introdução às representações de grupos finitos, iiio colóquio de
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Fábio Xavier Penna
Introdução às representações de grupos
�nitos
IIIo Colóquio de Matemática da Região
Sul
Florianópolis, SC
2014
Fábio Xavier Penna
Introdução às representações de grupos �nitos
IIIo Colóquio de Matemática da Região Sul
Minicurso apresentado no IIIo
Colóquio de Matemática da Re-gião Sul, realizado na Universi-dade Federal de Santa Catarina,em maio de 2014.
Florianópolis, SC
2014
Resumo
Este minicurso objetiva apresentar ao aluno de graduação uma
introdução acessível ao estudo da Teoria de Representações. Para
isto, o primeiro capítulo traz de�niçoes básicas, o segundo e o
terceiro capítulos apresentam a teoria de caracteres desenvolvida
por Frobenius no início do século XX e no último capítulo en-
contramos os caracteres das ações de grupos de permutações em
sólidos de Platão.
Palavras-chaves: representações, caracteres, sólidos de Platão.
Lista de ilustrações
Figura 1 � Ação dos elementos (12) e (123), respectiva-
mente, nos vértices do triângulo equilátero. . 15
Figura 2 � Ação dos elementos (123), (132) e (12)(34),
respectivamente, nos vértices do tetraedro. . 53
Figura 3 � Ação dos elementos (12), (123), (1234) e (12)(34),
respectivamente, nas diagonais principais do
cubo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Lista de tabelas
Tabela 1 � Caracteres irredutíveis de Z3 . . . . . . . . . 46
Tabela 2 � Caracteres irredutíveis de S3 . . . . . . . . . 47
Tabela 3 � Caracteres irredutíveis de A4 . . . . . . . . . 48
Tabela 4 � Caracteres irredutíveis de S4 . . . . . . . . . 49
Tabela 5 � Caracteres irredutíveis de A5 . . . . . . . . . 49
Tabela 6 � Caracter da ação de A4 no tetraedro . . . . . 53
Tabela 7 � Caracter da ação de S4 no cubo . . . . . . . 55
Tabela 8 � Caracter da ação de A5 em {1, 2, 3, 4, 5} . . . 57
Sumário
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1 REPRESENTAÇÕES DE GRUPOS . . . . . 11
1.1 Representações . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.2 Subrepresentações . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.3 Representações irredutíveis . . . . . . . . . . 18
1.4 Homomor�smo de representações . . . . . . 21
1.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2 CARACTERES E ORTOGONALIDADE . . . 25
2.1 Caracter de uma representação . . . . . . . . 25
2.2 Lema de Schur . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.3 Representações unitárias . . . . . . . . . . . 31
2.4 Ortogonalidade de Caracteres . . . . . . . . 32
2.5 Decomposição da representação regular . . . 38
2.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3 OS CARACTERES IRREDUTÍVEIS DE UM
GRUPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.1 Funções de classe . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.2 O espaço gerado pelos caracteres irredutíveis 42
3.3 Tabelas de caracteres irredutíveis . . . . . . 45
3.3.1 Z3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3.3.2 S3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
3.3.3 A4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
3.3.4 S4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
3.3.5 A5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4 REPRESENTAÇÕES E SÓLIDOS DE PLA-
TÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4.1 Representações por permutações e pontos
�xos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4.2 Simetrias em sólidos de Platão . . . . . . . . 52
4.2.1 Tetraedro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.2.2 Cubo e octaedro . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.2.3 Icosaedro e dodecaedro . . . . . . . . . . . . . 55
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
9
Introdução
Considerando os propósitos deste minicurso, a Teoria
de Representações pode ser de�nida como o estudo das ações de
um grupo em um espaço vetorial, ou seja, a caracterização das
formas como um grupo pode agir num espaço vetorial e dos efei-
tos dessas ações. Apesar da de�nição simples, a teoria é rica em
resultados e tanto estes como as técnicas empregadas em suas
demonstrações são muito usados em várias áreas da matemática,
sendo a mais conhecida Álgebras de Lie, e mesmo na química e na
física atuais. Este minicurso pretende ser uma breve introdução
à teoria e por esta razão restringe-se a abordar representações de
grupos �nitos em espaços vetoriais de dimensão �nita. Contudo,
como dito por Fulton e Harris em [4], �muitas ideias, conceitos
e construções que apresentaremos [para grupos �nitos], são apli-
cados no estudo de grupos de Lie e álgebras de Lie�. Outrossim,
este minicurso não tem apenas caráter didático e como exem-
plo de aplicação da teoria de representações para grupos �nitos
descrevemos as ações de grupos de simetria em sólidos de Pla-
tão. Portanto este texto introdutório à Teoria de Representações
também exempli�ca como a teoria pode ser aplicada em outras
áreas da matemática.
O minicurso é voltado para alunos de graduação e suas
notas seguem a estrutura proposta por Serre em [?], com pré-
requisitos modestos: álgebra linear e teoria básica de grupos. O
primeiro capítulo apresenta de�nições básicas da teoria de re-
presentações. O segundo descreve, de forma sucinta, a teoria de
10 Introdução
caracteres desenvolvida por Frobenius no início do século XX e
contém, dentre os resultados apresentados, o importante Lema
de Schur. O terceiro capítulo usa a teoria de caracteres para
determinar o número de representações irredutíveis de uma re-
presentação. No último capítulo estudamos ações de grupos de
permutações em sólidos de Platão e encontramos os caracteres
destas ações. O texto é permeado de exemplos e exercícios que
convidam o leitor a participar da construção da teoria e tam-
bém o auxiliam na compreensão da mesma. Além de apresentar
a teoria de representações de grupos �nitos de forma simples
e acessível ao aluno de graduação, o minicurso visa despertar
no estudante o gosto pela teoria e o desejo de continuar o seu
estudo. Tendo em vista sua utilidade em áreas diversas da ma-
temática como Teoria dos Números, Geometria Algébrica, Pro-
babilidade e Análise Harmônica, além da já citada Álgebras de
Lie, um curso de introdução à Teoria de Representações faz-se
importante mesmo para estudantes que não sigam nesta linha
de pesquisa matemática.
Gostaria de agradecer ao comitê organizador do 3o Co-
lóquio de Matemática da Região Sul a oportunidade de ministrar
este minicurso e aos diversos orgãos �nanciadores que viabiliza-
ram este colóquio. Parabenizo também a Sociedade Brasileira de
Matemática pela realização dos colóquios regionais, promovendo
o ensino e a pesquisa em matemática por todo o Brasil.
Estas notas estão em fase de correção e aperfeiçoamento.
Elas podem conter desde falhas tipográ�cas a erros básicos de
conteúdo. Desta forma, correções e sugestões são muito bem
vindas e devem ser enviadas para [email protected] ou fa-
11
1 Representações de grupos
1.1 Representações
A teoria de representações busca caracterizar as formas
como um grupo pode agir em um espaço vetorial e os efeitos
dessas ações. Neste texto, V denotará um espaço vetorial de
dimensão �nita sobre o corpo dos números complexos C e a di-
mensão de V será escrita dim(V ). Chamaremos de GL(V ) o
conjunto formado pelos isomor�smos de V em V . Um elemento
a de GL(V ) é um operador linear de V que possui inversa a−1.
Recorde que um grupo é um conjunto não vazio G mu-
nido de duas funções
G×G −→ G
(s, t) 7−→ ste
G −→ G
s 7−→ s−1
que satisfazem os seguintes axiomas:
1. (rs)t = r(st), para todo r, s e t em G;
2. existe e ∈ G chamado identidade tal que es = se = s para
todo s ∈ G;
3. ss−1 = s−1s = e para todo s ∈ G.
O conjunto GL(V ) com as operações de composição e
inversão de operadores é um grupo. A identidade de GL(V ) é a
transformação linear identidade IdV . No que se segue, G é um
grupo �nito com ordem |G|.
12 Capítulo 1. Representações de grupos
De�nição 1.1 Seja G um grupo �nito. Uma representação de
G em V é um homomor�smo
ρ : G −→ GL(V ).
Em outras palavras, associamos a cada elemento s ∈ G um ele-
mento ρs ∈ GL(V ) que é um operador linear invertível
ρs : V −→ V.
Além disso, se s e t são elementos quaisquer de G, então
ρsρt = ρst. (1.1)
Dado o homomor�smo ρ, o espaço vetorial V é chamado
uma representação do grupo G. A dimensão de V é chamada de
grau da representação.
Exemplo 1.1 Faça V = C. Neste caso temos que GL(V ) =
GL(C) = C∗. Dado um grupo G, de�na ρ : G −→ C∗ por ρs = 1
para todo s ∈ G. Esta representação é chamada representação
unitária de G. Todo grupo possui uma representação unitária.
Exemplo 1.2 Faça G := Sn o grupo das permutações em um
conjunto com n elementos. De�na σ : Sn −→ C∗ por
σs =
{1, se s é permutação par;
−1, se s é permutação ímpar.
Este homomor�smo é uma representação, chamada a represen-
tação sinal de Sn.
Exemplo 1.3 Faça G := Z3 = {0, 1, 2}. De�na ρ : Z3 −→ C∗
por ρ(k) := ωk, onde ω = e2πi/3. Este homomor�smo é uma
representação de grau 1 de Z3.
1.1. Representações 13
Exemplo 1.4 Dado um grupo G, seja g := |G| a ordem de G
e V um espaço vetorial de dimensão g. Tome {es}s∈G uma base
de V indexada pelos elementos de G. Para cada t ∈ G, seja
%t : V −→ V o operador linear de�nido por %t(es) = ets. O
homomor�smo % : G −→ GL(V ) de�nido desta forma é uma
representação chamada representação regular de G. O grau
da representação regular é a ordem de G.
Seja V espaço vetorial complexo e faça n := dim(V ).
Denote por GL(n) o grupo das matrizes invertíveis de ordem n
com coe�cientes complexos:
GL(n) := {(aij)n×n|det(aij) 6= 0}.
Se V é um espaço vetorial de dimensão n, existe um isomor�smo
natural de GL(V ) em GL(n). De fato, �xada uma base β de V ,
seja [T ]β a representação do operador T : V −→ V na forma
matricial com respeito à base β. O mapa
GL(V ) −→ GL(n)
T 7−→ [T ]β
é um isomor�smo de grupos.
Neste caso, uma representação de G é o mesmo que um
homomor�smo de grupos
ρ : G −→ GL(n)
onde, para cada s ∈ G,
ρs =
a11(s) a12(s) · · · a1n(s)
a21(s) a22(s) · · · a2n(s)...
.... . .
...
an1(s) an2(s) · · · ann(s)
14 Capítulo 1. Representações de grupos
onde aij : G −→ C, para cada 1 ≤ i, j ≤ n.
Exercício 1.1 Mostre que, neste caso, a condição (1.1) da De-
�nição 1.1 torna-se
aij(st) =
n∑k=1
aik(s)akj(t).
Como este texto trata apenas de representações de gru-
pos �nitos em espaços vetoriais de dimensão �nita, usaremos
ambas as de�nições de representação apresentadas, de acordo
com a conveniência.
Exemplo 1.5 Seja S3 o grupo das permutações em um conjunto
com três elementos. Sabemos que S3 é gerado pelas permutações
(12) e (123). Portanto, a �m de de�nir um homomor�smo de
grupos ρ : S3 −→ GL(2), basta de�nir ρ nos elementos (12) e
(123). De�na
ρ(12) =
(1 0
0 −1
)e ρ(123) =
(ω 0
0 ω−1
),
onde ω = e2πi/3. Desta forma, ρ : S3 −→ GL(2) é uma repre-
sentação de S3 de grau 2. A Figura 1 mostra a interpretação
geométrica desta ação. Ela é a permutação dos vértices de um
triângulo equilátero.
Observação 1.2 Como já foi dito, representações de grupos es-
tão relacionadas a ações de grupos em espaços vetoriais. De fato,
1.1. Representações 15
Figura 1 � Ação dos elementos (12) e (123), respectivamente, nosvértices do triângulo equilátero.
dada a representação ρ : G −→ GL(V ) podemos de�nir a se-
guinte ação de G em V :
µ : G× V −→ V
(s, v) 7−→ ρs(v).
Por outro lado, dada uma ação ϕ : G×V −→ V de um grupo G
no espaço vetorial V , podemos de�nir uma representação de G
em V . Observe que �xado s ∈ G o mapa
ϕ(s, ·) : V −→ V
é um operador linear. Então basta de�nir
ψ : G −→ GL(V )
s 7−→ ϕ(s, ·)
e teremos uma representação de G em V .
16 Capítulo 1. Representações de grupos
1.2 Subrepresentações
Seja ρ : G −→ GL(V ) uma representação de G e W um
subespaço vetorial de V . Suponha que
ρs(W ) ⊆W
para todo s em G. Então a restrição de ρs a W
ρs|W :W −→W
é um isomor�smo de W e podemos de�nir a representação
ρ|W : G −→ GL(W )
s 7−→ ρs|W.
Desta forma, W é chamada uma subrepresentação de V .
A Observação 1.2 mostra que uma representação
ρ : G −→ GL(V )
está associada a uma ação de G em V e vice-versa. Se W é uma
subrepresentação de V , então W é um subespaço de V estável
(ou invariante) pela ação de G. De fato, vimos que a ação de G
em V é de�nida por
µ : G× V −→ V
(s, v) 7−→ ρs(v).
Se W é uma subrepresentação de V , então
µ(s,W ) ⊆W
para todo s ∈ G, o que mostra que W é estável por G.
1.2. Subrepresentações 17
Exemplo 1.6 Recorde % : G −→ GL(V ) a representação regu-
lar de um grupo G apresentada no Exemplo 1.4. Considere o ele-
mentos w ∈ V de�nido por w =∑s∈G
es. Observe que %s(w) = w
para todo s ∈ G. Tome W ⊂ V o subespaço vetorial gerado
por w. Então ρ|W : G −→ GL(W ) é uma subrepresentação da
representação regular de G.
Veremos agora como obter uma representação de G a
partir da soma direta de duas representações de G. Sejam
ρ : G −→ GL(V ) e ϕ : G −→ GL(W )
representações de G nos espaços vetoriais complexos V e W .
Para cada s ∈ G, a função
ρs ⊕ ϕs : V ⊕W −→ V ⊕W(v, w) 7−→ (ρs(v), ϕs(w))
é uma transformação linear invertível de V ⊕ W em V ⊕ W .
Portanto podemos de�nir o mapa
ρ⊕ ϕ : G −→ GL(V ⊕W )
s 7−→ ρs ⊕ ϕs
e V ⊕W é uma representação deG. Se dim(V ) = m, dim(W ) = n
e as representações acima são dadas na forma matricial
ρ : G −→ GL(m) e ϕ : G −→ GL(n),
então ρ⊕ ϕ : G −→ GL(m+ n) é dada na forma matricial por
(ρ⊕ ϕ)s =
(ρs 0
0 ϕs
).
18 Capítulo 1. Representações de grupos
Exercício 1.2 Sejam V1, . . . , Vn representações de G. De�na a
representação V1 ⊕ · · · ⊕ Vn de forma similar ao que foi feito
acima. Mostre que a representação de�nida pela soma direta, na
forma matricial, será uma matriz diagonal em blocos.
Exercício 1.3 Sejam V eW representações do grupo G. Mostre
que χV⊕W = χV + χW .
1.3 Representações irredutíveis
Sejam ρ : G −→ GL(V ) uma representação deG,W ⊂ Vuma subrepresentação e P : V −→ W uma projeção. Para cada
s ∈ G, a composição
ρs ◦ P ◦ ρ−1s : V −→ V
é um operador linear em V . Escreveremos ρsPρ−1s para simpli-
�car a notação. Como G é grupo �nito, podemos considerar a
soma ∑s∈G
ρsPρ−1s
e continuamos com uma transformação linear de V em V .
Lema 1.3 Sejam V uma representação de G, W ⊆ V uma su-
brepresentação e P : V −→W uma projeção de V em W . Então
o mapa P0 : V −→ V de�nido por
P0 :=1
|G|∑s∈G
ρsPρ−1s . (1.2)
é uma projeção em W .
1.3. Representações irredutíveis 19
Demonstração: Como P é uma projeção, temos que P |W =
IdW e a imagem de P é W . Além disso, W é invariante pela
ação de G. Logo a imagem de P0 é W e P0|W = IdW . Resta
mostrar que P 20 = P0. Para isto, observe que
P 20 =
1
|G|∑s∈G
ρsP0ρ−1s
=1
|G|∑s∈G
ρs
(1
|G|∑t∈G
ρtPρ−1t
)ρ−1s
=1
|G|2∑s,t∈G
ρstPρ−1st
=1
|G|2∑s,t∈Gr=st
ρrPρ−1r
=1
|G|2∑r∈G|G|ρrPρ−1r = P0
Isto conclui a demonstração do Lema.�
Proposição 1.4 Sejam V uma representação de G e W uma
subrepresentação de V . Então existe uma subrepresentação W⊥
de V complementar de W , isto é, V =W ⊕W⊥.
Demonstração: Tome uma projeção P : V −→ W . Pelo Lema
1.3, o mapa P0 : V −→ W , de�nido por (1.2), é uma projeção.
Faça W⊥ := Núcleo(P0). Temos que V =W ⊕W⊥. Além disso,
observe que
ρsP0ρ−1s = P0
para todo s ∈ G. Logo, se v ∈W⊥, temos que P0(v) = 0 e segue
que
P0ρs(v) = ρsP0(v) = 0
20 Capítulo 1. Representações de grupos
para todo s ∈ G. Isto mostra que se v ∈W⊥, então ρs(v) ∈W⊥
para todo s ∈ G. Concluímos que W⊥ é subrepresentação de
V .�
Segue do Teorema 1.4 que, se V é uma representação
e W ⊆ V é uma subrepresentação, então V = W ⊕ W⊥. Se
as únicas subrepresentações de V são 0 e o próprio V , então a
decomposição obtida é a trivial V = 0 ⊕ V e dizemos que V é
irredutível.
De�nição 1.5 Seja V uma representação de G. Dizemos que
V é irredutível se V não é o espaço vetorial nulo e se as únicas
subrepresentações de V são 0 e V . Uma representação que não
é irredutível é dita redutível.
O seguinte teorema mostra que podemos encontrar qual-
quer representação de G a partir das representações irredutíveis
de G.
Teorema 1.6 Seja V uma representação de um grupo �nito G.
Então V é a soma direta de representações irredutíveis de G.
Demonstração: Faremos indução na dimensão de V . Se dim(V ) =
1, então V é claramente irredutível. Suponha dim(V ) ≥ 2. Se V
é irredutível, então o Teorema está provado. Se V é redutível,
então existe W ⊂ V com W e W⊥ subrepresentações de V ,
dim(W ) < dim(V ) e dim(W⊥) < dim(V ). Segue da Proposi-
ção 1.4 que V = W ⊕W⊥. Pela hipótese de indução, W e W⊥
são somas diretas de representações irredutíveis. Concluímos V
é soma direta de representações irredutíveis.�
1.4. Homomor�smo de representações 21
Observação 1.7 Uma pergunta natural é se a decomposição
dada pelo Teorema 1.6 é ùnica. Como resposta a esta questão,
considere a representação ρ : G −→ GL(V ), com dim(V ) > 1,
onde ρs = IdV para todo s ∈ G. Então V =W1 ⊕ · · · ⊕Wdim(V ),
onde cada Wi é um subespaço de dimensão 1, é uma decomposi-
ção de V em subespaços invariantes. Existem in�nitas maneiras
de representar V como soma direta de subespaços unidimensi-
onais, portanto a decomposição não é única. No entanto, neste
exemplo, o número de representações irredutíveis que Wi's é in-
variante. De fato, veremos que esta propriedade vale em geral,
ou seja, o número de representações irredutíveis de uma repre-
sentação V não depende da decomposição.
O Teorema 1.6 a�rma que a �m de se conhecer as repre-
sentações de determinado grupo, basta conhecer suas represen-
tações irredutíveis. Desta forma, um dos problemas centrais na
teoria de representações é classi�car as representações irredutí-
veis de um determinado grupo.
1.4 Homomor�smo de representações
Agora que já conhecemos o objeto de estudo deste mi-
nicurso, a saber, as representações de grupos �nitos, é natural
de�nir os mor�smos entre estes objetos.
De�nição 1.8 Sejam ρ : G −→ GL(V )e φ : G −→ GL(W )
duas representações de G. Um homomor�smo de representações
é uma transformação linear ψ : V −→W tal que
ψ ◦ ρs = φs ◦ ψ
22 Capítulo 1. Representações de grupos
para todo s ∈ G. Isto é equivalente a φ−1s ◦ψ ◦ ρs = ψ ou a dizer
que o diagrama
Vψ−→ W
ρs ↓ ↓ φs
Vψ−→ W
comuta para todo s em G.
Se ψ satisfaz a De�nição 1.8 e é um isomor�smo de espa-
ços vetoriais, dizemos que ψ é um isomor�smo de representações
e que ρ e φ são representações isomorfas.
1.5 Exercícios
1. SejaX um conjunto �nito e G um grupo agindo emX. Seja
V um espaço vetorial com uma base {ex}x∈X indexada
pelos elementos deX. Para cada s ∈ G de�na ρs : V −→ V
por ρs(ex) = esx.
a) Mostre que, �xado s ∈ G, o mapa ρs está em GL(V ).
b) Mostre que a função ρ : G −→ GL(V ) de�nida por
s 7−→ ρs é uma representação de G. Esta represen-
tação é chamada representação por permutações
associada a X.
2. Sejam φ : G −→ H um homomor�smo de grupos e ρ :
H −→ GL(V ) uma representação de H.
a) Mostre que a função composta ρ ◦ φ : G −→ GL(V ) é
uma representação de G.
1.5. Exercícios 23
b) Suponha que φ seja sobrejetivo. Mostre que, se V é
uma representação irredutível de H, então
ρ ◦ φ : G −→ GL(V )
será uma representação irredutível de G.
3. Mostre que se V eW são representações de G, então ambas
são subrepresentações da representação V ⊕W .
4. Sejam V e W representações de G e T : V −→ W um
homomor�smo de representações.
a) Mostre que o núcleo de T é uma subrepresentação de
V .
b) Mostre que a imagem de T é uma subrepresentação
de W .
25
2 Caracteres e ortogonalidade
2.1 Caracter de uma representação
Seja V um espaço vetorial de dimensão n e β uma base
de V . Dado um operador linear T : V −→ V , suponha que a
matriz que representa T na base β é [T ]β = (aij)n×n. O traço
de T é
Tr(T ) :=n∑k=1
akk.
Exercício 2.1 Mostre que o traço de um operador linear T : V −→ V
não depende da base de V . Conclua que o traço de T é a soma
dos autovalores de T com multiplicidades.
Exercício 2.2 Dados dois operadores T : V −→ V e S : V −→ V ,
mostre que Tr(TS) =Tr(ST ).
De�nição 2.1 Seja ρ : G −→ GL(V ) a representação de um
grupo �nito G em V . O caracter da representação V é a função
χV : G −→ C de�nida por
χV (s) := Tr(ρs).
Caso esteja claro, pelo contexto, que o caracter χV está
associado à representação V , usaremos a notação χ. O caracter
de uma representação irredutível será chamado caracter irredu-
tível. Veremos que esta função caracteriza a representação V.
26 Capítulo 2. Caracteres e ortogonalidade
No que se segue, se z = a+ bi é um número complexo,
denotaremos o seu conjugado por z = a− bi.
Proposição 2.2 Seja V uma representação de grau n e χ seu
caracter. Então:
1. χ(1) = n;
2. χ(s−1) = χ(s) para todo s ∈ G;
3. χ(tst−1) = χ(s) para todo s, t ∈ G.
Demonstração:
1. Basta observar que ρ(1) = IdV . Como a dimensão de V é
n, obtemos que χ(1) = Tr(IdV ) = n.
2. Fixe s ∈ G. Sejam λ1, . . . , λn os autovalores de ρs. Como G
é �nito, existe k ∈ Z tal que sk = e. Logo ρks = ρsk = ρe =
IdV . Portanto |λi|k = 1 para i = 1, . . . , n e concluímos que
λiλi = 1. Concluímos que
χ(s) = Tr(ρs) =n∑i=1
λi = Tr(ρ−1s ) = Tr(ρs−1) = χ(s−1).
3. Usaremos a propriedade da função traço descrita no Exer-
cício 2.2:
χ(tst−1) = Tr(ρtst−1) = Tr(ρ−1t ρtρs) = Tr(ρs) = χ(s),
o que conclui a demonstração.�
Considere a ação de G em G por conjugação
G×G −→ G
(t, s) 7−→ tst−1
2.1. Caracter de uma representação 27
A órbita de um elemento s ∈ G é o conjunto
[s] = {tst−1|t ∈ G}
chamado de classe de conjugação de s. Temos que, dados s1, s2 ∈ G,se [s1] ∩ [s2] 6= ∅, então [s1] = [s2].
O item (3) da Proposição 2.2 a�rma que o caracter de
uma representação é constante em classes de conjugação. Fun-
ções que satisfazem esta propriedade são chamadas funções de
classe e terão um importante papel no Capítulo 3.
Exemplo 2.1 Seja ρ : G −→ C∗ uma representação de grau 1
de G. Neste caso, o caracter da representação coincide com a
representação, ou seja, χ = ρ.
Exemplo 2.2 Recorde a representação ρ : S3 −→ GL(2) dada
no Exemplo 1.5. No grupo S3 temos as três classes de conjugação
[e] = {e}[(12)] = {(12), (13), (23)}[(123)] = {(123), (132)}.
Calculando o caracter explicitamente encontramos χ(e) = 2,
χ((12)) = Tr
(0 1
1 0
)= 0 e χ((123)) = Tr
(ω 0
0 ω−1
)= −1
onde ω = e2πi/3.
28 Capítulo 2. Caracteres e ortogonalidade
2.2 Lema de Schur
Recorde da Seção 1.4 que um homomor�smo entre duas
representações de G é uma transformação linear que comuta com
a ação de G. O seguinte lema é um dos principais resultados da
Teoria de Representações.
Lema 2.3 (Schur)Sejam V1 e V2 duas representações de G e
T : V1 −→ V2 um homomor�smo de representações não nulo.
1. Se V1 é irredutível, então T é injetivo.
2. Se V2 é irredutível, então T é sobrejetivo.
Demonstração:
1. Vimos no Exercício 4a que o Núcleo(T ) ⊆ V1 é uma su-
brepresentação de V1. Como V1 é irredutível, temos que
Núcleo(T ) = 0 ou Núcleo(T ) = V1. Porém, T é um homo-
mor�smo de representações não nulo. Então Núcleo(T ) = 0
e concluímos que T é injetivo.
2. Pelo Exercício 4b a Imagem(T ) ⊆ V2 é uma subrepresenta-
ção de V2. Como V2 é irredutível, segue que Imagem(T ) = 0
ou Imagem(T ) = V2. Porém, T é um homomor�smo de re-
presentações não nulo. Concluímos que Imagem(T ) = V2 e
portanto T é sobrejetivo.�
Teorema 2.4 Seja V uma representação irredutível de G e T : V −→ V
um homomor�smo de representações. Então existe λ ∈ C tal que
T = λIdV .
2.2. Lema de Schur 29
Demonstração: Como V é espaço vetorial complexo, podemos
tomar um autovalor λ de T . De�na T ′ := T −λIdV . Observe queT ′ é homomor�smo de representações. Se v ∈ V é autovetor de
T associado a λ, então
T ′(v) = T (v)− λv = 0.
Logo o núcleo de T ′ é não trivial. Segue do Lema 2.3 que T ′ = 0
e concluímos que T = λIdV .�
Com este teorema conseguimos caracterizar todas as re-
presentações irredutíveis de um grupo abeliano.
Corolário 2.5 Seja G um grupo abeliano. Então todas as re-
presentações irredutíveis de G têm grau 1.
Demonstração: Seja ρ : G −→ GL(V ) uma representação ir-
redutível de G. Fixe s ∈ G. Como G é abeliano, temos que
ρsρt = ρst = ρts = ρtρs,
para todo t ∈ G. Logo, pelo Teorema 2.4, segue que ρs = λsIdV .
Como isto é válido para todo s ∈ G, obtemos que ρs é um mútiplo
da identidade para todo s ∈ G. Portanto todos os subespaços de
dimensão 1 de V são invariantes por ρs, para todo s ∈ G. Como
V é irredutível e não nulo, concluímos que dim(V ) = 1.�
Dadas duas representações
ρ1 : G −→ GL(V1) e ρ2 : G −→ GL(V2)
e uma transformação linear T : V1 −→ V2, podemos de�nir T0 :
V1 −→ V2 por
T0 =1
|G|∑s∈G
(ρ2s)−1Tρ1s.
30 Capítulo 2. Caracteres e ortogonalidade
A�rmamos que T0 é um homomor�smo de representações. De
fato, para todo t ∈ G,
(ρ2t )−1T0ρ
1t =
∑s∈G
(ρ2t )−1(ρ2s)
−1Tρ1sρ1t =
∑s∈G
(ρ2st)−1Tρ1st = T0
de onde temos que T0ρ1s = ρ2sT0. Observe que T0 é um homo-
mor�smo de representações mesmo que T não seja. O seguinte
resultado, que é uma consequência do Teorema 2.4, será usado
na Seção 2.4.
Corolário 2.6 Sejam V1 e V2 representações irredutíveis de G
e T : V1 −→ V2 uma transformação linear. Faça
T0 :=1
|G|∑s∈G
(ρ2s)−1Tρ1s. (2.1)
1. Se ρ1 não é isomorfa a ρ2, então T0 = 0.
2. Se V1 = V2 e ρ1 = ρ2, então T0 = λIdV1
onde λ =Tr(T )
dim(V1).
Demonstração: Já sabemos que T0 é um homomor�smo de re-
presentações. No caso 1, temos que T0 = 0. Já no caso 2 obtemos
T0 = λIdV1de onde segue que Tr(T0) = λ · dim(V1). Por outro
lado,
Tr(T0) =∑s∈G
Tr((ρ2s)−1Tρ1s) = Tr(T ).
Portanto λdim(V1) = Tr(T ).�
2.3. Representações unitárias 31
2.3 Representações unitárias
Seja V espaço vetorial complexo. Um produto interno
Hermitiano em V é uma aplicação
〈·, ·〉 : V × V −→ C(v, w) 7−→ 〈v, w〉
tal que:
1. é sesquilinear, isto é, linear na primeira variável e semili-
near na segunda variável;
2. é uma forma Hermitiana;
3. é não degenerada e de�nida positiva.
Seja ρ : G −→ GL(V ) uma representação de G. Diremos
que a representação V é unitária se existe um produto interno
Hermitiano 〈·, ·〉 em V tal que
〈ρs(u), ρs(v)〉 = 〈u, v〉
para todo s ∈ G e u, v ∈ V . Neste caso, veremos que se β é uma
base ortonormal de V , então a matriz de ρs com respeito a β
é uma matriz unitária. A seguinte proposição mostra que toda
representação de um grupo �nito é unitária.
Proposição 2.7 Seja ρ : G −→ GL(V ) uma representação de
G. Existe um produto interno Hermitiano 〈·, ·〉 em V tal que V
é unitária.
Demonstração: Tome 〈·, ·〉0 um produto interno Hermitiano
qualquer em V . De�na 〈·, ·〉 : V × V −→ C por
〈u, v〉 =∑s∈G〈ρs(u), ρs(v)〉0.
32 Capítulo 2. Caracteres e ortogonalidade
É claro que 〈·, ·〉 é um produto interno. Além disso, para todo
t ∈ G,
〈ρt(u), ρt(v)〉 =∑s∈G〈ρsρt(u), ρsρt(v)〉0
=∑r∈G〈ρr(u), ρr(v)〉0
= 〈u, v〉,
o que mostra a proposição.�
Sendo ρ : G −→ V uma representação unitária com
respeito ao produto interno 〈·, ·〉, temos que, para todo s ∈ G,
〈ρstρs(u), v〉 = 〈ρs(u), ρs(v)〉 = 〈u, v〉
para todo u, v ∈ V . Logo
〈ρstρs(u)− u, v〉
para todo v ∈ V . Em particular, tomando v := ρstρs(u) − u
obtemos que
ρstρs(u) = u
para todo u ∈ V e concluímos que ρst = ρs−1 para todo s ∈ G.
Se a representação V tem grau n e é representada pela
matriz ρs = (aji(s))n×n então obtemos que aij(s) = aij(s−1),
para todo s ∈ G.
2.4 Ortogonalidade de Caracteres
Seja G um grupo �nito. Denote o espaço vetorial das
funções complexas em G por C[G]:
C[G] := {f : G −→ C}.
2.4. Ortogonalidade de Caracteres 33
Observe que o caracter χ de uma representação V de G é um
elemento de C[G]. Se f, g ∈ C[G] de�na
〈f, g〉 = 1
|G|∑s∈G
f(s)g(s). (2.2)
Exercício 2.3 Mostre que a relação (2.2) de�ne um produto
interno Hermitiano em C[G].
Sejam ρ1 : G −→ GL(V1) e ρ2 : G −→ GL(V2) repre-
sentações de G de graus n1 e n2, respectivamente. Vimos na
Seção 1.1 que, �xadas bases em V1 e V2, as representações ρ1 e
ρ2 podem ser dadas na forma de matrizes
ρis =
ai11(s) · · · ai1ni
(s)...
. . ....
aini1(s) · · · ainini
(2.3)
para i = 1, 2. Se T : V1 −→ V2 é uma transformação linear, então
T também pode ser representada na forma matricial:
T =
t11 · · · t1n1
.... . .
...
tn21 · · · tn2n1
. (2.4)
Lema 2.8 Sejam V1 e V2 representações irredutíveis de G de
graus n1 e n2, respectivamente. Seja T : V1 −→ V2 uma transfor-
mação linear. Suponha que ρ1, ρ2 e T sejam dadas nas formas
matriciais (2.3) e (2.4), respectivamente.
1. Se V1 e V2 não são isomorfas, então
1
|G|∑s∈G
a2kl(s−1)a1ji(s) = 0 (2.5)
34 Capítulo 2. Caracteres e ortogonalidade
para todo i, j, k e l.
2. Se ρ1 e ρ2 são isomorfas, então
1
|G|∑s∈G
a2kl(s−1)a1ji(s) =
1
n1δikδjl. (2.6)
Demonstração: Seja T0 a transformação linear de�nida por
T0 :=1
|G|∑s∈G
(ρ2s)−1Tρ1.
Observe que T0 é o homomor�smo de representações de�nido em
(2.1). Sejam t0ki as entradas da matriz que representa T0. Segue
da de�nição que
t0ki =1
|G|∑j,l
(∑s∈G
a2kl(s−1)a1ji(s)
)tlj (2.7)
onde vemos que t0ki é dada como uma função polinomial de grau
1 em tlj , com 1 ≤ l ≤ n2 e 1 ≤ j ≤ n1. Se V1 e V2 não são
isomorfas, segue do Corolário 2.6, item (1), que t0ki = 0. Logo,
todos os coe�cientes da função polinomial (2.7) são nulos. Como
isto é válido para todo i e k obtemos (2.5). Por outro lado, se V1e V2 são isomorfas temos que t0ki = λδki, onde λ = 1
n1
∑l,j δljtlj .
Logo
t0ki =1
n1
∑l,j
δkiδljtlj . (2.8)
Igualando os coe�cientes de tlj em (2.7) e em (2.8) obtemos
(2.6).�
Teorema 2.9 Fixe um grupo �nito G.
1. Se χ é o caracter de uma representação irredutível de G,
então 〈χ, χ〉 = 1.
2.4. Ortogonalidade de Caracteres 35
2. Se χV e χW são caracteres de duas representações irredu-
tíveis de G não isomorfas, então 〈χV , χW 〉 = 0.
Demonstração:
1. Seja ρ : G −→ GL(V ) uma representação irredutível de
G de grau n com caracter χ, dada na forma matricial por
ρs = (aij(s))n×n. Temos que χ(s) =∑i aii(s) e portanto
〈χ, χ〉 =n∑
i,j=1
〈aii, ajj〉 =n∑
i,j=1
1
|G|∑s∈G
aii(s)ajj(s).
Pela Seção 2.3, V é uma representação unitária. Então
aii(s) = aii(s−1) e obtemos
〈χ, χ〉 =n∑
i,j=1
1
|G|∑s∈G
aii(s)ajj(s−1).
Segue do Lema 2.8, item 1, que
〈χ, χ〉 =n∑
i,j=1
δiiδjjn
=
n∑i,j=1
δijn
= 1.
2. Por outro lado, se χV e χW são caracteres de representa-
ções irredutíveis não isomorfas, então segue do Lema 2.8,
item 2, que 〈χV , χW 〉 = 0.�
Segue do Teorema 2.9 que o conjunto formado pelos
caracteres de representações irredutíveis de G não isomorfas for-
mam um subconjunto ortogonal de C[G]. Concluímos que qual-
quer grupo �nito G possui um número �nito de representações
irredutíveis. Veja o Exercício 1. Abaixo temos alguns corolários
que serão úteis para encontrar os caracteres irredutíveis de um
grupo G.
36 Capítulo 2. Caracteres e ortogonalidade
Recorde que, pelo Teorema 1.6, uma representação V de
G se decompõe como soma direta de representações irredutíveis
de G.
Corolário 2.10 Seja V uma representação de G com caracter
χ. Assuma que V se decompõe como a soma direta de represen-
tações irredutíveis
V =W1 ⊕ · · · ⊕Wn. (2.9)
Então, se W é uma representação irredutível de G com caracter
ϕ, o número de Wi's isomorfas a W é 〈χ, ϕ〉. Além disso, o
número de Wi's isomorfas a W não depende da decomposição
(2.9) escolhida.
Demonstração: Seja χi o caracter de Wi. Pelo Exercício 1.3
temos que
χ = χ1 + · · ·+ χn.
Então
〈χ, ϕ〉 = 〈χ1, ϕ〉+ · · ·+ 〈χn, ϕ〉. (2.10)
Segue do Teorema 2.9 que 〈χi, ϕ〉 = 1 se Wi é isomorfa a W e
〈χi, ϕ〉 = 0 seWi não é isomorfa aW . Portanto a soma em (2.10)
será o número de vezes que a representação irredutível W ocorre
em V . Para ver que este número não depende da decomposição
(2.9), basta observar que o produto interno 〈χ, ϕ〉 não depende
da decomposição.�
Corolário 2.11 Sejam V e W duas representações de G tais
que χV = χW . Então V é isomorfa a W .
2.4. Ortogonalidade de Caracteres 37
Demonstração: Se χV = χW , então 〈χV , χi〉 = 〈χW , χi〉 paracada caracter irredutível χi de G. Segue do Corolário 2.10 que o
número de vezes que a representação irredutível Wi de G, asso-
ciada a χi, ocorre em V e W são iguais.�
Se W1, . . . ,Wn são as representações irredutíveis de G
com caracteres χ1, . . . , χn, respectivamente, então V é isomorfa
à soma direta
V =Wm11 ⊕ · · · ⊕Wmn
n
onde osmi's são inteiros positivos. Os resultados acima mostram
que, se χ é o caracter de V , entãomi = 〈χ, χi〉, para i = 1, . . . , n.
As relações de ortogonalidade do Teorema 2.9 implicam que
〈χ, χ〉 =n∑i=1
m2i =
n∑i=1
〈χ, χi〉2. (2.11)
Corolário 2.12 Seja V uma representação de G com caracter
χ. Então V é irredutível se, e somente se, 〈χ, χ〉 = 1.
Demonstração: De acordo com a Equação (2.11), 〈χ, χ〉 = 1
se, e somente se,∑ni=1〈χ, χi〉2 = 1, onde χi são os caracteres
irredutíveis de V . Mas isto é possível apenas se χ = χi para
algum i, o que indica, pelo Corolario 2.11, que V é isomorfa a
uma representação irredutível.�
Estes resultados mostram que os caracteres de fato ca-
racterizam as representações de G, o que reduz o estudo de re-
presentações ao estudo dos seus caracteres, com especial atenção
para os caracteres irredutíveis.
38 Capítulo 2. Caracteres e ortogonalidade
2.5 Decomposição da representação regular
Nesta seção analisaremos a estrutura da representação
regular de um grupo G, de�nida no Exemplo 1.4. Este estudo
será importante para encontrar as representações irredutíveis de
G.
Recorde que, dado um grupo G com ordem g := |G| eV um espaço vetorial de dimensão g com base {es}s∈G indexada
pelos elementos de G, a representação regular de G é de�nida
por
% : G −→ GL(V )
t 7−→ %t
onde %t : V −→ V é o operador linear de�nido por %t(es) = ets.
Denotaremos por χ% o caracter desta representação.
Proposição 2.13 O caracter da representação regular é
χ%(t) =
{|G|, se t = e
0, se t 6= e
Demonstração: Se t = e então %e = IdV e teremos
χ%(e) = Tr(IdV ) = |G|.
Por outro lado, se t 6= e então ts 6= s para todo s ∈ G.Logo a
matriz de %t na base {es}s∈G terá todos os elementos da diagonal
principal nulos. Portanto χ%(t) = Tr(%t) = 0.�
Corolário 2.14 Seja V uma representação irredutível de G.
Então V está contida na representação regular de G com multi-
plicidade igual ao seu grau, ou seja, dim(V ).
2.6. Exercícios 39
Demonstração: O Corolário 2.10 a�rma que a multiplicidade
com que V ocorre na representação regular é 〈χ%, χV 〉. Segue que
〈χ%, χV 〉 =1
|G|∑s∈G
χ%(s)χV (s−1) = χV (e) = dim(V ).�
Corolário 2.15 Sejam V1, . . . , Vk as representações irredutíveis
de G. Suponha que seus caracteres sejam χ1, . . . , χk e seus graus
sejam n1, . . . , nk, respectivamente. Se s ∈ G− {e}, então
k∑i=1
niχi(s) = 0.
Além disso,∑ki=1 n
2i = |G|.
Demonstração: Segue do Corolário 2.14 que
χ%(s) =
k∑i=1
niχi(s)
para todo s ∈ G. Se s 6= e, então o a�rmado segue da Proposição
2.13. No caso em que s = e, a mesma proposição nos diz que∑i n
2i = |G|.�
2.6 Exercícios
1. Mostre que a dimensão do espaço vetorial C[G] é �nita.
Encontre uma base para este espaço. Conclua que o grupo
G possui um número �nito de representações irredutíveis.
2. Seja ρ : G −→ GL(V ) uma representação de G. Mostre
que os autovalores de ρs têm norma 1, para todo s ∈ G.
41
3 Os caracteres irredutíveis de
um grupo
3.1 Funções de classe
Uma função f : G −→ C que é constante nas classes
de conjugação do grupo G é chamada uma função de classe.
Na Seção 2.1 denotamos a classe de conjugação de um elemento
s ∈ G por [s]:
[s] := {tst−1|t ∈ G}.
Portanto, se f é uma função de classe de�nida em G, então
f(r) = f(s) para todo r ∈ [s]. Em outras palavras,
f(tst−1) = f(s)
para todo s, t ∈ G. Exemplos de funções de classe são os carac-
teres de uma representação, de acordo com a Proposição 2.2.
Seja ρ : G −→ GL(V ) uma representação deG e f : G −→ Cuma função de classe. De�na a transformação linear ρf : V −→ V
por
ρf :=∑s∈G
f(s)ρs. (3.1)
Observe que ρf é um homomor�smo de representações. De fato,
para todo t ∈ G,
ρ−1t ρfρt =∑s∈G
f(s)ρ−1t ρsρt =∑s∈G
f(s)ρt−1st =∑
u=t−1st
f(tut−1)ρu.
42 Capítulo 3. Os caracteres irredutíveis de um grupo
Como f é função de classe, temos que f(u) = f(tut−1) e segue
que
ρ−1t ρfρt =∑u∈G
f(u)ρu = ρf .
Proposição 3.1 Seja ρ : G −→ GL(V ) uma representação ir-
redutível de G com caracter χ. Sejam f uma função de classe
em G e ρf : V −→ V a transformação linear de�nida por
ρf :=∑s∈G
f(s)ρs.
Então ρf = λIdV , onde λ =|G|
dim(V )〈f, χ〉.
Demonstração: Observe que ρf é a mesma transformação li-
near de�nida em (3.1). Portanto, sabemos que ρf é homomor-
�smo de representações. Pelo Teorema 2.4, ρf = λIdV . Além
disso, segue do Corolário 2.6, item 2, que
λ =1
dim(V )Tr(ρf ) =
1
dim(V )
∑s∈G
f(s)χ(s) =1
dim(V )〈f, χ〉,
o que demonstra a proposição.�
Vimos na Seção 2.4 que os caracteres de representações
irredutíveis não isomorfas de G formam um subconjunto orto-
normal de C[G]. Uma pergunta natural é: qual é o subespaço
de C[G] gerado pelos caracteres irredutíveis de G? Na próxima
seção usaremos a Proposição 3.1 para responder esta pergunta.
3.2 O espaço gerado pelos caracteres irredutíveis
Denote por Cl[G] o conjunto das funções de classe em
G:
Cl[G] := {f : G −→ C|f é função de classe}.
3.2. O espaço gerado pelos caracteres irredutíveis 43
Observe que Cl[G] ⊂ C[G] é subespaço vetorial que contém os
caracteres de G. Além disso, os caracteres irredutíveis de G for-
mam um subconjunto ortogonal de Cl[G].
Dada uma representação ρ : G −→ GL(V ) e uma função
de classe f em G, recorde a transformação linear
ρf =∑s∈G
f(s)ρs
de�nida em (3.1). A Proposição 3.1 relaciona a transformação ρfcom o produto interno entre f e o caracter da representação V . O
próximo teorema usa esta relação para mostrar que o subespaço
de C[G] gerado pelos caracteres irredutíveis de G é Cl[G]. O
seguinte exercício de Álgebra Linear será usado na demonstração
do teorema.
Exercício 3.1 Sejam V um espaço vetorial com produto interno
e S = {v1, . . . , vn} ⊂ V um subconjunto. Seja w ∈ V um vetor
não nulo tal que 〈w, vi〉 = 0 para todo i = 1, . . . , n. Mostre que
w /∈ ger(S), onde ger(S) é o subespaço de V gerado por S.
Teorema 3.2 Seja β := {χ1, . . . , χn} o conjunto formado pelos
caracteres irredutíveis do grupo G. Então β é uma base ortonor-
mal de Cl[G].
Demonstração: O Teorema 2.9 mostra que β é um subconjunto
ortonormal de Cl[G]. Devemos mostrar que este conjunto gera
Cl[G]. Para isto, mostraremos que se f ∈ Cl[G] é tal que
〈f, χi〉 = 0 (3.2)
para todo i = 1, . . . , n, então f = 0. Feito isto, a a�rmação do
teorema segue do Exercício 3.1.
44 Capítulo 3. Os caracteres irredutíveis de um grupo
Para cada representação ρ : G −→ GL(V ), seja
ρf =∑s∈G
f(s)ρs
a transformação linear de�nida em (3.1). Se ρ é uma represen-
tação irredutível, então ρf = 0. De fato, se Vi é a representação
irredutível de G associada a χi, então a Proposição 3.1 a�rma
que ρf = λIdVi, onde
λ =|G|
dim(Vi)〈f, χi〉.
Segue da hipótese (3.2) que λ = 0 e portanto ρf = 0. Como
qualquer representação pode ser escrita como soma direta de
representações irredutíveis, concluímos que ρf = 0 para qualquer
representação de G.
Considere agora a representação regular % : G −→ GL(V ),
dada no Exemplo 1.4. A imagem do vetor e1 será
%f (e1) =∑s∈G
f(s)%s(e1) =∑s∈G
f(s)es.
Como %f = 0, obtemos que f(s) = 0 para todo s ∈ G.�
O seguinte corolário estabelece o número de representa-
ções irredutíveis de um grupo �nito G.
Corolário 3.3 O número de representações irredutíveis do grupo
G é igual ao número de classes de conjugação de G.
Demonstração: Pelo Teorema 3.2, a dimensão de Cl[G] é igual
ao número de representações irredutíveis não isomorfas deG. Por
outro lado, se c1, . . . , ck são as classes de conjugação distintas de
3.3. Tabelas de caracteres irredutíveis 45
G, então dizer que uma função f : G −→ C é uma função de
classe é o mesmo que dizer que f é constante em cada ci, para
i = 1, . . . , k. Em outras palavras, se ξi são as funções de classe
de�nidas por
ξi(s) =
{1, se s ∈ ci0, se s /∈ ci
para i = 1, . . . , k, então
f =
k∑i=1s∈ci
f(s)ξi.
Isto mostra que a dim(Cl[G]) = k. Portanto o número de re-
presentações irredutíveis de G é igual ao número de classes de
conjugação de G.�
3.3 Tabelas de caracteres irredutíveis
A tabela de caracteres irredutíveis de um grupo �nito
G reúne todas as informações necessárias para se conhecer os
caracteres de G e, consequentemente, as representações de G.
A primeira linha da tabela contém as classes de conjugação de
G. A classe de conjugação do elemento s ∈ G continuará a ser
denotada por [s] e o número de elementos desta classe, que for-
mará a segunda linha da tabela, será denotado por #[s]. Em
seguida virão os caracteres irredutíveis de G, um por linha, com
o respectivo valor deste caracter na classe de conjugação. Ao
montar as tabelas usaremos livremente os seguintes resultados
vistos durante o curso:
• o número de representações irredutíveis de G é igual ao
número de classes de conjugação de G (Corolário 3.3);
46 Capítulo 3. Os caracteres irredutíveis de um grupo
[s] [0] [1] [2]#[s] 1 1 1
χ1 1 1 1χ1 1 ω ω2
χ2 1 ω2 ω
Tabela 1 � Caracteres irredutíveis de Z3
• se n1, . . . , nk são os graus das representações irredutíveis
de G, então∑i n
2i = |G| (Corolário 2.15);
• se χ1, . . . , χk e n1, . . . , nk são os caracteres irredutíveis e os
graus das representações irredutíveis deG, então∑i niχi(s) =
0 para todo s ∈ G, com s 6= e (Corolário 2.15);
• se φ : G −→ H é um homomor�smo de grupos, então
podemos induzir caracteres irredutíveis em G a partir dos
caracteres de H por composição com φ (Exercício 2 do
Capítulo 1);
No que se segue, o caracter da representação unitária, vista no
Exemplo 1.1, será denotado por χ1.
3.3.1 Z3
De acordo com o Corolário 2.5, as representações irre-
dutíveis de um grupo abeliano têm grau 1. Como Z3 é abeliano
com 3 elementos, este grupo possui 3 classes de conjugação e,
portanto, 3 representações irredutíveis não isomorfas. Vimos no
Exemplo 1.3 uma representação irredutível de Z3. A Tabela 1,
onde ω = e2πi/3, contém os caracteres irredutíveis de Z3..
3.3. Tabelas de caracteres irredutíveis 47
[s] [e] [(12)] [(123)]#[s] 1 3 2
χ1 1 1 1χσ 1 −1 1χ3 2 0 −1
Tabela 2 � Caracteres irredutíveis de S3
3.3.2 S3
Sabemos que S3 possui duas representações de grau 1:
as representações unitária e sinal dadas nos Exemplos 1.1 e 1.2,
respectivamente. Como S3 possui 3 classes de conjugação, resta
encontrar uma representação irredutível. Seja n o grau desta
representação. Sabemos que 12+12+n2 = |S3| = 6. Logo n = 2.
De fato, esta representação de grau 2 é a ação de S3 no triângulo
equilátero que permuta os seus vértices, exibida no Exemplo 1.5.
A Tabela 2 contém os caracteres irredutíveis de S3.
3.3.3 A4
Inicialmente, observe que A4 possui um subgrupo nor-
mal, a saber,
K := {e, (12)(34), (13)(24), (14)(23)} ⊂ A4,
conhecido como grupo de Klein e A4/K ∼= Z3. Logo, podemos
usar este isomor�smo de grupos para induzir representações em
A4 a partir das representações de Z3. De fato, se ρ : Z3 −→GL(V ) é uma representação irredutível de Z3, então a composi-
ção
A4π−→ A4
K
ρ−→ GL(V )
48 Capítulo 3. Os caracteres irredutíveis de um grupo
[s] [e] [(123)] [(132)] [(12)(34)]#[s] 1 4 4 3
χ1 1 1 1 1χ2 1 ω ω2 1χ3 1 ω2 ω 1χ4 3 0 0 -1
Tabela 3 � Caracteres irredutíveis de A4
é uma representação irredutível de A4. Além disso, se s e t
são elementos de A4 tais que π(s) = π(t), então teremos que
ρ(π(s)) = ρ(π(t)). A Tabela 3 contém os caracteres irredutíveis
de A4, onde os três primeiros caracteres foram encontrados a
partir da tabela de caracteres de Z3, vista na Seção 3.3.1. Já o
caracter χ4 foi encontrada usando o Corolário 2.15. No próximo
capítulo encontraremo a representação χ4 a partir de rotações
do tetraedro regular.
3.3.4 S4
Assim como no caso de A4, o grupo de Klein K =
{e, (12)(34), (13)(24), (14)(23)} também é subgrupo normal de
S4. Além disso, S4/K ∼= S3. Logo as representações irredutíveis
de S3 induzem representações irredutíveis em S4 via a composi-
ção
S4 −→S4
K−→ GL(V ).
Abaixo temos a tabela de caracteres de A4, onde os três primeiros
caracteres foram encontrados a partir da tabela de caracteres de
S3, vista na Seção 3.3.2. Os caracteres χ4 e χ5 serão encontrados
no próximo capítulo a partir da ação de S4 no cubo.
3.3. Tabelas de caracteres irredutíveis 49
[s] [e] [(12)] [(123)] [(1234)] [(12)(34)]#[s] 1 6 8 6 3
χ1 1 1 1 1 1χσ 1 −1 1 −1 1χ3 2 0 −1 0 2χ4 3 1 0 -1 -1χ5 3 -1 0 1 -1
Tabela 4 � Caracteres irredutíveis de S4
[s] [e] [(123)] [(12)(34)] [(12345)] [(13245)]#[s] 1 20 15 12 12
χ1 1 1 1 1 1
φI1 3 0 −1 1+√5
21−√5
2
φI2 3 0 −1 1−√5
21+√5
2
χV 4 1 0 −1 −1χ 5 −1 1 0 0
Tabela 5 � Caracteres irredutíveis de A5
3.3.5 A5
A Tabela 5 contém os caracteres irredutíveis do grupo
A5. Eles serão encontrados no próximo capítulo a partir de ro-
tações do icosaedro regular. Ela também pode ser obtida por
rotações do dodecaedro regular, visto que este é o sólido de Pla-
tão dual do icosaedro.
51
4 Representações e sólidos de
Platão
Existem cinco sólidos de Platão, também conhecidos
como poliedros regulares: o tetraedro, o cubo, o octaedro, o ico-
saedro e o dodecaedro. Cada um deles de�ne um grupo �nito de
rotações no espaço tridimensional, composto por todas as rota-
ções que preservam a posição inicial do poliedro. Estes grupos
podem ser identi�cados com grupos de permutações que agem
nos sólidos. Nesta seção relacionaremos caracteres dos grupos
A4, S4 e A5 com ações destes grupos nos poliedros regulares.
Como o octaedro é o poliedro dual do cubo, eles possuem o
mesmo grupo de simetria. Pelo mesmo motivo, o icosaedro e o
dodecaedro também possuem o mesmo grupo de simetria. Mais
detalhes sobre simetrias em sólidos de Platão podem ser encon-
trados em [1].
4.1 Representações por permutações e pontos �xos
Recorde o Exercício 1 do Capítulo 1. Ele trata da re-
presentação por permutações de um conjunto �nito X. Se G é
um grupo �nito que age em X, de�nimos esta representação da
seguinte maneira. Seja V o espaço vetorial complexo com base
{ex}x∈X indexada pelos elementos de X. Para cada s ∈ G de-
�na ρs : V −→ V por ρs(ex) = esx. A função ρ : G −→ GL(V )
de�nida por s 7−→ ρs é a representação por permutações de X.
A seguinte proposição relaciona o caracter da representação por
52 Capítulo 4. Representações e sólidos de Platão
permutações com os pontos �xos da ação de G em X.
Proposição 4.1 Seja G um grupo �nito que age no conjunto
X e ρ : G −→ GL(V ) a representação por permutações de X.
Então o valor do caracter χV em s ∈ G é o número de pontos
�xos de s:
χV (s) = #{x ∈ X|sx = x}.
Demonstração: Considere β := {ex}x∈X , a base de V indexada
pelos elementos de X. Por de�nição, para todo x ∈ X temos que
ρs(ex) = esx.Logo, se (aij) é a matriz que representa ρs na base
β e a k-ésima coluna dessa matriz está associada ao elementos
x ∈ X, então
akk =
{1, se sx = x
0, se sx 6= x.
Portanto
χV (s) = Tr(ρs) = Tr(aij) = #{x ∈ X|sx = x},
o que conclui a demonstração.�
4.2 Simetrias em sólidos de Platão
4.2.1 Tetraedro
Considere a ação de A4 nos vértices do tetraedro. Deno-
taremos esta ação por T . A �m de calcular o caracter desta ação,
basta conhecer a ação dos elementos e, (123), (132) e (12)(34) de
A4. Estas ações são descritas geometricamente na Figura 2.
4.2. Simetrias em sólidos de Platão 53
Figura 2 � Ação dos elementos (123), (132) e (12)(34), respecti-vamente, nos vértices do tetraedro.
[s] [e] [(123)] [(132)] [(12)(34)]
φT 4 1 1 0
Tabela 6 � Caracter da ação de A4 no tetraedro
Denote por φT o caracter desta ação. Usando a Pro-
posição 4.1 para calcularmos esse caracter obtemos os valores
contidos na Tabela 6
Sabemos da Seção 3.3.3 que A4 não possui caracter irre-
dutível de grau 4. Portanto φT não é irredutível. Outra forma de
concluirmos que φT não é irredutível é calcular 〈φT , φT 〉 e usar
o Corolário 2.12.
Calculando o produto interno entre φT e o caracter da
representação unitária obtemos 〈φT , χ1〉 = 1. Portanto a repre-
sentação unitária ocorre 1 vez em T , ou seja, T = 1⊕W , ondeW
é uma representação de A4 de grau 3. Segue desta decomposição
que
φT = χ1 + χW ,
54 Capítulo 4. Representações e sólidos de Platão
Figura 3 � Ação dos elementos (12), (123), (1234) e (12)(34),respectivamente, nas diagonais principais do cubo.
então χW = φT − χ1 e podemos calcular os valores do caracter
χW .
Calculando 〈χW , χW 〉 = 1, obtemos que χW é irredutí-
vel. Comparando este caracter com aqueles encontrados na Seção
3.3.3, observamos que χW = χ4 e concluímos que a ação de A4
no tetraedro é a soma das representações irredutíveis χ1 + χ4.
4.2.2 Cubo e octaedro
Considere a ação de S4 no cubo que permuta as dia-
gonais principais deste poliedro. Denotaremos esta ação por C.
Para calcular o caracter desta ação basta saber a ação dos ele-
mentos e, (12), (123), (1234) e (12)(34). A Figura 3 mostra geo-
metricamente estas ações. Observe que nesta �gura destacamos
apenas os extremos de cada diagonal principal.
Denote por φC o caracter desta ação. Podemos calcular
φC usando a Proposição 4.1. Os valores obtidos estão na Tabela
7.
4.2. Simetrias em sólidos de Platão 55
[s] [e] [(12)] [(123)] [(1234)] [(12)(34)]
φC 4 2 1 0 0
Tabela 7 � Caracter da ação de S4 no cubo
A representação φC não é irredutível. Calculando o pro-
duto interno 〈φC , χ1〉 = 1, temos que a representação C se de-
compõe como C = 1 ⊕W , onde W é uma representação de S4
de grau 3. Segue desta decomposição que
φC = χ1 + χW ,
e podemos calcular os valores do caracter χW . Em seguida
Calculando 〈χW , χW 〉 = 1, obtemos que χW é irredutí-
vel. Este caracter corresponde ao caracter χ4 na tabela 4. Já o
caracter χ5 é χσ · χW , correspondente à representação W ⊗ σ.Para de�nição e propriedades do produto tensorial de represen-
tações consulte [2].
4.2.3 Icosaedro e dodecaedro
Por �m, estudaremos as simetrias do icosaedro e encon-
traremos a tabela dos caracteres irredutíveis do seu grupo de
permutações, a saber, A5. Este grupo possui 60 elementos divi-
didos em 5 classes de conjugação: [e], [(123)], [(12)(34)], [(12345)]
e [(13245)].
A ação de A5 no icosaedro resulta em rotações que pre-
servam a posição inicial do poliedro. A lista abaixo relaciona o
elemento de A5 com a respectiva rotação e exibe a matriz de
rotação em uma base adequada:
56 Capítulo 4. Representações e sólidos de Platão
• e: matém o sólido �xo;
• (123): rotação de ângulo θ1 := 2π3 em torno de um eixo
perpendicular a duas faces opostas −1/2 −√3/2 0√
3/2 1/2 0
0 0 1
;
• (12)(34): rotação de ângulo π em torno de um eixo per-
pendicular a duas arestas opostas; −1 0 0
0 −1 0
0 0 1
;
• (12345): rotação de ângulo θ1 := 2π5 em torno de um eixo
através de dois vértices opostos; cosθ1 −senθ1 0
senθ1 cosθ1 0
0 0 1
;
• (13245): rotação de ângulo θ2 := 4π5 em torno de um eixo
através de dois vértices opostos cosθ2 −senθ2 0
senθ2 cosθ2 0
0 0 1
;
Denotaremos o caracter desta representação por φI1.
Podemos obter outra ação de A5 no icosaedro permutando o
valor dos ângulos θ1 e θ2 e mantendo a inalterada a ação de
e, (123) e (12)(34). Chamaremos o caracter desta nova ação de
4.2. Simetrias em sólidos de Platão 57
[s] [e] [(123)] [(12)(34)] [(12345)] [(13245)]
ψ 5 2 1 0 0
Tabela 8 � Caracter da ação de A5 em {1, 2, 3, 4, 5}
φI2. Podemos calcular diretamente os valores assumidos por es-
ses caracteres:
Veri�cando que 〈φI1, φI1〉 = 〈φI2, φI2〉 = 1, obtemos
que ambos os caracteres são irredutíveis.
Outro caracter de A5 pode ser encontrado analisando a
ação natural de A5 em {1, 2, 3, 4, 5}. Denote o caracter desta açãopor ψ. Usando a Proposição 4.1 obtemos os valores da Tabela 8.
Calculando 〈ψ, χ1〉 = 1, vemos que a representação uni-
tárica ocorre 1 vez nesta representação. Portanto ela não é irre-
dutível e se decompõe como V ⊕ 1. O caracter de V é χV :=
ψ−χ1 e pode ser calculado facilmente. Além disso, 〈χV , χV 〉 = 1
e concluímos que V é irredutível. Já encontramos quatro carac-
teres irredutíveis de A5, a saber: χ1, φI1, φI2 e χV , cuja soma dos
quadrados dos graus é 12+32+32+42 = 35. Portanto o caracter
irredutível restante, que chamaremos, χ tem grau 5. Ele pode ser
encontrado usando o Corolário Corolário 2.15. Desta forma en-
contramos todos os caracteres irredutíveis de A5 constantes na
Tabela 5.
59
Referências
[1] B. Simon, Representations of Finite and Compact Groups,
GSM, Vol 10, AMS, 1996.
[2] J.P. Serre, Linear Representations of Finite Groups, GTM,
Vol 42, Springer-Verlag, 1977.
[3] R. Heluani, Notas de aula. Disponível em: http://w3.
impa.br/~heluani/. Acesso em: 28 fev. 2014.
[4] W. Fulton e J. Harris, Representation Theory, a �rst course,
GTM, Springer-Verlag, 1991.