jo e seus amigos

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  E SEUS AMIGOS C. H. Mackintosh Texto baixado da Internet de verdadespreciosas.com.ar Tradução do espanhol para o português realizada por Daniela Raffo, Terminada em sexta-feira, 2 de novembro de 2007, 09:01:46

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um livro excelente

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  • J

    E SEUS

    AMIGOS

    C. H. Mackintosh

    Texto baixado da Internet de verdadespreciosas.com.ar

    Traduo do espanhol para o portugus realizada por Daniela Raffo,

    Terminada em sexta-feira, 2 de novembro de 2007, 09:01:46

  • 2

    O livro de J ocupa um lugar muito particular na Palavra de Deus. Ele

    tem um carter totalmente prprio, e ensina lies que no vamos

    achar em nenhuma outra parte do inspirado Volume. No o nosso

    propsito abordar a questo da autenticidade deste precioso livro nem

    aportar as provas da sua divina inspirao. Estas coisas temos por

    certas; e no temos a menor dvida em quanto sua veracidade, por

    quanto deixamos tais provas em mos mais capazes. Recebemos o

    livro de J como parte das Sagradas Escrituras e, por tanto, para

    proveito e bno do povo de Deus. No precisamos de provas para

    ns, nem pretendemos oferecer nenhuma delas aos nossos leitores.

    E cabe agregar ainda que no temos intenes de entrar em

    investigaes a respeito da autoria deste livro, tema que, por muito

    interessante que seja, cremos se trate de um assunto puramente

    secundrio. Recebemos o livro como procedente de Deus, e isto nos

    basta. Cremo de todo corao que um escrito inspirado, e sentimos

    que no nos incumbe discutir a questo referente a onde, quando e por

    quem foi escrito.

    Resumindo, nos propomos, com a ajuda do Senhor, oferecer ao leitor

    alguns pensamentos simples e prticos sobre este livro, o qual cremos

    que requer de um estudo mais profundo para poder ser melhor

    compreendido. Queira o Esprito eterno o Autor do livro explic-lo e aplic-lo a nossas almas!

    Prosperidade de J

    Na primeira folha deste notvel livro vemos o patriarca J rodeado de

    tudo quanto podia fazer o mundo agradvel aos seus olhos, assim

    como de coisas que podiam outorg-lhe uma posio importante neste

    mundo. "Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era J; e este

    era homem sincero, reto e temente a Deus, e desviava-se do mal"

    (1:1). Vemos aqui o que era J em sua vida. Vejamos agora o que ele

    tinha.

    "E nasceram-lhe sete filhos e trs filhas. E era o seu gado sete mil

    ovelhas, e trs mil camelos, e quinhentas juntas de bois, e quinhentas

    jumentas; era tambm muitssima a gente ao seu servio, de maneira

    que este homem era maior do que todos os do oriente. E iam seus

    filhos, e faziam banquetes em casa de cada um, no seu dia; e

    enviavam, e convidavam as suas trs irms a comerem e beberem com

  • 3

    eles" (1:2-4). Por ltimo, para completar o quadro, se nos apresenta o

    que J fazia.

    "Sucedeu, pois, que, tendo decorrido o turno de dias dos seus

    banquetes, enviava J, e os santificava, e se levantava de madrugada,

    e oferecia holocaustos, segundo o nmero de todos eles; porque dizia

    J: Porventura pecaram meus filhos e blasfemaram de Deus no seu

    corao. Assim o fazia J, continuamente" (1:5). Aqui temos, ento,

    um modelo de homem bastante fora do comum. Era perfeito e reto,

    temeroso de Deus e apartado do mal. Alm disso, a mo de Deus o

    protegia em tudo, e derramava sobre seu caminho as mais ricas

    bnos. J tinha tudo o que o corao pudesse desejar: filhos,

    abundncia de bens materiais, honra e distino sobre todos os que o

    cercavam. Em poucas palavras, quase podemos dizer que a copa do

    seu deleite terreno estava cheia.

    O orgulho de J

    Mas J necessitava ser provado. Abrigava no seu corao uma

    profunda raiz moral que devia ser tirada luz; uma justia prpria que

    devia sair superfcie e ser julgada. Podemos, com efeito, vislumbrar

    esta raiz nos versculos que acabamos de ler. Ele diz: "Porventura

    pecaram meus filhos..." (v. 5). No parece ter contemplado a

    possibilidade de que ele mesmo tenha cometido algum pecado. Uma

    alma que realmente tem-se julgado a si mesma, uma alma

    quebrantada ante Deus, verdadeiramente consciente do seu prprio

    estado, das suas tendncias e incapacidades, teria pensado em seus

    prprios pecados e na necessidade de oferecer um holocausto por si

    mesma.

    Mas deve ficar em claro ao leitor que J era um verdadeiro santo de

    Deus, uma alma divinamente vivificada, um possuidor da vida divina e

    eterna. No poderamos insistir o suficiente neste ponto. Ele era um

    homem de Deus tanto no primeiro captulo como no ltimo. Se no nos

    apercebemos disto, nos privaremos de uma das grandes lies deste

    livro. O versculo 8 do primeiro captulo estabelece este ponto fora de

    toda cogitao: E disse o Senhor a Satans: "Observaste tu o meu

    servo J? Porque ningum h na terra semelhante a ele, homem

    sincero e reto, temente a Deus e desviando-se do mal".

    Porm, a pesar disso, J nunca tinha sondado as profundezas do seu

    prprio corao. Ele no se conhecia a si mesmo. Nunca tinha captado

    realmente a verdade da sua prpria condio de runa, da sua total

  • 4

    corrupo. Jamais havia aprendido a dizer: "...eu sei que, em mim, isto

    , na minha carne, no habita bem algum..." (Romanos 7:18). Se no

    se compreende este ponto, no se entender o livro de J. No

    captaremos o objetivo especfico de todos esses profundos e penosos

    exerccios pelos que J teve que passar, a menos que deixemos

    evidente o solene fato de que a sua conscincia nunca tinha estado

    realmente na presena divina, que ele nunca tinha se examinado ante

    a luz, que jamais tinha se medido com a vara divina e que nunca havia

    se pesado na balana do santurio de Deus.

    Se nos remetemos por uns instantes ao captulo 29, acharemos uma

    prova incontestvel do que acabamos de afirmar. Veremos ali, de

    forma clara, a profunda e vigorosa raiz da satisfao pessoal que havia

    no corao deste querido e honrado servo de Deus, e a maneira em

    que esta raiz nutria-se dos mesmos sinais do favor divino que a

    rodeavam. Este captulo encerra um pattico lamento pelo brilho

    apagado dos seus dias passados; alm disso, o tom e o carter deste

    lamento deixam manifesto quo necessrio era que J se despojasse

    de tudo a fim de conhecer a si mesmo luz da presena divina que

    tudo o examina com ateno. Ouamos as suas palavras:

    "Ah! quem me dera ser como eu fui nos meses passados, como nos

    dias em que Deus me guardava! Quando fazia resplandecer a sua

    candeia sobre a minha cabea, e eu, com a sua luz, caminhava pelas

    trevas; Como era nos dias da minha mocidade, quando o segredo de

    Deus estava sobre a minha tenda; Quando o Todo-Poderoso ainda

    estava comigo, e os meus meninos em redor de mim. Quando lavava

    os meus passos em manteiga, e da rocha me corriam ribeiros de

    azeite; Quando saa para a porta da cidade, e na praa fazia preparar a

    minha cadeira. Os moos me viam, e se escondiam, e os idosos se

    levantavam e se punham em p; Os prncipes continham as suas

    palavras, e punham a mo sobre a sua boca; A voz dos chefes se

    escondia; e a sua lngua se pegava ao seu paladar; Ouvindo-me algum

    ouvido, me tinha por bem-aventurado; vendo-me algum olho, dava

    testemunho de mim; Porque eu livrava o miservel, que clamava,

    como tambm o rfo que no tinha quem o socorresse. A bno do

    que ia perecendo vinha sobre mim, e eu fazia que rejubilasse o corao

    da viva. Cobria-me de justia, e ela me servia de vestido; como

    manto e diadema era o meu juzo. Eu era o olho do cego, e os ps do

    coxo; Dos necessitados era pai, e as causas de que eu no tinha

    conhecimento inquiria com diligncia; E quebrava os queixais do

    perverso, e dos seus dentes tirava a presa. E dizia: No meu ninho

    expirarei, e multiplicarei os meus dias como a areia. A minha raiz se

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    estendia junto s guas, e o orvalho fazia assento sobre os meus

    ramos; A minha honra se renovava em mim, e o meu arco se reforava

    na minha mo. Ouvindo-me, esperavam, e em silncio atendiam ao

    meu conselho. Acabada a minha palavra, no replicavam, e as minhas

    razes destilavam sobre eles; Porque me esperavam, como chuva; e

    abriam a sua boca, como chuva tardia. Se me ria para eles, no o

    criam, e no faziam abater a luz do meu rosto; Se eu escolhia o seu

    caminho, assentava-me como chefe, e habitava como rei entre as suas

    tropas, como aquele que consola os que pranteiam. Mas agora, se riem

    de mim os de menos idade do que eu, e cujos pais eu teria desdenhado

    de pr com os ces do meu rebanho." (29:2-30:1)

    Estas, seguramente, so expresses muito notveis. Em vo

    buscaremos aqui os suspiros de um esprito contrito e quebrantado.

    No existem rastos de nenhum tipo de aborrecimento prprio nem

    muito menos de uma desconfiana em si mesmo. Expresses que

    manifestem conscincia de debilidade ou de insignificncia, brilham

    pela sua ausncia. No curso deste nico captulo, J se refere a si

    mesmo mais de quarenta vezes, em tanto que os seus pensamentos

    no se dirigem a Deus mais que cinco vezes. Este constante

    predomnio do eu nos faz lembrar do captulo 7 de Romanos ("No

    sabeis vs, irmos (pois que falo aos que sabem a lei), que a lei tem

    domnio sobre o homem por todo o tempo que vive? Porque a mulher

    que est sujeita ao marido enquanto ele viver, est-lhe ligada pela lei;

    mas, morto o marido, est livre da lei do marido. De sorte que, vivendo

    o marido, ser chamada adltera, se for de outro marido; mas, morto

    o marido, livre est da lei, e assim no ser adltera, se for de outro

    marido. Assim, meus irmos, tambm vs estais mortos para a lei,

    pelo corpo de Cristo, para que sejais de outro, daquele que ressuscitou

    de entre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus. Porque,

    quando estvamos na carne, as paixes dos pecados, que so pela lei,

    obravam nos nossos membros, para darem fruto para a morte. Mas

    agora, estamos livres da lei, pois morremos para aquilo em que

    estvamos retidos; para que sirvamos em novidade de esprito, e no

    na velhice da letra. Que diremos pois? a lei pecado? De modo

    nenhum; mas eu no conheci o pecado seno pela lei; porque eu no

    conheceria a concupiscncia, se a lei no dissesse: No cobiars. Mas

    o pecado, tomando ocasio pelo mandamento, obrou em mim toda a

    concupiscncia, porquanto, sem a lei, estava morto o pecado. E eu,

    nalgum tempo, vivia sem lei, mas, vindo o mandamento, reviveu o

    pecado, e eu morri; E o mandamento, que era para vida, achei eu que

    me era para morte. Porque o pecado, tomando ocasio pelo

    mandamento, me enganou, e por ele me matou. E assim a lei santa,

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    e o mandamento santo, justo e bom. Logo, tornou-se-me o bom em

    morte? De modo nenhum; mas o pecado, para que se mostrasse

    pecado, operou em mim a morte, pelo bem, a fim de que, pelo

    mandamento, o pecado se fizesse excessivamente maligno. Porque

    bem sabemos que a lei espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o

    pecado. Porque o que fao, no o aprovo; pois, o que quero, isso no

    fao, mas o que aborreo, isso fao. E, se fao o que no quero,

    consinto com a lei, que boa. De maneira que, agora, j no sou eu

    que fao isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que,

    em mim, isto , na minha carne, no habita bem algum; e, com efeito,

    o querer est em mim, mas no consigo realizar o bem. Porque no

    fao o bem que quero, mas, o mal que no quero, esse fao. Ora, se

    eu fao o que no quero, j o no fao eu, mas o pecado que habita

    em mim. Acho, ento, esta lei em mim: que, quando quero fazer o

    bem, o mal est comigo. Porque segundo o homem interior, tenho

    prazer na lei de Deus; Mas vejo nos meus membros outra lei, que

    batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei

    do pecado, que est nos meus membros. Miservel homem que eu

    sou! Quem me livrar do corpo desta morte? Dou graas a Deus, por

    Jesus Cristo, nosso Senhor. Assim que, eu mesmo, com o

    entendimento, sirvo lei de Deus, mas, com a carne, lei do

    pecado."); mas devemos marcar uma diferena importantssima, a

    saber, que nesse captulo de Romanos o eu uma pobre, fraca,

    inservvel e miservel criatura que se encontra na presena da santa lei

    de Deus; enquanto que em J 29, o eu uma personagem de

    destacada importncia e influncia, uma personagem admirada e quase

    adorada pelos seus semelhantes.

    Agora bem, J tinha que se despojar de tudo isto; e, se comparamos o

    captulo 29 com o captulo 30, poderemos formar-nos uma idia do

    penoso que deve ter sido o processo deste despojamento. Existe uma

    nfase particular nestas palavras: "Mas agora", no inicio do captulo 30.

    J traa, entre estes dois captulos, um agudo contraste entre seu

    passado e seu presente.

    No captulo 30 ele se encontra ainda ocupado em si mesmo: ainda o

    eu quem predomina; mas, ah, quo mudado est tudo! Os mesmos

    homens que o elogiavam nos dias de sua prosperidade, o tratam com

    desprezo no tempo de sua adversidade. Sempre assim neste pobre

    mundo, falso e enganoso; e bom advertimos isso. Todos, antes ou

    depois, terminaro descobrindo a hipocrisia deste mundo; a veleidade

    daqueles que esto prestes a exclamar um dia "Hosanna!", e no

    seguinte dia: "Crucifica-o!". no se deve confiar neste homem. Tudo

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    marcha perfeitamente bem enquanto o sol brilha; aguardemos, porm,

    que cheguem as geladas do inverso, e vejamos ento at onde

    podemos confiar nas impressionantes promessas e declaraes da

    natureza. Enquanto o "filho prdigo" teve bens em abundncia para

    dilapidar, houve multides de amigos para compartilhar as suas

    riquezas; mas quando comeou a padecer necessidade, "ningum lhe

    dava (nada)" (Lucas 15:16).

    O mesmo aconteceu com J no captulo 30. porm, temos que levar

    em conta que o despojamento de si mesmo e o descobrimento da

    hipocrisia e a veleidade do mundo no tudo. A gente pode

    experimentar todas estas coisas e no achar finalmente seno

    problemas e desiluses; e esse ser o resultado se no elevamos o

    nosso olhar a Deus. enquanto o corao no encontre em Deus a sua

    plena satisfao, qualquer mudana adversa de circunstncias nos

    deixar submersos na desolao; ento, o descobrimento da veleidade

    e hipocrisia dos homens nos encher de amargura. Esta a explicao

    pela linguagem que J utiliza no captulo 30: "Mas, agora, se riem de

    mim os de menos idade do que eu, e cujos pais eu teria desdenhado de

    pr com os ces do meu rebanho" (30:1). Era este o esprito de Cristo?

    Teria falado assim J ao final do livro? Certamente que no; oh, no,

    querido leitor! Uma vez que J se encontrou em presena de Deus,

    terminaram o egotismo do captulo 29 e a amargura do captulo 30.

    Porm, ouamos ainda mais expresses de desafogo: "Eram filhos de

    doidos, e filhos de gente sem nome, e da terra eram expulsos. Mas,

    agora, sou a sua cano, e lhes sirvo de provrbio. Abominam-me, e

    fogem para longe de mim, e no meu rosto no se privam de cuspir.

    Porque Deus desatou a sua corda e me oprimiu; pelo que, sacudiram

    de si o freio perante o meu rosto. direita, se levantam os moos;

    empurram os meus ps, e preparam contra mim os seus caminhos de

    destruio. Desbaratam-me o meu caminho; promovem a minha

    misria; uma gente que no tem nenhum ajudador. Vm contra mim

    como por uma grande brecha, e revolvem-se entre a assolao" (30:8-

    14).

    Agora bem, tudo isto bem podemos dizer estava muito, mas muito longe do alvo. Lamentaes por uma grandeza desvanecida e amargas

    invectivas contra nossos semelhantes no serviro de nada para o

    corao, nem manifestam para nada o esprito e a mente de Cristo;

    assim como tambm no glorificaro seu santo Nome. Se

    contemplarmos a bendita pessoa do Senhor, veremos algo

    completamente diferente: o Senhor Jesus, "manso e humilde de

    corao", recebe todo o desprezo do mundo, sofre o desengano em

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    meio do seu povo Israel e se encontra com a incredulidade e os

    desatinos dos seus discpulos. Tudo isto Jesus assumiu dizendo

    simplesmente: "Sim, Pai, porque assim te aprouve" (Mateus 11:26).

    Ele foi capaz de se apartar de toda a agitao dos homens e olhar

    simplesmente a Deus, para proferir ento estas maravilhosas palavras:

    "Vinde a mim... e eu vos aliviarei" (Mateus 11:28). Nenhum desgosto,

    amargura, invectivas nem palavras duras ou ofensivas poderemos

    achar jamais neste gracioso Salvador que desceu a este mundo frio e

    sem corao, para manifestar o perfeito amor de Deus e prosseguir sua

    trilha de servio apesar de todo o dio dos homens.

    Mas o mais excelente, o melhor dos homens, quando medido com a

    vara perfeita da vida de Cristo, no lhe chega nem sombra. A luz de

    Sua glria moral pe de manifesto os defeitos e as imperfeies do

    mais perfeito dos filhos dos homens, "para que em tudo tenha a

    preeminncia" (Colossenses 1:18). Enquanto paciente submisso que

    foi chamado a suportar, Ele sobressai em vvido contraste com um J

    ou um Jeremias. J sucumbiu sob o peso das provas pelas que teve

    que passar. No s deixou escapar um torrente de amargas invectivas

    contra os seus semelhantes, mas at amaldioou o dia do seu

    nascimento. "Depois disto, abriu J a sua boca, e amaldioou o seu dia.

    E J, falando, disse: Perea o dia em que nasci, e a noite em que se

    disse: Foi concebido um homem!" (3:1-3).

    Achamos algo idntico no caso de Jeremias, esse bem-aventurado

    varo de Deus. Ele tambm, no podendo resistir presso das

    diferentes provaes que iam acumulando-se, deu lugar aos seus

    sentimentos com estas amargas palavras: "Maldito o dia em que nasci:

    o dia em que minha me me deu luz no seja bendito. Maldito o

    homem que deu as novas a meu pai, dizendo: Nasceu-te um filho;

    alegrando-o com isso, grandemente. E seja esse homem como as

    cidades que o Senhor destruiu, sem que se arrependesse: e oua

    clamor pela manh, e ao tempo do meio-dia um alarido. Por que no

    me matou desde a madre? ou minha me no foi minha sepultura? ou

    no ficou grvida perpetuamente? Por que sa da madre, para ver

    trabalho e tristeza, e para que se consumam os meus dias na

    confuso?" (Jeremias 20:14-18).

    Que linguagem! S pensa em amaldioar o homem que traz as novas

    do seu nascimento! E o amaldioa porque no o matou no ventre! Tudo

    isto, tanto no que refere-se ao patriarca quanto ao profeta, encontra-se

    em agudo contraste com o manso e humilde Jesus de Nazar. Ele, o

    Salvador imaculado, sofreu provas muito mais numerosas e terrveis do

    que todos os seus servidores juntos. Porm, jamais um s murmrio

  • 9

    brotou dos seus lbios. Tudo suportou com pacincia e afrontou a hora

    mais sombria com estas palavras: "No beberei eu o clice que o Pai

    me deu?" (Joo 18:11) bendito Senhor, Filho do Pai, quo digno s da

    nossa adorao! Nos prostramos aos teus ps, sumidos em adorao,

    amor e louvores, te reconhecendo como Senhor de todo! "Escolhido

    entre dez mil, e totalmente desejvel" (Cantares 5:10,16).

    A histria dos caminhos de Deus com as almas que nos apresenta este

    livro constitui o campo mais frtil para o nosso estudo; a mais

    interessante histria, sumamente instrutiva e proveitosa. O principal e

    grande objetivo destes desgnios de Deus com as almas pe o de

    produzir uma verdadeira contrio e humilhao de esprito; apartar de

    ns toda falsa justia; fazer com que nos despojemos de toda

    confiana em ns mandamentos e ensinar-nos a buscar em Cristo o

    nosso nico amparo. Todos tm que passar atravs do que poderia

    denominar-se de "processo de despojamento e esvaziado de um

    mesmo". Uns experimentam este processo antes de sua converso ou

    novo nascimento; outros, depois. Alguns so trazidos a Cristo passando

    por terrveis experincias e penosos exerccios de corao e de

    conscincia, exerccios que podem durar anos e, a vezes, toda a vida.

    Outros, em cambio, obtm esta mesma graa atravs de exerccios de

    alma relativamente simples. Estes ltimos se apropriam de imediato

    das boas novas do perdo dos pecados que foi possvel graas morte

    expiatria de Cristo. Seu corao se enche de gozo em seguida. Mas o

    despojamento e esvaziamento do eu vem depois e, em muitos casos,

    pode sacudir a alma desde suas prprias fundaes e faz-la duvidar

    de sua prpria salvao.

    Isto muito doloroso, mas absolutamente necessrio. Efetivamente, o

    eu, antes ou depois, deve ser conhecido e julgado. Se a gente no

    aprende a conhec-lo na comunho com Deus, acabar fazendo-o

    atravs da experincia amarga de alguma queda, "Para que nenhuma

    carne se glorie perante Ele" (1 Corntios 1:29). E todos ns devemos

    aprender a conhecer nossa absoluta impotncia para todo, a fim de

    poder gostar da doura e o consolo desta verdade: que Cristo "para

    ns foi feito, por Deus, sabedoria, e justia, e santificao, e redeno"

    (1 Corntios 1:30). Deus quer vasos vazios. No esqueamos. uma

    verdade solene e necessria. "Porque, assim diz o alto e o sublime, que

    habita na eternidade, e cujo nome santo: Num alto e santo lugar

    habito, e tambm com o contrito e abatido de esprito, para vivificar o

    esprito dos abatidos e para vivificar o corao dos contritos." (Isaias

    57:15). Tambm lemos: "Assim diz o Senhor: O Cu o meu trono, e

    a terra o escabelo dos meus ps: que casa me edificareis vs? e que

  • 10

    lugar seria o do meu descanso? Porque a minha mo fez todas estas

    coisas, e todas estas coisas foram feitas, diz o Senhor; mas eis para

    quem olharei: para o pobre e abatido de esprito, e que treme da

    minha palavra." (Isaias 66:1-2).

    Quo propcias so estas palavras para todos ns! Um esprito contrito

    e quebrantado constitui uma das necessidades mais urgentes de nosso

    tempo. A maior parte de nossas calamidades e dificuldades podem

    serem atribudas a esta necessidade. Os progressos que realizamos dia

    a dia, na vida familiar, na assemblia, no mundo, em toda a nossa vida

    prtica, quando o eu subjugado e mortificado, so verdadeiramente

    admirveis. Mil coisas que sem este exerccio seriam como uma chama

    que faz arder nossos coraes, so estimados como nada quando as

    nossas almas se encontram num estado verdadeiramente contrito.

    Podemos ento suportar repreenses e insultos; passar por alto

    menosprezos e afrontas; pisotear nossos caprichos, predilees e

    prejuzos, como assim tambm ceder ante os outros quando no se

    vejam comprometidos princpios fundamentais; estar dispostos a toda

    boa obra, manifestar uma agradvel amplido de corao em todas as

    nossas relaes, e ser menos rgidos em nosso trato com os outros, de

    maneira de enfeitar a doutrina de Deus, nosso Salvador. Mas, ai, quo

    freqentemente acontece o contrrio com ns! Manifestamos um

    temperamento relutante, inflexvel; combatemos em favor dos nossos

    direitos; nos inclinamos para todo o que nos d algum benefcio;

    buscamos nossos prprios interesses pessoais; queremos impor nossas

    prprias idias. Tudo isto demonstra claramente que o nosso eu no

    ponderado nem julgado de forma habitual na presena de Deus.

    Porm, o repetimos com nfase: Deus quer vasos vazios. Nos ama

    demasiadamente para nos deixar em nossa dureza e teimosia, e por

    isso estima conveniente nos fazer passar atravs de todo tipo de

    exerccios a fim de nos trazer a um estado da alma em que possa nos

    utilizar para a Sua glria. necessrio que a vontade seja

    quebrantada, que a confiana prpria, a auto-satisfao e o orgulho

    sejam arrancados de raiz. Deus se valer das cenas e circunstncias

    pelas que temos que passar, assim como das pessoas com que nos

    relacionamos na vida diria, a fim de disciplinar o nosso corao e

    quebrantar a nossa vontade. E, alm disso, Ele mesmo tratar

    diretamente com ns a fim de conseguir estes formidveis resultados

    prticos.

    Tudo isto revela-se com grande claridade no livro de J, tornando suas

    pginas sumamente atrativas e frutferas. muito evidente que J

    precisava ser fortemente chacoalhado. Podemos estar seguros de que

  • 11

    se isso no tivesse sido necessrio, o Deus da graa e da bondade no

    o teria feito passar por provaes semelhantes. Sem dvida, no foi

    sem um propsito que Deus permitiu a Satans disparar suas

    mortferas flechas sobre seu amado servo. Podemos afirmar, com

    absoluta certeza, que Deus no teria procedido desse jeito se o estado

    de J no o houvesse necessitado. Deus amava a J com um amor

    perfeito; mas tratava-se de um amor sbio e fiel, um amor que tinha

    em conta todos os detalhes da vida, e que podia penetrar no corao

    de este amado servo de Deus, e descobrir uma profunda e maligna raiz

    moral que J jamais tinha visto nem julgado. Que graa ter que ver

    com semelhante Deus! Que graa estar nas mos de Aquele que no

    evita esforos quando tem que submeter em ns tudo quanto seja

    contrrio a Ele, e lavrar Sua bendita imagem em ns!

    Mas, querido leitor, no h algo profundamente interessante no fato de

    que Deus pode at se servir de Satans como instrumento para a

    disciplina do sem povo? Vemos isto na vida do apstolo Pedro, mesmo

    que na do patriarca J. Pedro tinha que ser cirandado, e Satans foi

    utilizado para cumprir essa tarefa: "Simo, Simo, eis que Satans vos

    pediu para vos cirandar como trigo" (Lucas 22:31). Ali tambm havia

    uma necessidade imperiosa. Havia uma raiz profunda no corao de

    Pedro que devia ser descoberta: a raiz da confiana em si mesmo. E

    seu fiel Senhor considerou absolutamente necessrio faz-lo passar

    atravs de um processo severo e doloroso, a fim de que essa raiz fosse

    trazida luz e julgada. Por isso se lhe permitiu a Satans cirandar a

    Pedro para que se conduzisse com prudncia todos os dias de sua vida,

    e jamais voltasse a confiar no prprio corao. Deus quer vasos

    vazios, j seja se trate de um patriarca ou de um apstolo. Tudo, no

    homem, tem que ser abrandado e subjugado a fim de que a glria

    divina resplandea nele com um brilho inextinguvel. Se J tivesse

    conhecido este grande princpio, se tivesse captado o objetivo divino,

    quo diferentemente teria se conduzido! Mas ele como ns devia aprender a sua lio; e o Esprito Santo, no texto inspirado, nos relata

    a maneira em que J aprendeu essa lio, para que assim tambm ns

    possamos tirar proveito dela.

    Continuemos a ler o relato.

    "E vindo um dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se

    perante o Senhor, veio, tambm, Satans entre eles. Ento o Senhor

    disse a Satans: Donde vens? E Satans respondeu ao Senhor, e disse:

    De rodear a terra, e passear por ela. E disse o Senhor a Satans:

    Observaste tu o meu servo J? Porque ningum h na terra semelhante

    a ele, homem sincero e reto, temente a Deus e desviando-se do mal.

  • 12

    Ento respondeu Satans ao Senhor, e disse: Porventura teme J a

    Deus debalde? Porventura no o cercaste tu de bens, a ele, e a sua

    casa, e a tudo quanto tem? A obra das suas mos abenoaste e o seu

    gado est aumentado na terra. Mas estende a tua mo, e toca-lhe em

    tudo quanto tem, e vers se no blasfema de ti na tua face!" (1:6-11).

    Que cena temos aqui, da malcia de Satans! Que extraordinria

    testemunha da maneira em que Ele vigia e considera os caminhos e as

    obras do povo de Deus! Quo perfeitamente conhece o carter

    humano! Que ntimo conhecimento possui da mente e do estado moral

    do homem! Que coisa terrvel cair em suas mos! Ele est sempre

    vigiando, sempre pronto se Deus o permitir a empregar todo o seu maligno poder contra os cristos.

    Que solene pensar em tudo isto! Deveria induzir-nos a seguir uma

    senda humilde e alerta, no meio da cena onde Satans pratica o seu

    domnio! Esse encontra-se absolutamente impotente frente a uma alma

    que permanece na dependncia e obedincia; e bendito seja Deus, Satans no pode, em caso nenhum, traspassar o limite traado por

    prescrio divina. Assim aconteceu com J: "E disse o Senhor a

    Satans: Eis que tudo quanto tem est na tua mo; somente contra ele

    no estendas a tua mo. E Satans saiu da presena do Senhor"

    (1:12).

    Aqui, pois, permitido a Satans estender a sua mo sobre as

    possesses de J, lhe arrebatar os filhos e despoj-lo de todas as suas

    riquezas. E certamente ele no perdeu um instante para realizar a sua

    obra. Com notvel velocidade cumpriu a sua misso. Um golpe trs

    outra caia sucessivamente sobre a cabea do devoto patriarca. Apenas

    um dos seus mensageiros pode lhe transmitir a sua triste notcia, e em

    seguida aparece um outro com uma novidade ainda mais terrvel, at

    que por fim o afligido servo de Deus "se levantou, e rasgou o seu

    manto, e rapou a sua cabea, e se lanou em terra, e adorou, E disse:

    Nu sa do ventre de minha me, e nu tornarei para l; o Senhor o deu,

    e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor. Em tudo isto, J

    no pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma." (1:20-22).

    Tudo isto profundamente comovente. Ser privado num instante dos

    seus dez filhos e logo reduzido das riquezas principescas penria

    absoluta, era, humanamente falando, motivo suficiente para

    cambalear. Que notvel contrate entre as primeiras e as ltimas linhas

    do primeiro captulo! Ao princpio, vemos a J rodeado de uma

    numerosa famlia, e desfrutando das suas muitas possesses;

  • 13

    enquanto que, ao ltimo, o vemos abandonado, sumido na pobreza e a

    nudez. E pensar que foi Satans quem com a permisso e, ainda mais, com o pedido de Deus o tinha reduzido a tal estado! Y para que foi feito tudo isto? Para o proveito permanente e profundo da preciosa

    alma de J. Deus via que o seu servo necessitava aprender uma lio;

    e considerava, alm disso, que tal lio s poderia ser ensinada

    fazendo passar a J por uma prova penosa por um verdadeiro tormento, cuja simples meno cheia a mente de solene temor. Deus no deixar de ensinar a Seus filhos, ainda que tivesse que despoj-los

    de tudo ao que o corao se afeioa neste mundo!

    Mas devemos seguir ao nosso patriarca em guas ainda mais

    profundas.

    "E, vindo outro dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se

    perante o Senhor, veio, tambm, Satans entre eles apresentar-se

    perante o Senhor. Ento o Senhor disse a Satans: De onde vens? E

    respondeu Satans ao Senhor, e disse: De rodear a terra, e passear

    por ela. E disse o Senhor a Satans: Observaste o meu servo J?

    Porque ningum h na terra semelhante a ele, homem sincero e reto,

    temente a Deus, e desviando-se do mal, e que ainda retm a sua

    sinceridade, havendo-me tu incitado contra ele, para o consumir sem

    causa. Ento Satans respondeu ao Senhor, e disse: Pele por pele, e

    tudo quanto o homem tem dar pela sua vida. Estende, porm, a tua

    mo, e toca-lhe nos ossos, e na carne, e vers se no blasfema de ti

    na tua face! E disse o Senhor a Satans: Eis que ele est na tua mo;

    poupa, porm, a sua vida. Ento saiu Satans da presena do Senhor,

    e feriu a J de uma chaga maligna, desde a planta do p at ao alto da

    cabea. E J, tomando um pedao de telha para raspar com ele as

    feridas, assentou-se no meio da cinza. Ento sua mulher lhe disse:

    Ainda retns a tua sinceridade? amaldioa a Deus, e morre. Mas ele lhe

    disse: Como fala qualquer doida, assim falas tu; receberemos o bem de

    Deus, e no receberamos o mal? Em tudo isto, no pecou J com os

    seus lbios." (2:1-10).

    Esta uma passagem muito notvel. Nos instrui acerca do lugar que

    ocupa Satans a respeito do governo de Deus. Ele no mais do que

    um instrumento; e, embora esteja sempre pronto para acusar ao povo

    de Deus, no pode fazer nada, seno s o que Deus lhe permite. Seus

    esforos, no que a J se refere, viram-se frustrados e, trs esgotar

    seus ltimos recursos, desaparece, e no ouvimos nada mais acerca

    das suas manobras no resto do livro, quaisquer pudessem ter sido as

    suas intenes. J deu mostras de que pode guardar a sua integridade;

    e, se as coisas tivessem acabado aqui, a sua pacincia nos sofrimentos

  • 14

    no teria feito outra coisa seno firmar ainda mais as razes de sua

    prpria justia e alimentar a sua auto-satisfao. "Ouvistes" diz Tiago "qual foi a pacincia de J, e vistes o fim que o Senhor lhe deu; porque o Senhor muito misericordioso e piedoso" (Tiago 5:11). Se

    tivesse se tratado simplesmente de uma questo da pacincia de J,

    ele teria conseguido assim mais motivos para seguir confiando em si

    mesmo, e o "fim do Senhor" no teria sido alcanado. Pois e no esqueamos nunca a misericrdia e a compaixo do Senhor s podem ser gostadas por aqueles de esprito contrito e corao

    quebrantado. Agora bem, J no podia ser contado entre estes, por

    muito que estivesse sentado no meio das cinzas. Ele ainda no havia

    quebrado por completo sua cerviz diante de Deus. Ainda era o grande

    homem to grande nos seus infortnios quanto o fora em tempos da prosperidade; to grande sob os ventos violentos e erosivos da adversidade quanto era sob o sol radiante dos seus melhores e mais

    esplendorosos dias. O corao de J ainda no tinha sido alcanado.

    No estava ainda preparado para exclamar : "Eis que sou vil" (40:4),

    nem havia todavia aprendido a dizer: "Por isso, me abomino e me

    arrependo no p e na cinza" (42:6).

    Estamos ansiosos de que o leitor capte com claridade este ponto.

    Constitui, em grande parte, a clave de todo o livro de J. O objetivo

    divino era expor aos olhos de J as profundezas do seu prprio

    corao, a fim de que aprendesse a se deleitar na graa e na

    misericrdia de Deus; todas as acusaes de Satans se

    desmoronaram em sua prpria cara; porm, J continuava sem ser um

    vaso vazio, e por tanto, no estava preparado para "o fim do Senhor",

    esse fim bendito para todo corao contrito, um fim caracterizado pela

    misericrdia e a compaixo. Deus bendito seja o Seu Nome no tolerar que Satans nos acuse; mas Ele quer nos fazer ver o que h

    em nosso corao, a fim de que nos julguemos a ns mesmos e

    aprendamos a desconfiar dos nossos prprios coraes e a repousar na

    inquebrantvel firmeza de sua graa.

    Por enquanto, vemos que J "retm a sua integridade". Enfrenta com

    calma as terrveis aflies que Satans lhe causou com a permisso de

    Deus; e alm disso, rejeita o insensato conselho de sua mulher. Em

    uma palavra, aceita todo como proveniente da mo de Deus, e inclina

    a sua cabea ante Suas misteriosas dispensaes.

    Tudo isto sem dvida era bom. Porm, a chegada dos trs amigos de

    J provoca uma mudana notvel. A sua simples presena, o mero fato

    de serem testemunhas oculares de sua misria, influiu nele de uma

    maneira surpreendente. "Ouvindo, pois, trs amigos de J, todo este

  • 15

    mal que tinha vindo sobre ele, vieram cada um do seu lugar: Elifaz, o

    temanita, e Bildade, o suta, e Sofar, o naamatita; e concertaram

    juntamente virem condoer-se dele, e consol-lo. E, levantando de

    longe os seus olhos e no o conhecendo, levantaram a sua voz e

    choraram; e rasgando cada um o seu manto, sobre as suas cabeas

    lanaram p ao ar. E se assentaram juntamente com ele na terra, sete

    dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, porque viam

    que a dor era muito grande." (2:11-13).

    Bem podemos crer que estes trs homens estavam motivados, ante

    todo, por bons sentimentos para com J; e no lhes foi um grande

    sacrifcio ter que deixar seus lares para vir a condoer-se do seu afligido

    amigo. Tudo isto podemos compreend-lo sem maior dificuldade. Mas

    evidente que sua presena teve o efeito de despertar no corao de J

    sentimentos e pensamentos que at ento tinham permanecido

    adormecidos. Ele tinha suportado com resignao a perda dos seus

    filhos, dos seus bens e de sua sade. Satans tinha sido repelido, e o

    conselho de sua mulher, rejeitado. Mas a presena de seus amigos

    abateu por completo o esprito de J. "Depois disto, abriu J a sua

    boca, e amaldioou o seu dia." (3:1).

    Isto muito notvel. Seus amigos, pelo visto, no haviam proferido

    uma nica palavra. Sentaram em absoluto silncio, com suas vestes

    rasgadas e suas cabeas cobertas de cinzas, contemplando uma aflio

    to profunda que era impossvel de sondar. J mesmo foi quem

    rompeu o silncio. Todo o terceiro captulo consiste em um desabafo de

    seus amargos lamentos, evidenciando assim, tristemente, um esprito

    indmito. podemos dizer com certeza que impossvel que algum que

    haja aprendido a dizer em alguma medida "seja feita a Tua vontade",

    possa alguma vez amaldioar o dia em que nasceu ou empregar a

    linguagem que vemos no terceiro captulo do nosso livro. Sem dvida,

    algum pode dizer: " fcil falar quando nunca nos tocou ter que

    suportar as terrveis provas de J". Isto muito certo, e podemos

    agregar que nenhum outro homem haveria agido melhor em

    circunstncias semelhantes. Tudo isto compreendemos perfeitamente;

    mas no muda em absoluto o grande ensino moral do livro de J,

    ensino que temos o privilgio de aprender. J era um verdadeiro santo

    de Deus; mas ele como todos ns necessitava conhecer a si mesmo. Precisava que as razes ocultas do seu ser moral fossem

    descobertas ante seus prprios olhos, de modo que pudesse

    verdadeiramente aborrecer-se e arrepender-se no p e nas cinzas. E

    necessitava, tambm, ter uma percepo mais profunda e verdadeira

  • 16

    do que Deus era, para assim poder confiar nEle e justific-Lo em todas

    as circunstncias.

    Todas estas coisas, porm, as buscaremos em vo no primeiro discurso

    de J. "E J, falando, disse: Perea o dia em que nasci, e a noite em

    que se disse: Foi concebido um homem! (...) Por que no morri eu

    desde a madre, e, em saindo do ventre, no expirei?" (3:2-3,11). Estes

    no so os pontos de um esprito contrito e quebrantado, nem de

    algum que tem aprendido a dizer: "Sim, Pai, porque assim te

    aprouve" (Mateus 11:26). Se h alcanado um importante ponto na

    histria da alma quando se s capaz de inclinar mansamente ante

    todas as dispensaes da mo de nosso Pai. Uma vontade quebrantada

    um dom precioso e extraordinrio. Tem se alcanado um grau

    elevado na escola de Cristo quando se s capaz de dizer: "j aprendi a

    contentar-me com o que tenho" (Filipenses 4:11). Paulo teve que

    aprender isto. No era conforme sua natureza; e com certeza jamais

    o teria aprendido aos ps de Gamaliel. Teve que quebrar-se por

    completo aos ps de Jesus de Nazar antes de conseguir dizer desde o

    fundo do corao: "estou contente". Teve que sopesar o significado

    destas palavras: "A minha graa te basta", antes de poder "se

    aperfeioar na fraqueza" (2 Corntios 12:9). O homem que foi capaz de

    empregar esta linguagem o antpoda do que pode amaldioar o dia

    em que nasceu, e exclamar: "perea o dia em que nasci". Pense s

    num santo de Deus, num herdeiro da glria, dizendo: "perea o dia em

    que nasci". Ah, se J tivesse estado em presena de Deus, nunca teria

    pronunciado palavras semelhantes! Teria sabido perfeitamente bem por

    que havia ficado com vida. Haveria um sentido claro e satisfatrio para

    a sua alma do que Deus tinha reservado para ele. Haveria justificado a

    Deus em todas as coisas. Mas J no se encontrava na presena de

    Deus, seno na dos seus amigos, os quais demonstraram claramente

    ter pouco ou nenhumconhecimento do carter de Deus e do verdadeiro objetivo dos Seus desgnios para com o Seu querido servo

    J.

    Discursos dos amigos de J

    No de nenhuma forma o nosso propsito realizar uma exame

    minuciosa das extensas discusses que se sucederam entre J e seus

    amigos, discusses que abarcam mais de 29 captulos. S citaremos

    alguns fragmentos dos discursos dos trs amigos, o que possibilitar ao

    leitor formar-se uma idia do verdadeiro terreno em que estes homens

    estavam errados.

  • 17

    Elifaz e a experincia

    Elifaz o primeiro em tomar a palavra. "Ento respondeu Elifaz, o

    temanita, e disse: Se intentarmos falar-te, enfadar-te-s? Mas quem

    poder conter as palavras? Eis que ensinaste a muitos, e esforaste as

    mos fracas. As tuas palavras levantaram os que tropeavam, e os

    joelhos desfalecentes fortificaste. Mas agora a ti te vem, e te enfadas;

    e, tocando-te a ti, te perturbas. Porventura no era o teu temor de

    Deus a tua confiana, e a tua esperana a sinceridade dos teus

    caminhos? Lembra-te agora de qual o inocente que jamais

    perecesse? E onde foram os sinceros destrudos? Segundo eu tenho

    visto, os que lavram iniqidade e semeiam o mal segam isso mesmo"

    (4:1-8). Assim tambm: "Bem vi eu o louco lanar razes; mas logo

    amaldioei a sua habitao" (5:3). E tambm: "Eis que bem-

    aventurado o homem a quem Deus castiga; no desprezes, pois, o

    castigo do Todo-Poderoso" (5:17).

    A partir destas declaraes resulta evidente que Elifaz pertencia a essa

    classe de gente que gosta de argir se baseando na prpria

    experincia. Seu ditado era: "Eu vi". Agora bem, possvel que o

    que hajamos "visto", seja o que for, seja absolutamente verdadeiro.

    Mas um erro terrvel fazer da nossa experincia individual uma regra

    geral; porm, milhares tm esta inclinao. O que tinha a ver, por

    exemplo, a experincia de Elifaz com a situao de J? Talvez ele

    jamais se encontrou com um outro caso exatamente igual ao de J; e

    embora houvesse existido um nico rasgo de disparidade entre os dois

    casos, toda a argumentao baseada na experincia de um deles no

    teria sido de utilidade alguma para o outro. E isto fica claro no

    acontecido a J: assim que Elifaz acabou de falar, J quem no lhe havia prestado a menor ateno, prosseguiu falando das prprias aflies, intercalando palavras de justificao prpria e amargas

    recriminaes contra os desgnios de Deus (cap. 6 e 7).

    Bildade e a tradio

    Bildade o segundo a falar. Ele se instala sobre um terreno

    completamente diferente daquele do seu amigo. No menciona nem

    uma vez s as suas experincias, nem o que fosse resultado da sua

    prpria observao. Apela antiguidade. "Porque, eu te peo,

    pergunta agora s geraes passadas, e prepara-te para a inquirio

    de seus pais. Porque ns somos de ontem, e nada sabemos; porquanto

  • 18

    os nossos dias sobre a terra so como a sombra. Porventura no te

    ensinaro eles, e no te falaro, e do seu corao no tiraro razes?"

    (8:8-10).

    Agora bem, devemos admitir que Bildade nos conduz a um campo

    muito mais vasto que aquele de Elifaz. A autoridade de uma multido

    de "padres" tem muito mais peso e respeitabilidade que a experincia

    de um simples indivduo. Por outra parte, se deixar conduzir pela voz

    de uma multido de homens sbios e eruditos parece muito mais

    modesto que faz-lo luz da experincia de um s deles. Mas o

    assunto que nem a experincia nem a tradio serviro de nada. A

    primeira, at onde chega, pode ser verdadeira; mas dificilmente

    acharemos duas pessoas cujas experincias coincidam de maneira

    perfeita. Referente segunda, uma profusa confuso; pois um difere

    doutro, e nada pode ser mais volvel e incerto do que a voz da tradio

    ou a autoridade dos pais.

    Em conseqncia, como era de se esperar, as palavras de Bildade no

    afetaram mais a J do que as de Elifaz. Um estava to longe da

    verdade quanto o outro. Se eles tivessem apelado revelao divina,

    quo diferentes teriam sido os resultados! A verdade de Deus a

    nica regra, a nica grande autoridade. segundo a sua medida que

    todo deve ser medido; e todos, antes ou depois, devero inclinar-se

    sob a sua autoridade. Ningum tem o direito de estabelecer a sua

    experincia como regra para os outros. E se nenhum homem tem este

    direito, tambm no o tem uma multido de homens. Em outras

    palavras, a voz de Deus no a voz do homem a que nos deve governar. Nem a experincia nem a tradio, seno a Palavra de Deus

    sozinha a que pronunciar o juzo no ltimo dia. Fato solene e

    importante! No o percamos nunca de vista! Se Bildade e Elifaz

    tivessem discernido isto, as suas palavras teriam exercido muita mais

    influncia no seu afligido amigo.

    Zofar e a legalidade

    Consideremos agora brevemente a primeira parte do discurso de Zofar,

    o naamatita: "Mas, na verdade, oxal que Deus falasse e abrisse os

    seus lbios contra ti, E te fizesse saber os segredos da sabedoria, que

    multplice em eficcia; pelo que, sabe que Deus exige de ti menos do

    que merece a tua iniqidade" (11:5-6). "Ainda que ele me mate, nele

    esperarei; contudo, os meus caminhos defenderei diante dele" (13:15).

    Estas palavras tm um forte gosto a legalidade. Mostram claramente

    que Zofar no tinha um sentido justo do carter de Deus. No conhecia

    a Deus. Nenhum que possua o verdadeiro conhecimento de Deus

  • 19

    poderia falar dEle como de algum que abre a boca contra o pobre

    pecador afligido ou que exige algo de uma criatura desvalida e

    necessitada. Deus bendito seja Seu Nome por sempre no contra ns, seno por ns (Romanos 8: 31). Ele no um cobrador

    ou um demandante legal, seno um generoso doador. Observemos

    nos ltimos versculos que limos; Zofar diz: "Se tu preparaste o teu

    corao" (11:13). Agora bem, que aconteceria se J no tivesse

    preparado o seu corao? verdade que um homem deveria ter

    sempre disposto o seu corao; mas isso no ser possvel em tanto e

    enquanto o seu estado moral seja bom. J, lamentavelmente, no se

    encontrava num bom estado, pelo que, quando tenta dispor seu

    corao, no acha nele outra coisa seno iniqidade. Ento, o que

    deveria fazer ele? Zofar no podia lhe dizer como tambm no podiam nenhum dos outros da sua escola. Eles somente conheciam a Deus como um severo opressor, como algum que s abre a sua boca

    para falar contra o pecador.

    Haveremos, pois, de assombrar-nos de que Zofar estivesse to longe

    de redargir a J quanto os seus dois companheiros? Todos eles

    estavam completamente errados. A tradio, a experincia e a

    legalidade so todas igualmente defeituosas, limitadas e falsas.

    Nenhuma desta trs coisas nem as trs juntas poderiam ter sido uma ajuda para J. Elas s "escurece(m) o conselho, com palavras sem

    conhecimento" (38:2). Nenhum dos trs amigos compreendeu a J;

    ainda mais, eles no conheciam o carter de Deus nem o seu propsito

    a respeito da prova do servo. Estavam completamente errados. No

    sabiam como apresentar a Deus ante J e, conseqentemente,

    tambm no souberam levar a conscincia do seu amigo presena

    mesma de Deus. Em vez de conduzi-lo ao julgamento de si mesmo, s

    contriburam a sua prpria justificao. No introduziram a Deus em

    suas conversas. Falaram algumas coisas verdadeiras, mais no

    possuam a verdade. Trouxeram luz as suas experincias, a sua

    tradio e a sua legalidade, mas no expuseram a verdade.

    Por esta razo, os trs amigos no puderam persuadir J. Seu

    ministrio era de uma natureza parcial e, em vez de fechar a boca de

    J, s conseguiram lev-lo a um campo de discusso que parecia

    interminvel. J, ento, no deixa de lhes responder palavra por

    palavra, e de agregar muitas mais: "Na verdade, que s vs sois o

    povo, e convosco morrer a sabedoria. Tambm eu tenho um corao

    como vs, e no vos sou inferior; e quem no sabe tais coisas como

    estas?" (12:2-3). "Vs, porm, sois inventores de mentiras, e, vs

    todos, mdicos que no valem nada. Oxal vos calsseis de todo, que

  • 20

    isso seria a vossa sabedoria!" (13:4-5). "Tenho ouvido muitas coisas

    como estas, todos vs sois consoladores molestos. Porventura no

    tero fim estas palavras de vento? Ou que te irrita, para assim

    responderes? Falaria eu, tambm, como vs falais, se a vossa alma

    estivesse em lugar da minha alma? Ou amontoaria palavras contra vs

    e menearia contra vs a minha cabea?" (16:2-4). "At quando

    entristecereis a minha alma, e me quebrantareis com palavras? J dez

    vezes me envergonhastes; no tendes vergonha de contra mim vos

    endurecerdes? (...) Compadecei-vos de mim, amigos meus,

    compadecei-vos de mim, porque a mo de Deus me tocou." (19:2-3,

    21).

    Todas estas expresses demonstram que J estava longe de ter esse

    esprito quebrantado e essa atitude humilde que surgem como

    resultado de estar na presena de Deus. Sem dvida, seus amigos

    estavam errados, completamente errados em suas noes acerca de

    Deus tanto quanto em suas maneiras de tratar com Ele. Mas seus erros

    no justificavam a J. Se a sua conscincia tivesse estado na presena

    de Deus, ele no teria respondido aos seus amigos, ainda quando o seu

    erro tivesse sido mil vezes maior e a sua maneira de trat-lo, mil vezes

    mais severa. Teria inclinado a cabea com humildade e permitido que a

    mar das repreenses e acusaes o atropelasse. Teria se beneficiado

    com a mesma severidade dos amigos ao consider-la como uma

    disciplina saudvel para o seu corao. Mais no; J ainda no tinha

    conseguido acabar consigo mesmo. Se justificava a si mesmo, proferia

    invectivas contra os seus semelhantes e estava cheio de pensamentos

    errados acerca de Deus. Necessitava outro ministrio que o conduzisse

    a uma atitude correta da alma diante de Deus.

    Quanto mais detidamente estudamos as extensas discusses que se

    sucederam entre J e os seus amigos, com maior claridade advertimos

    a impossibilidade de que eles alguma vez se entendessem. J estava

    determinado a justificar-se a si mesmo; enquanto que os seus amigos

    tentavam por todos os meios de culp-lo. Ele permanecia

    inquebrantvel, e o tratamento errados dos seus amigos s conseguiu

    endurecer ainda mais a sua posio. Se tanto ele quanto seus amigos

    tivessem adotado uma outra atitude, as coisas teriam sido

    completamente diferentes. Se J se tivesse condenado a si mesmo, se

    tivesse assumido uma posio humilde, se tivesse considerado que no

    era nada nem ningum, no haveria dado espao a que seus amigos

    dissessem nada. E se, por outra parte, eles se tivessem dirigido a ele

    com suavidade, com ternura e com doura, teriam mais possibilidades

    de amolecer seu corao. Como estavam dadas as coisas, no se

  • 21

    vislumbrava sada alguma. J no podia ver nada de mau em si

    mesmo; seus amigos no podiam ver nada de bom nele. Ele estava

    firmemente decidido a manter a sua integridade; eles, porm, a

    remover at achar manchas e defeitos. Na havia nenhum tipo de

    aproximao entre eles, nenhuma base em comum sobre a qual se

    entenderem. J no mostrava indcios de arrependimento; eles no

    tinham nenhuma compaixo dele. viajavam em direes opostas e, por

    tanto, jamais poderiam encontrar-se. Concretamente, faltava um

    ministrio de uma natureza completamente diferente; e este ministrio

    introduzido na pessoa de Eli.

    O acertado ministrio de Eli

    "Ento aqueles trs homens cessaram de responder a J; porque era

    justo aos seus prprios olhos. E acendeu-se a ira de Eli, filho de

    Baraqueel, o buzita, da famlia de Ram: contra J se acendeu a sua ira,

    porque se justificava a si mesmo, mais do que a Deus. Tambm a sua

    ira se acendeu contra os seus trs amigos: porque, no achando que

    responder, todavia condenavam a J" (32:1-2).

    Eli, com uma lucidez e um vigor extraordinrios, vai direito ao centro

    do problema em cada uma das partes. Resume, em duas breves

    sentenas, as extensas discusses que abarcaram 29 captulos. J se

    justificava a si mesmo em vez de justificar a Deus; seus amigos, por

    outra parte, o tinham condenado em vez de gui-lo ao julgamento de

    si mesmo.

    de transcendental importncia moral ver que quando nos

    justificamos a ns mesmos, condenamos a Deus; em tanto que,

    quando nos condenamos, O justificamos a Ele. "A sabedoria

    justificada por todos os seus filhos" (Lucas 7:35). Esta uma grande

    verdade. O corao realmente contrito e quebrantado reivindicar a

    Deus custar o que custar. "Sempre seja Deus verdadeiro, e todo o

    homem mentiroso; como est escrito: Para que sejas justificado nas

    tuas palavras, e venas quando fores julgado" (Romanos 3:4). Deus,

    finalmente, haver de sair vitorioso, e lhe dar a Ele a primazia agora,

    o caminho da verdadeira sabedoria. To pronto como a alma

    humilhada mediante o reto juzo de si mesma, Deus, com toda a

    majestade de Sua graa, se apresenta ante ela como Justificador.

    Mas entretanto sejamos governados por um esprito de justificao

    prpria e de auto-satisfao, desconheceremos por completo a sublime

    bem-aventurana do homem a quem Deus lhe imputa justia sem

    obras. A maior insensatez da que ns podemos sermos culpados a de

    justificarmos a ns mesmos; j que Deus, em tal caso, dever imputar-

  • 22

    nos pecado. Mas a verdadeira sabedoria consiste em condenar-se

    totalmente a si mesmo, pois deste modo Deus se torna Justificador.

    Mas J ainda no havia aprendido a caminhar por esta senda

    maravilhosa e bendita. Ainda estava revestido de sua prpria justia.

    Ainda achava plena complacncia em si mesmo. Por isso Eli se

    acendeu de ira contra ele. A ira haver de cair com certeza sobre a

    prpria justia. No poder ser de outra maneira. O nico terreno

    legtimo para o pecador e o de um sincero arrependimento. Ali no se

    encontra mais que a pura e preciosa graa que reina "pela justia

    mediante Jesus Cristo, Senhor nosso". Nela permanece impassvel por

    sempre. prpria justia no lhe espera outra coisa seno a ira; mas

    ao eu julgado, s a graa.

    Querido leitor, lembre-se disto. Detenha-se uns instantes e considere.

    Em que terreno voc se encontra? Tem se inclinado ante Deus com um

    verdadeiro arrependimento? Tem se medido em verdade alguma vez

    em Sua santa presena? Ou se encontra no terreno da sua prpria

    justia, da sua justificao pessoal e da sua auto-satisfao? Lhe

    rogamos encarecidamente que sopese estas solenes perguntas. No as

    desconsidere. O nosso desejo chegar ao corao e conscincia do

    leitor. No apontamos meramente ao seu entendimento, a sua mente

    ou ao seu intelecto. Sem dvida, bom tentar iluminar o entendimento

    pela Palavra de Deus; mas lamentaramos profundamente se todo o

    nosso trabalho tivesse que acabar ali. H muito mais do que isso. Deus

    quer operar no corao, na alma, no homem interior. Ele quer nos ter

    diante dEle em nosso real estado. De nada vale que edifiquemos a

    nossa prpria opinio; pois nada pode ser mais seguro do que o fato de

    que toda a nossa obra, construda com tais materiais, ser demolida. O

    dia do Senhor estar contra toda exaltao e altivez; sbio, pois,

    ocupar agora uma posio humilde e ter um corao culpado, j que,

    quando somos humildes, apreciamos com a maior claridade a Deus e a

    sua salvao. Que o leitor penetre, com o poder do Esprito, na

    realidade de todas estas coisas! Que todos lembremos que Deus se

    deleita em ver um esprito contrito e quebrantado, e que Ele sempre

    encontra Sua morada com os tais, mas ao altivo olha desde longe!

    Assim sendo, podemos entender por que a ira de Eli se acende contra

    J. Ele estava do lado de Deus. J, porm, no. No ouvimos falar a

    Eli seno at o captulo 32, embora de tudo evidente que tinha sido

    um ouvinte atento durante toda a discusso. havia prestado ouvidos

    pacientemente s duas partes, achando que ambas estavam erradas.

    J fez mal em tratar de se defender; seus amigos, em tratar de

    conden-lo.

  • 23

    Quo freqentemente acontece a mesma coisa com ns em nossas

    discusses e controvrsias! Oh, que tristes manifestaes so estas! No

    noventa e nove por cento dos casos de disputas entre pessoas,

    acharemos o mesmo resultado que o que vemos entre J e seus

    amigos. Um pouco de contrio em uma das partes, ou um pouco de

    suavidade na outra, contribuiriam de maneira significativa para

    solucionar a questo. naturalmente que no nos referimos s situaes

    em que se v comprometida a verdade de Deus. Nestas ltimas,

    devemos ser denodados, decididos e inflexveis. Ceder quando est em

    jogo a verdade de Deus ou a glria de Cristo, no seria outra coisa

    seno deslealdade a Aquele a quem devemos tudo. Clara deciso e

    uma tenaz firmeza o nico que nos convm sempre que se trate dos

    direitos de Aquele bendito que, para assegurar os nossos interesses, o

    sacrificou tudo, at a Sua prpria vida. Que Deus nos guarde de deixar

    escapar uma palavra ou de escrever uma nica linha que tenda a

    debilitar a fora com que temos segurado a verdade ou a diminuir o

    nosso ardor na contenda pela f que tem sido uma vez dada aos

    santos. Oh, no, querido leitor!; este no o momento para afrouxar

    os lombos, depor os arneses nem rebaixar a medida das normas

    divinas. Tudo pelo contrrio. Nunca como hoje existiu to urgente

    necessidade de termos cingidos nossos lombos com a verdade, com os

    ps calados e mantendo a norma dos princpios divinos em toda a sua

    integridade. Dizemos estas coisas com reflexo. As dizemos a causa

    dos mltiplos esforos do inimigo por empurrar-nos fora do terreno da

    pura verdade ao nos sinalar as faltas de aqueles que tm fracassado

    em manter uma conduta pura. Ai, ai, ai, h fracassos, tristes e

    humilhantes fracassos" no negamos, quem se atreveria a faz-lo?

    demasiado patente, demasiado flagrante, demasiado grosseiro. O

    nosso corao se parte quando pensamos nisto. O homem falha

    sempre e em todas partes. Sua histria, desde o den at os nossos

    dias, leva a marca do fracasso. Tudo isto inegvel, mas bendito seja o Seu Nome o fundamento de Deus est firme, e o fracasso humano no pode toc-Lo jamais. Deus fiel. Ele conhece os seus, e

    todo aquele que invoca o nome de Cristo deve apartar-se da iniqidade

    (2 Timteo 2:19). No cremos nem podemos crer que para melhorar a nossa conduta devamos abater a bandeira dos princpios de

    Deus. Humilhemo-nos diante dos nossos fracassos; mais nunca

    abandonemos a preciosa verdade de Deus.

    Tudo isto uma digresso que nos permitimos com o objetivo de

    evitar que, ao termos urgido o leitor importncia de cultivar um

    esprito quebrantado e dcil, este pudesse ter inferido que com isso

  • 24

    quisemos dizer que necessrio abandonar um Igreja ou um til da

    divina revelao. Agora retornemos ao nosso tema.

    O ministrio de Eli tem caractersticas muito peculiares e notveis.

    Eli se encontra em vvido contraste com os trs amigos. Seu nome

    significa "Deus ele" e, sem dvida, podemos consider-lo como um

    tipo de nosso Senhor Jesus Cristo. Eli coloca a Deus na cena, e pe

    fim tambm s tediosas contendas e disputas que se sucederam entre

    J e seus amigos. Ele no discursa baseando-se na experincia;

    tambm no apela tradio nem profere os acentos da legalidade,

    seno que introduz a Deus. a nica forma de pr fim s

    controvrsias, de acalmar os altercados, e de fazer um cesse o fogo

    numa guerra de palavras. Ouamos as palavras desta notvel

    personagem:

    "Eli, porm, esperou para falar a J, porquanto tinham mais idade do

    que ele. Vendo, pois, Eli que j no havia resposta na boca daqueles

    trs homens, a sua ira se acendeu" (32:4-5). Note-se isto: "no havia

    resposta". Em todos os seus arrazoamentos, em todos os seus

    argumentos, em todas as suas aluses experincia, legalidade e

    tradio, "no havia resposta". Isto muito instrutivo. Os amigos de J

    haviam recorrido, por assim dizer, um amplo campo; tinham falado

    muitas coisas certas e esgrimido muitas objees; porm, note-se

    bem, no tinham achado nenhuma resposta. No est dentro dos

    alcances da terra nem na natureza achar uma resposta para um

    corao que tem segurada a sua prpria justia. Deus somente pode

    dar a justa resposta, como veremos a continuao. Em nenhum outro,

    seno em Deus, o corao no quebrantado pode achar uma rplica

    sempre pronta. Isto resulta obvio na histria que estamos

    considerando. Os trs amigos de J no acharam resposta nenhuma.

    "E respondeu Eli, filho de Baraqueel, o buzita, e disse: Eu sou de

    menos idade, e vs sois idosos; receei-me e temi de vos declarar a

    minha opinio. Dizia eu: Falem os dias, e a multido dos anos ensine a

    sabedoria. Na verdade, h um esprito no homem, e a inspirao do

    Todo-Poderoso os faz entendidos." (32:6-8). Eis aqui que a luz divina

    a luz da inspirao comea a fluir sobre a cena e a dissipar as espessas nuvens de p que se geraram por uma disputa de palavras.

    To pronto como este bem-aventurado servo do Senhor abre seus

    lbios, se deixam sentir a autoridade e o peso moral das suas palavras.

    evidente que nos encontramos em presena de um homem que fala

    como os orculos de Deus; um homem que se encontra

    perceptivelmente na presena divina. No se trata de algum que

    recorre magra adega da sua limitada e deficiente experincia, nem

  • 25

    de um que apela venervel antiguidade, desconcertante tradio ou

    s contraditrias vozes dos Padres. No; agora temos ante ns a um

    homem que nos coloca de imediato sob a influncia do "sopro do

    Onipotente".

    Eis aqui a nica autoridade segura; a nica norma infalvel. "Os

    grandes no so os sbios, nem os velhos entendem o que reto. Pelo

    que digo: Dai-me ouvidos, e tambm eu declararei a minha opinio. Eis

    que aguardei as vossas palavras, e dei ouvidos s vossas

    consideraes, at que buscsseis razes. Atendendo, pois, para vs,

    eis que nenhum de vs h que possa convencer a J, nem que

    responda s suas razes; Para que no digais: Achamos a sabedoria,

    Deus o derribou, e no homem algum. Ora ele no dirigiu contra mim

    palavra alguma, nem lhe responderei com as vossas palavras. Esto

    pasmados, no respondem mais, faltam-lhes as palavras." (32:9-15).

    A experincia, a tradio e a legalidade so barridas fora da plataforma

    para deixar espao ao "sopro do Onipotente", ao ministrio poderoso e

    direto do Esprito de Deus.

    O ministrio de Eli bate na alma com uma fora e uma profundidade

    extraordinrias. Encontra-se em vvido contraste com o incompleto e

    tremendamente defeituoso ministrio dos trs amigos. Era o remdio

    para pr fim a uma controvrsia que parecia interminvel; uma

    controvrsia entre um frreo egotismo por parte de J, e uma flutuante

    experincia, uma volvel tradio e uma presunosa legalidade de

    parte dos seus amigos; uma controvrsia que no servia para nada, ao

    menos para J, e que acabaria deixando as partes muito mais

    enfrentadas do que estavam no princpio. Porm, essa controvrsia no

    deixa de ter o seu valor e interesse para ns. O claro ensinamento que

    nos deixa este: duas partes em disputa jamais podero chegar a se

    entenderem a menos que exista, de uma ou da outra parte, certo grau

    de quebrantamento e avassalamento do corao. Esta a valiosa lio

    a que todo ns devemos prestar ateno. No s no mundo, seno

    tambm na igreja, existe uma grande quota de obstinao e de

    arrogncia; uma grande quantidade de atividades centradas no

    homem; uma forte dose de "eu, eu, eu" para tudo; e isso, alm,

    prevalece onde menos o esperaramos, a saber, nas coisas que se

    relacionam com o santo servio para Cristo. Quo repulsivo! Podemos

    afirmar com absoluta certeza que nunca o egotismo mais detestvel

    que quando se manifesta no servio de esse Bendito que se despojou a

    si mesmo, de quem toda a vida foi uma completa renuncia prpria, e

    quem nunca buscou sua prpria glria nem seus prprios interesses,

    como tambm no agradar-se a si mesmo.

  • 26

    Ai!, a pesar de tudo isto, no existe, querido leitor, largas e estendidas

    demonstraes deste eu aborrecvel e no subjugado no terreno da

    profisso crist e do ministrio cristo? Quem poderia neg-lo? A

    medida que os nossos olhos examinam o relato da notvel discusso

    entre J e seus amigos, descobrimos com surpresa que s no que v

    dos captulos 29 ao 31, J se menciona a si mesmo aproximadamente

    umas cem vezes! Em resumidas contas, tudo "eu", "mi", "me",

    nestes captulos.

    Porm, dirijamos os nossos olhares a ns mesmos. Julguemos nosso

    prprio corao em suas atividades mais ntimas e profundas.

    Revistemos nossos caminhos luz da presena divina. Coloquemos as

    nossas obras e servios sobre a santa balana do santurio de Deus.

    Ento, descobriremos quanto h desse detestvel eu, o qual estende-

    se como um tecido escuro e contaminador por entre todas as vestes da

    nossa vida crist e do nosso servio cristo. A que se deve, por

    exemplo, que sempre que nos tocam o eu, por mesmo que seja no

    mnimo, tenhamos tanta predisposio a assumir uma atitude

    arrogante? Por que nos ofendemos com tanta facilidade e nos irritamos

    tanto ante as repreenses, por muito delicado e doce que seja o tom

    dessas? Por que essa to forte tendncia a ofender-se ante o menor

    menosprezo que nos faam? Por que, em fim, nossas simpatias, nosso

    respeito e nossas preferncias se dirigem com tanta energia a aqueles

    que tm um bom conceito de ns, que apreciam o nosso ministrio,

    que esto de acordo com as nossas opinies e que adotam as nossas

    idias?

    Todas estas coisas, no nos dizem nada? Acaso no nos chamam a

    despojar-nos primeiramente do nosso grande egotismo, antes de

    condenar ao do nosso antigo patriarca? Com certeza que ele no

    precedeu bem; mas ns estamos muito mais enrolados no mal. O fato

    de que um homem que vivia no escurecido crepsculo das distantes

    pocas patriarcais se visse prisioneiro na armadilha do orgulho, deveria

    surpreender-nos muitssimo menos que o de um santo na mesma

    situao, mas sob a luz do cristianismo. Cristo ainda no tinha

    aparecido. Nenhuma voz proftica havia chegado ainda aos ouvidos

    dos homens. Nem sequer a prpria lei tinha sido entregue quando J

    vivia, falava e pensava. Podemos fazer-nos uma muito ligeira idia,

    certamente, do to tnue raio de luz que alumbrava a trilha dos

    homens nos tempos de J. Mas ns temos o elevado privilegio e a

    santa responsabilidade de andar na luz culminante de um cristianismo

    cumprido. Cristo j veio. Viveu, morreu, ressuscitou e ascendeu aos

    cus. Ele enviou o Esprito Santo para morar nos nossos coraes,

  • 27

    como testemunha de Sua glria, como selo da redeno cumprida e

    como as garantias de nossa herana at a redeno da possesso

    adquirida. O cnon da Escritura est fechado. O crculo da revelao

    est completado. A Palavra de Deus est concluda. Temos ante ns a

    histria divina de Aquele que se despojou a si mesmo e que ia de lugar

    em lugar fazendo o bem; o maravilhoso relato do que fazia e de como

    o fazia; do que dizia e de como o dizia; de quem era e do que era.

    Sabemos que Ele morreu pelos nosso pecados, conforme s Escrituras;

    que condenou o pecado e o tirou do meio; que a nossa velha natureza

    essa odiosa coisa chamada de eu, o "pecado", a carne tem sido crucificada e enterrada aos olhos de Deus; que se deu fim a seu poder

    sobre ns para sempre. Sabemos, tambm, que somos participes da

    natureza divina; que temos o Esprito Santo que mora em ns, que

    somos membros do corpo de Cristo, de sua carne e de seus ossos; que

    somos chamados a andar assim como Ele andou; que somos herdeiros

    da Sua glria, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo.

    Agora bem, o que sabia J de tudo isto? Nada. Como podia saber o que

    no foi revelado seno cinco sculos depois dele? A medida do

    conhecimento de J se pe de manifesto ao ler as suas veementes e

    comovedoras palavras ao final do captulo 19: "Quem me dera, agora,

    que as minhas palavras se escrevessem! Quem me dera que se

    gravassem num livro! E que, com pena de ferro, e com chumbo, para

    sempre fossem esculpidas na rocha! Porque eu sei que o meu Redentor

    vive e que, por fim, se levantar sobre a terra. E, depois de consumida

    a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus. V-lo-ei por mim

    mesmo, e os meus olhos, e no outros, o vero; e por isso, os meus

    rins se consomem dentro de mim." (19:23-27).

    Este era o conhecimento de J seu credo. Num sentido, o seu conhecimento era grande; mas, em comparao com o extenso e

    proeminente crculo de verdades em meio ao qual temos o privilgio de

    sermos introduzidos, muito pequeno. J olhava para a frente, atravs

    de um enfraquecido crepsculo, para algo que havia de cumprir-se

    num porvir distante. Ns, em cambio, desde o topo das guas da

    revelao divina, olhamos atrs, a algo consumado. J pode dizer do

    seu Redentor que "por fim se levantar sobre a terra". Ns sabemos

    que o nosso Redentor, depois de ter vivido, trabalhado e morrido na

    terra, sentou-se destra do trono da Majestade nos cus.

    Em resumidas contas, a medida da luz e dos privilgios de J no

    admite comparao com o que ns gozamos; e por isso ns temos

    menos escusas para entregar-nos s diversas formas de egotismo ou

    de amor princpio que se manifestam em ns. Nossa renuncia prpria

  • 28

    deve ir em proporo medida dos nossos privilgios espirituais.

    lamentavelmente, nem sempre assim. Professamos as mais elevadas

    verdades; mas elas no formam o nosso carter nem governam a

    nossa conduta. Falamos da nossa vocao celestial, mas os nossos

    caminhos so terrenos e algumas vezes, carnais ou ainda piores.

    Professamos desfrutar a mais alta posio; mas o nosso estado prtico

    no consoante com ela. A nossa verdadeira condio no responde a

    nossa assumida posio. somos presumidos, susceptveis, teimosos e

    facilmente irritveis. Somos to propensos a embarcar-nos na empresa

    da justificao prpria como o nosso patriarca J.

    Por outra parte, quando nos sentimos obrigados a dirigir-nos a algum

    em atitude e tom de repreenso, com quanto rudeza, brutalidade e

    aspereza desempenhamos esta necessria tarefa! Que pouco tato e

    que pouca suavidade no tom! Quanto falta de doura e de ternura! Que

    pouca bondade, que pouco de esse "blsamo excelente" (Salmo

    141:5). Que difcil achar entre ns coraes quebrantados e olhos

    chorosos! Que miservel capacidade para conduzir o nosso irmo

    extraviado a curvar a testa e a humilhar-se! A que se deve?

    Simplesmente a que ns mesmos no cultivamos o hbito de curvar a

    nossa testa e de humilhar-nos. Se, por um lado, permitimos, como J,

    dar liberdade ao nosso egotismo e a nossa prpria justificao,

    seremos, por outro lado, to incapazes como os seus amigos de

    provocar em nosso irmo o juzo de si mesmo. Quo freqentemente

    fazemos alarde da nossa experincia, como Elifaz; ou gostamos de um

    esprito legalista, como Zofar; ou introduzimos a autoridade humana,

    como Bildade! Quo pouco se v em ns o esprito e a mente de Cristo!

    Quo pouco se v o poder do Esprito Santo ou a autoridade da Palavra

    de Deus!

    No nada agradvel escrever estas coisas. Ao contrrio. Mas

    sentimos que o nosso dever faz-lo. Nos aflige sobremaneira ver e isto com a maior solenidade a crescente frivolidade e indiferena da poca em que vivemos. Nada mais aterrador que a desproporo

    entre a nossa profisso e a nossa prtica. Se professam as mais

    elevadas verdades em relao imediata com uma mundanalidade e

    uma licencia grosseiras. Em alguns casos, pareceria como se o

    caminhar fosse ainda mais baixo quanto mais elevadas so as

    doutrinas professadas. Vemos em meio de ns uma extensa difuso da

    verdade, mas, onde est o seu poder formativo? Torrentes de luz

    derramam na inteligncia, porm, onde esto os profundos exerccios

    de corao e de conscincia na presena de Deus? A regra de

    apresentar a verdade de maneira precisa e exata se cumpre com

  • 29

    extremo rigor, mas, onde esto os resultados prticos? Desenvolve-se

    a s doutrina segundo a letra, mas, onde est o esprito? Vemos a

    forma das palavras, mas, onde est a representao vivente?

    Queremos dizer com isto que no apreciamos a s doutrina? Queremos

    dizer que subestimamos a ampla difuso das preciosas verdades da

    Palavra em suas formas mais elevadas? Longe, longe de ns esse

    pensamento! A linguagem humana seria insuficiente para expressar a

    nossa estima por estas coisas. Que Deus nos guarde de escrever um

    ltima linha que pudesse de alguma forma fazer minguar na mente do

    leitor o inefvel valor e a importncia de manter uma elevadssima em rigor, a mais elevada norma de verdade, tanto quanto uma Sua doutrina. Estamos plenamente persuadidos de que jamais

    melhoraremos a nossa conduta rebaixando embora fosse s pela grossura de um cabelo a medida dos princpios de Deus.

    Ms, querido leitor, lhe perguntamos com amor e solenidade: no lhe

    aflige o fato de que em meio de ns exista to trgica ausncia de

    conscincias delicadas e de coraes exercitados? Marcha parelha a

    nossa piedade prtica com a profisso dos nossos princpios? Est a

    medida de nossa conduta prtica a mesma altura que a medida da

    doutrina que professamos? Ai, prevemos a resposta do leitor srio e

    reflexivo! Sabemos muito bem os termos em que ela haver de ser

    expressada. Fica claro que a verdade no atua em nossas conscincias

    como seria de esperar, que a doutrina no brilha em nossas vidas e

    que a prtica no est a tom com a nossa profisso.

    Falamos por e para ns. Escrevemos estas linhas num esprito de juzo

    prprio; na mesma presena de Deus, j que Deus a nossa

    testemunha. nosso ardente desejo que a espada da verdade penetre

    em nossa prpria alma e chegue at as mais profundas razes ocultas

    dela. O Senhor sabe o muito que prefervel dar uma machadada

    raiz do eu e deixar que faa o seu trabalho. Sentimos que temos um

    sagrado dever a cumprir para com o leitor, assim tambm como para

    com a igreja de Deus; mas tambm sentimos que esse dever no

    poderia ser plenamente cumprido se apresentssemos meramente todo

    o que h de precioso, todo o que h de formoso e todo o que h de

    puro. Estamos convencidos de que Deus no s quer que a voz da

    advertncia afete em nossos coraes e conscincias, seno que

    tambm procuremos exercitar os coraes e as conscincias de todos

    aqueles com quem nos relacionamos.

    verdade que coisas tais como a mundanalidade, a carnalidade, o

    relaxamento em todas as facetas da vida cotidiana no clube, na

  • 30

    biblioteca, em casa, na igreja, etc, a moda e o estilo de vestir, a vaidade e a insensatez, o orgulho de casta, de talento ou de intelecto e

    de riqueza, no podem tratar-se cabalmente. Nenhuma destas coisas

    bem sabemos, por certo podem escrever-se, expor-se ou censurar-se de forma aberta e acabada. Mas, acaso no podemos apelar

    conscincia? Acaso a voz da santa exortao no deve alcanar os

    ouvidos de todos ns? Como poderamos tolerar a relaxao, a

    indiferena e a tibieza laodiceana preparando assim o caminho para o ceticismo universal, a infidelidade e o atesmo prtico, sem acordar a nossa conscincia nem tratar de acordar a dos outros? Deus nos livre

    disso! Sem dvida, o caminho mais elevado e excelente que o mal

    seja sepultado pelo bem, a carne subjugada pelo Esprito, o eu

    deslocado por Cristo e o amor do mundo suprido pelo do Pai. Tudo isso

    o cremos plenamente e o admitimos com inteira liberdade; mas, com

    tudo, devemos ainda assim urgir nas nossas conscincias e na do leitor

    a necessidade de submeter-nos, com respeito a toda a nossa carreira,

    a um solene e escrutinador exame de corao; a um profundo

    julgamento de ns mesmos. Bendito seja Deus, podemos levar a cabo

    estes exerccios diante do trono da graa, diante do precioso

    propiciatrio! "A graa reina" (Romanos 5:21). Que preciosa e

    consoladora verdade! Poderia ela enfraquecer o valor do julgamento de

    ns mesmos? De maneira nenhuma! Ela s poderia infundir em ns o

    tom e o carter corretos para este necessrio exerccio da alma. Ns

    temos que ver com a graa triunfante; isto precisamente o que nos

    ensina a no dar liberdade ao eu, seno a mortific-lo inteiramente.

    Queira o Senhor nos fazer realmente humildes, zelosos e devotos! Que

    a expresso ntima do nosso corao seja: "Senhor, sou teu, somente

    teu, todo teu, teu por sempre".

    Isto pode parecer a alguns uma digresso do nosso tema principal;

    mas confiamos que esta pequena divagao que nos temos permitido

    no seja em vo, seno que, pela graa de Deus, deixe algum proveito

    ao corao e conscincia do escritor e do leitor; e assim estaremos

    melhor preparados para entender e apreciar o poderoso ministrio de

    Eli, ao qual dirigiremos agora a nossa ateno, confiando-nos guia

    de Deus.

    O leitor no pode deixar de advertir o duplo efeito que produz este

    notvel ministrio: o seu efeito sobre nosso patriarca e o seu efeito

    sobre os seus amigos. No podia se esperar outra coisa. Eli, como

    j fizemos notar, havia escutado pacientemente os argumentos

    esgrimidos por ambas partes. Ele tinha deixado, por assim dizer, que

    falassem at o cansao, que dissessem tudo o que tinham para se

  • 31

    dizer: "Eli, porm, esperou para falar a J, porquanto tinham mais

    idade do que ele" (32:4). Isto se encontra numa bonita ordem moral.

    Com certeza, era o caminho do Esprito de Deus. A modstia um

    ornamento que cai bem a um jovem. Tomara que abundasse mais em

    meio de ns! Quando a verdadeira dignidade jaz oculta debaixo de um

    manto de modstia e humildade, ela com certeza atrair os coraes

    com uma fora irresistvel. Ao contrario, nada mais repulsivo que a

    temerria confiana em si mesmo, o denodado atrevimento e a

    arrogncia de muitos jovens de hoje dia. Bom seria que estes jovens

    considerassem as palavras introdutrias de Eli, e imitassem seu

    exemplo.

    "E respondeu Eli, filho de Baraqueel, o buzita, e disse: Eu sou de

    menos idade, e vs sois idosos; receei-me e temi de vos declarar a

    minha opinio. Dizia eu: Falem os dias, e a multido dos anos ensine a

    sabedoria." (32:6-7). Esta a ordem natural das coisas. Pressupomos

    que a sabedoria esteja na cabea dos homens na mesma medida que

    os seus cabelos brancos; , pois, razovel e conveniente que os jovens

    sejam prontos para ouvir e tardos para falar na presena dos seus

    maiores. Podemos assentar, como um princpio quase invarivel, que

    um jovem impetuoso no conduzido pelo Esprito de Deus; que

    jamais se tem medido na presena divina, e que nunca tem

    quebrantado o seu corao diante de Deus.

    No tem dvida de que como sucedeu com J e seus amigos muitas vezes homens maiores proferem muitas palavras sem sentido.

    Os cabelos brancos e a sabedoria nem sempre caminham junto; e

    tambm um fato no pouco freqente que homens de idade,

    apoiando-se meramente no nmero dos seus anos, se atribuem um

    lugar para o qual no tm nenhum direito moral, intelectual nem

    espiritual. Tudo isto que dizemos perfeitamente certo, e digno da

    considerao de aqueles que pudessem sentir-se identificados com

    estas coisas. Mas todas estas misrias no desmerecem no mnimo o

    delicado sentimento moral que pode ver-se nas primeiras palavras de

    Eli: "Eu sou de menos idade, e vs sois idosos; receei-me e temi de

    vos declarar a minha opinio". Isto sempre estar bem. Sempre bom

    e agradvel que um jovem tema declarar a sua opinio. podemos ter

    certeza de que um homem que possui fora moral interior jamais

    procurar levar vantagem com precipitao; seno, pelo contrario,

    quando se coloca na frente, est seguro de que vai ser ouvido com

    respeito e ateno. A modstia em combinao com a fora moral

    comunicam um irresistvel atrativo ao carter da pessoa; em tanto que

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    os talentos mais esplndidos perdem brilho a causa de uma

    personalidade confiada em si mesma.

    "Na verdade continua a falar Eli, h um esprito no homem, e a inspirao do Todo-Poderoso os faz entendidos" (32:8). Aqui se

    introduz um elemento completamente diferente. Apenas o Esprito de

    Deus entra em cena, j no se trata de uma questo de juventude nem

    de velhice, pois Ele, para falar, pode se servir de um jovem ou de um

    homem maduro. "No por fora, nem por violncia, mas pelo meu

    Esprito, diz o Senhor dos Exrcitos" (Zacarias 4:6). Isto rege sempre.

    Foi verdadeiro para os patriarcas, verdadeiro para os profetas,

    verdadeiro para os apstolos e verdadeiro para ns e para todos. No

    se trata aqui da fora nem do poder humano, seno do Esprito eterno.

    Nisto estriba o segredo do calmo poder de Eli. Ele estava cheio do

    Esprito; e ento, esquecemos a sua juventude para prestar ouvidos s

    palavras de peso espiritual e de sabedoria celestial que brotam de seus

    lbios; e isso noz faz lembrar a Aquele que falava como quem tem

    autoridade, e no como os escribas. Existe uma notvel diferena entre

    um homem que fala como os orculos de Deus e outro que fala

    simplesmente de forma normal; entre um que fala desde o corao,

    com a santa uno do Esprito, e outro que fala desde o intelecto com a

    autoridade humana. Quem poderia estimar devidamente a diferena

    entre estas duas coisas? Ningum, a exceo daqueles que possuem e

    exercitam a mente de Cristo.

    Mas voltemos s palavras de Eli: "Os grandes no so os sbios, nem

    os velhos entendem o que reto. Pelo que digo: Dai-me ouvidos, e

    tambm eu declararei a minha opinio. Eis que aguardei as vossas

    palavras, e dei ouvidos s vossas consideraes, at que buscsseis

    razes. Atendendo, pois, para vs, eis que nenhum de vs h que

    possa convencer a J, nem que responda s suas razes" (32:9-12).

    Notemos particularmente isto: "nenhum de vs h que possa

    convencer a J". Isto claramente era suficiente. J, no final da

    discusso, estava to longe de ter sido convencido quanto o estava no

    comeo da mesma. E podemos dizer, em efeito, que cada novo

    argumento extrado do tesouro da experincia, da tradio e da

    legalidade no serviram mais que para provocar novas e mais

    profundas manifestaes da natureza no julgada, no subjugada e

    no mortificada de J.

    Mas, quo instrutiva a razo de tudo isto!: "Para que no digais:

    Achamos a sabedoria, Deus o derribou, e no homem algum" (32:13).

    Nenhuma carne se gloriar na presena de Deus. A carne pode

  • 33

    vangloriar-se e orgulhar-se das suas empresas, enquanto Deus no

    levado em considerao. Mas, leitor, ao introduzir a Deus, toda soberba

    e vangloria, toda iluso vaidosa, toda jactncia e arrogncia se

    dissipam em um abrir e fechar de olhos. Lembremos isto. "A jactncia

    excluda" (rom 3:27). Sim, toda jactncia, a de J e a dos seus

    amigos. Se J tivesse conseguido estabelecer suas pretenses, teria se

    vangloriado. Se, por outra parte, seus amigos tivessem conseguido lhe

    tapar a boca, eles que teriam se jactado. Porm no, "o vence Deus,

    no o homem".

    Assim foi, assim e assim vai ser sempre. Deus sabe como humilhar

    um corao soberbo e avassalar uma vontade inflexvel. De nada serve

    que um se enaltea a si mesmo, pois podemos tirar o cavalinho da

    chuva que quem quer que se enaltecer ser, antes ou depois,

    humilhado. O governo moral de Deus tem determinado que todo o que

    se eleve e enaltece deve ser derrubado at o p. Esta uma verdade

    saudvel para todos ns; mas especialmente para os jovens

    entusiastas e para os ambiciosos. A senda humilde, recatada e oculta

    , inquestionavelmente, a melhor, a mais segura e ditosa. tomara que

    podamos segui-la sempre, at que alcancemos essa cena brilhante e

    abenoada, onde o orgulho e a ambio so coisas desconhecidas!

    As palavras de apertura de Eli produziram um efeito surpreendente

    nos trs amigos de J: "Esto pasmados, no respondem mais, faltam-

    lhes as palavras. Esperei, pois, mas no falam; porque j pararam, e

    no respondem mais. Tambm eu responderei pela minha parte;

    tambm eu declararei a minha opinio" (32:15-17). E seguidamente,

    para que ningum supunha que ele estava falando as suas prprias

    palavras, agrega: "Porque estou cheio de palavras; o meu esprito me

    constrange" (32:18). Esta a verdadeira fonte e poder de todo

    ministrio em todas as pocas. Se no a "inspirao" ou "o sopro do

    Onipotente", tudo em vo.

    Reiteramos, esta a verdadeira fonte do ministrio em todos os

    tempos e em todos os lugares. E, ao dizer isto, no devemos esquecer

    que quando o nosso Senhor Jesus Cristo ascendeu ao cu e sentou

    destra de Deus em virtude de uma redeno cumprida, teve lugar uma

    grande mudana. Em outras oportunidades, j nos referimos muitas

    vezes a esta gloriosa verdade, pelo que no abundaremos em detalhes

    a seu respeito. A mencionamos aqui meramente para que o leitor no

    ache que quando falamos da verdadeira fonte do ministrio em todas

    as pocas, estamos esquecendo o que caracterstico e distintivo da

    igreja de Deus na presente dispensao, como conseqncia da morte

    e ressurreio de Cristo e da presena e morada do Esprito Santo

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    tanto no crente individual como na igreja, que o corpo de Cristo na

    terra. Nada mais longe dos nossos pensamentos! Graas a Deus temos

    um sentido demasiado profundo do valor, importncia e alcance prtico

    dessa grande e gloriosa verdade como para perd-la de vista nem por

    um momento. De fato, precisamente este profundo sentido junto com a lembrana dos incessantes esforos de Satans por desconhecer

    a verdade