jornal arrocha - edição 06 - anônimos

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Arrocha SETEMBRO DE 2011. ANO II. NúMERO 6 DISTRIBUIçãO GRATUITA - VENDA PROIBIDA Jornal JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAçãO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ Imperatriz: personagens do cotidiano

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Jornal Arrocha - Edição 06 - Anônimos

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Arrochasetembro de 2011. Ano ii. número 6 distribuição GrAtuitA - VendA ProibidA

Jorn

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jornAl-lAborAtÓrio do curso de comunicAção sociAl/jornAlismo dA ufmA, cAmPus de imPerAtriz

Imperatriz: personagens do cotidiano

Você pode nem perceber, mas aquela pessoa que está bem ao seu lado pode ter uma história incrível para contar. A mídia tradicional não costuma registrar, mas as per-sonalidades mais comuns, mais ou menos famosas em seus bairros, são tão importantes para uma ci-dade como Imperatriz do que um mega empresário que ficou milio-nário com o seu empreendimento.

Nesta edição do jornal Ar-rocha os acadêmicos do curso de Jornalismo da UFMA foram atrás de personagens que, mesmo sem reconhecimento devido, ou, mes-mo famosos em seus bairros, mas sem muita repercussão nos meios de comunicação, contribuem para o crescimento de Imperatriz.

Aqui o leitor vai encontrar

tanto a história de personalidades reconhecidas nos meios popula-res, como o Chico da Banca, João da Farmácia, o empresário “Bodim”, quanto legítimos desconhecidos, como o morador de rua Thiago de Sousa, o “Cacheado” ou Sônia Mota, que chefia a equipe de cozinha do Restaurante Popular. São histórias emocionantes de quem luta para le-gitimar a sua profissão, muitas vezes desvalorizada. E merece, sim, ter sua história no jornal. Boa leitura.

Arrocha: É uma expressão típica da região tocantina e também é um rit-mo musical do Nordeste Significa algo próximo ao popular desembu-cha. Mas lembra também “a rocha”, algo inabalável como o propósito ético desta publicação.

EDITORIAL - Anônimos em foco

Ensaio Fotográfico

CHARGE

2 ArrochaJorn

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

ExpEDIEnTE Fotografia: Alanna Heringer, Alessandra ferreira, carla Kassis, deijeane morais, joão de deus, Kellyane barros, luis carlos lima, max dimes, nilzeth Alves, Paulo edson, Pollyana Galvão, renata costa, ronie Petterson, rosana barros, roseane cardoso, simone maia, thalyta dias e Wabner figueiredoreportagem: Alessandra Ferreira, André Wallyson,

Carla Kassis, Deijeane Morais, Douglas Aguiar, Isabella Plácido, Mario Alves, Marisvaldo Lima, Max Dimes, Nilzeth Alves, Nonato Pereira,Paulo Edson, Pollyana Galvão, Renata Costa, Ronie Petterson, Rosana Barros, Simone Maia, Stepheson Souza,Thalyta Dias, Thenille Santos, Vinicius Loyola.

Professores: diagramação: Allanna chrystyne rocha menezes sanches, Ana Alice mendes dos santos, Anderson silva de Araújo, Antonio Wagner silva Aurélio, cleber carlos simoes júnior, diana cardoso costa, edigeny soares barros, elen cristina silva santos, evando raizio silva maciel, flávia brito silva, flávia luciana magalhães novais, Genyedi soares barros, Gleziane sobrinho de oliveira, isabela crema tavares, jéssica roseane fernandes Gomes, josé Augusto dias da silva, Karla mendes santos, Karlanny costa farias, Kellen nilceya dos santos Almeida, layane do nascimento ribeiro, luan rogerio Pereira lima, maiely cabral dos santos, marcela de souza silva, maria félix Pereira calixto, mariana ferreira campos,

Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da Universidade.

Jornal Arrocha. Ano II. número 6. setembro de 2011

reitor - Prof. dr. natalino salgado filho | diretor do Campus de Imperatriz - Prof. dr. jefferson moreno | Coordenadora do Curso de Jornalismo - Profa. m. roseane Arcanjo Pinheiro.

m. Alexandre maciel (jornalismo impresso), m. marco Antônio Gehlen (Programação Visual), m. marcus túlio lavarda (fotojornalismo). dr. marcos fábio belo matos (revisão).

www.imperatriznoticias.com.br | Fone: (99) 3221-7625 Email: [email protected]

Contatos:

marilan reis dos santos, marta nunes de oliveira, mikaelle Katússia martins carvalho, Pamella bandeira santana, raísa farias Araújo salles, ramisa farias Araújo salles, rayane silva de carvalho, raynan ferreira Pinheiro, rômulo santos fernandes, safira Vieira Pinho, samoel Pereira de freitas, sara cristina costa batalha, sararuth Andrade chagas, saron Paulo fell Alencar de Albuquerque, silas Waldemir souza chaves, taya santana da silva, thayse de sousa barros, Valdiane costa de santana, Walison silva reis, Wenia Hyana reis silva, Yanny dorea moscovits.

JADIEL REIS

bolsista Fapema: acadêmico raphael Giannotti (diagramação)

WABNER FIGUEIREDOROSANA BARROS

RENATA COSTA DEIJEANE MORAIS

DEbATEjá virou tradicional a reunião de advogados, informais, taxistas e muitos outros para discutir os pareceres sobre os assuntos cotidianos, como política e futebol

PAUlo EdSoN

Terça-feira de mormaço, como sempre. No relógio, umas 9h20

quando eu chego na Praça de Fá-tima. Ele, camisa de botão branca semiaberta, uma calça jeans meio velha, óculos escuros escondendo

os olhos verdes e com o rosto aver-melhado do calor já conhecido. Sai da pequena armação de metal cinza cheio de letras, histórias e notícias

e se senta num dos bancos de ma-deira para falar comigo.

É o Francisco Melo Filho, ou só Chico, aquele da banca, onde uns tantos se juntam todos os dias para darem seus pareceres sobre os assuntos cotidianos, principal-mente política e futebol. Ao longo da conversa, chegam advogados, informais, taxistas, ambulantes, clientes, mototaxistas e todos que quiserem se juntar.

Chico nasceu em Imperatriz, em 7 de junho de 1966, no bairro que talvez seja a síntese da cidade: o Mercadinho. Conta que passou parte da infância mudando-se com a família. Primeiro para o interior do estado, depois para Cuiabá, Mato Grosso, antes de voltar para a cida-de natal.

Casado com Maria José e pai de uma filha, Maria Marta, ele me diz trabalhar de forma satisfatória, com o que gosta, sem pressões. Entusias-ta da leitura desde pequeno enve-redou na venda de gibis e jornais como “o Progresso” aos domingos, nas portas das antigas salas de cine-ma dos finados Cine Fides e Mara-bá.

“Era na base da troca mesmo. Eu tinha uns gibis e ia trocando com a galera, depois vendia nos lugares”. Chico descreve como conseguia os exemplares para a venda com cer-ta nostalgia. “Sempre gostei muito de ler. Prefiro sempre algo científi-co, mas gosto muito de quadrinhos

também”. Seu gosto literário me fi-cou evidente quando o vi lendo o clássico de Sergio Bonelli, Tex.Tradição - Por vezes meio lacônico e monossilábico, Chico sorri pouco. Parece meio arredio, mas no decor-rer da entrevista se mostra uma pes-soa afável e de boa conversa. Não é à toa que a banca é tão visitada. “As reuniões são assim mesmo. Não é nada fechado, tem espaço pra todo mundo. Mas se tu falar algo pode esperar a resposta, que pode agra-dar ou não”.

Ele é ligeiro na fala, mas nada que dificulte o entendimento. Por vezes coça a clara barba falhada como o gramado onde pisam os go-leiros. Volta e meia levanta do ban-co para atender aos clientes, sempre à procura de informação ou entre-tenimento raso. Quando o calor aperta, ele bebe água de sua garrafa térmica azul e, aparentemente, já companheira de anos de banca.

Aliás, grande ironia é saber que a banca não é dele. Chico é repre-sentante da distribuidora Mara-nhão Piauí (dimapi), e se encontra no mesmo lugar desde a abertura do ponto, em outubro de 1981. Engra-çado é pensar que na verdade ele é da banca, e não ela é dele.

Abre as portas todos os dias às 8 da manhã e fecha quando acaba a conversa, por volta das 21 horas. “domingo fecho mais cedo, meio-dia, porque tem que ter um fute-bolzinho”.

3ArrochaJorn

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

Castro Carvalho hoje vive a era digital,mas é do tempo do “lambe-lambe”

Chico da banca promove espaço democrático

RENATA CoSTA

o mostruário de fotos em uma das portas da cabine de madeira do fotógrafo Castro Carvalho po-deria ter como legenda um trecho da música de Belchior: “Eu sou como você. Eu sou como você. Eu sou como você”. Pergunto a ele se tem algo de especial nessa sele-ção de fotos: ele diz que não, mas aponta orgulhosamente para uma delas tirada em máquina analógica há seis anos.

“Eaê Castro Alves!”, assim um conhecido o cumprimenta em fren-te à Praça Tirandentes. o local da entrevista é bastante movimentado e “Castro Alves” de 45 anos, muito popular. Fotógrafo há 27 anos, presidente do Falan-ge de Aço, fanfarra do time de futebol de Im-peratriz, ele conta que quando chegou para trabalhar ali acom-panhado de um primo, a praça era do carnaval.

“Era bonito. Naquela época os ônibus não faziam rota para cá, não havia os camelôs”. Quando vinham brincar o carnaval com as suas escolas de samba, armavam o palco e amarravam as cabines para as pessoas não subirem em

cima no momento dos desfiles, pois poderiam quebrá-las.

Castro participou da Man-gueira do bairro Nova Imperatriz e lamenta o fim das escolas de samba na cidade. “das antigas, tí-nhamos Mangueira, Tereza Cristi-na, União, Unidos da Vila Nova”. Segundo ele, o fim aconteceu pela falta de apoio dos governantes municipais.

da época da foto instantânea, chamada de “lambe-lambe”, ele guarda a lembrança do trabalho que não dependia de outra pes-soa. “Era um caixote de madeira um pouco comprido. Tinha um lugar para você colocar as mãos dentro da máquina”. o velho ins-trumento de trabalho acabou ro-ído pelos cupins.

Hoje, com a máquina digi-tal, se desloca várias vezes ao dia

para revelar as fotos em um local próximo. Garante a entrega em 20 minutos. diz que uma das van-tagens da nova tecnologia, é que, por exemplo, uma pessoa com a face pintada pelas marcas da ca-tapora, pode garantir um rosto limpo nas fotos. Castro trabalha próximo à delegacia Regional de Imperatriz e presta serviços nos casos de perícia além de trabalhar

com registros foto-gráficos em casamen-tos e formaturas.

de quando traba-lhava com fotografia em preto e branco, ele relembra um cliente muito preocupado com o resultado da foto. “Arrumando o cliente, porque ele poderia ficar com a cabeça torta: olha pra cá tio! Assim... assim... Enquanto eu

estava focalizando, a calça dele estava dobrada”. Quando anun-ciou que ia tirar a fotografia, o senhor gritou “Calme aí! Calme aí! deixa eu arrumá aqui” enquanto desdobrava a perna da calça. “Eu falei: Não. Não carece não. de-pois de tirar a foto, perguntei o porquê de ele mexer na perna da calça. Ele disse: pensei que a mi-nha calça dobrada fosse sair na foto, ó!”.

Francisco Melo Filho, o Chico da Banca, pode parecer meio arredio a princípio, mas logo se torna afável e bom de conversa

Fotógrafo Castro relembra as escolas de samba e os carnavais na Praça Tiradentes

RENATA COSTA

PAULO EDSON

“Da época da foto instantânea, chamada de “lambe-lambe”, ele guarda a lembrança do

trabalho que não dependia de outra pessoa.”

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

DEDICAçãOApaixonado pela mulher e pelo casal de filhos, capitão e subcomandante do batalhão da Polícia militar de imperatriz dedica-se com afinco aos dois mundos

Janilson Cordeiro dividerotina policial e familiar

ISABEllA PláCIdo

É fácil esbarrarmos todos os dias em pessoas incomuns em Im-peratriz, difícil é reconhecê-las. Às vezes passamos ao lado de um homem moreno, de 88 quilos, 1,79 metros, e sequer desconfiamos que é um policial que zela pela vida dos cidadãos e já perdeu ami-gos no exercício da profissão.

Janílson Cordeiro lindoso, de 41 anos, é capitão e subcomandan-te do 3º Batalhão da Polícia Militar do Maranhão. Casado há 11 anos com Greicyvane Gomes lindoso, tem uma filha de 14 anos, Tainá, e um filho de 6, Gustavo. Nasci-do na Baixada maranhense, conta que gosta de ouvir reggae, rock e MPB. os filmes preferidos são os de terror e ação. Assiste também cinema brasileiro, italiano e me-xicano.

Capitão Janílson cursava His-tória, na UFMA e Administração, na UEMA, ambas em São luís, quando fez concurso para solda-do em 1993. Apaixonou-se pela profissão e abandonou os cursos. Em 1995 fez o concurso do Curso de Formação de oficiais (CFo), da UEMA, e entrou na academia. Pe-diu transferência para Imperatriz em dezembro de 1998.

Sobre sua profissão, ele fala com paixão, um prazer de que poucos trabalhadores desfrutam. Ele conta que prender um bandi-do é uma satisfação, um êxtase. “Eu costumo dizer que é como o craque que joga futebol, que mar-ca um gol lindo, maravilhoso e corre pra torcida pra comemorar. o policial que gosta da profissão se sente feliz, sente alegria, mes-mo que sua família corra risco”.

Família - o filme Tropa de Elite, que mostra várias cenas do Capi-tão Nascimento chegando em casa falando alto, estressado, “é tudo real”, segundo Janílson. “Nesses momentos tem que agir com inte-ligência, tanto eu como minha es-posa. Há uma transferência para dentro de casa. o filme conta a realidade nua e crua”.

Greicyvane revela que não gosta da profissão do marido por causa dos riscos e do estresse, mas não deixa de apoiá-lo. “Eu já aprendi a lidar com isso. A gente percebe que ele chega mais explo-sivo, alterado, então deixamos ele ficar sozinho um pouco. depois chamamos ele pra sair, pra con-versar, pra descontrair e aliviar a tensão”.

Tainá, a filha mais velha de Janílson, conta que seu pai é ciu-mento, mas também é um grande amigo.

“Se eu precisar de ajuda em alguma atividade da escola ele me ensina, por que ele é muito inte-ligente. Não tem dessa de ser se-vero por ele ser policial. E o que eu mais gosto no meu pai é que ele sempre participou de todos os momentos da minha vida, me mostrando os riscos que eu vou poder correr ou não”.

Capitão Janílson já fez diversos treinamentos, como gerenciamento de crise, ocorrência com refém, polí-cia cidadã, SWAT e está previsto para fazer outro em 2011 que tem duração de um ano. Quando volta para casa do trabalho, leva o rádio e deixa 24 horas ligado. Além de tudo, ele ainda é voluntário no Colégio Militar, onde

joga futebol com as crianças.

RoSANA BARRoS

ouvir o som dos pássaros, sentado em uma cadeira de “es-paguete” branca, com os pés esco-rados em um banco na Praça da Cultura é rotina quase diária do taxista Filogônio lima Bezerra, de 60 anos. Ele recebeu esse nome porque nasceu no dia 20 de de-zembro, dia de São Filogônio.

Natural de Coroatá do Ma-ranhão, aos 18 serviu o Exército entrando depois para a corpora-ção da Polícia Militar. Em 1973 foi transferido para Imperatriz. “desde pequeno eu era apaixona-do por uma farda. Queria servir o Exército ou a polícia”, diz emocio-nado Filogônio, que foi uns dos fundadores do quartel militar no bairro Bacuri.

Frequentador das festas no-turnas quando jovem, o então po-licial militar encantava com seus olhos azuis ao subir ao palco para cantar. “Não sei tocar, eu só can-tava. As meninas adoravam”. Em uma das noites na antiga boate Beira- Rio, conheceu Jossélia, e em 1976 se casaram e tiveram quatro filhos. o mais velho, a exemplo do pai, se tornou militar.

Rotina - Após se aposentar da polícia, Filogônio, ainda disposto para o trabalho, resolveu comprar o alvará de taxista. E na Praça da

Cultura fez seu ponto de espe-ra. “É bom aqui, é tranquilo. Uma sombra maravilhosa. A gente fica só curtindo enquanto não chega passageiro”. Ele trabalha das oito da manhã às dez da noite, mas faz

questão de almoçar sempre em casa com a família.

Em seu dia a dia, sentado na cadeira de “espaguete” branca, Fi-logônio conversa com seus colegas de profissão e se informa das no-

tícias da cidade. diz não perder o jornal da tarde e sempre aproveita a banca de revista ao lado do ponto de táxi para se informar.

“Chega o turista procurando quais são os locais de diversão, o

restaurante bom, a peixaria ou uma churrascaria. Estou sempre pronto para informar”. Todos esses cuidados são para atender bem aos clientes, principalmente turistas que não conhecem a cidade.

Alguns desses visitantes ficam fregueses e sempre que vêm a Im-peratriz procuram o taxista. “São aquelas amizades que o passageiro pega com a gente, quando conversa-mos com eles, falando a respeito da cidade”. Um outro cuidado impor-tante para bem servir a população é com o veículo. Taxista há 20 anos, conta já estar no oitavo carro.

Questionado sobre que figu-ras ilustres já levou em seu carro, Filogônio revela que transportou artistas da cidade para shows, en-tre eles Charles Brown. E que certa vez perdeu a oportunidade de levar Amado Batista porque seu táxi es-tava sem película escura.

Quando não está de serviço gosta de ficar com a família e deitar para ver televisão, pois já se acos-tumou a estar informado. Aposen-tar dessa nova profissão não está em seus planos, por ele seguirá até quando não der mais.

“Sou taxista/Tô na rua,/tô na pista./Não tô no palco,/mas no as-falto/ eu sou um artista”. A letra da música de Roberto Carlos lembra bem a figura de Filogônio, cantor, militar e hoje, com muita satisfa-ção, taxista.

Filogônio Lima acredita que ser taxista permite fazer amizade diariamente

Alguns visitantes da cidade, quando retornam, são fiéis a Filogônio.“São aquelas amizades que o passageiro pega com a gente”

“o policial que gosta da profissão se sente feliz, sente alegria, mesmo que sua família corra risco”, acredita Janílson

LUIS CARLOS LIMA

ROSANA BARROS

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

RECEITAHá 26 anos a popular “farmácia do Ambrozio”, um dos bares mais notórios de imperatriz, apresenta solução para todos os males com cachaças “medicinais”

Ambrozio tem sempre o remédio mais eficaz

AlESSANdRA FERREIRA

“Tem uma coisa que eu nunca fui conformado, que tenho muita vonta-de de mudar em mim: é a minha esta-tura”. Com 1,54 metros e trabalhando

na área de serviços gerais como au-xiliar de limpeza, há três anos, para uma empresa privada prestadora de serviços, Samuel Ribeiro Alves, de 25 anos, se sente um anão. “Nunca gos-tei da minha estatura, se eu pudesse

mudaria”. Pardo, olhos claros e conheci-

do por sua curiosa vaidade, Samuel nasceu em Imperatriz. “Mas já passei uma temporada fora, em torno de uns quatro anos, só que isso já tem

mais ou menos dez anos”. Agora Sa-muel mora com a família: pai, mãe, irmão e duas irmãs. São seis pessoas e todos contribuem para a renda fa-miliar. Uma das irmãs trabalha como doméstica, o pai é aposentado e a mãe é autônoma.

Samuel mora próximo do em-prego, no bairro Nova Imperatriz. Acredita que muitos reconhecem o trabalho realizado, mas “existem pes-soas que têm mania de estar discri-minando”, pois têm preconceito com quem “lida com chão, limpa banhei-ro e tira teia de aranha”. Para Samuel, quem mexe com limpeza merece ser tratado com respeito igual a outros trabalhadores, pois se trata “de um serviço como outro qualquer”.

Vaidade – “Não é porque trabalha-mos na área da limpeza vamos dei-xar de nos cuidarmos”. Samuel alega que atualmente não tem condições para tentar aumentar a altura, mas há planos para mudá-la.

Ele revela que o seu sonho é aumentar sua estatura por meio de uma cirurgia de alongamento ósseo. Porém, o procedimento cirúrgico é muito caro e não dá para juntar o di-nheiro, porque o mais barato custa 20 mil.

Para a família, a ideia não é in-teressante, porque parece um sonho estranho. Mas Samuel discorda: “É igual a você querer mudar algo em

você: às vezes você quer ser gordo ou quer ser magro, às vezes você quer fazer uma plástica, mudar algum vi-sual... Isso aí é uma mudança qual-quer”.

Mas os itens mais curiosos des-se brasileirinho são duas lentes que usa: uma da bandeira do Brasil e a outra branca, que lembra um olho de gato. Só que cada uma delas é para ser utilizada em uma época es-pecífica e carrega um significado: “A branca em época de carnaval e a do Brasil quando tem jogo ou é época de Copa”.

São itens que chamam muito a atenção por serem exóticos e tão di-ferentes que esse tipo de lente não é encontrado em Imperatriz para pronta entrega, sendo necessário fa-zer encomenda. “Mas não é tão cara não, ela custa na faixa de uns 140 re-ais. Não acho cara não!”.

Mas as lentes brasileirinhas não são restritas aos momentos de la-zer. “Uso no trabalho também. Por-que tem as épocas da gente usar. Aí eu uso em todo lugar, lá no serviço, para onde eu vou”.

Samuel se diz muito esforçado na questão de trabalho. “Uma pessoa boa, honesta, trabalhadora, um cida-dão de bem, que tem responsabilida-de”. Mas, quando é lembrado da sua vaidade, declara entre risos: “Aliás, vou abrir o jogo, como todo mundo já acha, vaidoso”.

ANdRÉ WAllySoN

“A de boldo é boa para o fígado e a de casca de laranja para o estômago. Tem também a de sete misturas, que leva inguiriba, paulistana, sucupira, romã, alho, gengibre e mel, uma dose de cada. Essa cura gripe, gastrite, sinu-site e outro monte de doenças”.

Quem receita é o potiguar da gema Josimar da Silva, que veio para Imperatriz aos 15 anos de idade com os pais. Em busca de uma nova vida, a família chegou quando a cidade passa-va por um momento de pleno desen-volvimento devido à construção da rodovia Belém-Brasília.

o nome que batiza hoje um dos mais notórios bares da cidade foi dado a Josimar quando ele ainda trabalhava como pedreiro, profissão que exerceu durante 20 anos. Antes construtor de casas, agora Josimar seria um enge-nheiro na arte de fabricar cachaças.

No final da década de 1990 o fa-bricante da aguardente Pirassununga 51 veio à cidade de Imperatriz. logo descobriu que um senhor fazia mis-turas “medicinais” com a bebida. “Eles ficaram tão empolgados que fotogra-faram tudo, fizeram uma reforma, forneceram mesas e cadeiras, deram ideias de novos sabores e disseram: a partir de hoje aqui não é mais o Bar do Ambrozio e sim a Farmácia do Am-brozio”.

Fundada há exatos 26 anos, a Far-mácia do Ambrozio foi aberta como mercearia, mas a sombra de uma amendoeira que havia na porta aos poucos fez com que os clientes por ali

ficassem conversando. “de um deles veio a ideia: ‘senhor Ambrozio, porque não vende uma bebidinha pra gente? Uma pinga ou cervejinha?”’.

As primeiras receitas eram dos mais diversos tipos de raizadas, che-gando a quase 200 variações na épo-ca. Como alguns deles tinham em sua composição bebidas alcoólicas e no lugar já eram vendidos refrigerantes e petiscos, os clientes começaram a cobrar e dar ideias de novas composi-ções.

“Seu Ambrozio e porque o senhor não faz algumas cachaças com frutas? Uma coisa mais leve seria uma boa”. Foi quando surgiram os novos sabo-res, inspirados em frutas regionais, como tamarindo, cupuaçu, murici e a famosa cajá com mel, a mais vendida atualmente.

“Na composição tem pinga, mel, a fruta, um pouco de refrigerante e suco. Cada uma tem sua receita e sou eu mesmo quem faço todas. Se outra pessoa fizer não fica a mesma coisa”, garante Ambrozio.

Popularidade - Pessoas de todo o Brasil procuram o local para saborear as “cachaças medicinais”. A farmácia tem também “pacientes” em países como Suíça, França, Espanha e Esta-dos Unidos.

“Aqui eu já atendi gente de todo canto do mundo que leva caixas de bebida como lembrança da cidade de Imperatriz”. É o que conta André Jard-son Rodrigues, que trabalha há quase dois anos na farmácia e já foi apeli-dado pelos clientes de “enfermeiro do

Ambrozio”.São 388 remédios que curam da

tristeza à dor de amor, da gripe à gas-trite. No receituário, “medicamentos” como pau de índio, cascavel assada, leite de onça e couro de cobra têm preços que variam entre 15 e 18 reais o litro, sempre acompanhados de limão, sal e carambolas cortadas em estrela.

dos quase dois mil sócios de car-

teirinha da farmácia que já se tornou uma lenda e um ponto turístico de roteiro obrigatório na cidade de Im-peratriz, Mauricio Pereira é dos mais antigos. “Antigamente a dose, que hoje custa R$ 2,50, era 50 centavos. A gente vinha fazer o ‘esquenta’ aqui e depois descia para a Fly Back, uma extinta bo-ate da cidade”.

Mauricio comenta que mora no

Parque Anhanguera e vai ao Ambrozio quase todos os dias. São mais de dez anos frequentando a farmácia. “Venho até quando estou doente, tomo o re-médio por aqui mesmo. E o mais inte-ressante é que quando o negócio está agoniado os próprios clientes ajudam no atendimento. Aqui é só tranquili-dade”.

Samuel Ribeiro luta contra o preconceito com os servidores da limpeza

Josimar da Silva, conhecido como Ambrozio, conta que pessoas de todo Brasil procuram o local para saborear os “remédios”

“Existem algumas pessoas que têm mania de estar discriminando quem lida com chão, limpa banheiro e tira teia de aranha”

ALESSANDRA FERREIRA

ALANNA HERINGER

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

pAIxãOmesmo sem possuir formação acadêmica em educação física, treinador, que já foi corredor, destaca que pesquisa muito para sempre oferecer o melhor

SIMoNE MAIA

Beira-Rio: cenário perfeito para prática de esportes não fosse pelo sol que fazia naquela tarde de sábado na qual o termômetro indicava 36º. Po-rém, isso não é o suficiente para im-pedir que Francisco Bezerra Ferreira Costa, 63 anos, deixe de fazer uma das coisas que mais lhe dá prazer: exercer a função de treinador de atletismo.

Quem frequenta aquele local para a prática da caminhada ou de qualquer outra modalidade esporti-va já deve ter se deparado com este senhor simpático. Em companhia de uma moça e de sua bicicleta de cor prata, ele ostenta saúde a cada peda-lada que dá em volta da lagoa.

Apesar de hoje ser treinador, Francisco um dia foi corredor. Porém, como ele mesmo diz, começou tarde a prática do atletismo. “Comecei com 30 anos e passei dez anos como corre-dor, mas só era amador no esporte”.

o atletismo tinha tudo para ser coisa de família, uma vez que a espo-sa de Francisco, Maria das Neves da

Conceição, um dia também já foi cor-redora chegando a conquistar muitas medalhas. E o sonho de ambos era que sua única filha, Flávia da Concei-ção, também seguisse esse ramo, mas ela optou por ser professora.

Ele faz questão de deixar claro que nunca foi um bom atleta, mas que sempre procurou ser um bom ob-servador para detectar pessoas que se sairiam bem na prática do atletismo. E foi assim com dayana Fernandes Al-ves, de quem ele é treinador há cinco anos. “Quando olhei para a dayana vi que tinha o biotipo de atleta”.

A relação de Francisco com daya-na parece ser de muita afinidade, tan-to que ela o chama de pai. “Ele não é só meu treinador é também meu te-rapeuta, pois esporte pra mim é tera-pia”. Sob a coordenação do treinador, a esportista já venceu duas vezes a maratona em comemoração ao ani-versário da cidade.

Futuro - Paciência e conversa pare-cem ser os ingredientes mais utiliza-dos pelo treinador para com sua atle-

ta. o treinador pretende encerrar em breve a carreira com dayana, já que são cansativos os treinamentos, além de ocorrerem muito cedo ou à tarde. A paixão pelo atletismo é dividida com o ofício de consertar relógios, profissão que exerce há 24 anos em um mesmo ponto no Calçadão de Im-peratriz.

Por causa da outra profissão ele já foi instigado pelos amigos a fazer um curso superior de Educação Físi-ca, mas não se imagina cursando uma faculdade. Mesmo sem possuir forma-ção acadêmica, Francisco se considera apto para ser treinador. “Eu pesquiso muito, sei o bruto, o que eu sei não se aprende em uma universidade”.

dificuldades financeiras como falta de patrocínio deixam Francisco triste, pois muitas das vezes não pode acompanhar dayana nas competições fora do estado. Mas nada disso tira o brilho do olhar desse senhor que en-cara com muita seriedade tudo que faz.

o fato de não ser remunerado pelo trabalho de treinador não o in-

comoda. Pelo contrário, para ele ser treinador é um hobby, uma vez que faz por amor ao atletismo. “Eu me sinto bem, não importa se minha atle-

ta sobe ou não ao pódio”. Na opinião de Francisco, com as perdas nós só te-mos a aprender e assim, consertamos os erros.

MARISVAldo lIMA

o jovem Fagner Pereira de Bri-to, de 19 anos, parou de estudar no 2° ano do Ensino Médio. Agora ele divide seu tempo entre tomar conta da loja de produtos artesanais e as outras atividades do dia a dia.

No pequeno salão localizado na avenida Bernardo Sayão, no bairro Três Poderes, ele trabalha as peças que são trazidas de Crato, no Ceará. “Meu trabalho aqui é basicamente

pintar e vender essas peças que vêm de fora, mas a gente também fabri-ca muitas aqui na cidade” explica, timidamente.

Em Imperatriz funciona desde 2009 o Centro de Artesanato, ao lado da Academia Imperatrizense de letras. A entidade, além de co-mercializar produtos como vasos, toalhas, roupas e peças de orna-mentação, também oferece cursos de capacitação para a comunidade em geral e profissionais como Fag-

ner, que desejam melhorar as suas técnicas.

Maria de Jesus Vitor da Silva pinta e borda, mas também costura de vez em quando. Ela é a típica vizi-nha a quem todos recorrem quando têm que diminuir vestidos, “fazer a bainha” da calça, pregar botões e ou-tras possibilidades que uma máqui-na de costura proporcione.

Ela, aos 40 anos, faz tapetes de linha, borda em panos de prato e to-alhas, personaliza colchas de cama e

ainda tem tempo pra cuidar dos dois filhos. Maria alega que não conside-ra a atividade como arte, e sim um complemento da renda familiar. Mas como disse uma de suas clientes fi-éis: “Esse pano de prato é tão bonito que dá dó de colocar ele na cozinha pra sujar de gordura. dá vontade de colocar ele numa moldura”.

Tanto Maria de Jesus quanto Fagner e tantos outros artesãos que participam do Centro de Artesanato concordam em um ponto: falta in-

centivo por parte do governo para a divulgação dos produtos.

Enquanto isso, Maria sai de porta em porta vendendo os produ-tos que confecciona em casa, com o mesmo anseio de Fagner, que conti-nuará dia após dia na frente da loja, às vezes pintando seus produtos. outras, apenas à espera de clientes curiosos à procura de peças que cus-tam entre R$ 1,50 e 80 reais. Ele tem muitos planos pra o futuro, sendo um deles voltar a estudar.

Francisco bezerra treina atletas como “terapia”

Fagner pereira e Maria de Jesus fazem do artesanato sua forma de vida

MARIo AlVES

Cabelos grisalhos, estatura média, roupas brancas, voz mansa e um sorri-so estampado no rosto. Estas foram as primeiras impressões que tive de João

Ramiro Carneiro Alves. ou como a maior parte da cidade o conhece, João da Farmácia.

Chego às quatro horas da tarde, como havia combinado. No entanto, só consigo finalizar a entrevista às

oito horas da noite. Este fora mais um dos dias típicos na farmácia. As pesso-as faziam fila para ser atendidas por João, mesmo com outros atendentes disponíveis.

Enquanto aguardo no balcão da farmácia, observo a forma atenciosa e prestativa com que ele atende a um dos seus clientes. É um pai que bus-ca orientação sobre a doença da filha que está em seus braços. João entende a linguagem popular, não foi à toa que se tornou tão conhecido em Impera-triz.

Até o restante do dia, ainda pas-saram pelo balcão da farmácia jovens, idosos, intelectuais e leigos. Uma se-nhora comenta que tenta não chamá-lo de doutor João, mas é inevitável. Sua rotina vai até as 20 horas. Ele só vai para casa quando todos os clientes são atendidos.

Com sorriso no rosto ele comen-ta: “Tenho o maior prazer de ajudar todos que chegam até a mim. Não tem coisa melhor do que ouvir de alguém:

‘fui a vários médicos da região, mas só você conseguiu resolver meu proble-ma’. Isso para mim não tem preço”.

João Ramiro nasceu em 1953, no povoado de olho d’água dos Bichos, próximo a Grajaú (MA). Com a per-missão dos pais, aos 10 anos de idade passa a morar no convento liderado pelo médico, frei Alberto. o religioso ajudou-o em sua formação e ensinou as primeiras lições da medicina.

Mais tarde aceitou o convite do primo Geraldo Maracaípe para morar em Brasília. lá, conseguiu trabalhar em uma farmácia, onde aperfeiçoou seu conhecimento da profissão. Como não conseguia conciliar trabalho e es-tudo, saiu do emprego e veio passar férias na casa de amigos em Impera-triz.

“Chego à cidade com 20 anos de idade, e aqui mesmo finalizo meus estudos. Fiz vestibular, e passei para o Curso de Ciências Exatas, na Facul-dade Estadual de Imperatriz (FEI), que hoje é a UEMA. logo desisti, porque

o curso não era reconhecido no país”, conta João.

o trabalho e família tornam-se único objetivo a partir daquele mo-mento. Em 1978, começou a trabalhar na Farmácia São João. logo sua dedi-cação e facilidade em entender o povo foram notadas pelos clientes. Nesta época passou a ser conhecido por to-dos como “João da farmácia”.

durante 30 anos, João trabalhou naquela farmácia. “de lá tirei o susten-to para minha família. Contribuí para a formação de meus dois filhos na área de farmácia-bioquímica, em Ara-guaína (To). Comprei duas casas, que hoje se tornou esse prédio”.

No dia 23 de março de 2009 João Ramiro abriu seu próprio empreendi-mento: a farmácia Santa Mônica, em parceria com seus filhos. Uma grande realização pessoal. Hoje ele carrega na memória os desafios, as conquistas de sua vida e a certeza de que agora pode ser chamado de João da sua própria farmácia.

dayana Fernandes acompanhada pelo treinador Francisco: “Ele é meu terapeuta”

João da Farmácia acha que não há preço que pague o diagnóstico preciso

Todo dia é assim na farmácia de João Ramiro: pessoas disputam as suas consultas

KELLYANE BARROS

SIMONE MAIA

7ArrochaJorn

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

LIçãOMais conhecido como “Bodim”, empresário destaca que o incentivo aos funcionários é um dos fatores para continuar vencendo

MAx dIMES

Toques de telefone celular persistem em duas horas de entre-vista. A última chamada atendida registra 23 minutos de conversa ininterrupta. Tanta ocupação foi suficiente para denunciar a difícil rotina de um empresário à frente de 100 empregados distribuídos por cinco lojas em Imperatriz. Quem enxerga a bela aliança de casamento e o anel de formatu-ra nos dedos de Josélio lourenço de Sousa não imagina que aque-las mãos mergulharam em graxa e construíram uma das maiores distribuidoras de bicicletas da re-gião.

“Eu sempre gostei muito des-te trabalho. Tenho orgulho do que fiz para chegar até aqui”. Uma satisfação despertada ainda na infância quando sua mãe, Maria lourenço de Sousa, o empregou com apenas oito anos em uma ofi-cina no bairro Nova Imperatriz. Montar e desmontar bicicletas era apenas uma das tarefas ensinadas por oton, antigo chefe e homem de respeito. “Certo dia questionei o patrão dizendo: ‘por que apren-der tantas coisas?’ Respondeu: ‘o homem deve aprender muitas profissões e escolher uma para vi-ver.’ Tomei essas palavras e nunca mais esqueci”.

Em 1991, o empresário desis-tiu da carreira militar para abrir o negócio que mudaria sua vida. Empregou-se em um armarinho para juntar dinheiro e montar a

própria oficina. “Eu disse que ia ficar lá por um ano de serviço para depois trabalhar por conta. Mas diziam: ‘pode sonhar, você não paga nada por isso’. Infeliz-mente me subestimaram muito”.

Com o apoio moral e finan-ceiro da mãe, Josélio iniciou sua jornada com o capital equivalente a 2 mil reais. “Aluguei um ponto,

comprei uma prateleira dessas aí, e coloquei mercadorias”, dis-se com orgulho ao apontar para um dos arquivos de pedidos, des-pachos e carregamentos do escri-tório. “Quando o cliente queria o que eu não tinha, dizia que esta-va no depósito. Saía e comprava o que faltava para não desagradá-lo.”

Sucesso - A empreitada deu tão certo que hoje, aos 37 anos, distri-bui peças e acessórios para mais de dois estados brasileiros. “Com exceção da capital, atendemos todo o Maranhão. No Tocantins contemplamos a região do Bico do Papagaio. Falta pouco para atender o Pará inteiro”, disse, ao apontar para três grandes mapas

fixados nas paredes.Formado em Gestão de Negó-

cios pela Faculdade Atenas Ma-ranhense (Fama), Josélio domina com maestria o jargão comercial ao explicar a função de alguns dos milhares de produtos abarro-tados em grandes gaiolas de aço. Enquanto mostra com orgulho cada centímetro dos 1,8 mil m² da sua distribuidora e, desviando de uma peça ou outra, ele revela a origem do nome que deu vida à sua empresa.

“Temos apelidos como o gor-do, o loiro, o salsicha... o meu veio de um ex-patrão no ano de 1987. Eu tinha apenas 12 anos de idade, ele olhou para mim e disse: ‘tu parece um bodinho’, ou seja, um sujeito pequeno. Na lingua-gem corriqueira do maranhense, isso acabou virando Bodim”.

A motivação profissional dos funcionários é um dos fatores decisivos para “romper frontei-ras e continuar vencendo”. Entre comissões e bonificações, ele des-taca uma campanha de motivação entre os empregados.

“o melhor vendedor ganha um jantar à luz de velas com a esposa. Nós vamos mandar uma cartinha para ela dizendo que se ela não for a culpa é do marido”. E completa: “Muitos aqui entra-ram pelas menores funções e hoje são supervisores de venda, ge-rentes de loja. As oportunidades existem, o que falta é: as pessoas estarem atentas e preparadas para abraçá-las”.

PollyANA GAlVão

Com o portão sempre aberto, o lu-gar é tranquilo e arborizado. Brinque-dos, como gangorra, traves de futebol e balançadores. Em meio a dezenas de crianças, B. V. se destaca. Um garoto de 12 anos, extrovertido e alegre.

B. V. mora em um abrigo da cida-de de Imperatriz. Ele foi tirado do seu convívio familiar por maus tratos, há mais de um ano. o garoto afirma que gosta mais de morar no abrigo do que com sua mãe.

Como a maioria dos meninos de sua idade, B. V. tem o sonho de ser jogador de futebol. Quando questio-nado quem são as pessoas mais im-portantes da sua vida, ele responde sem titubear: “os meus pais sociais do abrigo e as pessoas que cuidam de mim”.

B. V. gosta de estudar matemática, dançar, ouvir músicas e assistir dese-nhos. Ele se considera uma criança muito feliz, “porque aqui a gente brin-ca toda hora” e sua brincadeira prefe-rida é “camaleão”. de mãos dadas, as

crianças são puxadas umas pelas ou-tras em forma de corrente.

B. V. mora no Programa de Mora-dia Alternativa Novo Amanhecer (Pro-mana), criado há mais de 30 anos por dom Affonso Felippe Grégory, primei-ro bispo de Imperatriz e Manoel Alves Pereira, um dos coordenadores do abrigo até hoje. Após a morte de dom Affonso, em 2008, o Promana passou a ser mantido apenas por doações da sociedade. As pessoas colaboram com cestas básicas, roupas, remédios e com outras necessidades que as crian-ças têm.

Acolhida - o Promana é coordenado tanto por Manoel Pereira quanto por sua esposa, Aciléa Pereira. Além deles, dois casais são contratados para mo-rar no abrigo e cuidar das crianças. São os “pais sociais”, assim chamados por elas. Incluindo B.V., o abrigo aco-lhe 16 crianças. Além delas, existem filhas dos pais sociais e egressas, ou seja, crianças que já voltaram para o convívio familiar, mas continuam sendo acompanhadas pelo Promana.

B. V. garante que todas as crian-ças do abrigo são os seus amigos. “Mas sempre me lembro do meu irmão-zinho, que ainda é um bebê”. Se per-manecer no abrigo, B.V. poderá morar nele até os 18 anos. Mas, as crianças só deixam o Promana quando já estão

trabalhando e têm a capacidade de morar sozinhos. Além de estudar no ensino regular, B. V. faz um curso de

leitura uma vez por semana na Casa Brasil, entidade mantida pelo governo federal.

Josélio Lourenço: empresário da motivação

b.V. mora em um abrigo, foi acolhido comcarinho e sonha em ser jogador de futebol

Mãos que já mergulharam em graxa agora se dividem nos muitos afazeres de quem comanda uma distribuidora de bicicletas

B.V. mora no Programa de Moradia Alternativa Novo Amanhecer e supera traumas

Abrigo, com sistema de “pais sociais”, acolhe crianças atualmente em Imperatriz

POLLYANA GALVãO

POLLYANA GALVãO

MAX DIMES

8 ArrochaJorn

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

COORDEnAçãOchefe de cozinha do restaurante Popular destaca que o trabalho em equipe é essencial para garantir que tudo dê certo na difícil rotina de alimentar muitas pessoas

Sônia Mota alimenta 750 todos os dias

STEPHESoN SoUzA

Você acha cansativo cozinhar para a família todos os dias? E para 750 pessoas? Essa é a rotina da chefe de cozinha do Restaurante Popular de

Imperatriz, Sônia Mota, 45 anos, que se divide entre os afazeres de casa e as obrigações do emprego.

de infância muito pobre, hoje mãe de três filhos e há seis anos sepa-rada do esposo, Sônia mora no bairro

Bom Sucesso, em Imperatriz. Acorda às 5h30 da madrugada para chegar a tempo no serviço.

Quase 23 quilos de feijão já fo-ram colocados de molho no dia ante-rior para agilizar o preparo. Por falta

de açougueiros, os 130 quilos de carne são cortados por dois cozinheiros que fazem parte da equipe de dez profis-sionais da cozinha do Restaurante Po-pular.

Enquanto isso, são preparados verduras e legumes para que antes das 9 horas a salada já esteja pronta. Em enormes panelas, o feijão e a carne são temperados e o arroz é cozido.

Às dez horas todos os profissio-nais almoçam para que às 11 horas o restaurante seja aberto para o atendi-mento. Sônia não apenas coordena, mas também coloca a mão na massa. “Trabalhamos em equipe e nos des-dobramos para realizar e demonstrar nosso trabalho”.

Após o atendimento, todas as panelas são lavadas, os nutricionistas lançam o cardápio do próximo dia e o feijão é colocado de molho. dificil-mente sobra comida e quando sobra é utilizada por funcionários. de acordo com Sônia, o restaurante faz muitas doações. “Muitas pessoas chegam e não têm o valor de um real para pagar pelo prato de comida, daí a assistente social libera a doação. São cerca de 20 a 30 por dia”.

Desafios - No início, Sônia entrou apenas como cozinheira e aos poucos foi ganhando espaço e se destacando. “Uma vez um cozinheiro colocou tudo a perder. o arroz não cozinhou e o frango ficou só a papa. Mesmo assim teve que ser servido, houve reclama-ções e todos nós fomos chamados a atenção”, conta Sônia.

A partir desse episódio todos pas-

saram a ter mais de uma função e Sô-nia a coordenar a equipe. “Ela é muito dedicada, divertida e inteligente, sabe realmente administrar a cozinha”, afir-ma a colega de trabalho Marli Pereira.

Sônia nasceu em Castanhal no Pará e teve uma infância turbulenta. Seu pai morreu quando ela tinha três meses de idade. Morava com a mãe, os avós e mais sete irmãos e sua mãe era muito rígida, sequer a deixava brincar. “Por diversas vezes dormi fora de casa com medo de apanhar”.

Na adolescência Sônia começou a fabricar bolos e tortas para vender na frente de festas no município de Riba-mar Fiquene, no Maranhão. Chegou a Imperatriz com a proposta de cuidar de uma casa para pagar a dívida de uma geladeira que sua mãe havia com-prado. Mas surgiram outras oportuni-dades. “Trabalhando como garçonete no Posto Santa Tereza foi que eu con-segui matar toda a fome que eu passei quando criança”. No posto conheceu o pai dos seus três filhos, José Mota, com quem conviveu por 20 anos. Sô-nia passou a ser dona de casa, porém aperfeiçoou sua aptidão pela culinária com diversos cursos.

Trabalhou na área por muito tempo até conseguir a vaga no Restau-rante Popular. Seu objetivo é montar o próprio negócio, uma confeitaria e o grande sonho reencontrar sua irmã, que foi doada por sua avó aos dez anos de idade para um policial militar no município de Estreito. Questionada sobre a receita da vitória, Sônia revela: “É ter muita garra e força de vontade e nunca desistir da vida e de sonhar”.

THENIllE SANToS

Sirene tocando, luzes acesas, fa-róis em pisca alerta... Esta é uma das ambulâncias 192 andando nas ruas da cidade. Mas será que alguém con-segue enxergar Antônio Andrade de Amorim – seu Andrade- executando sua importante função de condutor socorrista nas ruas de Imperatriz?

Com 58 anos e com quase dez de serviço, Andrade é o condutor socor-rista mais antigo do Sistema de Aten-dimento Móvel de Urgência (Samu) de Imperatriz .

Completando uma equipe de 17 condutores, Andrade procura dar o melhor de si a cada corrida de ur-gência e emergência. Como afirma o coordenador do Samu-Imperatriz, Everton Barros, a função de condutor socorrista é tão importante quanto os outros profissionais que estão dentro de uma ambulância.

Para quem pensa que os socorris-tas são apenas motoristas com CNH categoria d se engana. Eles são sub-metidos a um rigoroso treinamento para também prestar socorro às víti-mas.

Ao ingressarem no Samu, os so-

corristas passam pelo treinamento de Suporte Básico de Vida no Pré-hos-pitalar, direção defensiva e estão en-volvidos em constantes capacitações para aperfeiçoamento da categoria.

“Gosto do que faço, nunca so-corri um parente meu, só vizinhos e amigos. Cada vez que saio da central da Samu o sentimento que tenho é de que estou atendendo um parente”.

Na função de condutor, Andrade precisa manter a calma e, em momen-tos críticos, ter sangue frio. “As pesso-as me questionam como eu consigo dirigir sabendo que ali atrás de mim tem alguém entre a vida e morte”. Andrade questiona: “Se eu que estou conduzindo a ambulância não ficar calmo, quem ficará?”

Todo plantão chega às 7 horas na sede da Samu, verifica o veículo e faz um check list desde o motor até a aparelhagem que existe na parte inter-na da ambulância. “Ficamos atentos às urgências e prontos para atender às chamadas. Todo plantão peço a deus que nos ajude e que possamos fazer bem o nosso trabalho”.

Ao longo dos anos Andrade já viu de tudo. Amigos sofrendo acidentes, parceiros que não aguentaram a pres-

são e pediram pra sair. Médicos e en-fermeiros que “amarelaram” e muitas pessoas vivendo, morrendo e nascen-do ao longo dessa jornada.

“No começo de tudo, senti medo, insegurança. Quando algo acontecia dentro da ambulância eu procurava me concentrar na direção, mas algu-mas vezes era impossível, pois antes de chegar ao hospital a vítima havia morrido. E nessas horas cheguei a pensar que não tinha feito o suficien-te e que poderia ter feito melhor”. São sentimentos comuns à equipe do

Samu, pois todos trabalham sincroni-zados.

“Não tenho dificuldades no meu serviço, pois realmente faço o que posso para dar tudo certo”. Ele acredi-ta que alguns empecilhos são inevitá-veis, como o trânsito e também a falta de conscientização dos condutores.

“os motoristas não entendem que mesmo quando a ambulância está apenas com as luzes ligadas naquele momento estamos trabalhando: ou indo em direção a um local ou vindo para o hospital com uma vítima. Mui-

tos motoristas não abrem passagem para que nosso veículo passe”. Adra-de deixa um alerta importante: abram sempre caminho para uma ambulân-cia do Samu.

Assim como os outros conduto-res socorristas, cumpre uma carga ho-rária de 15 plantões por mês. Além des-sa atividade, nos dias livres ele exerce sua primeira e permanente profissão, de marceneiro. E na sua própria ofici-na trabalha com seu irmão na restau-ração de instrumentos musicais como guitarra e violão.

Antônio Andrade dependeda habilidade de motoristapara salvar muitas vidas

de infância muito pobre, hoje mãe de três filhos e há seis anos separada do marido, Sônia comanda equipe de 10 profissionais

“Muitos motoristas não abrem passagem. Todo plantão peço a deus que nos ajude e que possamos fazer bem o trabalho”

JOãO DE DEUS

ROSEANE CARDOSO

9ArrochaJorn

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

EnTREVISTAProfessora domingas Paixão tem propriedade para comentar sobre as principais características de uma imperatriz que ela viu crescer e se desenvolver

“Quem ama uma cidade não vê defeitos”domingas Paixão. Professora,

pedagoga e 67 anos de idade, dos quais 37 dedicados à educação

em Imperatriz. Em entrevista ao Arrocha, a professora domingas fala sobre elementos da cultura e

da história de Imperatriz, da sua paixão por livros e do seu amor pela literatura. Não deixa de men-

cionar a sua opinião sobre a pro-posta de criação do estado do Ma-ranhão do Sul. lembra, ainda, as

antigas lendas do rio Tocantins e explica a sua relação de amor com a cidade.

RoNIE PETTERSoN

VINICIUS loyolA

Imperatriz já foi chamada pejorati-vamente de Sibéria maranhense por conta do seu isolamento. Recente-mente a cidade foi palco de uma re-portagem que a intitulou de “capital da pistolagem”. Essas denomina-ções podem ser consideradas verídi-cas ou não?

Eu começo dizendo assim: quando a gente ama não vê defei-tos. Justamente por ter minhas ra-ízes aqui eu não vejo em Impera-triz os defeitos que dizem que nós temos. Eu não considero que em relação aos crimes Imperatriz seja tudo isso que dizem. Assim que o padre Josimo morreu eu fui a São Paulo fazer uma prova. Na hora da apresentação, quando eu disse que era de Imperatriz, “meu deus” todo mundo olhou pra mim. Ao termi-nar minha oração várias pessoas vieram me perguntar como tinha acontecido, quem tinha assassina-do o padre, quem tinha mandado? Me perguntaram até se eu não ti-nha medo de morar aqui e eu disse não. Aí eu expliquei: olha, o crimi-noso não é de Imperatriz, o man-dante não é de Imperatriz, a briga não aconteceu em Imperatriz. ou-tra coisa: dizem que aqui é a terra dos pistoleiros. Se alguém conhe-cer algum vai ver que ele não é de Imperatriz e se é daqui você pode observar que é filho de gente que veio de outro lugar.

Hoje Imperatriz conta com dois campi de universidades publicas, diversas faculdades particulares que oferecem mais de 80 cursos en-tre presenciais e a distância, além de escolas publicas, particulares de grande qualidade. Isso sem contar com os centros que oferecem cursos profissionalizantes e técnicos. Para você Imperatriz já pode ser conside-rada um polo educacional?

Eu considero que sim, e me ale-gra muito principalmente porque eu vejo que as pessoas vêm de ou-tras cidades para estudar aqui. Eu continuo dizendo que Imperatriz cresce à revelia. Eu acompanhei boa parte das mudanças nesta área. Pra mim a escola Santa Teresinha foi o marco para que Imperatriz se tornasse o polo educacional que é hoje. No princípio de sua existên-cia a escola funcionava como inter-nato e abrigava jovens e moças de outras cidades como Marabá e Ca-rolina, assim como acontece hoje, que as escolas e universidades de Imperatriz recebem vários estudan-tes de outras cidades próximas.

Como você analisa a possibilidade da criação do estado do Maranhão do Sul, tendo Imperatriz como capi-tal?

olha, talvez seja falta de co-nhecimento político meu, mas veja bem: qual é o interesse que São luís tem em se desligar de Impe-ratriz? Não há nenhum interesse dos políticos maranhenses. Eu di-ria que nós, de Imperatriz, também

não temos tanto interesse assim. Acabamos de sair de uma eleição e eu pergunto: quantos deputados e senadores de Imperatriz foram eleitos? Você acha que os atuais ou os recentemente eleitos vão traba-lhar para transformar, principal-mente, Imperatriz em capital do Maranhão do Sul? outra coisa: e se não for Imperatriz a capital do novo estado significou o que ter Maranhão do Sul? Vamos sair das mãos de São luís e passar para as de outro. Se não for Imperatriz a capital não dá rock (risos).

Mesmo quando era isolada dos grandes centros desenvolvidos no passado, Imperatriz, com muita difi-culdade, já se destacava por ser uma cidade exportadora, com grande po-tencial para o comércio. Hoje a cida-de venceu o isolamento e possui um comércio forte e que abrange cerca de 80 municípios em três estados. Para você a que se deve um comércio tão forte?

o comércio de Imperatriz é uma potência e a prestação de ser-viço se deve ao interesse do povo. onde se chega aqui é possível mon-tar sua barraquinha, vender sua coisinha. As pessoas acham como se movimentar e trabalhar. Uma vez eu estive em São luís na casa de uns parentes e saí bem cedo para um curso. Procurei e não en-contrei uma banca para lanchar, fiquei com fome até a hora do al-moço e com dinheiro para lanchar, mas não encontrei onde. Aqui em Imperatriz com apenas 10 reais

você, em qualquer, lugar se empan-turra de comer. Isso sem falar da diversidade de coisa. Pela manhã você encontra: bolo, pamonha, cuscuz, bolo de arroz, espetinho e a famosa panelada. o setor do Mer-cadinho, pelo amor de deus, ali é uma fartura de coisas. Às vezes eu vou ao Mercadinho só observar, aquele mundaréu de milho verde, tomates, abacaxis e todas as frutas que você pensar. Para mim isso é consequência primeiro da própria terra. Imperatriz é uma cidade pla-na e, segundo, por sua localização e acesso. desde o início por causa do rio Tocantins ela já era uma cidade de referência para posto comercial e com a construção da rodovia BR– 010 isto se consolidou.

Um dos mais graves problemas en-frentados aqui é a infraestrutura precária. Você acompanhou grande parte da explosão desenvolvimentis-ta de Imperatriz. A infraestrutura da cidade não acompanhou seu de-senvolvimento?

Um dos principais agravantes de tal problema é a densidade de-mográfica da cidade, que cresceu muito rapidamente sem planeja-mento nenhum. Era assim: se a prefeitura abria rua o povo fazia casas e se não abrisse, as próprias pessoas abriam por conta própria e moravam do mesmo jeito. Por isso existe cada rua irregular por aí, é gente, gente, gente. A cidade cres-ceu muito rápido, os governos mu-nicipais não deram conta de abrir as ruas, fazer uma rede de esgotos

adequada, pôr rede de energia. A possível solução é ter um prefeito em Imperatriz que aja com auxilio do governo estadual e federal e ar-rume a rede de esgotos da cidade. Não adianta só asfaltar, é preciso ter esgoto e realizar o beneficia-mento de toda a água dos esgotos das casas para que não seja toda lançada no rio Tocantins.

Imperatriz é uma cidade que agre-gou pessoas de diversas partes do Brasil, cada uma com seus costu-mes, hábitos e culturas. Como você analisa as manifestações culturais?

As nossas manifestações cul-turais, as que são mais expressivas, são as religiosas. Como vocês sa-bem, Imperatriz cresce a partir da abertura da estrada Belém-Brasília, hoje conhecida como BR- 010. de-pois disto chegaram aqui pessoas vindas dos quatro cantos do Bra-sil, todas com seus costumes e cul-turas. Tanto é que a maior e mais característica festa de Imperatriz é a de Santa Tereza, mas, até o hino que se julga ter sido de autoria de Frei Manoel Procópio estão tentan-do matá-lo. Há sete ou oito anos eu tenho lutado com os organizadores do evento para que o hino de San-ta Tereza de autoria do frei funda-dor desta cidade seja novamente uma das atrações da festa. Isso é uma atitude de alguém que não é de Imperatriz, não viveu aqui, não tem raízes nesta cidade. A grande diversidade de pessoas em Impera-triz para mim é a principal causa de não termos uma manifestação

cultural forte e expressiva, ou seja, cada um chega e quer impor sua cultura não aceita a que encontra. Manifestações culturais do passa-do são, por exemplo, o forró pé de serra, o reisado ou folia de reis, dança do coco, o lindô e era típico daqui nós prestigiamos o drama, que hoje chamamos de teatro. In-clusive pagávamos para assistir pe-ças teatrais. Forte ainda hoje são as festas juninas.

Sua tetravó era uma índia que já mo-rava aqui quando chegou o frei Ma-noel Procópio. De lá para cá você, ao longo de seus 67 anos, acompanhou ou ouviu sobre todas as transforma-ções pelas quais passou Imperatriz. Que perspectivas futuras você espe-ra para a cidade?

Sem todas estas pessoas que chegaram aqui de vários lugares do Brasil, Imperatriz ainda seria uma cidade com duas ou três ruas como era quando ainda era a vila de Santa Tereza. Então a chegada de tantas e diferentes pessoas eu analiso como algo benéfico para nossa cidade. observe que várias pessoas que não são daqui hoje se consideram imperatrizenses. Porém, eu fico triste em saber que muitos vieram pra cá, ficaram ricos e hoje menos-prezam a cidade. As perspectivas de futuro que eu espero para Im-peratriz são as melhores possíveis, mesmo que a cidade não se torne a capital do Maranhão do Sul, ou a capital do estado Timbira (risos), nome da tribo da qual sou descen-dente. Estes dias ouvi alguém dizer que não chamarão mais o novo es-tado de Maranhão do Sul e sim de Timbira. Eu ficaria muito feliz se isto acontecesse, mas muito triste se Imperatriz não for a capital do novo estado, tenha ele o nome que tiver.

Você foi professora por 37 anos e é uma mulher muito inteligente e que nunca deixou de estudar. Um dia pretende escrever um livro sobre a história de Imperatriz?

Com toda sinceridade eu já pensei nesta possibilidade, mas eu faço uma ressalva: se um dia eu escrever sobre Imperatriz eu vou contar a história desta cidade a partir do que eu vi, do que eu pre-senciei aqui. Pretendo contar mi-nhas experiências, as histórias que meus pais contavam. Meu convívio com minha avó materna foi mui-to grande e ela me contava muitas histórias e lendas, inclusive sobre o rio Tocantins. A lenda do boto, do cobrão ou cobra dourada. Uma história muito interessante é a do moleque que aprontou várias tra-quinagens e saltou no rio e lá do meio deu banana de mão para as pessoas. No outro dia os pés de me-lancia estavam todos cortados e ele nunca mais foi visto. Mas, isso tudo são relatos não há nada comprova-do, nenhuma fotografia. É assim e o rio Tocantins como todos os rios brasileiros e alguns do mundo pos-suem várias histórias.

RONIE PETTERSON

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

MuDAnçASbarcos que eram a remo hoje têm motor e coletes salva-vidas. A comida pode ser esquentada em pequenos fogões a gás. mas as velhas lendas não mudaram

pedro Lima vive evolução dos pescadores

WAllIkSoN BARRoS

“A maioria dos líderes não re-solve os problemas da comunida-de, só os seus próprios”. A opinião polêmica é de Raimundo José, mais conhecido como “Pipoca”. Aos 48 anos, ele orienta e organiza a comu-nidade da Vila Cafeteira com relação aos seus direitos e deveres. Função que não considera nada fácil, mas gratificante.

Nascido em Campo Maior no Piauí, saiu de sua terra natal em 1985. Mora em Imperatriz há mais de 25 anos e há 15 se tornou líder comunitário. “Fazemos um trabalho social em nosso bairro e nos circun-vizinhos. As campanhas são feitas em prol da comunidade”.

“Pipoca” argumenta que a maioria dos lideres comunitários de hoje não trabalham mais com amor à comunidade. Ele conta que é mui-to difícil organizar reuniões, pois as pessoas não têm tempo. Mesmo assim, garante que quando vê algo que está prejudicando a comuni-dade, como algum buraco na rua, procura os órgãos responsáveis e

reivindica. Quando sua reclamação não é atendida, procura a imprensa para que todas as pessoas tomem conhecimento e principalmente para mostrar aos governantes a si-tuação do bairro.

Ele reclama muito dos nossos maiores líderes na política, pois não participam das audiências que ocor-rem na Câmara Municipal. “o go-verno do nosso estado não dá apoio nenhum para a nossa comunidade. Nós temos um grande problema que é das nossas ruas. Quando a chuva chega, ninguém consegue sair de casa por causa da lama es-corregadia”.

Raimundo acredita que o Pro-grama de Aceleração do Crescimen-to (PAC) não está sendo cumprido a contento. “o governo federal de-veria trazer alguém para ver a real situação do grande problema do bairro”. Mesmo assim, tem muita satisfação em ser um líder comuni-tário. “É muito bom, porque ajuda as pessoas. o líder comunitário é o que vai correr atrás das soluções. Não tenho pretensão em ser políti-co, mas o que importa é ajudar”.

doUGlAS AGUIAR

“o mundo, hoje, tem muita discriminação com alguém que já foi preso”. A declaração é de Eldo da Silva oliveira, 33 anos. Ele já foi dependente químico, roubou e foi preso muitas vezes. Hoje, encara esses fatos como perten-centes a uma vida passada. Mas confessa que não é fácil se inserir no mercado de trabalho. “Quando eles olham sua ficha e veem que você já passou por uma peniten-ciária, inventam uma desculpa, pedem pra voltar depois ou dizem que não há vagas”.

Movido pela curiosidade e pela influência de algumas pesso-as, com 16 anos Eldo experimen-tou o seu primeiro entorpecente: o clorofórmio.

Eldo ficou um pouco alucina-do, mas com o tempo a droga foi deixando de fazer efeito. Come-çou então a usar maconha, mas a sensação também foi deixando de ser a mesma. Passou, então, para a cola de sapateiro.

Chegou certo ponto em que não havia mais droga forte. “Eu

fumava a maconha, cheirava a cola e bebia o álcool”. Seu orga-nismo começou a ser destruído. Sem vontade de se alimentar, pas-sou dias andando pelas ruas sem voltar em casa.

“depois iniciou a ‘febre’ do crack. Quando comecei a usá-lo, a desgraça aumentou mais ainda”. Preso uma média de dez vezes, era impulsionado a praticar crimes dos mais diversos para sustentar o vício. “Era a maneira mais fácil de conseguir dinheiro pra com-prar minhas drogas”.

Recuperação - As inúmeras pri-sões, a dependência química e as vezes em que foi “linchado” pela população o levaram a refletir me-lhor sobre o que estava fazendo com sua vida. Sua família come-çou a rejeitá-lo, pois não suporta-va mais aquela realidade e tanto sofrimento.

Para abandonar esse estilo de vida, Eldo passou um ano e meio em um centro de recuperação. “decidi mesmo sair dessa vida quando o cerco apertou de uma maneira que já não conseguia me

mexer. Comecei a ser ameaçado de morte. Então decidi parar, ou alguém me parava”.

Ele afirma que só consegue abandonar os vícios e práticas do passado quem toma uma decisão pessoal. Acolhido pelo projeto Cristo liberta da Igreja Batista Nova Aliança, diz que a intimida-de com deus também o tem aju-dado.

“Hoje eu dou meu testemu-nho na penitenciária, em escolas, praças, e igrejas. E isso tem feito jovens mudarem. Tomarem uma decisão na vida”.

Ele aceita qualquer tipo de trabalho, seja como ajudante de pedreiro, pintor ou limpador de esgoto. “Eu não quero mais é ser ajudante de traficante, de ladrão. Quero estar é trabalhando, ga-nhando meu dinheiro com meu próprio suor”.

Vivendo uma nova rotina de trabalho e atividades da igreja, Eldo sente-se feliz, principalmen-te por ter recuperado a relação com sua família. “Sempre vou visitá-los. Hoje, eles são quem pe-dem meu conselho”.

NoNATo PEREIRA

Adeptos de uma profissão an-tiga, sujeitos à chuva, sol, ventos fortes e correntezas, os pescado-res têm muito que contar. Se a comida antes era esquentada em uma fogueira no interior do bar-co, hoje fogão e gás facilitam a preparação. Se os barcos eram à base de remo, atualmente quase todos são motorizados e têm até coletes salva-vidas.

Imperatrizense de nascimen-to, de 58 anos e 26 de ofício, o pescador Pedro lima da Silva re-side em uma casa bem humilde no Parque do Buriti. o cenário ali é de muitos bares e casas, tudo muito simples, feito de madeira.

Pai de quatro filhos, todos maiores de idade e que não moram mais com ele, é muito reservado, de res-postas curtas. Sua esposa e mãe dos seus filhos é falecida. Hoje ele vive com outra mulher.

Pedro faz parte da Associação de Pescadores de Imperatriz. Sem-pre morou próximo ao rio e talvez isso o tenha levado a ser pescador, apesar de seu pai não ter sido. A conversa se deu na porta da casa e logo no início apareceram os ami-gos de pescaria.

Pedro hoje tem uma embarca-ção motorizada. Bem melhor que antes, quando usava canoa a remo e tudo era muito cansativo. Pes-cam sempre em grupo e ficam até seis dias distantes. Partem em uma

embarcação maior e levam sempre outra menor para colocar os mate-riais de pescaria. Às vezes rio aci-ma, outras rio abaixo, veem mui-tos povoados nascerem e outros deixarem de existir.

Nas suas viagens pelo rio To-cantins encontram outros barcos, acampam, fazem barracas de pau cobertas de plástico e armam redes para dormir. levam fogão a gás e vasilhas para preparar a comida. Para pescar, sempre usam redes. Mas, na pescaria também são utili-zados o tambor - que é uma garrafa de refrigerante e uma linha amar-rada com um anzol na ponta, colo-cado no meio do rio - a tarrafa e o anzol. Pedro diz que já pescou um peixe de 1,80 metro e 80 quilos.

“Antes o peixe era mais far-to”. Ele acredita que hoje as pes-soas estão mais conscientes sobre a preservação dos rios e das flo-restas, já que há muitas comu-nidades e empresas que plantam árvores às margens do rio. Na própria Associação de Pescadores há aulas de reflorestamento e de preservação.

Na época da Piracema, que vai de novembro a fevereiro, só é permitido pescar cinco quilos e um peixe que pode ser de qual-quer tamanho.

Pedro defende que este perío-do é mal programado, pois a pes-ca é liberada ainda na desova dos peixes. durante esse tempo eles recebem o seguro de um salário

mínimo mensal. São Pedro é o padroeiro dos

pescadores e é comemorado na mesma festa de Santa Tereza dá-vila. Pescador sempre tem uma história para contar, algo que só eles acreditam. Relatou que o amigo Garrafinha já brigou com um boto.

“o bicho agarrou a canoa, se-gurou e freou. Mesmo sendo mo-torizada, foi uma luta prá soltar”. o outro, conhecido como o Rei da Maravilha, disse: “o amigo Ma-guila tava pescando binhi na bei-ra do rio, quando tacou o anzol aqui ó...! Viu um peixe passando, o nome dele é fiote. Ele é grande, dá na base de uns 150 quilos. Aí saíram tudo correndo!”.

Eldo da Silva, ex-preso, quer mais respeito

Com 58 anos e 26 de ofício de pescador, Pedro faz parte da Associação de Pescadores de Imperatriz e, apesar de seu pai não ter exercido essa profissão, o fato de sempre morar perto do rio Tocantins foi determinante

Raimundo defende o bairro

WABNER FIGUEIREDO

11ArrochaJorn

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

DEDICAçãOlogo no início de sua carreira a professora descobriu que a docência seria parte integrante de sua vida, embora seja uma profissão muitas vezes desvalorizada

Ana Célia comprova papel social de ser professora

CARlA kASSIS

Em meio ao trânsito confuso e um vai e vem de pessoas eles são quase invisíveis. Mas, basta selecio-nar um pouco mais o olhar para vê-los. os moradores de rua sentam-se à beira das calçadas. Andam por entre becos e pelas grandes ruas da cidade.

Ao cair da tarde, algumas pra-ças de Imperatriz tornam-se abrigos. os bancos, o seu local de descanso. Com um prato de comida em mãos em meio ao sol forte das 14 horas, conheço Thiago Sousa, 20 anos, o “Cacheado”.

Short e camiseta gastos. Seu boné esbranquiçado pelo tempo co-

bre o que um dia lhe deu seu apelido. o cabelo já não tem mais o seu black power. Sem cerimônias, ele se apre-senta, com um sorriso castigado pela falta de cuidados.

Há sete meses na cidade, Cache-ado deixou em Pirassununga (SP), sua casa, mãe, pai e o trauma que lhe fez ir para as ruas. “depois que meu irmão morreu, eu fiquei desgostoso com a vida, não quis mais morar lá e um dia resolvi ir embora de casa. Saí pelo mundo pegando estrada”. Ape-sar da pouca idade, seu roteiro de viagens e caronas tem sido intenso.

de São Paulo cortou o Brasil até chegar a Macapá. depois de meses se-guiu para Belém, Araguaína e agora

sobrevive olhando carros e fazendo serviços de limpeza em lanches da Praça Brasil.

Com ele, apenas uma mochila e algumas roupas. Para tomar banho usa o banheiro da lanchonete. dor-me por entre os cantos da praça ou em qualquer lugar que considere “se-guro”.

“A vida na rua é muito difícil, an-dar por aí pegando carona não é fá-cil, mas se você quer viver assim, tem que se arriscar. Com o tempo a gente vai perdendo o medo”. Nesta vida de andarilho já presenciou de tudo. Co-nhece gente boa, má, além de muitos usuários de drogas. E, para sobrevi-ver entre eles, sem ter que se envol-

ver a ponto de se prejudicar, usa suas estratégias.

“Eu não tenho passagens pela polícia. Mas, eu sei quem comete muitas coisas ruins por aqui. Sou alvo fácil, porque moro na rua. Já fui pressionado para entregar muita gente. Só que a única coisa que eu sei dizer é que eu não vi nada e não sei de nada”.

Saudade – Quando pode liga para os pais. A saudade é inevitável, uma conversa aqui e outra ali faz com que ele se sinta melhor. Sua família, assim como a grande maioria, não gosta desse seu modo de viver. Sen-te medo. “Sinto falta dos meus pais,

isso é normal. Sei que eles se preo-cupam comigo, mas, eu não quero morar lá.”

Em cada trabalho que faz, guar-da uns trocados e conta com a ajuda de colegas da igreja que frequenta para voltar a São Paulo.

Cacheado vai embora da praça com seu prato vazio. Segue à procu-ra de mais carros e espera conseguir dinheiro para jantar mais tarde. Ape-sar da incerteza que paira sobre sua vida, não tem nada do que reclamar. “durmo e acordo todos os dias. Faço minhas refeições. Vejo minha família quando posso, essa é a vida que eu escolhi viver, mesmo que seja assim, morando na rua”.

Thiago de Sousa, o “Cacheado”, roda o brasil e tem ruas por moradia

dEIJEANE MoRAIS

Não foi difícil reconhecer e admi-rar tamanha simpatia e espontanei-dade na expressão da professora ao longo de duas horas. Ela não deixou dúvidas da sua satisfação em atuar, há 23 anos, na educação pública de Imperatriz.

Envolvida por relevantes lem-branças, Ana Célia Almeida Silva e Silva, 41 anos, recapitulou que, quan-do adolescente, não sentia de sua fa-mília “aquele incentivo” à busca pelo sonho da profissão. “Eu me pergunto: por que não via ‘aquele sonho’ de ser uma professora, uma secretária?”

Confessou que cumpria a sequ-ência escolar por fazer. Mas, no de-correr das fases da vida, com apoio de seu marido, continuou estudando.

Embora casada e mãe, tal con-tinuação foi o meio pelo qual Ana começou a “sentir o gosto” da con-cretização do sonho. “Surgiu uma oportunidade na Escola Municipal

Ipiranga, em 1988”.Com um ano de construída, a es-

cola se viu necessitada de formar mais turmas, porém não tinha professor, então, a professora foi. “Eu tava estu-dando ainda, no 1º ano do Magistério. Na minha mente, não tinha noção que realmente eu seria professora”.

os três primeiros meses traba-lhando ali fizeram Ana Célia abrir os olhos e perceber, efetivamente, a do-cência como parte integrante de sua vida. “A partir daquele momento, tive outra dimensão daquilo, por saber que aquelas crianças estavam ali, por saber da confiança dos familiares em ver você exercendo uma função tão importante. Então, eu fui”.

Manhãs e tardes, livros e diários, crianças tímidas e travessas. Uma rea-lidade que fez a professora Ana asse-gurar: “Valeu a pena, como valeu!”

A partir de então, sua vida tornou-se prova contínua de uma genuína va-lorização à Educação. Formou-se em Pedagogia pela Universidade Regional

do Cariri e pós graduou-se em História e Geografia, enfrentando dificuldades, com persistência e otimismo.

Função Social - Exercendo uma pro-fissão ora reconhecida, ora desvalori-zada, para a professora Ana foi fácil admitir que há certa dificuldade em atuar na educação. Contudo, essas di-ficuldades não foram empecilhos para que ela, por diversas vezes, cumprisse o papel social que um educador pos-sui. Assim, interveio diretamente na vida de seus alunos.

“Por que você tá chorando”? Ana fez esta pergunta a uma aluna de 11 anos que chorava muito na hora do recreio. descobriu que a menina esta-va triste porque vivia sob a tutela de um homem qualquer, já que a mãe entregou-a para ele em negociações medíocres. “Eu não podia aceitar uma coisa dessa”. Então, com a ajuda de um mototaxista, ela conseguiu levar a me-nina para a casa da mãe.

Por esse e outros episódios, ela

acrescenta: “Quem planta, colhe. E du-rante minha vida, plantei muito amor. Ensinar me faz aprender. Afinal, é com o ser humano que lidamos. E assim

levo a vida, tirando a lagrimazinha que caiu do olho de um, levando alegria em um recreio do outro e acreditando que querendo, podemos alcançar, sim”.

os moradores de rua são quase “invisíveis” mesmo para quem passa perto deles. Ao cair da tarde, algumas praças de Imperatriz tornam-se abrigos e os bancos, seu único local para descanso após tanto perambular

“durante minha vida plantei amor. Ensinar me faz aprender. Quem planta, colhe”

CARLA KASSIS

DEIJEANE MORAIS

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Ano II. númEro 6 ImPErATrIZ, sETEmbro dE 2011

TRADIçãOmaria francisca Pereira trouxe a dança do lindô de caxias e, apesar de lutar contra um câncer de mama, lidera o grupo batalhão real, mantendo viva a dança

THAlyTA dIAS

Mãe, avó e bisavó, aos 66 anos, Maria Francisca Pereira da Silva dedica-se a manter viva a tradição das danças do lindô e da Mangaba em Imperatriz. Ela trouxe as dan-

ças de Caxias do Maranhão, cidade em que viveu toda a sua infância. Seus pais contavam que a dança do lindô apareceu em Caxias no ano de 1722, divulgada por dois rapa-zes vindos de Portugal. Moradora de Imperatriz desde 1978 e uma das

fundadoras do bairro Santa Inês, Francisca do lindô, assim conheci-da pela a comunidade, apresentou a dança à cidade pela primeira vez em seu aniversário de 40 anos. Ela conta que chegou a comentar com o seu esposo sobre a apresentação do

lindô. “Meu véi, no dia 1º de abril, no dia da Mentira eu vou comple-tar ano, e vou fazer o lindô para o povo dançar! Como? Se o povo não conhece? Quem não sabe aprende!”. Francisca comenta que toda a vizinhança foi convidada para a sua festa. No início, apenas quatro pessoas a acompanharam na dança, mas depois todos estavam envolvi-dos pelo ritmo. “dentro da geladeira eu tinha dois ‘carotinhos’ de botar água, derramei a água e começei cantando e batendo o ‘carotinho’, desde esse dia, nunca mais se aca-bou”, lembra, sorrindo. Apesar do câncer de mama que Francisca do lindô enfrenta, ela consegue liderar o grupo Batalhão Real, criado no dia 1º de abril de 1984, ocasião de seu aniversário.

Memória - Há 26 anos o grupo Ba-talhão divulga a dança do lindô e da Mangaba. os ensaios acontecem no fundo do quintal da líder. Hoje, com 32 membros, incluindo crianças, jovens e adultos, o grupo faz suas apresenta-ções nos locais onde é convidado. “Nas festas juninas ou em qualquer tempo que o pessoal convida a gente se apre-senta”.

os passos do lindô têm seme-

lhança com os da quadrilha da festa junina. Já os da Mangaba são execu-tados com quatro pessoas, sendo que os homens passam um pelo outro. “Quem dança mais é o homem, que fica rodando”.

A dança do lindô é apenas acom-panhada pelo o som de sua voz e pelo tambor. o acompanhamento da Man-gaba é feito por meio de percussão e o seu ritmo contagiante agita os dan-çarinos.

A dança tem origem africana e foi trazida por moradores do Piauí para o Vale do Mearim, no Maranhão. Tanto no lindô quanto na Mangaba, as mu-lheres vestem saias rodadas e floridas e os homens, camisas e calças colori-das.

Em 2004, com o apoio da prefei-tura de Imperatriz, Francisca do lindô gravou um Cd com músicas de auto-ria própria. Sem condições de divul-gar seu trabalho, ela mesma começou a vendê-lo em casa ou nos locais de apresentações do Batalhão Real. desde a sua infância Francisca se de-dica à dança do lindô e da Mangaba. Ela comenta que em ‘vida’ irá manter o seu trabalho e mesmo quando morrer as danças poderão ser lembradas por meio do registro fonográfico. “Se eu morrer pelo menos tem o Cd”.

NIlzETH AlVES

Em 1970, uma família compos-ta por cinco membros desembar-cou em João lisboa para recomeçar suas vidas. Eles vieram fugindo da seca que assolava Mirador, peque-no município localizado no inte-rior do estado do Maranhão.

A viagem durou quatro longos dias em cima de um caminhão pau de arara, nome dado ao transporte usado pelos retirantes nordesti-nos. o relato é de Sebastião dantas de Sousa, 49 anos, que era crian-ça quando esse fato ocorreu. Aliar trabalho e determinação foi a re-ceita que a família Sousa utilizou para vencer a pobreza.

Aos 81 anos, Silvino dias de Sousa, pai de Sebastião, possui aproximadamente 300 cabeças de gado e 25 alqueires de terra. Mas a maior herança que ele pode dar aos seus filhos é o valor do traba-lho.

o garoto se inspirou no exem-plo do pai. de segunda a sábado, Sebastião, os três filhos e a esposa trabalham juntos em uma banca lo-calizada no centro do Mercadinho. Há 21 anos está no mesmo local, onde vende raízes, remédios na-turais, temperos e artigos avulsos como quibano, cofo, lamparina, entre outros. Quando a situação financeira melhorou um pouco, o

comerciante comprou outro pon-to por 12 mil cruzeiros na época e, assim, ampliou o negócio.

Visitantes - Estudantes da Uni-

versidade Estadual do Maranhão (Uema) e de escolas secundárias vão à barraca constantemente. “Eles vêm saber algumas coisas mais sobre as ervas. Às vezes a

gente passa uma hora ocupado com eles”, comenta, orgulhoso.

Mas há também outros visi-tantes não tão ilustres assim. São os agentes da vigilância sanitária,

que fazem inspeções periódicas no local. “A vigilância implica com os remédios naturais. Perguntam tudo, o nome da fábrica e de onde vêm”.

A experiência e a curiosidade garantem o sucesso das vendas do comerciante. Ele se “especializa” usando um livro de pesquisa sobre os benefícios das raízes e não per-de as reportagens que abordam o assunto. Ao ser questionado sobre o efeito dos medicamentos, decla-ra sem hesitação: “Uso e me dou bem. Não ando em farmácia”.

Um dos casos mais graves de que se recorda é o de uma amiga que deixou São Paulo desengana-da pelos médicos. o câncer estava generalizado. Então, ela veio até a barraca dele e comprou dois litros de leite de macaúba. Após 90 dias recebeu um novo diagnóstico: es-tava curada. “Ela só sente dor hoje se cair”, comemora.

Sebastião revela que tem re-cebido algumas propostas em um de seus pontos. A última foi de 40 mil reais. Mas ele segue firme no propósito de continuar com o ne-gócio. Afinal de contas, quem diria que aquele menino pobre do sertão teria um dia condições para pagar colégio particular para os três fi-lhos? ou possuir duas motos, casa própria, um prédio de dois anda-res e uma chácara?

Francisca do Lindô toca pra todos dançarem

Sebastião Dantas mantém a família unida em seu armazém do Mercadinho

“Vou sempre fazer o lindô para o povo dançar. Se eu morrer ainda vai ter o Cd. o povo não conhece? Quem não sabe, aprende!”

Sebastião, os três filhos e a esposa trabalham juntos em banca que vende raízes, remédios naturais, temperos e artigos avulsos

THALYTA DIAS

NILZETH ALVES