introdução a volpi

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MARIO PEDROSA lntrodução a Volpi Mário Pedrosa não merece homenagens. Seria injusto para a sua combatividade, para a idéia polêmica e rigorosa que faz da produção da arte, homenageá-lo de alguma forma. Obriga- tório é ler e reler seus textos, estudar as suas intervenções corajosas, inteligentes e historica- mente lúcidas, E o caminho nesse sentido é longo: desde pelo menos os anos 40 a sua par- ticipação no ambiente cultural brasileiro foi sempre decisiva e renovadora, sobretudo em termos da pólítica cultural que lutou para fi- xar, distante tanto do nacionalismo estreito e anedótico quanto do colonialismo cultural do qual permanecemos infestados. Pedrosa pensa a arte num quadro amplo, pol í- tica e culturalmente. A sua defesa dás lingua- çns e do projeto construtivo na década de 50, o seu apoio às vanguardas dos anos 60 e 70, demonstram a abertura histórica em que exer- ce sua observação e pratica sua teorização. Conceitos como o de "arte pós-moderna" foram e ainda são instrumentos eficazes de luta no circuito de arte brasileiro e sua ideologia esteticista dom inante. A ausência de Mário Pedrosa representa, para além do lugar-comum, uma falta. Embora compreensível, não é a atitude mais produtiva senti-la nostalgicamente.. A manobra positiva é procurar, sempre que Íor possível, atualizar sua presença, canalizar a energia de seus textos e de seu pensamento para as tarefas críticas necessárias às circunstâncias presentes. A re- cente edição do seu livro "Mundo. Homem, Arte em Crise" (Editora Perspectiva, coleção Debates), organizado por Aracy Amaral, uma reunião de artigos e ensaios que abrangem o período de 1959 a 1970, permite o início de um trabalho nessa direção. Ao publicar "lntrodução a Volpi" Malasartes pretende levar adiante essa atualização do pensamento de Mário Pedrosa. Pensamos que há interesse em ler (e, para alguns reler) o que disse o mais importante crítico de arte brasi- leiro sobre um pintor-chave da nossa arte mo- derna, no momento em que este fazia sua primeira grande exposiçâo no Rio de Janeiro, em 1959. Com a palavra aquele que nunca deveria perdê-la nesse país, Mário Pedrosa. Mário Pedrosâ - AJB

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Page 1: Introdução a Volpi

MARIO PEDROSAlntrodução a Volpi

Mário Pedrosa não merece homenagens. Seriainjusto para a sua combatividade, para a idéiapolêmica e rigorosa que faz da produção daarte, homenageá-lo de alguma forma. Obriga-tório é ler e reler seus textos, estudar as suas

intervenções corajosas, inteligentes e historica-mente lúcidas, E o caminho nesse sentido é

longo: desde pelo menos os anos 40 a sua par-

ticipação no ambiente cultural brasileiro foisempre decisiva e renovadora, sobretudo emtermos da pólítica cultural que lutou para fi-xar, distante tanto do nacionalismo estreito e

anedótico quanto do colonialismo cultural doqual permanecemos infestados.

Pedrosa pensa a arte num quadro amplo, pol í-

tica e culturalmente. A sua defesa dás lingua-

çns e do projeto construtivo na década de 50,o seu apoio às vanguardas dos anos 60 e 70,demonstram a abertura histórica em que exer-ce sua observação e pratica sua teorização.Conceitos como o de "arte pós-moderna"foram e ainda são instrumentos eficazes de lutano circuito de arte brasileiro e sua ideologiaesteticista dom inante.

A ausência de Mário Pedrosa representa, para

além do lugar-comum, uma falta. Emboracompreensível, não é a atitude mais produtivasenti-la nostalgicamente.. A manobra positivaé procurar, sempre que Íor possível, atualizarsua presença, canalizar a energia de seus textose de seu pensamento para as tarefas críticasnecessárias às circunstâncias presentes. A re-

cente edição do seu livro "Mundo. Homem,Arte em Crise" (Editora Perspectiva, coleçãoDebates), organizado por Aracy Amaral, umareunião de artigos e ensaios que abrangem operíodo de 1959 a 1970, permite o início deum trabalho nessa direção.

Ao publicar "lntrodução a Volpi" Malasartespretende levar adiante essa atualização dopensamento de Mário Pedrosa. Pensamos quehá interesse em ler (e, para alguns reler) o quedisse o mais importante crítico de arte brasi-leiro sobre um pintor-chave da nossa arte mo-derna, no momento em que este fazia suaprimeira grande exposiçâo no Rio de Janeiro,em 1959. Com a palavra aquele que nuncadeveria perdê-la nesse país, Mário Pedrosa.

Mário Pedrosâ - AJB

Page 2: Introdução a Volpi

I

i

Dia 6 de iunho, quintilfeira, o Musgu de Arte Mo'

derna do Rio ÍranqueaÍá ao público a mostra Íetros'

p""riu" a" Alfredo Volpi, aÍtista que, pela autentici-

ããe ae tr" experiência e pela linguagem pessoalÍssi-

nn, de grande foÍça poética, a que úegou, sB @loca

como figura de primeira linha da arte brasilsira con'

umpora-nea. Ceica de 60 trabalhos' de 1924 a 1957'

coÍÌStitu8m o corpo dsssa exposição, enÍiquêcidô com

Íotografias de murais Ísalizados em residências parti-

qrlare6, p€lo artista' ainda no tempo em que era,docorad-or da paredes,,. ou o "decorador do Çam-

buci", como o chamaram na época. Mário Pedrosa,

que Íoi o encarregado de organizar a mostra,d€

üolpi, escreveu para o catálogo do Museu uma-'ln'troduÉo a AlÍredo Volpi", que é o melhor caminho

para se chegar à humildade e gÍande arte desse pintor'F.G.

Esse pintor brasileiro, AlfÍedo Volpi, é mais do que

paulistano, é do Cambuci. Não nasceu neste bairro,Íressm Luccs, na ltália, em 1 896. Desde os 1 8 meses,

pgrém, gue se instalou com a famíliã - um casal do

italianos, com très filhos * no Cambuci, que dos

velhos bairros da Paulicéia, é dos raros a terem resis-

tido ao progrgsso. E por isso mesmo conseÍva eíngrsnde parto suâ fisionomia antiga.

O pai, pequeno nogociante, tentou vários negócios.

rrtas tanto am Luçca como em São Paulo, nunca

Í62 a América. O menino Alfredo, aos 16 anos.

entrou para a "construção civil". como aprendiz da

decorador de parades. Depois da escola primária, seÚ

grimeiro of íçio foi, porém, o de entalhador; o segun-

do de Encadernador. O terceiro, enfim, Íoi agu€le em

que se Íez. Ouando se iniciou nele. reinavaentreosÍnestÍes da pÍoÍissão o estilo "Íloral", puro "art nou;reau". Era em 1912'

AlÍÍedo Volpi Íoi aprendiz consciencioso, desde o

primeiro dia em que começou a carregar para os mais

vElhos os potss e bâldes com água e cal, os pincáis,

as escadas. Aprendeu a misturar as tint6, e ouviaaÈntamônte a lição do mestre, quando Íecomendava

oía 6 qngrossaf a tinta, ora a toÍn#la Ínâis Íluida para o

óleo esclrrtr melhor. Cedo principiou a lidsr 9om o

muÍo, a prepaÍar o reboco. a caiâlo' E, Íealmente' a

sra academia, foi a rude, a boa, escola do pintor de

psredes; em pouco tempo, o iovem Volpi gÍa promo'

vido a "decoradoÍ", título quB, durante muito tempo'

errrégou com lggítimo orgulho, e que o permitia

oontratal, e16 mesíno, por conta própria, as empreita-

das. Nesses Íneios autênticos e símples, em quo a tra'dit'o impora e ainda ss respeita ã maestria do bgm

oficio, os problgmss estéticos são resolvidos por si

ÍÌEsmos: cads época t6m seus precei-tos decorativos'

A sua era, como iá dissemos, a do "art nouveau"'Os tsmas não variavam, e tudo dependia de quem

Íazia a encomenda; se èra italiano, lá se sabo: a deco'ração tinha de sôr renascentista; mas se era Írancâs

ou brasil€iro tinha de sor Luiz XV, enquanto quo 06

turcos não dispensavam o "mourisco". Volpi, bomemproiteiro, contsntâva a clientela, à riscâ.

Ficou dessas decorações de empreitada, ao gosto da

época e do freguês, quase nada; o pÍogresso Íulminan'tà dê São Paulo derrubou a maioria da casas onde

se ènconlravaln, antigas vilas 6 palacetes, nas guais o

dono, iá ern viss de prosperidade, tazia questão de

ter paredet decoradas. a caráter. Hoie, no h'rgar dessas

velhas câsas quâ5ê núnca belas mas quáse sempre con'Íortáveis e invariavelmente êsp8çgsas, erguem-se ar'

ranha-céus, secos e som fant6ia, nos quais o espaç! é

utilizado com usura' Descobrimos, no entanto' no seu

wlho Cambuci, uma antiga casa, à Ílorentina' çuia

sub à" iantat foi por ele decorada com motivos clás'

i',"or, gtt*'roÍnunos; nêla há tambóm um tsto sobÍe

urnì'Ã*uu, à maneira barroca. com anioi em scor'

zo no céu ou debruçsdos em parapeito'

Anos depois, guando Volpi lá consciento da existân'

cia da outra pintura, começava a distinguir€e como

ointor de cavalete, um franoâs, despeitado. o xingou

de "o decorador do Cambuci"' Mas no seu sabor de

coisa popular autêntica, o tÍtulo ó Íealmente nobre'

Com &eito. antes do tsr o noms iÍradiado para Íora

do bairro, i"to ó, pelo centÍo cosÍnopolita da Cidade'

p€lo Rio e pelo BÍasil, e mesrno psla estÍania, se

iornou Volpi uma celebridade de seu Cambuci'

Tinha 16 anos guando oomeçou a pintar em caa,para si mesmo. Sua primoira noção de "pinturabelas-àres" Íoi a de pintar nõo mais de enomenda nas

paredes alheias, mas 8m sau quarto, sobre pequenas

ielas vagabundas. para divertir'so. E soÍreu, sDtão, as

primeir* "influências": o menino saÍa a passear pelas

ruas adiacentss ou os baiÍros viztnhos, em @rtas

port"s ou portões parava parô aPrsciar as paisaqens

das entradás das casas, dos tarraços e alpendres' Fo-

ram. assim, os pintoros anônimos daqualas sntradas

seus primeiros mestres'

Aliás, com ele nunca Íoi diÍerente: até na última Íase

gpomátrica'Çoncrstista. o artista so ÍecuEa a Separar o

óue é escola do que não ó escola, o que ó erudito doque não ó erudito, o guo ss aprends por ensino doque se aprende sam sabeÍ como; com a vida. digamos'

Mesmo sobro as formas e temas geométricos de sua

pintura mais recente, gle nos diz: "Nunca so sab€ de

onde vêm os elemonto6". Vêm de toda parte, e se de

cataventos taz triângulos, cúpulas ele transforma em

círculos, e relângulos eÍam antes bandeirinhas depapel, Para esse homom saudável, iovial, alegre, com

muitos Íilhos adotivos, uma brava mulher e uma Íilhafaceira, cachorÍos e gatos gue lhe entram familiar-Ínente pslo portãozinho a dsntro, la na sua rua tran-quilâ, ô vida 6 realmentg'a mestra suprema'

É vão procurar na sua obÍa inÍluência de mestres

imignes, modemos ou antigos. Nunca seguramento

abrú uma revista de arte estrangeira Para estudar a

reprodução ds um Picaso, Matisse, Renoir, Van

Gogh ou Gauguin. É que nunca precisou de ir buscar

nos outros as soluções en@ntradas não em si mesmo(não é pretenciosol mas em roda de si, nos sgres

Eimples que o côrcam, nas crianças que, nos diz ele,

"nos surpreendem sempre". nas coisas e nos aÍazeres

cotidianos.

gurante carto tempo, teve como companheiro e ami-

go um pintor popular de ltanhaém, o Souza, em cuiaspaisagpns Volpi aprendeu talvoz a soparâr o sssancial

do acessôrio, um tom do outro. FíequontôÍìente, nas

prôias do ltanhaém pintavam iuntos, o Souza e o Vol'pi. Souza era um simples, morreu como @Íloçou:um pintoÍ popular. Hoie ss diz ,pÍimitivo". Volpi,tambóm continuou a ser o guo sompro loi - artgsão

@nsciente e simples, mesmo agoia. quando sua figu'ra cros@ ê está sm vias de tornar-se a primgira da

pintura braÊilãiÍa qontemporânea e 6 de qualquer mo'do. a que iogou mais longo a Íunda: atings a uÍna

transcendèncÈ âinda não alcançada na arte brasileira'

E ele chega aps extrsmos da racionalização ab6tratô,

à pintura dita "concretista", sem perder a graça, e, 33

rob o s"u pincel, os tsmas geomêtÍicos mais rigorosos

são sensibilizados por uma c'or que funciona pela

prescrição. pela pureza, pela vibração luminosa, em-

Lora umedecida por um toque de lirismo pessoal in'

coníundível.Ouando, por volta de 1912, começou a pintar "parasi me8Ínoi', rugia sm Paris o cubismo. Em 1922, por

ocsiõo da Semana de Arte Modernâ, no Teatro Mu-

nicipal de São Paulo. Volpi iá tinha dez anos de ta'Íimüa pictórica. Nas rodõ suburbanas da capítal, iábrilhâva, poÌám' Talvoz por isso mesmo, não tomou

conhaciÍúnto do a@ntecimento, por mais escanda

losas quq tivssssm sido as maniÍ6sta9ões pelas quais.o

"modernismo" faz sua entrada na pacsta São Paulo

dê então. a meEna, entÍetanto, que Mário de Andra-

de chamara, num aÍrobatamênto literário, da "Pauli-céia Dgsvairada"' Nem Volpi, o decorador suburbano,

sabia da €xistência daqueles grandss nomês @smo-polit6 e intelectuais, nem êles sabiam da glória ple-

Leia de cambuci. Só mais tadê. Mário de Andrade e

Volpi se conhgceram, se estimaram, e beberam iuntosaté o "Porra",

Para Volpi não havia duas pinturas nem divisões en-

tã modernistas e passadistas: a pintura era uma só' E

quando, na primeira mostra em qu€ aParscgu @m

Júirot, itt clássificaram al tslas ds "impr€ssioni5tas",admirou-se. Tsw, seguramente, o espanto do Mr'

Jourdain quando lhe disseÍom qu6 Íazia prosa' O fato

sê passou no velho Palácio das lndústrias' Expt'seram

@m ele alguns companheiros de profissão, todos da

"construt'ã civil"' lsso foi em 1924' DostÍêstraba'lhos apro6entados, um "Moça Costurando" - foiadquirido pelo atual possuidor. Custou 400 mil réis'

Voipi, o mesrre decorador, Era também reconhecido

como pintor.Tinha ontão 28 anos. A partir dessa data,

ue vido começou a dividiÍ'se em duas partes:de um

lado, o profissional, o mestredecorador de paredes;

do outro. o artista individual, o pintor de cavalete'

O m$treartÍfice tomou consciência de ser também

"artista". Mas foi vãriÍicando, talvez com melancolia,qus o aÍtíÍio9 e o artista iá não podiam coabitard'entro de si mesÍno, como até sntão. É que os Públi'co3 a quo sorviam. um s outro, eram irreconciliáveis'

0 decorador de parodeE tÍsbalhava para homens sim-pl€6, embor6 enriquecidos ou remediados, muitosdgles antigos artesãos ou pequsnos comerciantes, em

$raÍnaioria, emigrados, ao passo que o "novo" pintoÍdê cavôleto tinha de satisfazeÍ a uma cligntala srisca,

toda diíerônte, ora d6 gonts modesta, ora de snobs

ricos, de iôtelsctuais sabichões ou de amadores exi-

$ntês. de gosto apurado è individualista. Nestos do-

minavam os "ismos", naqueles a tradição'

O artista que é hoie Volpi se foÍmou e desenvolveu

dentro do mundo ãrtesanal da São Paulo do começo

do #culo. Ouando. por si mesmo, foi consagrado

rneEtr6, estâva s€nhor d0 todas as técnicas das pinturas

de paredes 6 de cavalete. sem ter pàssado sequer por

uma Êscola. e muito menos por gualquer a@domia de

"BelasArtes". Giíou'se, como artista, na indústria de

construção civll. e com e$a evoluiu do puro artosana'

to manual, de pedrairos e mestresde-obra, ao nívsl

da arquit8tura moderna em que os que tratam @m

pintoregartistas são arquitetos, quer dizsr, artistas

também,

A arte de Volpi guarda todas as marcas.dêsa evolu'

ção, Nos longos anos de trabalho honesto e eÍicientena profissão, passou, naturallÌrênte. som saber coÍno'

I

Page 3: Introdução a Volpi

;.i

por todas as fases da pintura moderna, do impressio-nismo so expressionismo, do fauvismo ao cubismo,até o abstÍacionismo. Se na sua fase atual, de ondeficam o amor aos velhos materiãis e talvez a preferên-cia final pela têmpera (sem Íalar no apego ao muroem si), iá não ss adapta a sua arte, aos estilos artesa-nais da construção civil de sua mocidade, prova ela,oontudo.que a verdadeira escola de um pintor nãosão as academias de belasartes nem as escolas espe-cializadas (afastadãs do mundo do trabalho e da pro-duçãol, mas o prôprio aprendizado industrial do dia.Em sua evolução de pintor, Volpi refez a do artistaqu6. ao sair da ldade Média e do Renascimento,ápoca das corporações, passou à ldade Moderna, de@m6rcio livre, em que as corporações se dissolì/er8m,I definitiva se tornou 6 5eparação entre "b€las" artesI ârtas industriais.

Conseguiu, no entanto, ele chegar ao ápice da evolu-ção modorna, a partir do ofício do decorador de pare-des. Dãí tãlì/oz lhô tonha sido dado guardaÍ a purgza,a inçnuidade artÍsÌica, a faturã manual dramatica-ínente precária de sua matéria, mesmo nas mais abs-trâülg ou "concretistas" composições da última fase.

Sgus instrumentos de trabalho, seu$ materíais são osm€Émos, entr€tanto, da produção artesanal. ComthÊ, pode lerrar sua experiência até o fim. Os jovensquo holo o acompanham têm de partir de outro pla-no, bsm mais complicado: o da indústÍia moderna,@m seus in$rum€ntos mecânicos, seus materiais no-vos, sintéti@s ou plásticos, para comeles alcançarumâ visualidade de para lá das puras superfÍçiesvolpianas. dos ssus xadrezes ardentes e das diagonaisÍascinantgs do seu "concretismo" sui-generis.

Nesss mostra atual, pÍocurou-se dar o sentido deconjunto da obra, a Íim de qu6 rossaltem as suasdiwrsas Íases. Partindo do uma espóciè de impressio-nisÍÍro ingênuo, s€gue-s€ uma modalidado de expres.sionismo em que a representação das coisas começa a

ser subordinada às necessidaiJes de estruturar a com-posição. Outra experiência se deÍine por certa predi-leção pelos temãs sociais. As figuras são entãocomo pesadamente argamasmdas à Cézanne, e oclaro-escuro. que quas6 predomina, acaba desapare-csndo, pou@ a pouco, para dar lugar a um jogo detons cromáticos que começam a construir a composi-ção, As paisagens impressionistas, ou de atmosfera,as Íiguras temáticas perdem o modelado e uma pintu-ra do planos coloridos surge, Enxotôndo, afinal, omodelado, as coÍes se tornam a peÍsonagem principalde suas telas. No entanto, aqui o acolá, tons sombriose misteriosos, uma atmosÍeÍa carregada de c€rtaspaisagens antigas, lembram o nosso Goeldi das casasmal .assbmbradas e dos corvos. É curiosa ossa afinidede de atmosfera de certos momsntos de Volpi. como gravador nsto de Munch,

Pouco a pouco, depois de ligeira experiência de umapintura ainda ná base do volumo, o artista bane quaFquer sugestão de terceira dimensão. ao verifícar que o"volume destrói as cores", Dentro do macacão deartesão, o colorista brota cada vez mais exigente.Seus planos libertam-so das convenções ilusiónísticase se concretizam realmente 6m planos na superfÍcio.A sério de casas principia e o leva até o abandonototal de qualquer sugestão figurativa. Nas marinhas,o ar e o éu dssaparecem sm faixas coloridas, os ts-lhados das casas viÍam triângulos, hdeiras e ruas trangformam-so em retângulos, ianolas am quadrados. Aslinhas que antes contornavam, com üm desleixo sim-plório mas de disfarçada elegáncia, as áreasde cor ouas figuras, agora, autônomas, tondem ao traço, s umgrafismo saboroso, de ingônuo sabor primitívo ÍÌtãsao meEno tempo de extremo roquinte, apaÍ€cs comonuma caligraÍia d0 "mâl traçadas linhas". Volpi dis-farça seu extremo apuÍo aÍtosanal: a nenhum mêstroda pintura brasileira o supera na maestria técnica: sl8é capaz ds pintar em todos os gêngros € estilos, e osvBlhos recursos da píntura acadêmÈa lhes são Íamilia.res. Tanto é capaz de nos dar um nu perÍeìtamento

académico, como nos surpreender com uma madona,de admirável fatura e precisão técnica. ao puro gostopr&renascimento italiano. Este insular do Cambucitambém é um criador da mítica mulata brasileira,que Di Cavalcanti inaugurou na nossa pintura. Osfi-lhos do possuidor de "Figura entre cortinas", batizã-ram-nai numa evocação sugestiva, de a "Nega Fulô",

Muitos ainda Íalam dele como de um "primitivo".Se com isso querem dizer que suas aÍinidades vãopara os "primitivos" italianos, de acordo, Mas é oque âcontece também com toda a sensibilidade con-temporânoa, gué a Rafael prefere Giotto e, à CapelaSistina, os mosaicos de Ravena,

Nem pintor "ingênuo" nem "primitivo"; o que lhe é

caracterÍstico é a humildade artesanal, Íruto de umaproÍunda sabedoria pictórica. É, porém, puro e sim-ples como um autêntico homem do povo. Por isso,ao mesmo tempo gue constrói uma cidade Íantástica,com o poder evocativo da pintura metafÍsica, nosencanta çom cataventos, bonecos, joões-molengos, dosabor inÍantil, Nâo se diga, entretanto, que em suapintura só existem tons alegres e ioviais, ingênuos oupopulares; em certas telas, como "Bãrco", como"Cadeirinha", o poder de iólamento mágico do obje-to rende uma atmosÍera quase tão densa quanto umVan Gogh. É inútil continuar a destacar, aqui e acolá,qualidades ou surpresas na obra do pintor, que é varia-da e intensa como um rio.

Em 1950. Volpi, em companhia de dois amigos pin-tores, vai à ltália, praticamente. pela primeira vez.Tinha 54 anos, Já era artista perfeitamente Íormado,e sabendo o que queria. Lá encontrou confirmaçãopara o que estava tentando fazer em sua terra, EmVeneza Íicaram 35 dias. Mas enquanto os companhei-ros dali não arredaram pé. a pintar ao ar livre passa

çns célebres da cidade, como a "Ponte de Rialto",Volpi deu 15 ou '16 oscâpâdelas a Pádua, para con-templar o Giotto da Capela do Scrovegno. Em Arezzo.descobriu Piero della Francesca. Mas, confessa aindahoie com ospanto que, numa exposição sacra que aliso fez. 4 ou 5 telas de Magaritoni o fizeram esquecero próprio Pierol Assim, Volpi o "primitivo", o popu-lar, ao próprio Piero, patriarca do Renascimento,prefere um artista de muito msnos nomeada, aindabizantino, isto é, ainda menos condescendente comos prazeres dê uma matéria sensorial, ainda menosdetalhista e realista na sua representação exteÍior, doque o Íormidável criador da lgreia de S, Francisco deArezzo.

Antes de ir para a ltália, sua pintura iá estava mudan-de para uma rigorosa bidimensionalidade, isto é,uma pintura, som modolado, de puro tom. Suas incli-nações de muralista voltaram de lá reforçadas, No en-tanto, a não s€r a pequena e convincente expe-riência da capolinha do "Cristo Operário", da Êstradado VerguEiro, de São Paulo, por iniciativa de umÍrade dominicano, até hoie não as aproveitaram osnossos arquitetos modernos. O preiuízo não é, entre-tanto, para o pintor. A posteridade. porém, lhes po-derá tomar satisfação por sssa omissão escandalosa.

Cariocas, meus irmãos, aqui ostá Volpi. Agradec€mosao Museu de Arte Moderna a ela apresentação. Apostoridade vai guardar o nome dele. É o mestre desua ópoca.