele.— Olá, Johnny. Veja se encontra algo para os nossos

convidados beberem: parecem muito nervosos.— Procurarei. Talvez haja champanha, caviar persa e

pastéis italianos.— Seria formidável. — Ela virou-se para os tchecos: —

já passou o susto?— Sim, sim... — admitiu Marya.— Você, Stefan?— Também. Não sou muito covarde, mas passei um mau

bocado.— Tudo é questão de costume. Em troca, o meu sócio

divertiu-se moderadamente. Não é verdade, querido?

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Número Um deu de ombros e foi sentar-se numa poltrona, onde se conservou calado, fumando.

— Podemos nos comunicar com Roma? — perguntou “Baby” a Johnny I.

— Claro.— Faço-o então. Quero saber se já chegaram notícias da

Central sobre Norman Hayes, o assassino de Mikulas Czapok.

— Muito bem.Johnny desapareceu e ela instalou-se em outra poltrona.— Bem, senhora Czapok, diga-nos onde temos que ir

buscar o arquivo de seu marido.— Eu... eu não lhe disse que o entregaria...— Sei. Mas acaso tem uma solução melhor que a que lhe

ofereço? Sua situação, agora, é ainda pior que antes. Mihail Novorov só pode pensar que está de acordo conosco e que, em troca de nossa ajuda, entregou-nos o arquivo. A única possibilidade que os dois têm de sobreviver é que se coloquem do lado da CIA. Entreguem-nos o arquivo, que me encarregarei de lhes conseguir passaportes da nacionalidade que prefiram, lhes darei dinheiro e os levarei sãos e salvos ao lugar escolhido. Inclusive aos Estados Unidos, se quiserem.

— Mas é que...— Marya, ela tem razão — disse Stefan, em mau inglês.A mulher baixou o olhar e começou a torcer as mãos.— Só há vinho comum — anunciou Johnny II,

aparecendo com uma garrafa e copos numa bandeja. — Fazia muito tempo que não vínhamos aqui. Quem quer vinho?

Ninguém respondeu, com o que ele ficou sem jeito. Deixou a bandeja numa mesinha perto de Numero Um e desapareceu de novo.

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— E então, senhora? — insistiu “Baby”.— Não... não podem me obrigar a lhes entregar o

arquivo.— Podemos — sorriu “Baby”. — Mas preferimos não o

fazer. Vamos, senhora: não compreende que temos boas intenções a seu respeito?

Antonin Stefan, que agora contemplava Marya com a testa franzida, começou a falar em tcheco com ela rapidamente. A mulher replicou um tanto desabrida, mas ele insistiu. “Baby” olhou para Número Um, que parecia ausente; mas sabia que ele acompanhava a conversa, pois nenhuma das línguas da Europa lhe era desconhecida. Quando os dois tchecos se calaram, ele olhou para Brigitte e baixou as pálpebras uma só vez: Stefan tinha convencido Marya Czapok.

— Está bem... — disse esta. — Eu... eu lhes direi onde encontrar o arquivo.

— Onde?— Numa maleta depositada na Stazione Termmi, em

Roma.— Com que nome? O seu?— Não... Mikulas a enviou de Praga, por trem, dias antes

de ser detido pelos russos. Ele temia que...— Em nome de quem, senhora,?— De Antonin. Ele tinha preparado tudo, esperava que

nós dois pudéssemos escapar.— Entendo. Mas não me parece prudente que Stefan se

mostre em Roma. Teremos que encontrar o meio de recuperar discretamente essa maleta. Trouxe seu passaporte, Stefan?

— Ficou no hotel.

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— Oh... Bom, é um problema que resolveremos sem nenhuma complicação... Que há, Johnny?

Olhou um pouco sobressaltado para Johnny I, que tinha reaparecido juntamente com Johnny II, ambos visivelmente pálidos. O agente da CIA fez um sinal, como querendo tirá-la dali, mas “Baby” negou com a cabeça.

— Pode dizer o que e.— Norman Hayes foi identificado.— Quem era?— Bem...— Vamos, diga!— Era um agente da CIA. Quero dizer que foi um agente

da CIA.“Baby” pestanejou.— Que quer dizer com isso de que foi um agente nosso?— Há mais de dois anos apresentou sua demissão,

passando a exercer atividades particulares. Ao que parece, estava muito ligado com... com gente importante dos Estados Unidos.

— Não compreendo.— Bem... Segundo acabo de saber, fazia trabalhos

particulares para alguns senadores e membros das forças armadas muito chegados à Casa Branca. A CIA não ignorava isso, naturalmente, mas nada podia fazer a respeito. Afinal de contas tudo ficava em casa e sempre era melhor saber que Norman Hayes prestava serviços a congressistas e militares de alta patente do que se colaborasse com serviços secretos diversos, como espião mercenário.

— Então a Central nada teve a ver com o assassinato de Mikulas Czapok.

— Nada.

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“Baby” pestanejou lentamente. Depois pareceu ficar fascinada pelos pensamentos, durante uns segundos. Por fim, olhou para Número Um.

— Quer ir buscar essa maleta, querido?Ele levantou-se e, sem o menor comentário, sem olhar

para ninguém, saiu da pequena sala. Em seguida, no exterior, ouviu-se partir o carro dos Johnnies.

Só então o verdadeiro Antonin Stefan pareceu capaz de reagir.

— Como conseguirá ele retirar a maleta? Não tem..— Oh, naturalmente dará um jeito.— Mas está em meu nome e ele não tem nenhum

documento que o possa identificar...— Isso são detalhes. Ele tem amigos muito interessantes

em Roma: conseguirão um passaporte tcheco, porão sua fotografia... Tudo. Não sei quanto tempo ele vai demorar, mas voltará com a maleta. Enquanto isso, já que estamos sãos e salvos aqui, nos dedicaremos a. descansar.

— Sua fé nesse homem é admirável — murmurou Marya.— O admirável não é minha fé, senhora, mas ele mesmo

— sorriu “Baby”.

CAPITULO NONOUm trato de “Baby”

Número Um voltou com a maleta pouco depois das nove da manhã.

Ouviram o carro e Johnny I aproximou-se da janela para olhar. Virou-se para Lili Connors, assentiu com a cabeça e foi abrir a porta. Pouco depois regressava, acompanhado do falso Antonin Stefan, que depositou a maleta aos pés de Lili, sem nenhum comentário.

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— Quer café? — sorriu ela.— Já tomei na Stazione Termini.— Alguma dificuldade?— Não.— Abriu-a?— Não me interessa o conteúdo.— A mim interessa. Vamos abri-la...— Permito-me uma sugestão: se você quer sair da Itália,

não perca mais tempo.— Os russos?— Estão em toda parte — assentiu ele. — O amigo que

me preparou o passaporte tcheco me disse. Estão revirando tudo. Empregam avionetas, carros, lanchas, helicópteros... Mobilização total. Escapar nas atuais circunstâncias já vai ser difícil e, se você esperar mais, se tornará impossível...

— A menos que se recorra à violência, não?— Coisa que você sempre prefere evitar.— Bem, creio que é melhor eu dominar minha

curiosidade quanto ao conteúdo dessa maleta e ocupar-nos com a saída da Itália. Podemos dar um jeito de chegar a Fiumicino, onde suponho que você tenha deixado sua avioneta.

— Sim.— Você e eu daremos uma volta para alertar os Johnnies

a respeito da atitude a ser tomada e solicitar-lhes que nos preparem um canal de fuga até Fiumicino. Faremos isso agora mesmo. Vocês — virou-se para os Johnnies I e II — ficarão aqui, com a maleta e cuidando da senhora Czapok e de Antonin Stefan.

— Muito bem — disse Johnny I. — Quer que enquanto isso abramos a maleta e...

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— Não. O fato de conhecermos seu conteúdo nada mudaria se não conseguíssemos escapar: ou a maleta chega à Central, ou nada terá valido a pena. Tenham muito cuidado, Johnny.

— Não se preocupe.— Até à vista.Os dois saíram da casa e foram até o carro. Número Um

pôs-se ao volante e indicou o assento traseiro. Vendo ali a outra maleta, “Baby” sorriu.

— Espero que se tenha lembrado de minhas medidas — disse.

— Em centímetros, 88-42-03.— Exato — riu ela. — Vamos à procura de um lugar

adequado.O carro arrancou. Minutos depois entrava por estreita

vereda, que terminava em pequena clareira entre pinheiros, onde parou. Número Um passou ao assento de trás e abriu a maleta, tirando roupas femininas que estendeu a Lili. Esta despiu-se completamente, desfazendo-se de todos os elementos do disfarce, enquanto ele a imitava.

Em dois minutos, em trajes esportivos, ambos estavam prontos para circular sem chamar a atenção.

— E o microfilme? — perguntou Brigitte.Ele o tirou da roupa que estivera usando: uma pequena

cápsula de plástico, que ela guardou no fundo falso de sua maletinha, da qual havia retirado a capa preta.

— Você fez cópias?— Claro que não.— Bem. Os meninos estão ao corrente de tudo, também

sei como comunicar-me com um de nossos colaboradores da Polícia italiana, que já nos facilitou informes sobre o ocorrido no aeroporto... E o que lhe vou pedir agora é muito

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mais fácil. Não creio que tenha dificuldade em descobrir onde está de serviço o valente giallo chamado Martino Carosone. Que horas são, querido?

— Nove e trinta e dois.— Temos tempo... Muito tempo.* * *Às oito e meia da noite, o agente soviético Mihail

Novorov saltou de um táxi no cruzamento Via Appia Pignatelli e Via Dell’Amore, já praticamente fora de Roma, no extremo sudeste da capital italiana.

Despediu o táxi, acendeu um cigarro e, um tanto inquieto, olhou ao redor. O lugar não era tranqüilizador, rodeado de vegetação, com escasso tráfego automobilístico e, aparentemente, ninguém pelas proximidades.

Dois minutos mais tarde apareceu o carro, lentamente. As luzes se apagaram, tomaram a acender e apagar, várias vezes. Ele deixou cair o cigarro e aproximou-se. Segundos depois sentava-se junto à formosa jovem de cabelos louros que estava ao volante, contemplando-a com curiosidade à escassa luz do painel de instrumentos.

— “Baby”? — sorriu.— Olá, Mihail.— Você é mesmo surpreendente. E não só por sua

capacidade de mudar de aspecto. O truque do “Albergo Colombo” não foi novo, mas bem executado.

— Espero que não me guarde rancor — riu ela.— Ainda não sei... Suponho que se me chamou aqui é

porque tem algo a propor que talvez alivie um pouco minha amargura.

— Espero que assim seja, Mihail. Vamos fazer uma curta viagem, no fim da qual tenho uma coisa interessante a lhe

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propor. Mas, se algum carro nos seguir, as coisas irão muito mal.

— Vim sozinho. Sem truques de nenhuma espécie. Meu rádio está fechado, não trouxe emissor para que meus companheiros me localizem..

Enfim, estou jogando limpo.— Obrigada. Então em marcha.— Posso saber aonde vamos?— Saberá quando chegarmos.— De acordo. A respeito daquela sua proposta de caráter

pessoal.— Oh, tratava-se de outra. E dela posso falar agora — ela

guiava com atenção, sem desviar o olhar para o russo. — Sabe você que meses atrás comecei a organizar na CIA uma seção denominada “Pax”?

— Não... Claro que não sei.— A Seção “Pax” tem por objetivo solucionar por via

amistosa todas as questões que possam trazer perigo à paz mundial. Basicamente, os assassinatos estão proibidos. Quer dizer que, para atingir um objetivo designado pela CIA, a Seção “Pax” pode fazer tudo menos matar. Por exemplo, se o Presidente de um país não interessa à CIA, é convencido a apresentar sua demissão, ou desprestigiado, ou impossibilitado de governar, coisas assim. Nada de mortes.

— Muito interessante. Acha isso possível?— Contando com homens como você, sim. Novorov olhou-a, estupefato.— Está me propondo trabalhar para a CIA, na Seção

“Pax”?— Estou.— Por São Basílio! Isso não é possível....

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— É, Mihail. Tenha em conta que não lhe estou propondo trair a Rússia. Simplesmente, convido-o a, de maneira esclarecida, pacífica e razoável, aderir à Seção “Pax”, sob minhas ordens. Ordens que só dirão respeito a intervenções para salvar vidas humanas e, claro, sem que isso possa dar lugar a prejuízos posteriores para ninguém, nem para a Rússia. Trata-se apenas de que eu, se em determinado momento precisar de um colaborador russo que me ajude a impedir assassinatos, possa contar com você.

— Você está realmente falando sério?— Seríssimo. Na verdade, aspiro a que, dentro de uns

anos, a Seção “Pax” seja um órgão independente, com pessoal em todo o mundo, dedicado a evitar que as coisas se resolvam pela violência. Já matou alguma vez, Mihail?

— Já — murmurou o russo.— Eu também. Não é horrível? À medida que passa o

tempo, pergunto-me cada vez com mais freqüência que direito temos de dispor das vidas de outras pessoas... Nunca se fez essa pergunta?

— Sim.— Você é da espécie de pessoal que necessito para a

minha Seção. Poderíamos...— Um momento. Olhe, a idéia é boa, pelo menos parece,

mas não lhe direi agora se aceito. Isto é surpreendente e desconcertante para mim, “Baby”.

— Compreendo. E não precisa responder agora. Pense. Todo o tempo que quiser. Se resolver aceitar, envie um recado à Central, com meu nome, marcando um encontro onde mais lhe convenha.

— Você iria? Confiaria em mim?— Naturalmente.

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— Fantástico... Pensarei em sua proposta. Quanto ao assunto atual..

— O assunto atual se resolverá quando chegarmos ao nosso destino. No momento, quero dizer-lhe apenas que sinto muito por termos sido forçados a atirar contra dois de seus homens: os que saíram do carro quando escapávamos do albergue.

— Não eram russos, mas albaneses. Naturalmente, trabalhavam para o serviço secreto chinês e estavam lá para ver o que podiam conseguir. Deviam conhecer Marya Czapok e Antonin Stefan e quando viram vocês escapando devem ter pensado que seria muito conveniente apoderar-se deles... para conseguir o arquivo de Mikulas.

— Alegro-me de que não fossem russos, mas de qualquer modo lamento que tenham morrido... Ou os dois não morreram?

— Sim, os dois. Entendo que não foi você quem atirou, mas o homem que a acompanhava. Quem é ele?

— Um agente da CIA, claro.— Ah... Suponho que não pertença à Seção “Pax”.— Pertencer à Seção “Pax” não significa que um homem

se deixe matar, Mihail.— Isso me tranqüiliza — sorriu o russo. — Demoraremos

a chegar?— Pouco mais de meia hora, calculo.* * *Quarenta minutos após, o carro parava diante da casinha,

cujas luzes estavam apagadas. Mas a um sinal dos faróis, luzes se acenderam e Novorov murmurou:

— Previno-a de que estou armado. Se isto é uma cilada,..— Não diga tolices. Vou explicar. Aí dentro estão três

companheiros meus. No momento, depois de acender a luz e

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abrir-nos a porta, eles saem pela janela da cozinha. Quando nós entrarmos, virão até o carro e me esperarão aqui. Com isto, evitamos que você os veja, atitude que naturalmente compreenderá.

— Compreendo. Que faremos nós na casa?— Um trato favorável aos dois. Vamos: já devem estar

aguardando que entremos para vir aqui.— Isso quer dizer que ficarei sozinho na casa, sem meio

de regressar a Roma.— Em primeiro lugar, não estará só. Em segundo, não

tenho a menor dúvida de que você resolverá esse problema.Ela saiu do carro e o russo imitou-a. Quando entraram na

pequena sala, ele ficou paralisado de assombro vendo Marya Czapok e Antonin Stefan, os quais, por sua vez, tinham os olhos arregalados.

— Ainda estão aqui! — exclamou Novorov.— Pensávamos que tivessem...!— Fazem parte do trato — disse a formosa loura de olhos

verdes: — entrego-os a você, Mihail.

CAPITULO DÉCIMOUm plano maquiavélico

Mihail Novorov dirigiu um olhar à loura, incrédulo:.— Entrega-os a mim? — perguntou. — Por quê?— Não pode fazer isso! — gritou Antonin Stefan. — Que

espécie de cilada nos armou? Disse que ia em busca de meio para que pudéssemos escapar da Itália e apresenta-se agora com...!

— Peço a todos um pouco de calma — “Baby” ergueu as mãos, sorrindo. — Se me escutarem, verão que minha solução é a melhor.

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— Traiu-nos... — arquejou Marya Czapok. — Vendeu-nos aos russos...!

— Senhora, permite que eu explique meu plano aos três?— Seu plano não pode...!— Cale-se, Marya — interveio Stefan, em inglês. —

Deixe-a falar.— Obrigada, Antonin — sorriu “Baby”. — Asseguro-

lhes que todos sairemos ganhando. E os mais beneficiados serão os dois, sem dúvida... Interessa-lhe essa maleta, Mihail?

Novorov, que estava olhando a velha maleta colocada sobre uma poltrona, desviou o olhar para ela.

— É o arquivo? — perguntou.— Com efeito. É seu. Pode levá-lo para a Rússia.Ele empalideceu. Os dois tchecos olhavam assombrados

para a extraordinária mulher da CIA.— Posso... levar o arquivo de Mikulas Czapok? —

duvidou o russo.— Pode. Mas com uma condição: que leve também

Marya e Antonin Stefan. Esperem, deixem-me terminar. Vejamos... Aí fora, no carro, meus três companheiros me esperam. Tenho apenas que deixar vocês aqui, com o arquivo, e partir com meus companheiros. Por minha parte, o assunto está resolvido. Mihail dará as ordens necessárias para que ninguém nos complique a vida não?

— Sim — apressou-se a concordar o russo.— Falemos agora de vocês. Se Mihail voltasse para

Moscou sem o arquivo, passaria muito mal, certamente. Quanto a vocês dois, é certo que a CIA os ajudaria em tudo o que pudesse, porém, mais cedo ou mais tarde, seriam encontrados pelos russos... Não é assim, Mihail?

— Claro.

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— Então façamos bem as coisas. Lamentavelmente, não podemos ressuscitar Mikulas Czapok, mas podemos evitar que morram mais pessoas neste assunto, com o que conseguirei meu objetivo. O arquivo não me interessa: aí o tem, é seu, Mihail. Regressando à Rússia com ele, Marya e Antonin, e dizendo que eles mesmos preferiram entregar-se a escapar com os americanos, tudo terminará bem para todos. Você será felicitado e eles poderão viver tranqüilamente, sem o temor de que a qualquer momento apareça alguém para matá-los.

— Parece-me — murmurou Novorov — que estou compreendendo como funciona a sua Seção “Pax”. Mas pergunto-me se você é sincera. Pode muito bem ter fotografado o arquivo e, portanto, permitir-se esta magnânima jogada.

— Não fotografei coisa alguma. A maleta foi trazida, deixada aqui e nela não pus as mãos. Pergunte a eles. Alguém abriu a maleta durante minha ausência, Antonin?

— Ninguém — confirmou o tcheco.— Então a CIA não terá maneira de tomar conhecimento

do arquivo de Mikulas Czapok? — indagou Novorov, apertando as pálpebras.

— Não. Claro que não — asseverou Marya.— O que — Novorov sacou de súbito sua pistola e

apontou-a para o peito de “Baby” — seria o fracasso total para nós, não é assim?

— Que está fazendo, Mihail? — Brigitte recuou um passo.

— Você e a sua maldita seção “Pax”... — grunhiu ele. — Podia ter conseguido estragar tudo!

— Mas... não compreendo... Estou lhe entregando o arquivo.

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— Não compreende? Pois eu explico: este arquivo foi preparado pelo MVD com o único e exclusivo propósito de que chegue à Central da CIA!

— Você enlouqueceu? Se este é o arquivo de Mikulas Czapok...!

— Cale a boca! Tenho que resolver isto de qualquer maneira..

— Mas se está resolvido! — insistiu “Baby”. — Mihail, está...!

— Não é possível que você seja tão ingênua — cortou secamente ele. — Não compreende? O conteúdo desta maleta tem que chegar à CIA. É exatamente o que queremos. E para isso sacrificamos Mikulas Czapok e Norman Hayes... Surpreendida?

— Creio que... que começo a compreender...— Isso é mais conveniente em você. Não sei como vou

fazer agora. Por culpa da sua estúpida generosidade, meti-me numa entaladela! Tenho que encontrar uma solução, e depressa. Ajudem-me vocês, pensem em alguma coisa!

“Baby” olhou um instante os dois tchecos, que também a olhavam torvamente.

— Eles também fazem parte do plano do MVD?— Claro. Faz algum tempo que Marya e Antonin são

amantes: Mikulas atrapalhava-os. Tudo estava de tal modo, que o MVD decidiu pôr em prática o plano longamente estudado. Resolveu-se utilizar, sacrificar Czapok. Prepararam-se documentos atribuídos a ele, inventou-se isso do arquivo. E a maleta foi enviada para a Stazione Termini, em Roma. Lógico, nenhum de nós devia estar por lá, as coisas tinham que ser feitas de modo que, após convincentes dificuldades, a CIA conseguisse a maleta e a levasse para os

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Estados Unidos. Tudo foi bem, mas agora o inesperado: você, que me entrega estes dois e a maleta.

— Parece que isso pôs a perder o seu plano, Mihail.— Oh, encontrarei alguma solução...— Que contém exatamente a maleta?— Documentos que provariam que alguns senadores e

militares de alta patente dos Estados Unidos estiveram trabalhando para nós, no sentido de impedir a intervenção direta ou indireta do seu país durante a invasão da Tcheco-Eslováquia pelas forças do Pacto de Varsóvia. Mais de trinta nomes de grande significação política e militar estão relacionados no arquivo de Czapok. Menciona-se sua intervenção específica, as quantias que o serviço secreto russo pagou a cada um desses americanos.

— Positivamente infame.— Claro — sorriu Novorov. — Uma infâmia. Mas em

Moscou há um plano destinado a desprestigiar esses trinta homens nos Estados Unidos e em todo o mundo. São trinta elementos básicos, que queremos descartar. E como você está vendo, de certo modo, fazemos como se fôssemos a sua Seção “Pax”.

— Não. Vocês assassinaram Mikulas Czapok e Norman Hayes.

— É verdade. Mas Hayes, que ultimamente estava trabalhando para nós.

— Mentira. Trabalhava para senadores e militares de...— Continue — sorriu Novorov. — Que ia dizer?— Nada.— Parece-me que vai compreender. Com efeito, Hayes

foi encontrado pelo MVD e encarregou-se de uma missão especial: introduzir-se em determinado grupo de personagens políticos e militares, simulando trabalhar diretamente para

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eles, mas na realidade facilitando-nos informações. O que ele não compreendeu nunca foi que, desde o princípio, estava destinado ao sacrifício: e que queríamos era que a CIA soubesse de seu trabalho para essas personalidades americanas. Assim, quando ele assassinasse Czapok, isto seria relacionado com os homens a cujo serviço estava. Seria surpreendente... até que a CIA chegasse ao arquivo de Czapok. Então compreenderia tudo: os tais americanos, sabendo que Czapok ia passar para os Estados Unidos com seu arquivo, tiveram medo e mandaram Hayes matá-lo, para que não se soubesse nunca de sua intervenção sigilosa nas decisões americanas quanto à invasão da Tcheco-Eslováquia.

— E mataram Hayes em seguida. Por isso, estava lá o policial italiano Martino Carosone, que também trabalha para vocês,

— Com efeito. Martino é agora uma espécie de herói, mas seu trabalho estava preparado: esperar que Hayes matasse Czapok e matá-lo então. Depois passou um helicóptero e um observador experimentado tinha que compreender que, alarmado com a demora de Hayes em escapar dali, alguns auxiliares dele davam uma volta para ver o que ocorria... Tudo muito bem montado.

— Então Mikulas Czapok não havia em absoluto traído a Rússia? Foi simples e convenientemente utilizado como vítima para introduzir provas falsas na CIA?

— Sim. Pusemo-nos de acordo com Marya e Antonin. Eles não hesitaram em aceitar: simulariam fugir de nós, se esconderiam aqui, nos ameaçariam com a entrega do arquivo se não deixássemos Mikulas sair da Rússia. Nós fingiríamos aceitar, deixaríamos Mikulas chegar à Itália. A CIA tinha que compreender que de nossa parte seria absurdo trazê-lo a Roma para matá-lo. Então o que se teria passado? Quem

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matara Czapok? Pois bem: Norman Hayes. Para quem trabalhava este? Para tais e tais senadores e militares. Que significava isso? A solução estava no arquivo de Czapok, mencionando esses americanos como subornados por nós e nossos colaboradores. Tudo explicado. E então expulsão ou encarceramento de todos esses americanos importantes. Objetivo conseguido.

— Mas... por quê? Para que eliminar esses trinta homens?— Isso não sei.— Mas deve haver algum plano russo a respeito.— Claro. Mas não o conheço. Tenho que conseguir que

este arquivo chegue à CIA, nada mais.— E Marya e Antonin?— Oh, eles simplesmente viveriam juntos e felizes por aí,

sem o estorvo de Mikulas. Quando o nosso plano tivesse terminado, voltariam a prestar serviços ao MVD. Digamos que teriam tirado umas boas férias.

— Entendo. Desconhece realmente os propósitos da Rússia com essa tentativa de desprestigiar trinta homens capazes de influir nas decisões políticas e militares dos Estados Unidos?

— Nada sei a respeito, apenas que o arquivo deve chegar lá... E creio que já tenho a solução.

— Tem? — “Baby” olhou-o com interesse. — Que solução, Mihail?

— Vou matar vocês três — sorriu Novorov — e escapar por uma janela com a maleta. Depois, como me perseguirão, eu a deixarei cair para poder correr mais... É compreensível, não? Deste modo, consigo meu objetivo e terei eliminado nada menos que a agente “Baby”.

— Um perfeito herói russo — sorriu Brigitte.— Isso a diverte? — surpreendeu-se Novorov.

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— A ela, não sei — disse Stefan —, mas não achamos graça em suas palavras, Mihail.

— Suponho que não lhes agradará morrer, mas não estou disposto a fracassar, portanto.

— O que você está fazendo é inútil — disse calmamente a formosa loura: — um extenso microfilme já saiu para os Estados Unidos, revelando o conteúdo do arquivo de Mikulas Czapok, mas com uma nota minha de que é falso, e que nosso Governo tenha especial cuidado com tudo quanto ocorra daqui por diante em relação aos americanos mencionados no microfilme, já que, possivelmente, se armará uma cilada contra eles. Está perdendo seu tempo, Mihail.

— Pretende me assustar agora? — sorriu o russo. — Você não tocou no arquivo, portanto...

— Eu, não, com efeito. Mas Número Um o fez. Antes de me trazer a maleta, microfotografou todos os documentos. Explicou-me o que neles estivera lendo, enquanto os fotografava, e isso me fez suspeitar algo pouco claro. Lembrei-me da morte de Czapok, da muito oportuna morte de Hayes no próprio aeroporto, do fato de que Marya e Antonin estivessem juntos numa mesma suíte que só tinha uma cama... Chame a isso intuição. Mas, claro, só intuição não basta, assim, durante o dia de hoje, Número Um e eu nos dedicamos a “persuadir”. Martino Carosone, o bravo policial que Matou Hayes, a dizer-nos que lá estava justamente para isso, que trabalhava para os russos. Então compreendemos tudo, Mihail.

— Você está mentindo... — arquejou este. — Está mentindo!

— Tinha a esperança de enganar-me com você — “Baby” moveu a cabeça. — Gostaria de encontrar gente que, na

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verdade, estivesse sempre disposta a resolver as coisas por bem. Mas você não é uma dessas pessoas, já que inclusive está disposto a matar Marya e Antonin... aos quais, de qualquer modo, teriam eliminado, para garantir seu silêncio, enviando assassinos aos Estados Unidos. Também, decorrido o tempo conveniente, teriam assassinado Martino Carosone. Certo, Mihail? Ou vai me dizer outra vez que estou mentindo?

— Nisto, não. Mas não pode ter suspeitado a verdade!— Vou lhe demonstrar.Brigitte bateu palmas e, ato contínuo, abriu-se a porta do

fundo da sala e um homem entrou precipitadamente. Mihail Novorov virou-se, atirou e o homem caiu de joelhos, gritando... Ergueu o rosto para o russo, que estremeceu e ficou lívido como um cadáver: aquele homem era Martino Carosone. O assassino tinha sido assassinado. Quando ele finalmente tombou de bruços, Novorov compreendeu a definitiva verdade.

Girou um pouco mais para a porta pela qual Carosone tinha sido empurrado por alguém. Alguém que estava lá, olhando-o friamente e apontando-lhe uma pistola. Novorov gritou de raiva. Quis atirar contra aquele homem..

Plop.A bala de Número Um cravou-se em sua testa,

derrubando-o para trás.— Parece — disse Brigitte — que estragamos um

maquiavélico plano soviético cujos propósitos nunca conheceremos. Que vamos fazer com este casal de suínos, querido?

— Mato-os?— Talvez seja o melhor, mas...

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Com um rugido de cólera, Antonin Stefan lançou-se sobre Brigitte e passou-lhe um braço pelo pescoço, por trás, gritando:

— A pistola, Marya, a pistola!Marya Czapok saltou sobre a pistola que tinha sido de

Novorov e, do chão, virou-se para Número Um...Plop.A viúva de Mikulas estremeceu e, de olhos arregalados,

fitou Número Um, que acabava de meter-lhe uma bala no coração.

Enquanto isso, Antonin tinha a grande surpresa de sua vida: convencido de que dominaria aquela jovem loura, ameaçando quebrar-lhe o delicado pescoço, se Número Um não deixasse cair a pistola, recebeu uma cotovelada nas costelas, outra, afrouxou a pressão do braço e subitamente sentiu-se atravessando o ar em direção à parede, para fraturar o crânio ao chocar-se contra ela com terrível violência. Maravilhas do judô...

— Que tal o meu makikomo, querido? — perguntou Brigitte.

— Você tem mais alguma coisa que fazer aqui? — replicou Número Um.

— Não... Está tudo feito.— Vamos então. Os seus dois Johnnies esperam aí fora.— Oh, coitadinhos! Devem estar muito inquietos por

minha causa...

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A GAIOLA

— Bom! Creio que tudo ficou bem limpo Não lhe parece, querido?

Número Um olhou para todos os lados da gaiola dos pombos-correio.

— Hum.— Como “hum”? — protestou Brigitte. — Você não

pode se limitar a um resmungo depois de ter eu passado a manhã inteira ajudando-o a limpar titica de pombo!

— Você não gosta dos meus pombos? — olhou-a severamente.

— Ora vamos, querido, que tolice... Gosto de tudo que é de você.

Ele olhou-a sem nenhuma expressão. Estavam dentro da gaiola, certamente não muito limpos, mas ali agora havia limpeza. E, para Número Um, naquele momento o mundo era um lugar muito pequeno: um simples pombal. Tinha ali tudo o que realmente amava.

— Acho que devo acreditar em você — murmurou.Brigitte abraçou-o pelo pescoço. Fungou.— Você está sujo, querido.— Você também.Ela riu.— Pois me leve ao banheiro, lave-me, ponha-me

perfume...Ele a tomou nos braços e saiu do pombal em direção à

casa, sob o refulgente sol de Malta, com o mar à vista, o ar primaveril carregado de aromas que emanavam do jardim da “Vila Tartaruga”.

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© 1974 – LOU CARRIGAN

EL ARCHIVO

Tradução de Luiz de Drummond Navarro401101/431110