istoé - ainda há espaço para o amor à camisa?

24
Ainda há espaço para o no futebol brasileiro? amor à camisa JúLIO CéSAR, a prova de que o amor à camisa pode resistir ÁLVARO REIS fala como a paixão nacional se transformou em negócio MICHAEL fala de sua experiência nos clubes brasileiros e do exterior

Upload: suellem-pinheiro

Post on 18-Feb-2016

223 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Projeto desenvolvido pelos alunos da Universidade Anhembi Morumbi - Juliana Freitas, Liliane Rodrigues, Nicolas Otterloo e Suellen Pinheiro

TRANSCRIPT

Page 1: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Ainda há espaço para o

no futebol brasileiro?

amor à camisa

Júlio César, a prova de que o amor à

camisa pode resistir

Álvaro reis fala como a paixão nacional se transformou em negócio

MiChael fala de sua experiência

nos clubes brasileiros e do exterior

Page 2: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

02 - ISTOÉ - 30/05/2012

Rodrigo Coca /Foto Arena /AE

Page 3: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Editor Chefe: FÁBIO SILVESTRE CARDOSOReportagem e Redação:Juliana FreitasLiliane RodriguesNicolas OtterlooSuellen PinheiroDiagramação: Rafael Dos Anjos Pauta: Cris AlmeidaRealização: Anhembi Morumbi

Dinheiro ou estabilidade e afeição? O que você escolhe- ria? Quando falamos de futebol não podemos usar a mesma balança de outras profissões. Justamente por

conta deste peso maior que damos à esse esporte que se origi-nou a grande reportagem das próximas paginas. O futebol foi tratado, desde sua criação, como agente transformador. Seja por conta de seu efeito na vida de jovens atletas, seja por conta de sua influência em assuntos como mercado e marketing ou até mesmo pelo peso emocional que carrega ao fazer a bola rolar. Esta reportagem procurou traçar um panorama da atual situação do futebol, as transações e trocas de passes, a forma como os jogadores decidem seu futuro e o relacionamento que desenvolvem com o time e com a torcida.

Os espectadores do show que acontece nos campos nacionais se questionam o porquê que a cada partida encontram novos jo-gadores. A resposta parece simples, mas a verdade é que o Brasil, há alguns anos, se tornou exportador de jovens talentos.

A falta de estrutura dos clubes, as melhores ofertas inter-nacionais e até mesmo as convocações para a seleção serem feitas em sua grande maioria para jogadores que atuam fora do país, levaram os nossos craques a atuarem em times inter-nacionais. Temos grandes exemplos de pessoas que foram con-trárias a essa corrente de exportação. Se olharmos para trás veremos dois grandes craques e ídolos nacionais, talvez os úl-timos, Marcos (Palmeiras) e Rogério Ceni (São Paulo). Ambos permanecem nos clubes que o revelaram há 20 anos. Muitos ainda possuem gratidão pelo time que os revelou, honram suas camisas e conseguiram boas oportunidades em seus clubes. Na atualidade temos Neymar (Santos), Ganso (Santos), Lucas (São Paulo), Julio César (Corinthians), os dois últimos declararam à esta reportagem que não pretendem deixar o time tão cedo e demonstraram grande afeição à camisa.

Uma reportagem cuidadosa com as opiniões contrárias de jogadores atuantes, jornalistas esportivos, atletas que escolhe-ram a carreira internacional, agentes de jogadores, comentaris-tas e até mesmo presidentes de torcidas organizadas.

No país do futebol hoje talvez tenhamos perdido a essência passional que este esporte tinha. Mas o panorama pode indicar possíveis mudanças neste mercado.

EDITORIAL

EXPEDIENTE

03

Page 4: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

ESPECIAL

Page 5: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Ainda há espaço para o

amor à camisano futebol brasileiro?

Por que a paixão pelo clube deixou de ser algo natural e passou a ser alvo de discussões nos últimos anos?

Page 6: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Ganhador da principal compe-tição das categorias de base do futebol brasileiro, a Copa

São Paulo, em 2010, um dos desta-ques da Seleção Brasileira no título do Sul Americano Sub-20 e integra-do ao elenco principal do São Paulo Futebol Clube em 2011. Esse foi o início meteórico da carreira de Lucas Rodrigues Moura da Silva, que, por tudo isso, atraiu os olhares dos prin-cipais clubes europeus. Mas, diferen-temente da maioria dos jovens joga-dores do futebol brasileiro que, ao se depararem com os altíssimos valores das propostas dessas equipes, se des-lumbram, o garoto de 19 anos recu-sou ofertas para tentar fazer história no time que o projetou. O outro lado da moeda é o também destaque das categorias de base do clube, Lucas Piazon, 17 anos, que não seguiu os passos do xará mais velho. Ao rece-ber uma proposta do gigante Chelsea

País do futebol

O que move os jogadores de hoje? Alguma vez existiu fidelidade à camisa ou o cenário passado era favorável à permanência? A maior parte dos envolvidos neste ‘trâmite’ afirma: o amor à camisa não influencia a decisão de um jogador

Por Nicolas Otterloo

ESPECIAL

06 - ISTOÉ - 30/05/2012

Page 7: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Lucas, do São Paulo, disputa a bola durante partida com o São Caetano, válida pelo Campeonato Paulista 2011, realizada no estádio Anacleto Campanella, em São Caetano do Sul

Alex Silva / Fonte: Agência Estado

Page 8: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

da Inglaterra, em 2011, não resistiu aos valores (assim como o clube) e se transferiu para o velho mundo mesmo não tendo atuado uma vez sequer pela equipe profissional do tricolor paulista. Atualmente, o pri-meiro é um dos principais jogado-res em atividade no Brasil e cons-tantemente visto nas convocações do técnico Mano Menezes para a Seleção Brasileira. Já Piazon não está no foco dos holofotes, já que nunca foi convocado para a Seleção Brasileira principal e não apareceu na lista de pré-convocados para as Olimpíadas. O atacante atua pela equipe de base do Chelsea. A per-manência no Brasil de jogadores como Lucas Rodrigues e a precoce saída de Lucas Piazon, entre outras, trazem à tona duas discussões que pareciam extintas, a saber: existe espaço para o “amor à camisa” no futebol brasileiro ou o futebol vi-rou negócio para aqueles que estão envolvidos com ele? E ainda, vale à pena deixar o futebol brasileiro tão cedo para viver “o sonho de atuar no futebol europeu” em vez de bus-car identificar-se e tornar-se ídolo de uma torcida?

Para o jornalista da ESPN, Pau-lo Vinicius Coelho, mais conhecido como PVC, o termo “amor à cami-sa” já é ultrapassado. “O que existe é respeito pela a empresa que você trabalha”. Mauro Beting, também jornalista, da Rede Bandeirantes, completa: “há um amor à camisa, mas também é fundamental enten-der, como em qualquer outra profis-são, que a pessoa tem amor ao seu trabalho, não necessariamente ao seu emprego”.

Histórias de jogadores que atu-am por anos a fio em um único clu-be são cada vez mais raras nos dias de hoje. Isso porque o futebol vem se profissionalizando cada vez mais e a grande maioria dos jogadores tem agentes ou empresários que administram suas carreiras. Paulo Sérgio Silvestre do Nascimento, ex--jogador do Corinthians, atuou em um momento em que ainda havia

ESPECIAL

08 - ISTOÉ - 30/05/2012

Rogério Ceni, ídolo da torcida São Paulina. Há 21 anos no clube paulista, o goleiro declara amor ao time que o formou e pretende seguir carreira na diretoria da equipe

Ernesto Rodrigues/Fonte: Agência Estado

Jorge Henrique, um dos destaques da nova geração da equipe corinthiana

Ernesto Rodrigues / Fonte: Agência Estado

Page 9: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Caso Kléber: Excesso ou falta de profissionalismo?

Kleber Giacomance de Souza Freitas, revelado pelo São Paulo e negociado aos 19 anos com o Dínamo de Kiev da Ucrânia, ao retornar para o Brasil em 2008, atuando pelo Palmeiras, criou uma relação de amor com a torcida do clube. Campeão Paulista do mesmo ano, terminando um período de nove anos de jejum de títulos do clube paulista, beijou o escudo e jurou amor à camisa, mas por problemas financeiros do clube, não renovou o contrato para o ano seguinte. No fim do ano assinou um acordo de uma temporada com o Cruzeiro. Por seu faro de gol e principalmente pela garra demonstrada em cada lance, o atacante recebeu o apelido de “Gladiador”. No time mineiro, também conseguiu identificação com a torcida, mas teve o primeiro episódio de confusão, quando parte da torcida cruzeirense lhe cobrou explicações, por causa de uma visita à quadra de uma torcida organizada do Palmeiras, onde há fotos do jogador com a camisa da respectiva torcida. No final do ano de 2009, Luiz Gonzaga Belluzzo assumiu a presidência do Palmeiras, e como torcedor fanático, repatriou o jogador com a promessa de um grande time. Isso não aconteceu. Sem um time à altura do seu talento, Kleber recebeu uma ótima oferta do Flamengo e tentou forçar sua saída, vetada pelo técnico Luiz Felipe Scolari, que também é considerado ídolo pela torcida. Essa situação criou um clima ruim entre o jogador e o treinador. Após um episódio em que o jogador João Vitor foi agredido por integrantes da torcida do clube, que ao verem o jogador em um carro importado foram cobrar explicações sobre as péssimas atuações do time, Kleber se posicionou em defesa de João Vitor e tentou convencer os outros atletas a não entrarem em campo em um jogo válido pelo Campeonato Brasileiro. Foi a gota d’água para que Felipão notificasse a direção do clube de que só um deles permaneceria na equipe. E foi Felipão quem ficou. Indignada com a saída do atacante, membros das torcidas organizadas do clube passaram a protestar até em frente da casa do atleta. Nesse momento foi descoberta uma carteirinha da torcida organizada do maior rival da equipe alviverde com a foto e o nome de Kleber. Ele ficou até o fim de 2011 sem atuar e foi negociado com o Grêmio. Diferentemente dos atletas citados por Michael e Lucas, apesar de ter se identificado com a torcida e com o clube, com suas atitudes, Kleber acabou essa relação de amor que não durou muito tempo.

romantismo no futebol, ou seja, os joga-dores se orgulhavam de vestir a camisa das suas equipes. Ele também atribui essa identificação à legislação do futebol. Na sua época, o passe do atleta pertencia ao clube, diferentemente de hoje, quando o passe pode ser adquirido e dividido pelo clube, jogador e até mesmo empresários e empresas. Paulo Sérgio explica: “Hoje acabou essa questão do amor à camisa. Antigamente, o atleta tinha um vínculo maior com o clube, até porque o passe era do clube”. Ele foi formado pelas categorias de base e jogou por nove anos na equipe profissional do time do Parque São Jorge até 1993, e é considerado ídolo da torcida até hoje. Mauro Beting cita outro exem-plo de jogador que parou há muito tempo e até hoje é idolatrado por uma torcida: havia exemplos de craque tipo o Nilton Santos, do Botafogo que, aliás, é um belo exemplo, jamais precisou beijar o distinti-vo do Botafogo. Ele assinava contrato em branco (o que também não é o ideal e ele mesmo admite hoje).

Michael Anderson Pereira da Silva, que atuou pelo Palmeiras entre 2005 e 2008 e acaba de deixar a Portuguesa, acredita que hoje a identificação com o clube é marketing. “Na época do Marcos

Por Suellen Pinheiro

09

Miguel Schincariol / Fonte: Agência Estado

Page 10: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

e do Rogério Ceni, que jogaram a vida toda em um clube, era dife-rente. Atualmente, o que acontece é o jogador dar um chute certo aqui no Brasil, fica uma temporada e se manda para fazer sua independên-cia financeira”. Outro jogador que ao ser perguntado sobre amor à ca-misa cita Marcos e Rogério, goleiros e ídolos de São Paulo e Palmeiras, respectivamente, é Lucas, atacante do São Paulo. “Os dois foram crian-do uma história muito bonita. Eles não tinham essa ganância de jogar em um grande clube da Europa para ganhar milhões”.

Mauro Naves aponta que “Exis-tem aqueles que ainda se declaram, sou deste time, gosto deste time, nasci assim, mas por exemplo o Kléber pelo que eu sei, nasceu Co-rinthiano. Então, vai saber até onde vai esse amor pelo Palmeiras”. Na-ves critica os jogadores que utilizam essa questão como forma de negó-cio: “Eu odeio aqueles que ficam beijando o escudo por isso, porque beija hoje e seis meses depois está beijando outro e beijando outro, e é uma bobagem isso porque sabe-se que o business é o que conta”.

O futebol brasileiro passa por uma fase diferente em que não há mais necessidade de deixar o país para ter um bom salário e conse-guir a tão sonhada independência financeira, como explica o jorna-

Eu quero que as pessoas se lembrem de mim como um grande jogador. Por isso, eu quero conquistar (títulos) aqui no São Paulo antes de ir buscar alguma coisa lá fora”

lista do BandSports Fábio Piperno: “há alguns anos, com a economia do Brasil muito ruim e a da Euro-pa muito melhor, era evidente que qualquer aceno de um time médio da Europa seria do ponto de vista financeiro muito vantajoso. Hoje já não é mais assim”. De acordo com essa linha de raciocínio, com a crise mundial afetando principalmente o continente europeu desde 2008, a economia brasileira ganhou força e os clubes passaram a ter condições de oferecer salários e condições de trabalho compatíveis aos ofe-recidos no exterior. “Há uma crise econômica mundial e não há mais

Lucas Moura Meio caMpo do são pauLo Fc

ESPECIAL

10 - ISTOÉ - 30/05/2012

Lucas, meio campo do São Paulo divide os holofotes com Neymar, considerados como os principais nomes do Futebol Brasileiro atualmente.

João Neto/ Fonte: Vipcomm

Ale

xand

re L

oure

iro /

Font

e: V

ipco

mm

Page 11: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

um mercado tão intenso. O jogador brasileiro percebeu que pode ganhar por aqui tudo que ele poderia ganhar lá fora, com uma vantagem: ele está ao lado da família”, observa o expe-riente jornalista e escritor Orlando Duarte. Isso fez com que a chamada “janela de transferências” deste ano fosse a menos movimentada dos úl-timos tempos. Os clubes grandes do Brasil não perderam praticamente nenhum jogador importante para o exterior e ainda conseguiram se reforçar, repatriando jogadores que não estão mais no auge de suas car-reiras, mas tem um nível técnico muito bom quando comparados à média dos jogadores que atuam no Brasil, como é o caso de Vágner Love,

que deixou definitivamente o CSKA da Rússia para se juntar a Ronaldi-nho Gaúcho no elenco do Flamengo.

O lado financeiro é importante, mas nem sempre é tudo para o jo-gador, como no caso de Lucas: “Eu quero que as pessoas se lembrem de mim como um grande jogador. Por isso, eu quero conquistar (títulos) aqui no São Paulo antes de ir bus-car alguma coisa lá fora”. Ele ainda afirma que no momento tem aquilo que precisa e não pensa em deixar o clube e o país com o objetivo de ganhar mais dinheiro: “tenho minha casa, meu carro, jogo futebol em um clube que eu gosto... não tenho tanta ganância de ganhar milhões, de jogar em um time lá fora”.

O Kléber pelo que eu sei nasceu Corinthiano. Então, vai saber até onde vai esse amor pelo Palmeiras.”

Mauro Naves repórter de caMpo da rede GLobo

11

Na comemoração do gol, Vágner Love aproveita e declara seu amor ao Flamengo

Page 12: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

CoMpare os grÁfiCos

12 - ISTOÉ - 30/05/2012

Número de jogadores que chegam ao país é maior ano a ano. Exportação teve seu pico em 2008, mas no ano seguinte já caiu.

Fonte: Jornal o Globo

Jogo entre Flamengo x Santos pelo campeonato brasileiro de 2011. Ronaldinho Gaúcho comemora gol ao lado do colega Thiago Neves.

Page 13: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Apesar de o Brasil ser historicamente exportador de jogadores, com a volta do Ronaldo para o Corin-thians, no final de 2008, grandes empresas inves-

tidoras passaram a se interessar cada vez mais em associar sua marca aos clubes de futebol, que, por sua vez, também passaram a criar departamentos de marketing com o obje-tivo de explorar a imagem dos seus atletas. Isso possibilitou que outros jogadores brasileiros renomados, como Deco, Fred, Luís Fabiano e Ronaldinho Gaúcho, retornassem ao futebol nacional, elevando a visibilidade do Campeonato Brasileiro. Mais do que isso, hoje, o jogador pensa duas ve-zes antes de sair do país. “Hoje o risco de alguma coisa ruim ocorrer no exterior é muito maior do que aqui”, afirma Fá-bio Piperno.

Desde que iniciou o trabalho como treinador da Sele-ção Brasileira visando a Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil, Mano Menezes passou a ver com bons olhos os jogadores que atuam por aqui. No entanto, além da vontade do treinador de convocar jogadores que atuam no País, isso é uma consequência do crescimento econômico, possibilitando aos clubes nacionais se estruturarem e segu-rarem os bons jogadores e aqueles que são formados em suas categorias de base, como enfatiza Piperno: “O Mano não está fazendo isso porque está prestigiando o futebol brasileiro. É o futebol brasileiro que, internamente, por in-crível que pareça, está ficando um pouco mais organizado

Evolução do futebol nacional

Hoje o risco de alguma coisa ruim ocorrer no exterior é muito maior do que aqui”

ESPECIAL

Fábio piperNo coMeNtarista do baNdsports

13

J. F. Diorio/ Fonte: Agência Estado

Divu

lgaç

ão

Page 14: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

em relação a sua forma de gestão”. Para manter estes jogadores,

não basta o dinheiro. É necessário ter uma boa estrutura e profissio-nais capacitados para oferecer as melhores condições de trabalho para os atletas e, principalmente, para os jogadores das categorias de base. O agente de jogadores Álvaro Reis dá a dimensão da importância de dar boas condições de trabalho aos jogadores: “Um (bom) centro de treinamento é muito importan-te para as categorias de base e para o profissional, um campeão nasce daí”. Para Bruno Siqueira, jogador formado na base do Palmeiras e que atua hoje pela equipe B do Co-rinthians, o apoio fora de campo ajuda muito no início da carreira de um jogador: “Hoje em dia, a estrutura do clube é fundamental para a carreira dos jovens jogado-

Naves já vê uma grande evolução nos clubes brasileiros: “Tem me-lhorado muito os centros de trei-namentos no Brasil. Antes, a gente contava nos dedos os que eram bons. Hoje são vários”. Já não há mais deslumbramento por parte dos jogadores brasileiros quando conhecem as instalações de clubes europeus, o que incentiva a perma-nência dos mesmos no país. “...an-tes, quando um garoto fazia visita a um CT de clubes ingleses, espa-nhóis, italianos, voltava impressio-nado com a qualidade do campo, com a fisioterapia e a quantidade de equipamentos”. Ele ainda vai além, afirmando que a diferença entre Brasil e Europa não é mais tão grande: “antes, era um abismo enorme de salário, era um abismo enorme de estrutura, de gramado, de tipo e divulgação da competi-ção. A infraestrutura que você ti-nha na Europa e que por aqui era amadora, aí claro, aquilo lá era so-nho mesmo”, compara Naves.

Outro fator importante para a evolução do futebol brasileiro é a capacitação das pessoas que trabalham fora das quatro linhas. Todavia, Álvaro Reis ainda não vê isso no futebol brasileiro: “O fute-bol está carente de pessoas com-petentes, carente de profissionais”. Fábio Piperno, em contrapartida, observa que já existem cursos para a formação destes profissionais e acredita que eles já estão dando re-sultado: “é uma demanda que vem sendo de certa forma suprida por-que cada vez mais você encontra, por exemplo, curso de marketing esportivo. Isso é uma novidade. Há dez anos, não tinha nenhum; hoje, já existem vários por aí. En-tão, o Brasil está começando a formar uma geração de gerentes, uma geração de profissionais ha-bituados, treinados e com técnica para poder trabalhar nessas áreas que cercam o futebol”, analisa o jornalista.

Essa profissionalização e mo-dernização do futebol brasileiro pode fazer com que os jovens não

O futebol está carente de pessoas competentes, carente de profissionais”

res. Se o atleta tem talento e uma ótima assistência do clube por trás dele, é meio caminho andado para uma carreira de sucesso”.

Repórter esportivo com mais de 20 anos de experiência, Mauro

Campeão do Sul Americano Sub-20 com a Seleção, Willian José é reserva do ídolo são paulino Luís Fabiano

áLvaro reis aGeNte FiFa

14 - ISTOÉ - 30/05/2012

Luiz

Pire

s/ F

onte

: Vip

com

m

Page 15: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Nos anos 50, um garoto que surgia em Piracicaba, queria jogar no Palmeiras, Corinthians, São Paulo ou no Santos e hoje o garoto que nasce em São Paulo que jogar no Barcelona, Milan, Real Madrid ou Internazionale”

tenham tanta gana de ir para Euro-pa tão cedo atrás de dinheiro, mui-tas vezes em ligas de nível técnico e visibilidade inferiores ao Campe-onato Brasileiro (principalmente Leste-Europeu e Oriente Médio) e procurem buscar identificar-se com uma equipe do futebol nacio-nal. Em 2008, Michael foi negocia-do pelo Palmeiras com o Dínamo de Kiev. Ele atuou na Rússia por dois anos e diz que, em 2007, na época em que jogava aqui, não pensava em sair, mas a proposta era financeiramente irrecusável. “Na lógica, não tinha como pensar (em não ir)”. De sua parte, Bruno Siqueira afirma ter tido propostas para sair do Brasil, mas preferiu ficar para completar os estudos, o que não é muito comum entre os jogadores de futebol. Se tivesse uma oportunidade nos dias atu-ais, não pensaria duas vezes: “o momento não era bom porque eu ainda era muito novo e estava ter-minando o colégio, mas hoje em dia se houvesse alguma proposta

eu iria sim”. A diferença está na mentalida-

de dos jovens de hoje, que, desde pequenos, se acostumam assistir aos campeonatos europeus e ter como ídolos jogadores que atuam nesses campeonatos, diferente-mente de quando os astros eram aqueles que jogavam por aqui,

como observa PVC: “Nos anos 1950, um garoto que surgia em Piracicaba, queria jogar no Palmei-ras, Corinthians, São Paulo ou no Santos e hoje o garoto que nasce em São Paulo que jogar no Barce-lona, Milan, Real Madrid ou Inter-nazionale”.

O melhor jogador brasileiro na atualidade joga no Santos. Mas Ney-mar é um caso à parte. Comparado a Messi e (talvez exageradamente) a Pelé, o jovem de 20 anos recusou propostas de Barcelona, Chelsea e Real Madrid para seguir jogando ao lado dos amigos, como Paulo Henri-que Ganso e do goleiro Rafael, todos formados nas categorias de base do clube da baixada. Para manter o craque na Vila Belmiro, a diretoria santista não só procurou parcerias para oferecer um salário de nível eu-ropeu, mas, principalmente, plane-jou e propôs um gerenciamento da carreira do craque. Esse plano se ba-seia na exposição da sua imagem. Li-derada por Ronaldo, a agência 9ine conseguiu criar uma “marca Ney-

Apesar de jovem, Leandro Damião, atacante do Internacional, já figura constantemente nas convocações para a Seleção Brasileira

ESPECIAL

pvc - JorNaLista da espN

15

Lucas Webel / Fonte: Vipcom

m

Page 16: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

mar”, em que diversos patrocinado-res utilizam a imagem do camisa 11 santista como publicidade. Apesar da afinidade que tem com o clube e sua torcida, esse é, também, um dos grandes motivos para que Neymar fique no Brasil pelo menos até 2014 (Ele tem contrato com o Santos até a Copa do Mundo de 2014). Sua ima-gem, no Brasil, rende muito mais dinheiro do que renderia na Europa.

Para Fábio Piperno, o que acon-tece com o Neymar hoje é compa-tível com o que ele tem de talento e de carisma pessoal: “Além de ser um jogador de futebol fora de sé-rie, sensacional, ele se mostrou um eficientíssimo garoto propaganda. Qual é a empresa hoje que não quer associar a marca dela ao Ney-mar? Ele é sinônimo de sucesso”. PVC confirma a estratégia utiliza-da para a permanência do jogador: “Eu considero um caso de admi-nistração da carreira. Ele conse-guiu criar no futebol brasileiro um

mecanismo para receber um salá-rio europeu”. Outro clube a utilizar o mesmo mecanismo é o Vasco, com o zagueiro Dedé, mas com um salário de menor proporção quan-do comparado ao de Neymar. Até agora, estes são os dois casos mais claros em que as propostas sala-riais dos clubes europeus foram

Nem todo craque é um ídolo e nem todo ídolo é um craque. às vezes, o ídolo é um cara de raça, mas não é um craque”

“cobridas” por clubes nacionais. Neymar pode acabar com a

carência de ídolos nacionais bra-sileiros (mas ele é um só...). Essa lacuna deixada pela falta de ído-los se reflete nas arquibancadas, como indica Hélio Silva, fundador da primeira torcida organizada do São Paulo (TUSP) e integrante da Torcida Independente: “A gente ía de todo o jeito no estádio para ver nossos ídolos e hoje nós não temos mais esse ímpeto, essa vontade, de ir ao estádio porque nós não te-mos mais ídolos”. Ídolos nacionais são aqueles que conseguem tam-bém a admiração de torcedores de outros times e é isso que está acontecendo com Neymar. Apesar de estarmos nos referindo a um jogador de muito talento, Mauro Beting observa que é importante diferenciar ídolo e craque: “Nem todo craque é um ídolo e nem todo ídolo é um craque. às vezes, o ídolo é um cara de raça, mas não é um Mauro betiNG

JorNaLista do baNdsports e LaNceNet

16 - ISTOÉ - 30/05/2012

Alaor Filho / Fonte: Agência Estado

Page 17: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

craque”. Lucas não se vê como ído-lo, mas acha que Neymar já pode ser considerado um, pelo menos para a torcida santista: “As pessoas falam que eu sou um ídolo mas eu não vejo assim, falta muito ainda. O Neymar, sim, já é um ídolo no Santos, apesar da pouco idade, ele já conquistou bastante pelo San-

tos, já tem vários títulos”.O último ídolo nacional foi Ro-

naldo “Fenômeno”, que, apesar de ter feito sua carreira praticamente inteira na Europa, sempre brilhou pela Seleção e cativou o público brasileiro com suas “voltas por cima” após lesões graves. Agora, Ronaldo é o gestor da carreira do

jogador que mais chances tem de tomar o seu posto. O “fico” de Ney-mar pode significar uma mudança no pensamento dos jogadores das gerações seguintes, fazendo com que tenhamos um campeonato cada vez mais forte e com condi-ções de atrair capital externo para uma evolução geral do país.

ESPECIAL

Time santista é o que concentra os jovens mais talentosos do país, Ganso e Neymar.

17

Ronaldo, o ídolo absoluto entre os jogadores da nova geração.

Maurício de Souza / Fonte: Agência Estado

Page 18: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

São Januário, 20 de julho de 2011, Botafogo x Corinthians. O goleiro co-rinthiano Júlio César de Souza Santos, 28 anos, sofre uma luxação na mão esquerda. A recuperação duraria um mês, tempo em que seria substituído pelo reserva Renan. Mesmo com a lu-xação, Júlio Cesar jogou a partida até o final, ajudando o time a conseguir uma importante vitória por 2x0. Ao dei-xar o campo, declarou aos jornalistas: “Aqui é Corinthians!”. O jogador que no início da carreira (em 1993, quando atuava pela Associação Atlética Guapi-ra) sonhava atuar pela equipe da Juven-tus de Turim, da Itália, foi descoberto por olheiros do Corinthians aos 15 anos, em uma partida amistosa contra a equipe do Parque São Jorge.

No período de 1999 a 2005, Júlio Cesar jogou nas categorias de base do Corinthians, conquistando dois títulos da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2004 e 2005.

Goleiro desde o início da carreira, Júlio César tinha como ídolos, Ronaldo Giovaneli (goleiro do Corinthians na década de 1990) e Zetti (ex-Palmeiras,

PERFIL

O Jogador Júlio César é considerado um expoente do futebol nacional. No corinthians desde a categoria de base, declara que só deixaria a camisa alvinegra se o clube não o quisesse mais.

ex-São Paulo e ex-Santos). Atualmente, seus exemplos são Marcos (Palmeiras) e Rogério Ceni (São Paulo). “São exem-plos de Amor à Camisa, de pessoas que fizeram sua carreira no clube que gostavam e que foram criados. São pes-soas (em) que eu (me) espelho e quero trilhar os caminhos”, afirma o goleiro.

Aos 20 anos, em maio de 2005, Jú-lio César passou a jogar no time prin-cipal do Corinthians. Mas se firmou como titular da equipe apenas em 2010. Em 2011, por conta da lesão an-teriormente citada, seu posto foi ame-açado pelo goleiro Renan Soares Reu-ter, que vinha se destacando no Avaí Futebol Clube e, ao se transferir para o Corinthians, se tornou o seu reser-va imediato. Apesar disso, Renan não aproveitou as oportunidades que teve e após quatro semanas de recupera-ção, Júlio retomou seu posto de titular e, no final do campeonato, se sagrou campeão brasileiro de 2011.

Com a camisa do Corinthians o jogador conquistou sete títulos, como os da Série A dos Campeonatos Bra-sileiros de 2005 e 2011, da Série B do Campeonato Brasileiro de 2008, além do Troféu Mesa Redonda, como me-lhor goleiro do Campeonato Brasilei-

ro em 2010 e 2011.Em 2012, o jogador atravessa uma

fase difícil. Duas falhas nas quar-tas de final do Campeonato Paulista (jogo único) contra a Ponte Preta, no Pacaembú, e a eliminação da equipe fizeram com que ele provasse a ira da torcida corinthiana. O técnico Tite atendeu às cobranças da imprensa e da torcida e barrou o goleiro, agora re-serva de Cássio que conquistou a vaga da titular nos jogos seguintes. Isso fez com que surgissem rumores de que

O Corinthians é minha casa, eu fico mais tempo no Corinthians do que eu fico em casa.”

JúLio césar

Por Juliana Freitas

a prova de que o amor à camisa pode resistir

Júlio César,

18 - ISTOÉ - 30/05/2012

Page 19: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Eu nunca usei cor verde, eu nunca gostei de usar nada verde, porque é da cultura do clube”JúLio césar

o atleta estaria insatisfeito na reserva e iria deixar a equipe do Parque São Jorge, mas tudo não passou de boatos. Júlio César continua na equipe, agora como reserva, mas disputando a posi-ção de titular com Cássio.

Apesar de muitas pessoas não acreditarem mais no amor à camisa, Júlio não é um destes. Sua relação afe-tiva com o clube em que atua é muito grande: “Eu jogo no Corinthians por amor à camisa, mas eu tenho meu salário, eu tenho as minhas coisas. In-dependente se o salário é 1 real ou 1 milhão, se você gosta do clube, você joga por amor. Mas eu jogo, principal-mente, porque eu tenho prazer em jogar futebol e porque eu amo estar no Corinthians. Na verdade, quem menos entende quando o assunto de ‘Amor à Camisa’, é a torcida.”

O amor pelo clube pode ser um dos fatores determinantes para a per-manência em um time, mas é apenas um. A estrutura deste clube também tem grande um peso na decisão do atleta. Para o goleiro, a realidade ofe-recida pelo Corinthians é a garantia de sua permanência. “Aqui no Brasil você tem de tudo, hoje em dia as coisas estão muito boas aqui: os clubes pagam em

dia, pagam bem, estão se estruturando cada vez melhor. Então, atualmente o futebol brasileiro está se equiparando com o futebol europeu. Eu só sairia (do clube) se o Corinthians não me quises-se, por vontade própria eu não sairia.”

Desde 1998, com a entrada em vi-gor a Lei Pelé, que facilita a negociação dos direitos federativos (passes) dos jogadores com os times, o mercado do futebol ganhou mais força. Essa nova realidade futebolística gerou grande es-peculação sobre a negociação de joga-dores e a relação afetiva destes com os clubes. O goleiro afirma que, ao contrá-rio do que a mídia publicou, nunca re-cebeu nenhuma proposta concreta de outros clubes. “Sempre fui 100% Co-rinthians, sem especulação nenhuma, principalmente de fora”. No entanto, Júlio Cesar afirma que a lei tem seus prós e contras: “Antes, você fazia um contrato com um clube, e o clube só te liberava quando ele quisesse. (Hoje) a gente não fica preso a um clube a vida inteira. Claro que hoje em dia tem mui-tos jogadores e clubes que são presos a empresários, eles é que comandam a vida do atleta, então, a gente vê brechas na lei que as vezes o pessoal (empresá-rios) usa disso para o mal”.

Júlio César é o exemplo de jogador que muitos torcedores esperam ver surgir com cada vez mais frequência, pois deve ser visto como exemplo para as gerações futuras. Caso a maioria dos jogadores brasileiros tivesse o mesmo pensamento do goleiro, seria possível que o Campeonato Brasileiro fosse uma competição de nível técnico e exposição muito maior do que é hoje. Como o Brasil é o maior revelador de talentos para o futebol, tais atletas atuariam aqui e isso beneficiaria não só os torcedores, que poderiam vir a ter mais ídolos por perto (o que faria com que a média de público nos estádios e a renda obtida nas partidas fossem maiores, beneficiando também os clubes), mas, também, o país de modo geral, já que atrairia cada vez mais capital ex-terno (ao explorar as imagens desses jogadores e a “marca” do campeonato, assim como acontece hoje nos campe-onatos europeus) para ser investido no país, podendo melhorar, no limite, a qualidade de vida da população.

“O amor pode resistir”

19

foto: Guilherme Kastner

Page 20: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Paixão nacional é a melhor definição do futebol para o povo brasileiro, no entanto, as transferências de atletas para outros clubes em busca de me-lhores contratos são muito fre-quentes. E se o amor por parte da maioria dos jogadores ficou pra trás, o que se vê atualmen-te é o business tomando conta dos campos de futebol.

Na entrevista que segue, o empresário Álvaro Reis Ser-deira, agente FIFA desde 1999 e representante dos jogadores Alê (XV de Piracicaba), Jean (Guangdong Sunray-CHI), Roger (Ponte Preta), Magrão (Sport), Fábio Santos (Corin-thians), Fábio Simplício (Roma) e do treinador Nelsinho Bap-tista, fala à reportagem sobre como essa paixão se transfor-mou em um grande negócio.

ISTO É - Você aconselharia uma jovem promessa a ir muito cedo jogar na Europa? Por exemplo, o Lucas.AR - Não. O Lucas tem poten-cial de crescimento, deve so-lidificar a carreira no Brasil e depois buscar mercado no exterior; afinal, o futuro dele

também tá ligado diretamen-te a isso.

ISTO É - Jogadores medianos de-vem seguir a mesma estratégia de solidificar a carreira no Bra-sil?AR - Se ele não vai ter melho-res chances de exposição com a camisa da seleção, deve pensar em se transferir para o exterior, porque é a chance de indepen-dência financeira.

ISTO É -Mano Menezes, técni-co da Seleção Brasileira vem convocando atletas que atuam no Brasil, fato que não ocorria com tanta frequência há alguns anos. Isso pode ajudar a manter os craques no país?AR - Sim, mas independente de onde atua o atleta, ele deve ser visto. A gente não pode deixar de assistir o Neymar se ele for jogar na Ucrânia – é um exem-plo um “pouco grosso”, mas é realidade. ISTO É - O que é determinante na decisão de um jovem jogador em ir jogar no exterior: o dinheiro ou o sonho de disputar os maio-res campeonatos do mundo?AR - Em qualquer ramo de ati-vidade, a contrapartida é o re-

torno financeiro, mas a ‘Cham-pions League’ queira ou não, é muito mais organizada do que a Libertadores da América, além do mais, os clubes de fora são punidos caso não paguem em dia. Isso faz com que o jogador vá até lá.

ISTO É - Como você vê a superva-lorização dos chamados “novos craques” do futebol mundial?AR - Eu não vejo como uma su-pervalorização, eu acho que a situação está ficando mais justa.

ISTO É - O jogador deve se pa-gar, Neymar e Rogério Ceni, por exemplo, são jogadores que trazem de volta o dinheiro que o clube paga pra ele. Atleta que não se paga deve ser negociado. Você acha que ainda há espaço para o amor à camisa no futebol brasileiro?AR - Gostaria que existisse, mas o descrédito começa já nos clubes. Como amar essa camisa, se ela não te dá o suporte prometido. Como você pode ver um compa-nheiro seu, da categoria júnior, ser abandonado no caminho e ver que o que te garantiu lá foi teu talento, ou você também teria ficado pra trás? O mercado está muito dinâmico e, felizmente ou

Paixão Nacional

ENTREVISTA

Cuidar da carreira do atleta, criar possibilidades para ele dentro da sua habilidade e mostrar para ele que o momento é importante pra fazer reservas e desfrutar no amanhã. Nosso trabalho é cuidar da vida desse atleta como se fosse de um filho”.

Por Suellen Pinheiro

20 - ISTOÉ - 30/05/2012

áLvaro reis

Arquivo pessoal

Page 21: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

infelizmente, o dinheiro com-pra. Eu acho que essa relação de respeito, de consideração, tem de ser calçada em contrato e isso deve ser válido.

ISTO É - Você acha que o nosso futebol está carente de ídolos?AR - Eu acho que o futebol tá carente de ídolos e de profis-sionais qualificados.

ISTO É - Muito se fala em ca-tegorias de base, na atual situ-

ação muitos clubes estão que-brados e insistem em investir em medalhões, você acredita que com investimento nessas categorias, profissionais ga-baritados e centro de treina-mentos adequados os clubes conseguiriam resolver esses problemas?AR - Creio que sim, o maior exemplo disso tudo é o Bar-celona, existem todas as ca-tegorias para todas as faixas etárias, além de formar atletas,

eles formam cidadãos e pro-fissionais. Você não vê o Messi envolvido em polêmicas, ele é um atleta treinado pra cuidar inclusive da imagem dele, isso é resultado do trabalho de profis-sionais qualificados. Mas, ainda tem clube de primeiro escalão no Rio de Janeiro que, ao ter dois períodos de treinamento, dispensam os atletas no interva-lo por não terem condições de oferecerem alimentação, confor-to e descanso aos atletas, então, eu acho que uma boa estrutura forma um campeão.

ISTO É - Fazendo uma análise ao longo dos anos no futebol, qual a principal mudança que viu acon-tecer nas transferências dos joga-dores para os clubes europeus?AR - A Lei Pelé foi a principal mudança, o jogador deixou de ser escravo, ele não é do clube, ele está no clube.

ISTO É - Qual é o papel do em-presário/agente para o jogador?AR - Cuidar da carreira do atle-ta, criar possibilidades para ele dentro da sua habilidade e mos-trar para ele que o momento é importante pra fazer reservas e desfrutar no amanhã. Nosso trabalho é cuidar da vida desse atleta como se fosse de um filho.

ISTO É - Como o jogador selecio-na o profissional adequado para gerir sua carreira?AR - O ideal é procurar indica-ções. A FIFA permite que os contratos entre agente e o joga-dor sejam feitos de ano em ano, não existe renovação automática. Esse tipo de esclarecimento seria muito importante que os clubes dessem para os jogadores. Em vez de ir contra os empresários, ajudar os jogadores a escolherem bem seus empresários.Como o futebol, paixão nacional se transformou em um grande negócio

Foto: Divulgação

21

Page 22: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

Michael Anderson Pereira da Sil-va, 28 anos, conhecido apenas como Michael, iniciou a carreira de jogador de futebol nas categorias de base do São Caetano, mas se tornou conheci-do nacionalmente quando chegou ao Palmeiras, em 2005. Na sua passagem pela equipe alviverde, o atleta se des-tacou atuando como lateral esquer-do, sendo cogitada até mesmo uma convocação para a Seleção Brasileira

PERFIL

As etapas de uma transferênciaO meia, que passou pelo Dínamo de Kiev (Ucrânia) conta a mudança da rotina e as barreiras enfrentadas após a decisão de deixar o futebol nacional

22 - ISTOÉ - 30/05/2012

Por Liliane Rodrigues uma casa pra mãe, para os pais, dar uma condição melhor, pesa um pouco quando chega uma proposta pra você ir pra fora, conseguir logo sua inde-pendência financeira. E eu não sou di-ferente”, justifica o jogador. “(Quando) eu sai do Palmeiras, era um jogador feliz, mas não reconhecido financeira-mente”, completa.

Mesmo sem ter jogado tantos anos no clube, ele afirma ter se identificado com a equipe do Palestra Itália: “Eu que-ria ter uma identificação maior com o Palmeiras. E tenho. Aonde eu vou, todo mundo fala, não é o Michael do Santos, nem o Michael que jogou no Flamengo. É o Michael que jogou no Palmeiras... Eu vou no shopping aqui e até hoje as pessoas me pedem autógrafo. Isso para o jogador é gratificante.” Ele exempli-fica, ainda, o que no seu conceito é se identificar e gostar de um clube: “O Ro-binho foi uma vez e voltou para o San-tos. Isso, sim, é gostar do time. Isso, sim, é ter uma identificação com o clube”. E ainda diz que tem gratidão pelo Palmei-ras: “Eu sou grato ao Palmeiras e quan-do o pessoal me encontra na rua e fala “você tem que voltar pro Palmeiras que lá é sua casa”, eu fico contente, porque eu vejo que meu trabalho foi bem feito e reconhecido”. Essa identificação com o Palmeiras e sua torcida se deu, pois, o atleta atravessou no clube possivelmen-te a melhor fase de sua carreira. Quando perguntado se voltaria a atuar pela equi-pe, Michael afirma que sim, mas não em um futuro próximo: “Quem sabe para encerrar a carreira”.

Ele esperava jogar na Itália, mas,

em 2007: “Fui em um programa da Bandeirantes, da Renata (Fan) e todo mundo (estava) me elogiando bastan-te. Na época, o treinador da Seleção era o Dunga. Todo mundo da impren-sa apostava na minha primeira con-vocação porque eu estava muito bem, muito bem mesmo no Palmeiras”.

Michael atuou pela equipe alvi-verde até 2007, quando foi negociado com o Dínamo de Kiev, da Ucrânia. “Eu vim de uma família bem sim-ples. Quando o jogador pensa em dar

Marcia Feitosa/VIPPCOM

Divu

lgaç

ão

Michael, em sua breve passada pelo Flamengo

Page 23: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?

na época, recebeu três propostas. Além do Dínamo de Kiev, do Olympi-que de Marselha e do Mônaco, ambos da França. Escolheu o Dínamo por conta dos brasileiros que já estavam por lá: “Eu falei: a adaptação vai ser mais rápida. Porque o Kleber estava lá há três anos, o Correa há dois anos, o Rodrigo três. (Pensei:) Vai ser mais fácil”. Entretanto, os primeiros meses de acomodação não foram tão fáceis como ele esperava, mas o apoio dos colegas brasileiros ajudou, e muito: “O Rodrigo, que morava no mesmo prédio, me levava pro treino no come-ço, me dava as direções. Jantava com eles. E a princípio eu não tinha levado minha namorada nem minha irmã. Fiquei lá de três a quatro meses sozi-nho”. Apesar das dificuldades, conse-guiu superá-las: “Eu pensava muito no que nós já tínhamos passado e falei: vou ter que fazer um sacrifício porque lá na frente, no futuro, vai fazer dife-rença. (Por isso) não me arrependo”.

A língua era a barreira mais difícil de ser quebrada: “nos quatro primei-ros meses, eu não sabia falar nada. Já no sexto ou sétimo mês, eu já enten-dia, pelo menos no campo. O treino cai na mesmice, sempre o mesmo trei-no, o básico; então, você vai gravando. Ia perguntando para o intérprete o que é isso, o que é aquilo, aí você vai pegando. Até pra ir em restaurante, a gente vai se virando. Brasileiro é mui-to comunicativo”, comenta.

Além disso, o atleta mudou sua po-

Segundo ele, o Palmeiras foi o clube que mais se identificou na carreira

Eu vim de uma família bem simples. Quando o jogador pensa em dar uma casa pra mãe, para os pais, dar uma condição melhor, pesa um pouco quando chega uma proposta pra você ir pra fora, conseguir logo sua independência financeira. E eu não sou diferente”

sição, abandonando a lateral esquerda e utilizando sua habilidade com a bola em pequenos espaços, obtida nos anos em que jogou futebol de salão, para atuar como meia-esquerda.

Apesar das dificuldades, Michael passou dois anos na Ucrânia, mas, por não estar jogando regularmente, resolveu voltar ao futebol brasileiro: “Pelo fato de eu não estar jogando lá com muita frequência, tanto eu quanto o Pepe (empresário dele) de-cidirmos por voltar”.

Quando retornou ao Brasil, no final de 2008, ficou cinco meses sem jogar por conta de problemas com docu-mentação. Quando liberado para atuar, passou pelo Santos e Botafogo (sempre por empréstimo), único clube que se arrepende a ter assinado contrato, pois teve problemas com o técnico Estevam Soares, quando se recusou a ficar no banco de reservas em um jogo: “Esses sete, oito meses foram um desperdício. É o único clube que eu não volto a jo-gar”, afirma Michael. Depois desse epi-sódio, o jogador acertou contrato com o Flamengo, mas teve de esperar três meses, treinando separado, até assinar efetivamente com o clube da Gávea. Novamente por não se firmar como titular, deixou o Flamengo e retornou

ao Dínamo. No início de 2012, fechou mais um empréstimo com a Portugue-sa de Desportos, mas, novamente por conta de problemas com documentos, não pode ser inscrito nos campeonatos e acabou deixando o clube sem sequer atuar pela equipe.

Para Michael, a falta de ídolos do futebol brasileiro se dá por conta dos empresários, que querem ganhar dinheiro com jogadores que estão fazendo sucesso por aqui e pelos jo-gadores que não consideram a ideia de permanecer no futebol brasileiro: “Muitas vezes o jogador joga aqui um tempo, tem sucesso, e vem um em-presário falando que tem um time fora para ele, que não pensa duas vezes. Por isso hoje aqui, a carência de ídolos é muito grande.” Apesar disso, o cenário do futebol brasileiro está em transição. Diferentemente da época em que Michael deixou o país para tentar a sorte na Ucrânia, agora vemos muito menos jogadores deixando o futebol nacional, assim como os clubes brasileiros vem repa-triando grandes atletas. Alguns deles já considerados ídolos por suas atu-ações na Seleção Brasileira, como é o caso de Ronaldinho Gaúcho e até pela Seleção Portuguesa, como Deco.MichaeL

23

Divulgação

Page 24: Istoé - Ainda há espaço para o amor à camisa?