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1 Graduando do Curso de Administração da Faculdade Metodista Granbery 2 Doutoranda em Educação UDELMAR - Chile, Mestre em Engenharia de Produção - UFSC, MBA em Marketing - FGV, Graduada em Administração - FMS, Coordenadora e professora do curso de Administração - GRANBERY. 1 Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377 Curso de Administração - N. 13, JUL/DEZ 2012 HISTÓRIAS, MITOS E SÍMBOLOS NACIONAIS: INFLUÊNCIAS À CULTURA ORGANIZACIONAL Carlos Eduardo Gonçalves de Godoi 1 Karen Estefan Dutra 2 RESUMO Compreendendo-se que o tema cultura compõe-se de vasto campo de estudo, o presente artigo foca-se em um de seus pilares, esforçando-se em analisar as influências que a cultura nacional exerce nos códigos, valores, políticas e padrões das organizações, utilizando-se da identificação da abordagem administrativa e antropológica. O texto celebra reflexões do poder da cultura no interior das organizações, e pretende contribuir para a compreensão dos gestores e estudiosos no campo da administração das variáveis humanas e psicológicas que envolvem este fenômeno, aproximando-se de uma interpretação mais científica. A produção se distancia da primeira abordagem ao mostrar a interpretação de diferentes culturas e suas dinâmicas com as organizações, num esforço de ilustrar os desafios com os quais os administradores defrontam-se diariamente. Palavras-chave: Abordagem administrativa e antropológica. Cultura nacional. Organizações. ABSTRACT Understanding that the culture consists of vast field of study, the current article focuses in one of its pilars, striving in analyse the influencies that the national culture has in the codes, values, politics and standards from organizations, utilizing of the identification about the administrative and anthropological approach. The text celebrates reflexions about the culture power inside organizations, and intend to contribute to comprehension to managers and scholars from business field about the human and psychological variabilities which involves this fenomena, getting close to a more scientific interpretation. The producing is far from the first approach when it shows the interpretations of different cultures and their dynamics with organizations, in an effort to ilustrate the challenges in which the managers face daily. Keywords: Administrative and anthropological approach. National culture. Organizations.

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1Graduando do Curso de Administração da Faculdade Metodista Granbery 2Doutoranda em Educação UDELMAR - Chile, Mestre em Engenharia de Produção - UFSC, MBA em Marketing - FGV, Graduada em Administração - FMS, Coordenadora e professora do curso de Administração - GRANBERY. 1

Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery

http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377

Curso de Administração - N. 13, JUL/DEZ 2012

HISTÓRIAS, MITOS E SÍMBOLOS NACIONAIS: INFLUÊNCIAS À

CULTURA ORGANIZACIONAL

Carlos Eduardo Gonçalves de Godoi 1

Karen Estefan Dutra 2

RESUMO

Compreendendo-se que o tema cultura compõe-se de vasto campo de estudo, o presente artigo foca-se em um de seus pilares, esforçando-se em analisar as influências que a cultura nacional exerce nos códigos, valores, políticas e padrões das organizações, utilizando-se da identificação da abordagem administrativa e antropológica. O texto celebra reflexões do poder da cultura no interior das organizações, e pretende contribuir para a compreensão dos gestores e estudiosos no campo da administração das variáveis humanas e psicológicas que envolvem este fenômeno, aproximando-se de uma interpretação mais científica. A produção se distancia da primeira abordagem ao mostrar a interpretação de diferentes culturas e suas dinâmicas com as organizações, num esforço de ilustrar os desafios com os quais os administradores defrontam-se diariamente. Palavras-chave: Abordagem administrativa e antropológica. Cultura nacional. Organizações. ABSTRACT

Understanding that the culture consists of vast field of study, the current article focuses in one of its pilars, striving in analyse the influencies that the national culture has in the codes, values, politics and standards from organizations, utilizing of the identification about the administrative and anthropological approach. The text celebrates reflexions about the culture power inside organizations, and intend to contribute to comprehension to managers and scholars from business field about the human and psychological variabilities which involves this fenomena, getting close to a more scientific interpretation. The producing is far from the first approach when it shows the interpretations of different cultures and their dynamics with organizations, in an effort to ilustrate the challenges in which the managers face daily. Keywords: Administrative and anthropological approach. National culture. Organizations.

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1 Introdução

Cultura Organizacional é um tema consolidado no campo de estudo da Administração.

Desde a publicação, em 1983, da revista Administrative Science Quarterly e da Organizacional

Dynamics, inteiramente dedicadas ao assunto. O mesmo tem sido “objeto cada vez mais frequente

de pesquisas acadêmicas, matérias na imprensa e de preocupações de executivos”.

(MASCARENHAS, 2002, p. 89).

Os experimentos de Hawthorne na fábrica da Western Electric Company na década de

20, a fim de testar os princípios da escola de administração científica constataram a existência das

relações sociais entre os grupos de trabalho. As conclusões obtidas na experiência coordenada por

Elton Mayo foram o estopim para os estudos da escola de relações humanas desenvolvidos por

pesquisadores como Abraham Maslow, Frederick Herzberg, Douglas McGregor e Kurt Lewin.

De acordo com Vicentino (2002), os seres humanos vivem em grupo desde o período

Paleolítico (1000 a.C) e, desde esta época, registros apontam valores culturais e religiosos, como as

pinturas rupestres encontradas em cavernas como a de Lascaux, na França. “À medida que um

grupo de pessoas se reúne para desenvolver determinada atividade, esse grupo inicia também a

construção de seus hábitos, sua linguagem e sua cultura” (PIRES & MACÊDO, 2006, p. 83).

Segundo Macedo & Pires (2006), a cultura expressa valores e crenças que são

compartilhados entre os membros de um mesmo grupo, manifestos por meio de símbolos, mitos,

histórias, rituais e linguagem específica, que orientam os indivíduos na forma de pensar, agir e

tomar decisões, tornando-os capazes de conviver em harmonia.

De acordo com Gueertz (1989), a cultura é o contexto para os padrões de conduta dos

seres humanos: Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível — isto é, descritos com densidade. (GUEERTZ, 1989, p. 24).

O homem é um ser inerente aos valores transferidos pela cultura de seu povo,

aprendidos através de instituições como escola, família e religião. Segundo J. Júnior (2002):

O ser humano é um animal simbólico. Ele organiza suas experiências e ações por meios simbólicos, isto é, por intermédio de valores e significados que não podem ser determinados por propriedades biológicas ou físicas. De fato, como bem sinaliza Marshall Sahlins, nenhum outro animal estabelece a diferença entre água potável e água benta, pois não há diferença, quimicamente falando. (J.JUNIOR, 2002, p. 82).

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As organizações são sistemas sociais, em que pessoas possuem diferentes posições na

escala hierárquica e mantêm diferentes formas de comunicação e interação. Por isso estabelecem-

se regras e princípios que governem a conduta dos trabalhadores, e, para que os mesmos se

mantenham engajados no alcance dos objetivos corporativos, devem abdicar de diferenças exógenas

que contrariam esta concepção. Por isso, é importante que se estabeleça a cultura na organização no

intuito de regular as relações de trabalho e manter os colaboradores concentrados nos os ideais da

instituição.

Para Fleury (1989, p. 7) “ao mediar relações e práticas sociais, o campo do simbólico se

configura como uma das instâncias fundamentais para a definição das relações de trabalho”. A

partir dos estudos realizados por Schein, Pettigrew e Charles Handy, pode-se concluir que toda

organização possui uma cultura.

O objetivo deste artigo é demonstrar através de estudos e pesquisas que os valores,

normas e expectativas organizacionais presentes formalmente (política e diretrizes, métodos e

procedimentos, estrutura, objetivos e tecnologia) e informalmente (sentimentos, valores,

percepções, atitudes, interações informais e normas grupais) sofrem influências da cultura nacional.

Como afirmam Motta &Caldas (1997):

Os pressupostos básicos, os costumes, as crenças e os valores, bem como os artefatos que caracterizam a cultura de uma empresa, trazem sempre, de alguma forma, a marca de seus correspondentes na cultura nacional. Não há como, portanto, estudar a cultura das empresas que operam em uma sociedade, sem estudar a cultura — ou as culturas — dessa sociedade. (MOTTA & CALDAS, 1997, p.19).

Reinaldo Dias (2003, p.34) também comenta esta relação na qual a organização não é

um sistema fechado, sendo, permeável a outras culturas, como as nacionais, regionais etc. Toda

organização, embora apresente sua própria cultura, sempre estará sofrendo influência das culturas

existentes a sua volta.

Foram utilizadas neste processo, metodologias antropológicas a fim de sustentar a

qualidade científica desta análise, valendo-se do relativismo para a transcrição de dados

etnoculturais. É fundamental evidenciar o cunho administrativo do ensaio como um instrumento de

suporte aos conhecimentos de gestores e acadêmicos na formulação de estratégias.

Neste texto, procurar-se-á responder questões acerca dessa temática através de ideias de

outros autores e pesquisadores, propondo-se algumas indagações: A cultura favorece ou dificulta a

performance organizacional? A cultura pode ser gerenciada, transformada ou até inteiramente

criada? O fator história de vida tem poder de influência na construção da cultura de uma

organização? O papel do líder é uma variável no processo cultural? A cultura pode ser utilizada

como forma de controle para alcance de metas organizacionais?

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2 O enfoque administrativo na instrumentalização da cultura

“As organizações, além de produzirem bens e serviços, criam produtos culturais como

lendas, ritos, símbolos, mitos, heróis, pressupostos básicos de valores que são transmitidos as novas

gerações à medida que se mostraram válidos”. (SCHEIN, 1986, p. 9).

A partir de afirmações como a clássica definição de cultura organizacional dada por

Edgar Schein, os gestores passaram a dar mais atenção a este fenômeno inerente a todas as

organizações.

A administração é um campo de estudo essencialmente prático, cujos focos se

relacionam às variáveis encontradas em determinado empreendimento, influenciando os resultados.

Portanto, espera-se que administradores compartilhem desta característica em suas ações e,

consequentemente, em suas pesquisas.

As investigações administrativas tendem a um enfoque instrumentalista sobre a cultura,

através da construção de tipologias e do desenvolvimento de metodologias para a mudança cultural,

demonstrando um caráter intervencionista e controlador sobre o tema.

Fleury (1989) afirma, em sua obra, o caráter dominador intrínseco à cultura:

Cultura organizacional é um conjunto de valores e pressupostos básicos, expressos em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elementos de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação. (FLEURY, 1989, p. 6).

Tal caráter intrínseco à cultura mostra-se uma ferramenta eficaz para gestão

empresarial, no sentido de que os comportamentos (aprendizagem, estímulos e reações de resposta,

hábitos etc.) são intangíveis, portanto, formas tradicionais de coação são ineficientes.

Teorias sobre estilos de administração, como a desenvolvida por McGregor,

demonstram os efeitos de dois estilos antagônicos de management, e exemplificam tais formas

tradicionais falidas. De acordo com a síntese de Chiavenato (2000, p. 402), a concepção tradicional,

intitulada por McGregor como sendo Teoria X, reflete um estilo de controle rígido e autocrático, no

qual os funcionários trabalham sob regimes e padrões fechados e imposições arbitrárias de cima

para baixo na escala hierárquica. Através dos estudos da escola behaviorista, as disfunções deste

modelo se evidenciaram através de funcionários hostis, resistentes, insatisfeitos e pouco produtivos.

Fleury (1991) afirma, em sua obra, que há conflito de objetivos entre administradores e

trabalhadores, e que os instrumentos mecânicos de gestão não são eficientes:

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A busca de modelos de gestão, que viabilizem novas formas de interação entre os indivíduos, as categorias profissionais e a organização, surge com maior prioridade no discurso, e mesmo na prática, de diversas empresas. Essa busca é motivada pela observação de que a simples implementação de instrumentos pontuais de gestão da força de trabalho (muitas vezes importados e mal traduzidos) não provoca as mudanças desejadas nos padrões de relação de trabalho. (FLEURY, 1991, p.4).

O autor, através de suas palavras, deixa claro que a falência dos meios tradicionais de

gestão faz com que os administradores procurem novas formas de alcance dos objetivos

organizacionais; e segundo Gueertz (1989), o mecanismo ideológico é a melhor opção:

A cultura é melhor vista não como complexos de padrões concretos de comportamento — costumes, usos, tradições, feixes de hábitos —, como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções — para governar o comportamento. (GEERTZ, 1989, p. 56).

A afirmação da cultura como instrumento de manejo é possível pelo fato de o ser

humano ser um ser cultural, que aprende valores e simbologias contextualizadoras desde os

primeiros momentos de interação social; portanto esta é uma ferramenta tipicamente humana.

Não podemos esquecer que os sujeitos sociais que compõem a organização, gestores e trabalhadores, antes de serem membros de uma organização produtiva, ou melhor, concomitantemente a esse status, são portadores de filiações políticas, crenças religiosas, possuem seus grupos de referência, suas parentelas, suas origens étnicas e regionais, suas preferências sexuais, suas formações profissionais, suas histórias de vida, enfim, múltiplas localizações identitárias. (J. JUNIOR, 2002, p.81).

Deste modo, é singular ao ser humano a ordenação do mundo em termos simbólicos;

portanto, os traços culturais fazem parte da identidade de cada indivíduo. Assim, as atitudes das

pessoas são influenciadas pela cultura de sua civilização, seja no seio do lar ou no local de labor.

Segundo o método psicanalítico desenvolvido por Sigmund Freud, a história de vida de

determinado indivíduo assume grande importância na determinação do comportamento humano

atual.

As situações ocorridas ao longo da vida de uma pessoa envolvem agentes e estruturas

sociais e ditam comportamentos num futuro próximo, e até mesmo situações aparentemente

similares podem determinar conjunto de ações divergentes, conforme o contexto cultural

envolvente. Sendo assim, uma organização comporta colaboradores com diferentes históricos de

vida, moldados sob diferentes óticas culturais, favorecendo um cenário de conflito ideológico, onde

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se torna necessário um instrumento intangível que iniba comportamentos prejudiciais à saúde

corporativa e estimule feitos desejáveis de forma inconsciente.

2.2 O papel do gestor no processo de formação e manutenção da cultura organizacional

O biólogo alemão Ludwig von Bertalanffy desenvolveu a concepção das organizações

como sendo sistemas abertos que interagem com o meio externo através da relação de troca.

Segundo Bertalanffy, as organizações possuem entradas (inputs), as quais recebem do ambiente

informação, energia, recursos e materiais, que são processados e transformados para, então, retornar

ao meio através das saídas (outputs).

Qualquer sistema pode ser representado como conjunto de elementos ou componentes interdependentes, que se organizam em três partes: entradas, processos e saída (...) As entradas e saídas têm a função de fazer o sistema interagir com outros sistemas que formam o ambiente. (MAXIMIANO, 2006, p.58).

Através da teoria sistêmica, pode-se concluir que os empreendimentos sofrem

interferências exógenas seja da economia, do Estado, do meio ambiente e/ou das convicções e

tradições sociais envoltas pela cultura regional, trazidas pelo fator humano.

Cada um em particular e a coletividade como um todo assimila, reproduz e renova essa herança; é através do processo de assimilação, reprodução e renovação da cultura que os indivíduos, como sujeitos, e a humanidade, como um todo, se desenvolvem e caminham. (LUCKESI, 1990, p. 16).

De acordo com o autor, o ser humano enxerga o mundo de acordo com sua herança

cultural, agindo conforme os preceitos simbólicos aprendidos no meio social no qual cresceu. Isto

se torna mais significativo na figura do fundador de uma organização, tendo em vista que este não é

restrito nem limitado a costumes e ideologias anteriores, facilitando a implementação de sua visão

do que deve ser.

De acordo com Daft (2008, p. 351) “a cultura de uma organização geralmente começa

com um fundador ou um antigo líder que articula e implementa ideias e valores particulares

como visão, filosofia ou estratégia de negócios”.

Nas palavras de Bertero (1996), o fundador possui parcela importante na composição

cultural de uma organização:

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Na fase inicial de uma empresa, o fundador — indivíduo ou grupo — forma a cultura organizacional moldando-a um pouco à sua imagem e semelhança. As atitudes do fundador, comportamento, sua visão de mundo, da natureza humana e do próprio negócio (ou obra) acabam por ir moldando-a e vão lentamente e gradativamente se impondo, como valores e crenças. (BERTERO, 1996, p.39).

Schein confirma a avaliação positiva acerca da cultura no ambiente organizacional:

Conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para ser considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas. (FLEURY apud SCHEIN, 1991, p.5).

O artigo de Valéria Bertonha Machado e Paulina Kurcgant sobre o processo de

formação da cultura de um hospital filantrópico ilustra os pensamentos apresentados. Foram

coletados dados da história de vida do fundador do hospital e relacionados com a cronologia da

instituição entre os anos de 1930 a 1960, para a análise que revelou traços pessoais nos valores

organizacionais.

O fundador “X” teve uma vida profissional muito bem sucedida, sendo, ainda jovem,

um dos sócios fundadores da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, e um dos

primeiros brasileiros a se especializar nesta área de estudo no exterior, em países como Austrália e

Estados Unidos. Trouxe de suas experiências acadêmicas a visão crítica da situação dos deficientes

físicos brasileiros, que em sua maioria saíam do hospital com dificuldades motoras expressivas e,

também, com agravante situação econômica, o que se tornava um impeditivo do retorno ao núcleo

social. (MACHADO & KURCGANT, 2004).

As disparidades entre o país sul-americano e os países do norte começavam pelo avanço

nos estudos norte-americanos sobre saúde e no início das atenções governamentais à acessibilidade.

O avanço em pesquisas e desenvolvimento da sociedade deste país desenvolvido se distancia

bastante da realidade brasileira, que detinha grande parcela da população analfabeta. A diferença

cultural despertou no fundador “X” o sentimento de idealização de construir uma nova perspectiva

para o deficiente físico no Brasil, fundando com parcerias importantes um hospital filantrópico

voltado para este público.

Características herdadas de uma família nos moldes paternalistas imperantes no Brasil,

em que o homem exerce a posição de chefe e centraliza o comando da prole muitas vezes de

maneira autoritária, integraram a personalidade do fundador. A biografia deste homem se inseriu na

construção da cultura da organização hospitalar, segundo Machado & Kurcgant (2004): a) pela

valorização do deficiente físico como ser humano global; b) valorização da dimensão técnico-

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científica, bem como das atividades acadêmicas; c) intensa busca pela expansão; d) e valorização da

origem e tradição técnica.

Nas ideias de Schein (1986), o fundador tem papel essencial na cultura da empresa, pois

detém conhecimento global sobre o projeto da organização e tem o poder de estruturá-la e

desenvolvê-la. E no que tange esta habilitação “a sua visão de mundo, os valores, são apresentados

com desejáveis e, portanto, merecem ser acatados, internalizados, e incorporados pelos demais

membros da organização”. (BERTERO, 1996, p.39).

Muitos autores já consideram a relação de poder intrínseca à cultura, porém, é de

conhecimento tanto destes quanto dos gestores que a operação deste instrumento não é simples, e

deve ser apontada a contradição entre capital e trabalho como sendo o desafio para este estudo.

2.3 A contradição concernente ao fator poder da cultura de uma organização

Recapitulando os conceitos abordados neste artigo, foi apresentado o foco

administrativo sobre a cultura, através da instrumentalização desta com intuito de alcançar objetivos

organizacionais numa forma taciturna de controle.

A atuação do(s) fundador(es) de uma organização é importante na fixação de valores e

filosofias corporativas e deu-se destaque às influências que a cultura nacional exerce neste

processo; e para confirmar a transação deste contexto fez-se referência à teoria sistêmica, de autoria

de Ludwig von Bertalanffy, a qual afirma que as organizações são sistemas abertos que recebem

coisas do meio.

Segundo Fleury (1989), para muitos autores o poder tem sido estudado sob diferentes

aspectos: a) do ponto de vista marxista, no que condiz à alienação econômica que afasta os

trabalhadores dos meios de produção; b) como um fenômeno político de imposição e controle; c) no

nível ideológico, como fenômeno de apropriação de significados e valores; d) e ao nível

psicológico, como fenômeno de dependência, de projeção e alienação.

Morgan (1996) se aproxima deste pensamento e apresenta o seguinte olhar para a

questão poder:

Nos últimos anos, os teóricos da administração vêm-se tornando cada vez mais conscientes da necessidade de conhecer a importância do poder na explicação dos assuntos organizacionais (...) Enquanto alguns vêem o poder como um recurso (isto é, como algo que alguém possui), outros vêem como uma relação social caracterizada por algum tipo de dependência (ou seja, como uma influência sobre algo ou alguém). (MORGAN, 1996, p.194).

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Contudo, este poder presente na cultura encontra o desafio de sua efetivação no

comprometimento que se faz pela concordância entre as necessidade do empregado e do

empregador. Isso significa que:

Concretamente, o comprometimento supõe uma negociação entre indivíduo e a organização; supõe um espaço de entendimento e compatibilidade entre sistemas de valores da pessoa e aquele da empresa — sua cultura. Isto quer dizer que cada um investe na empresa quando ele encontra oportunidades correspondentes ao seu projeto pessoal e aos seus objetivos, mas também quando ele adere aos valores que constituem a cultura da empresa. (THÉVENET apud SÁ & LEMOINE, 1998, p.7).

Para Karl Marx, um dos maiores teóricos do socialismo, a luta de classes era o agente

transformador da sociedade, que vivia sob a ótica do sistema capitalista. Segundo o pensador, o

valor da riqueza produzida pelo operário ultrapassa o valor remunerado de sua força de trabalho,

num fenômeno que chamou de mais-valia. “Para Marx, a mais-valia é a forma de exploração

característica do capitalismo. Consiste na diferença entre o valor do produto e o valor do capital

despendido no processo de produção.” (LOYOLA, 2009, p.131).

Este antagonismo entre explorador (burguesia) e explorado (proletariado) fez surgir a

ideia de antagonismo econômico, em que os trabalhadores produzem bens, mas não são donos da

produção e nem sequer recebem os frutos disto.

A Escola das Relações Humanas ofertou teorias que reconheceram o antagonismo das

relações de trabalho como sendo um conflito de necessidades. Seguindo essa linha de pensamento,

o comportamento humano é determinado por causas que também são chamadas necessidades e se

apresentam em três estágios: necessidades fisiológicas, psicológicas e de auto-motivação. Essas

necessidades se contrapõem muitas vezes aos caminhos traçados pela organização, sendo preciso,

então, motivar os funcionários, que nada mais é do que direcionar o comportamento destes a

objetivos que possam satisfazer suas necessidades.

Há um clássico exemplo da oposição de duas lógicas: “ a do empresário que procura

maximizar os lucros e a do trabalhador que procura maximizar o salário.” (CHIAVENATO, 2000,

p. 156).

Surge, a partir desta constatação, o enfoque manipulativo das relações humanas, em que

procura-se mascarar a preocupação das organizações - produzir bens e gerar lucros - sob o zelo pelo

bem-estar e felicidade dos colaboradores, e este zelo que pode ser moldado pela cultura.

A organização e seus indivíduos são interdependentes, mesmo que as organizações

esperem trabalho, competência e ideias, e que o trabalhador procure remuneração e carreira. É

preciso que haja um ajustamento de interesses, senão criam-se comportamentos depreciativos, em

que o indivíduo é explorado e procura explorar a empresa.

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De fato, um indivíduo que se identifica culturalmente à organização à qual ele pertence, poderá realizar um trabalho apreciável e satisfatório fornecendo à organização os recursos dos quais ela necessita para realizar sua missões. Ao inverso, um indivíduo que não se identifica culturalmente à sua organização, faz, consciente ou inconscientemente, menos esforços, até mesmo esforços contrários aos objetivos organizacionais. (SÁ & LEMOINE, 1998, p. 8).

Assim como as organizações possuem cultura, as pessoas também trazem consigo sua

cultura, fazendo-se necessária, portanto, a coerência cultural, para que haja comprometimento.

3 A cultura da empresa hipermoderna norte-americana

As empresas possuem grande significado na sociedade norte-americana, confundindo-se

com o próprio processo de formação dos Estados Unidos, não apenas como peça-chave do sistema

econômico capitalista, mas como meio de conquista e integração social, econômica e territorial do

país.

A interação entre organização e sociedade num panorama cultural envolveu-se, neste

artigo, numa análise antropológica, no sentido de que foi utilizada uma metodologia meramente

interpretativa. A contribuição do estudo etnográfico faz-se fundamental, pois “possibilita, desta

maneira, uma interpretação da cultura de um grupo a partir da investigação de como seu sistema de

significados culturais está organizado e de como influencia o comportamento grupal”.

(MASCARENHAS apud GODOY, 1995, p. 91).

Os Estados Unidos da América formaram-se a partir do processo de colonização inglês,

que realizou a primeira expedição a caminho do Novo Mundo, em 1584. A atividade colonial teve

cunho expressivamente econômico a partir da união entre Estado e burguesia, a fim de explorar a

América do Norte.

Com população predominantemente formada pelo excedente populacional proveniente

de cercamentos da Inglaterra e puritanos foragidos da perseguição religiosa, a Nova Inglaterra fora

dividida em treze colônias, onde, “ao norte desenvolveu-se uma economia autônoma, mercantil e

manufatureira (...) e, ao sul, uma economia agrícola”. (VICENTINO, 2002, p. 234). O comércio e

produção manufatureira da parte setentrional da colônia americana ativou o progresso econômico e

lhe deu condições de concorrer comercialmente com a metrópole.

Com a Revolução Industrial, a Inglaterra necessitava de novos mercados; para tanto,

impôs medidas restritivas às treze colônias, aprovando uma série de impostos como o Sugar Act e o

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Stamp Act. Essa política controladora, que envolveu inclusive boicotes, foi o estopim para a revolta

que teve grande influência dos ideais iluministas de liberdade e autonomia.

No dia 4 de julho de 1776 publicou-se a Declaração de Independência das Treze

Colônias, elaborada por Thomas Jefferson, instaurando uma nova fase da história dos Estados

Unidos.

As guerras napoleônicas e o Bloqueio Continental na Europa afetaram indiretamente o

crescimento econômico norte-americano, pois a Inglaterra, que era a maior rival do Império francês,

passou a sofrer com a coerção francesa, enquanto os EUA conquistavam mercados na América e

Velho Mundo.

A industrialização quase sempre moveu as ações políticas de um país que nasceu nos

moldes comerciais. A exemplo disso, pode-se mencionar a Doutrina Monroe, que ficou marcada

pela frase: “A América para os americanos”.

A Doutrina Monroe... vai ser uma colocação ante uma recolonização do continente pelos europeus, e uma maneira de excluir os poderes extra continentais da região. (...) A ideia da América como um hemisfério único, uma esfera separada, diferente da Europa. (PECEQUILO, 2003, p.8).

Esta parte da história dos EUA é suficiente para demonstrar como o universo

empresarial faz parte da cultura americana setentrional, motivando inclusive decisões políticas.

Outro fato que pode confirmar isso é que os Estados Unidos têm sido responsáveis por quase todas

as teorias sobre a administração moderna, e a este país pode ser conferida a invenção da empresa

produtora de bens e serviços.

Portanto, sociedade e empresa privada cresceram juntas, podendo-se ver isso através das

estradas de ferro que cortam o território norte-americano, ligando as metades oriental e ocidental

frutos da iniciativa privada.

A empresa privada, é do ponto de vista ideológico, a expressão concreta e substantiva da ideia de livre iniciativa, de liberdade econômica e do direito individual de produzir. Ela é percebida como a raiz do desenvolvimento econômico e a seara privilegiada para a expressão de autonomia e do desempenho individual; a medida pela qual num universo individualista, igualitário e moderno um indivíduo pode ser, legitimamente diferenciado do outro. (BARBOSA, 1996, p. 10).

A empresa privada nos Estados Unidos sintetiza os ideais iluministas de livre iniciativa,

trabalho como fonte de toda a riqueza e liberalismo econômico, que, segundo Adam Smith, era o

caminho para harmonia e a justiça social. Essa instituição era o símbolo da vitória sobre o molde

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absolutista inglês para uma sociedade. O indivíduo não mais tinha sua ascensão determinada pelo

nascimento, e a igualdade, o progresso e a justiça pertenciam a todos.

Nos Estados Unidos, além de as organizações empresariais serem fonte de trabalho e

emprego e possuírem papel na construção da identidade nacional, funcionam como indicador do

desempenho individual. “Pelo tamanho, fama, prestígio e importância da organização em que se

trabalha é possível se avaliar o que cada um foi capaz de realizar.” (BARBOSA, 1996, p. 12).

Sendo assim, ser CEO (Chief Executive Officer) ou ocupar posição de poder em organizações como

Microsoft, General Motors ou Chevron significa ter um importante status social, corroborar

qualidade e demonstrar sucesso profissional.

A Guerra Fria, conflito ideológico entre as duas maiores potências do século XX, fez do

mundo o palco da corrida armamentista e espacial entre EUA e União Soviética (atual Rússia). As

disputas pelo desbravamento do espaço através de lançamentos de satélites e do até envio do

homem à lua foram responsáveis por trazer ao ser humano a certeza de que a ciência ainda tinha

muito a oferecer, principalmente para os americanos.

Com o sistema econômico capitalista vitorioso, os Estados Unidos se tornaram a maior

potência mundial e detentores de avançadas tecnologias, que foram empregadas pela indústria.

Como prova disso estão os primeiros aparelhos celulares que foram desenvolvidos pela empresa

norte-americana Ericsson MTA, em 1956, apresentados ao mundo na década de 70 pela Motorola; e

os primeiros computadores pessoais que chegaram às casas dos americanos, em 1971, através do

Kenbak-1, segundo registros do Computer History Museum, pela empresa Kenbak Corporation.

Os Estados Unidos... durante a I Guerra Mundial acumulou uma reserva significativa de ouro e no período pós II Guerra Mundial possuía a maior reserva de ouro do mundo. (...) Os Estados Unidos tornou-se responsável pela provisão mundial de liquidez o que levou o país a desfrutar de uma hegemonia bélica, um poderio econômico e financeiro. (ALENCAR, 2010, p.3).

Atualmente, os Estados Unidos abrigam as maiores organizações de tecnologia de

ponta, com alta complexidade de fabricação e com técnicas de administração das mais sofisticadas;

são as chamadas organizações hipermodernas.

A organização hipermoderna caracteriza-se pelo desenvolvimento do “fantástico” dos processos de mediação, em consonância com as transformações do aparelho produtivo; a intelectualização das tarefas, o papel alcançado pela ciência e pela técnica em todos os escalões da produção, a crescente divisão técnica do trabalho e a interdependência das tarefas, a mudança e a renovação constante. (FLEURY, 1987, p.12).

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A tecnologia traz desafios que requerem uma estrutura moderna que se adapte-se a

mudanças, característica da empresas qualificadas como hipermodernas. Para sustentar este

aparelho produtivo, é necessário um corpo de profissionais que compreendam todo o sistema de

trabalho, capazes de iniciativa, comprometidos como o trabalho e, acima de tudo, aptos a

contingências. Este perfil de profissional é formado desde os primeiros anos de ensino, pois a

educação americana possui padrões de primeiro mundo. Contudo, estes modelos também

apresentam desafios às organizações, pois estes trabalhadores têm uma formação cultural bem

sólida no diz respeito a valores, têm ciência de sua contribuição e querem ser recompensados pelo

tempo reservado à sua preparação.

Segundo Fleury (1989), estas organizações requerem um sistema de mediações que

mantenha o controle sobre as transformações que envolvem as pessoas. Estas mediações são de

ordem econômica - salários competitivos, plano de carreira etc. - e mais uma vez rompem com a

sociedade estamental; de ordem política, no que tange o desenvolvimento de um sistema decisório

através de regras e princípios a serem seguidos, inibindo a figura do soberano que toma todas as

decisões; de ordem ideológica, criando significado e valor para si, envolvendo todas suas práticas -

política de pessoal, financeira, etc. - para que a mesma seja vista como um lugar autônomo, onde se

trabalha para ganhar a vida; e de ordem psicológica, transformando o trabalho num dualismo de

prazer e angústia, no qual o controle e as exigências são recompensados pela autorrealização.

Todas essas mediações estão incorporadas à cultura organizacional que justifica as

práticas institucionais através da contextualização do meio, pois determina uma unidade de estilo a

ser seguida e, inconscientemente, o trabalhador as incorpora, no sentido de que o ser humano é um

ser social que deseja estar inserido.

A cultura norte-americana escrita pela relação histórica entre Estado e indústria moldou

o conjunto de valores e pressupostos básicos das organizações dos Estados Unidos, que se tornaram

modelo de administração bem-sucedida. Mas estes empreendimentos encontraram potenciais

concorrentes à sua hegemonia no outro lado do mundo, numa cultura que sempre interessou ao

ocidente por sua singularidade, principalmente no que diz respeito ao confronto a modelos

tradicionais. Estes negócios se encontram no Japão e na China, que são o assunto do próximo

capítulo.

4 Os provérbios da organização cultural do oriente

Ao final da II Guerra Mundial, o Japão encontrava-se severamente devastado, com suas

linhas de transporte danificadas, com infraestrutura deteriorada, com crise produtiva, economia

estagnada e ressentimento nacional para com os aliados. O que mais chamou a atenção do mundo

14

para este país não foi o grau de destruição, mas como este lidou com a situação de caos e, em

poucas décadas, se tornou a terceira maior economia do mundo.

Como afirma Souza (2007, p.2), a ascensão do Japão no pós-guerra “chamou a atenção

dos pesquisadores das teorias organizacionais, sobretudo dos norte-americanos ocupados com o

estudo da ciência da gestão, para as características culturais daquele país e como elas dinamizavam

a vida organizacional”.

Os valores nacionais, as visões do sentido da vida, e os estilos e filosofias nacionais que

invadiram as organizações determinaram o crescente sucesso da Terra do Sol Nascente em meio ao

declínio da indústria britânica e à fama da empresa americana. A exemplo disso, analisa-se o

conceito japonês de trabalho e as relações entre colaborador e organização.

Segundo Barbosa (1996), no Japão sabe-se primeiro onde determinado indivíduo

trabalha e, muito depois, a atividade que este exerce, demonstrando a hierarquia de importância

existente entre grupo e indivíduo, pois o sentimento de pertencimento é um valor cultivado ao longo

da vida dos japoneses. “As organizações são vistas como coletividades às quais os empregados

pertencem em lugar de serem apenas um local de trabalho que compreende indivíduos separados”

(MORGAN, 1996, p.118), ao contrário da ética individualista norte-americana, que estimula o ser

competitivo, nomeada pelo antropólogo Gregory Bateson como síndrome de “somos o número 1”.

Ao contrário da prática americana de estimular o espírito ostentador e exibicionista por

parte das crianças, os japoneses valorizam a submissão e o respeito à autoridade, compreendem o

próprio lugar e reconhecem sua dependência em relação a um sistema. Por isso, muitos

trabalhadores fazem do local de trabalho a extensão de seus lares, se comprometendo por toda a

vida com suas organizações, num sistema de cooperação e compartilhamento de preocupações, que

fora apresentada como fruto dos valores culturais dos arrozais e do espírito servil do Samurai,

segundo a obra de Murray Sayle (1982).

A cultura tradicional de arroz é uma atividade coletiva que requer intenso trabalho em

um curto período de safra, em que espera-se que todos usem o máximo de suas habilidades, pois

soma-se ao curto prazo de tempo a escassez de solos agricultáveis e os desastres naturais. Neste

espaço “não existem ganhadores nem perdedores individuais” (MORGAN, 1996, p.119), porque, se

uma família falha em manter sua irrigação em bom estado, todo o grupo sofre com as

consequências.

Os fazendeiros dos arrozais são sempre desejosos de compartilhar suas colheitas com

aqueles hábeis a cuidar da mesma. É o caso do Samurai, que garante sua subsistência através da

parceria com os fazendeiros de arroz, numa relação de proteção e servidão mútua. Esta relação

cultural foi incorporada pelas organizações, de forma observável, na prontidão dos colaboradores

em contribuir para os objetivos do proprietário industrial e aceitar sua autoridade, aderindo aos

15

valores da companhia e se comprometendo com esta para o resto da vida, como uma segunda

família.

Jaime Teruo Matsui comenta esta transferência cultural para as organizações como

traços feudais incorporados às relações de trabalho:

Inspirada na cultura feudal que percebeu a história moderna do Japão, os funcionários de todos os níveis das grandes corporações japonesas são motivados a criar laços de compromisso com a corporação que os emprega, em função do tempo despendido nas tarefas laborais, o que acarreta um largo período de ausência da casa e da família. (MATSUI, 2009, p.70).

A concepção que o japonês emprega ao trabalho se distancia, por exemplo, dos valores

da cultura anglo-saxã, que percebe no trabalho a apropriação do tempo que não pertence ao homem,

mas a Deus. “O trabalho não era inferior porque era feito por escravos, mas era realizado por

escravos porque era inferior.” (BARBOSA, 1996, p.10).

As influências da cultura japonesa são compreendidas além das heranças feudais que

compreendem o trabalho em grupo, sendo considerados, em adição, o combate ao desperdício e o

consenso no processo decisório.

O fim da II Guerra Mundial trouxe como consequência, além das mencionadas, a

deficiência de recursos naturais, movendo a sociedade para o espírito de economia e eficiência.

Movendo-se para o meio empresarial, a metodologia de trabalho japonesa do 5S expressa bem esta

análise ao pregar a separação do supérfluo, a ordenação do necessário, a limpeza do ambiente, a

prevenção de desordem e a manutenção da qualidade contínua. Os principais benefícios deste

método são o aumento da produtividade, ao reduzir o tempo desperdiçado com a procura de objetos,

a redução de custos, ao eliminar acumulação de materiais, a segurança, ao propiciar um ambiente

preventivo a acidentes de trabalho, devido à ordenação do local, e a maior satisfação dos

colaboradores.

Outra característica intrínseca à cultura japonesa é o nível hierárquico na sociedade. O

Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, define hierarquia como sendo “série contínua de graus ou

escalões, em ordem crescente ou decrescente.” (FERREIRA, 2001, p.364). E, no Japão, os graus

hierárquicos regem a sociedade, marcando a relação expoente entre superior e inferior como forma

de manter a ordem entre os civis, tornando-se transgressor aquele que não cumpre o ‘dever’ e,

portanto, um ser sem honra.

Este senso de dever e respeito à hierarquia faz com que os japoneses tomem para si um

forte desejo de dedicação no cumprimento de tarefas, por isso trabalham arduamente até doze horas

diárias para tornarem-se dignos na visão do chefe. Assim, o superior, toma decisões que neste

16

contexto cultural, devem ser respeitadas pelos grupos inferiores, consequentemente gerando um

consenso decisório.

Conclui-se esta síntese a partir das características das empresas japonesas, seguindo

tendências culturais do país apontadas por William Ouchi, em sua obra Teoria Z, as quais são: a)

emprego vitalício; b) carreira lenta e generalista; c) controle implícito; d) decisão por consenso; e)

responsabilidade coletiva; f) e orientação sistêmica. “Se a cultura japonesa, com seus samurais,

cultivos de arroz, solidariedade, submissão era capaz de tornar aquele país competitivo, então

possivelmente seria positivo entender aquela cultura, aprendê-la.” (SILVA & FADUL, 2007, p.5).

4.1 A cultura comunista e as organizações chinesas

Após uma breve análise a respeito do Japão, faz-se necessário o estudo sobre outra

relevante nação do continente asiático, que é a China, em todas as suas singularidades culturais e

como isso se implica nas novas e fortes organizações que nasceram após anos de fechamento.

Atualmente, a República da China se encontra em exponencial processo de crescimento

econômico e sólidas relações diplomáticas com o exterior, mas não se pode ignorar seu processo

histórico, que ainda deixa heranças culturais.

Deve-se ter em mente que a economia chinesa, embora esteja abraçando aceleradamente o capitalismo, sofre ainda forte influência da sua história e política partidária, de forma que é improvável que a China se converta no modelo capitalista pleno. A China molda-se na direção de uma forma de capitalismo socialista: a busca pela riqueza sem abrir mão do controle autoritário, centralizado. Embora as empresas chinesas estejam adotando as práticas gerenciais ocidentais, é improvável também, crer que a industrialização chinesa venha a ocorrer nos moldes ocidentais, uma vez que a forte influência governamental e os valores culturais sociais continuarão afetando profundamente a cultura organizacional, as estruturas e os processos gerenciais adotados. (CHUNG, 2005, p.31).

A partir desta crítica, pode-se perceber que a China possui bases culturais muito fortes,

isso porque, segundo Chung (2005, p.55), “os chineses não enxergam o mundo como um conjunto

de nações independentes e de igual estatura”, mas como sendo a China o centro do mundo, e os

demais países, como povos bárbaros. As culturas das organizações chinesas sofrem grande

influência dos valores socialistas, imperantes no território oriental por muitas décadas, e é sobre

esta fase da história que este artigo foca sua atenção, traçando um paralelo mais claro com ruptura

social, a qual é tema de diversas discussões no meio acadêmico.

17

Na visão de Vicentino (2002), durante muitos anos a China se manteve sob a opressão

de Mao Tsé-tung, o qual era adepto da política comunista que possuía fortes traços do socialismo

soviético.

No plano interno, o novo governo adotou medidas drásticas, como nacionalização das indústrias e a reforma agrária, para enfrentar as dificuldades econômicas, que, no entanto ressurgiram com a Guerra da Coréia, em 1950. O primeiro plano quinquenal (...) propunha uma nova linha geral de transição para o socialismo, com prioridade para a indústria pesada. Em 1955, a coletivização da agricultura acelerou-se com a organização de um milhão de cooperativas. Atingia-se, assim, o fim do capitalismo, implantando-se as três transformações socialistas básicas: expropriação da burguesia industrial, expropriação do comércio urbano e instalação de um movimento cooperativo no campo. (VICENTINO, 2002, p.434).

Soma-se a este retrocesso, o movimento de expurgo aos opositores políticos do

governo, através da Revolução Cultural, num processo de personalização de Mao, a quem

chamavam de “o grande timoneiro”; a repressão e a execução dos acusados de direitistas e ultra

esquerdistas; e a tentativa de indução social. “Esse movimento, que começou tentando integrar o

trabalho manual ao intelectual, ativou o fervor revolucionário, a participação popular, a

produtividade e atacou a burocratização partidária de governamental.” (VICENTINO, 2002, p.436).

Contudo, este grande período de trevas para a iniciativa privada inicia seu declínio com

as políticas implementadas por Deng Xiaoping. Foram colocadas em prática as quatro

modernizações, referentes à agricultura, à indústria, à defesa, e a áreas de ciência e tecnologia; bem

como foram criadas as Zonas Econômicas Especiais (ZEE), abertas a investimentos estrangeiros

que chegaram ao número superior a 170 bilhões de dólares. “As ZEE eram zonas especiais

econômicas e não zonas políticas. Sua função era implementar políticas econômicas especiais e um

sistema de gerenciamento econômico particular.” (MARTI, 2007, p.9).

A China agregou para si ainda mais valor ao aderir à Organização Mundial do

Comércio (OMC) e ser reconhecida como uma economia de mercado; além disso, acordando com

Pennaforte & Luigi (2009), pertence ao conjunto de países emergentes com rápido crescimento no

cenário global, os quais são conferidos com a sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Hoje as

organizações do país têm importante papel no mundo, “as fábricas chinesas produzem 70% dos

brinquedos, 60% das bicicletas, metade dos sapatos e um terço das malas de viagem do mundo.”

(SHENKAR, 2005, p.20).

As mudanças pela qual a China passou não se detêm somente à esfera econômica, tendo

a sociedade conquistado avanços como o incentivo à propriedade privada no campo, o convívio

com as novas facilidades proporcionadas pela tecnologia e a esperança de uma democracia, mesmo

que próxima aos moldes ocidentais.

18

Num país tão antigo como a China, é de se esperar que o povo tenha o hábito de

sustentar suas tradições, valores e costumes milenares, e talvez seja esse respeito às tradições

milenares que identifica a cultura chinesa. Chung (2005) exemplifica a retenção dos valores

milenares na sociedade contemporânea através das práticas administrativas e faz entender que,

apesar dos desafios se apresentarem em diferentes contextos, as tradições comportamentais se

mantiveram quase inalteradas. “Bem antes de 350 a.C. os chineses já diziam que os líderes

deveriam comandar pelo exemplo pessoal em vez de dar ordens, e também estimular a lealdade e o

apoio dos seus subordinados.” (CHUNG, 2005, p.65).

O autor também destaca três filosofias que moldaram a cultura chinesa, a começar pela

moral confuciana, a qual considera como qualidades positivas a obediência, o respeito à hierarquia

bem como a lealdade aos superiores, a fidelidade aos amigos e a procura da harmonia. Os

ensinamentos de Confúcio foram tão importantes à sociedade chinesa que os textos deste filósofo

eram “requisito essencial para os exames de seleção aos cargos oficiais do Império.” (CHUNG,

2005, p.86). Estes valores são repassados a cada geração e transplantados para as organizações,

assim, é notável que os jovens desenvolvam o respeito e a obediência aos anciãos, e estes, proteção

e consideração, em reciprocidade. Além desta filosofia, os chineses também agregam valor ao

taoísmo e a zen-budismo.

O taoísmo ensina a existência de opostos em todas as coisas da natureza (ying e yang) e a importância de sua integração e equilíbrio para trilhar o Caminho. E o zen-busdimo ensina a auto-reflexão e o despertar consciente dos recursos inconscientes, conhecido como iluminação. (CHUNG, 2005, p.87).

Os chineses prezam o cumprimento de códigos e etiquetas sociais que chegam a ser a

forma mais perceptível da cultura deste povo, lembrando que este artigo forcar-se-á na aplicação

dos mesmos no meio organizacional.

O estilo de comunicação apresenta traços culturais, a começar pelo mais expressivo, o

idioma, que chega a ser uma barreira para negociações externas por ser o mandarim uma língua não

tão disseminada no mundo, necessitando os executivos (a maioria não fala inglês) de tradutores, que

muitas vezes cometem equívocos no momento da tradução, seja por expressões idiomáticas e/ou

idiossincrasias.

“O executivo chinês pode balançar a cabeça muitas vezes durante a reunião, no entanto,

o gesto apenas indica que o interlocutor está prestando atenção, não quer dizer que ele esteja de

acordo com o que está sendo dito.” (COMÉRCIO EXTERIOR, 2007, p.24). Os chineses tendem a

ser mais polidos e passivos com os parceiros estrangeiros, acompanhando as conversas num tom

19

amigável, e, apesar de parecerem demonstrar concordância, isso é apenas um comportamento

cultural, que muitas vezes causa equívocos de compreensão para estrangeiros.

Quando se fala em comunicação, o assunto informação está contido na sua

compreensão, e a maneira como os chineses lidam com essas informações está associada aos

conhecimentos cronológicos e a valores como experiência e sabedoria. De acordo com a análise de

Chung (2005), os chineses são hospitaleiros a dados estatísticos e de pesquisa de uma maneira

menos crítica, ou seja, ao contrário de algumas culturas, os orientais aceitam as informações sem a

necessidade de se confirmar a fonte de procedência.

Ao mesmo tempo em que os ocidentais não enxergam com bons olhares a crença

chinesa na validade das informações, os chineses definem como paranoia a constante descrença do

outro lado do mundo. “Os chineses comportam-se como se o melhor julgamento para validar uma

informação fosse tudo aquilo que se ajusta à sua experiência do passado e à sua intuição.”

(CHUNG, 2005, p.107).

Outro traço cultural na conduta chinesa está na formalidade nas relações sociais, que se

estendem ao meio organizacional. Os chineses têm uma personalidade internalizada, que significa

que são um povo cuja satisfação pessoal está ligada à própria existência, desobrigando

relacionamentos calorosos, como é sentido no Brasil, por exemplo.

A cultura nacional deste país também influencia em como os chineses conduzem os

negócios. O relacionamento na China é um fator importante, que abre portas, neste caso específico,

fala-se do guanxi. O guanxi é uma pessoa influente, encarregada de construir relacionamentos e

conexões, abrindo oportunidades de negócios e até mesmo exercendo-os entraves de entradas na

rede de relacionamentos. (BASTOS & NETO, 2008). Já para Ni Chen (1996, p.147), “o guanxi é

uma rede de relacionamentos pessoais que se tornou tão importante que as pessoas frequentemente

não conseguem fazer nada sem conexões”.

O diagrama de caleidoscópio proposto por Sandra Chen (2004) demonstra o guanxi

apoiado pelos conceitos de renqing e mianzi:

FIGURA 1. Diagrama de Chen.

Fonte: Bastos&Neto apud Sandra Chen (2008, p.119).

20

Renqing indica generosidade, sensibilidade e respeito ao próximo, conforme o conceito

confuciano sobre as obrigações de cada ator social; e Mianzi, a preocupação em se preservar a

reputação ou a honra. Ambos os conceitos contribuem para o Guanxi; sendo assim, pode-se inferir

que não se pode confundi-lo com apadrinhamento. O Guanxi e a competência profissional andam

lado a lado, pois abrem-se portas àquele que honra a oportunidade, ao contrário do apadrinhamento

no Brasil, que não considera a habilitação de um indivíduo ao promovê-lo, por exemplo.

O comportamento chinês nas organizações é consequência do papel que a cultura

exerce, podendo-se confirmá-la através de diversos exemplos investigados por muitos

pesquisadores. Esta cultura, assim como japonesa, revela-se bastante sólida e singular, pelos seus

preceitos milenares, o que diverge da cultura do próximo capítulo, a qual é resultado da

miscigenação de símbolos e padrões de outras fontes culturais.

5 Os traços da cultura tupiniquim nas organizações

A cultura brasileira ainda detém traços do passado histórico de 500 anos no que se

refere à exploração de recursos internos, exploração do ser humano, do consumidor, do meio

ambiente, dentre outras formas de exploração, e consequente desperdício generalizado, fruto da

relação metrópole e colônia.

O colonizador, que se apropriou da cultura indígena, principalmente por meio da índia; o colonizador que se apropriou da cultura negra, em um modo de produção, o capitalismo, que não pressupunha a escravatura, é hoje o burguês ou o tecnocrata, que se apropria da força de trabalho. (MOTTA & CALDAS, 1997, p.31).

Motta & Caldas (1997) apresentam a relação exploratória entre o português e o nativo, e

imperialista, com relação aos não-cidadãos negros. O engenho é o universo preciso para

compreensão desta filosofia, sendo este o binômio casa grande e senzala.

A colônia deveria ser um mercado consumidor e fornecedora de mercadoria para a

metrópole, porém o Brasil não possuía nenhuma das duas atribuições. Assim, Portugal deveria fazer

da colônia sua fonte de enriquecimento, e o engenho de açúcar foi a válvula de escape para o país

lusitano.

Portugal cedeu grandes extensões de terra, também denominadas capitanias hereditárias,

à elite lusitana para que a mesma ocupasse e explorasse os recursos brasileiros. Os donatários destas

21

extensas faixas de terra eram conhecidos como senhores, que exerciam o comando patriarcal e

domínio sobre tudo o que havia em sua propriedade, inclusive os escravos.

“A divisão do território em capitanias hereditárias foi o primeiro grande passo rumo à

afirmação efetiva e definitiva da colonização do Brasil (...) Era necessário povoar, estimular o

desenvolvimento e garantir a defesa da terra.” (SILVA, 1992, p.40).

A distância social entre o senhor e o escravo é evidente e é capaz de sugerir a

explicação para a diferença de classes na sociedade, diferentemente de outros países onde a noção

de igualdade é mais forte. Seguindo as palavras de Caio Junior (1965), o operário se tornou o

sucessor do escravo.

A relação escravocrata no Brasil deixou seus traços na cultura através da hierarquia

social, pois o escravo era a base de trabalho ordenada, reprimida e separada de uma maneira que

gerou a estratificação social, estabelecendo a distância entre senhor e escravo. Os senhores, por sua

vez, concentravam o poder de maneira patriarcal, e reforçados pela visão colonial de

respeitabilidade e obediência, determinavam os limites das relações entre governantes e

governados.

Por isso, no Brasil, pode-se situar as pessoas pela sua cor de pele ou pelo dinheiro, até

mesmo pelo sobrenome e/ou pelo carro que possuem; e estes preconceitos permanecem velados nas

organizações, numa malha de variações.

Outro traço importante é o personalismo, em que a figura do cidadão não importa, mas

sim seu laços de sangue ou afetivos, criando proximidades com o centro do poder. Com isso, cria-se

o ambiente propício ao exercício do paternalismo, pois, como Colbari (1995) demonstra em seu

estudo, as imagens familiares da cultura brasileira podem ser facilmente encontradas no universo

organizacional. Isto pode ser enxergado “com o dono do negócio sempre atento aos mínimos

detalhes; sua figura poder ser encontrada percorrendo os corredores das fábricas, dos escritórios,

numa atuação vigilante e centralizadora, que alia empatia ao controle.” (CAVEDON, 2008, p.91).

O gestor paternalista aparece para acobertar o filho com sua mão carinhosa, em troca de

sua fidelidade, através de práticas assistencialistas, como assistência hospitalar, previdência

privada, alimentação, transporte, concessão de moradia etc. Isto se torna mais efetivo devido à

ineficiência do Estado no cumprimento de seus programas sociais, recaindo, então, a provisão para

a iniciativa privada. Pode-se afirmar que os brasileiros aceitavam bem a imagem de um único

provedor pelo exemplo do presidente Getúlio Vargas, popularmente chamado de “pai dos pobres”.

(DOMINGUES, 1996).

Porém, nem sempre a iniciativa privada foi percebida amistosamente. Por muito tempo

toda a conquista e integração nacional se fazia pela égide do Estado, sendo o empreendedorismo

praticamente ausente no processo de construção do país. Somando-se a tudo o que foi mencionado,

22

a sociedade retinha esses valores trazidos de Portugal, desviando a compreensão da iniciativa

privada para uma ótica depreciativa.

O Barão de Mauá é um exemplo de personagem hostilizado em razão dos lucros de seus

empreendimentos, como afirma Barbosa (1996):

Mauá não fazia trens, navios ou implantava iluminação à gás por prazer ou generosidade, mas porque esses empreendimentos geravam lucros. Todavia, para a época e sua ética, tal comportamento revelava o grave desvio de caráter de colocar os interesses materiais acima do bem comum. (BARBOSA, 1996, p.11).

O bem comum era a visão lusitana trazida para terras sul-americanas no intuito de

preservar o pacto colonial, já que a iniciativa privada ia contra seus objetivos de exploração,

principalmente após entrar em conflito com o império francês de Napoleão Bonaparte.

Esta história começou a ter suas rupturas realçadas a partir da década de 50, com a

chegada de empresas multinacionais, fruto dos projetos de expansão industrial advindas do plano de

metas lançado pelo então presidente Juscelino Kubitschek. Os modelos de gestão, americanos, por

exemplo, trazidos pelas montadoras automobilísticas, se chocaram com a realidade local, onde

aspectos como qualificação, desenvolvimento e participação profissional tinham importância

secundária, visto que a mão-de-obra sempre fora considerada abundante e barata, facilmente

substituível.

Conforme Fleury (1991, p.7), “muitas das práticas e dos instrumentos de gestão foram

implantados sem a necessária tradução e adaptação, reproduzindo os modismos de forma

inconsistente com as demais diretrizes e relações de poder vigentes”. Tornou-se necessário o

desenvolvimento de uma cultura organizacional adaptada à realidade nacional vigente, utilizando-se

novas contextualizações sem perder o foco central, pois, como afirma Barbosa (1996), é natural o

processo de adaptação cultural quando os pesos e significados começam a ser confrontados com o

tempo.

A grande maioria das teorias, práticas e políticas administrativas, foi produzida em determinados contextos culturais, que enfatizam alguns valores fundamentais a esses ambientes, mas que podem receber pesos e significados diferentes em diferentes casos. Portanto, quando utilizados podem não se atualizarem de acordo com os parâmetros previstos, suscitando leituras diferenciadas, adaptações e jeitinhos. (BARBOSA, 1996, p.18).

O conceito da Teoria de Seleção Natural elaborada por Charles Darwin é capaz de

elucidar com louvor a ideia de mudança e adaptação cultural. Segundo o naturalista inglês, o

planeta possui grande variabilidade genética envolta à recursos naturais limitados, propiciando o

surgimento de um ambiente de competição pela sobrevivência, em que a natureza se encarrega de

eliminar os mais fracos. Ou seja, as espécies que se adaptam às contingências do meio (seja através

do desenvolvimento de estruturas homólogas ou análogas) são selecionadas a sobreviver por serem

23

mais fortes, reproduzindo-se com as novas características em torno do globo terrestre até que surgia

outra seleção da natureza. (LOPES, 2004, p. 510-11).

Transmitindo esta conceituação para o meio organizacional ao qual se dedica este

artigo, pode-se concluir que a cultura de qualquer organização pode sofrer choques de valores, seja

pelo avanço da ciência, da tecnologia, do contato com outras culturas etc. A grande maioria dos

agentes de mudança cultural são trazidos da cultura nacional e envolvem toda uma organização e,

para que sobreviva, torna-se necessário à mesma que remodele a cultura interna de acordo com

novos valores e padrões de forma que não confrontem os pressupostos institucionais básicos.

Neusa Cavedon apresenta, em sua obra, um exemplo de externalidade que influenciou a

cultura organizacional, que foi a mudança da estrutura familiar em meados do século XX no Brasil.

No novo contexto, a figura do provedor não se encontra mais na figura de uma única pessoa, o

homem, tendo a mulher papel contribuinte na renda familiar ao começar a atingir postos de

trabalho. Tal mudança requer um modelo doméstico baseado na negociação, no companheirismo e

responsabilidade mútua, tirando o espaço do autoritarismo.

A mulher, ao assumir o controle da família, tendo de trabalhar fora para sustentá-la, acaba transpondo a intuição, a criatividade, o amor, a confiança, o otimismo, a compaixão, ou seja, valores matriarcais para o espaço organizacional, privilegiando aspectos mais fraternais, enfatizando a subjetividade, as características mais femininas. (CAVEDON, 2008, p.92).

A década de 90 foi marcada por grandes mudanças políticas, como o impeachment no

governo Collor, econômicas, como o Plano Real, e sociais, como o aumento do impacto sobre a

pobreza. Neste novo cenário brasileiro, as empresas nacionais não mais dispõem de incentivos

ficais e práticas protecionistas, tornando-se necessária às organizações a emergência de novos

formatos organizacionais, em meio a concorrência mais gritante. Como aponta Fleury (1991), as

empresas precisaram desenvolver valores, políticas, práticas e significados que contextualizassem a

importância da qualificação contínua, impressas, principalmente, na gestão de recursos humanos.

6 Conclusões

As pesquisas antropológicas e os estudos sociológicos, dentre outras áreas, apontam

para um fenômeno inerente a qualquer ser humano, a cultura. Há quem diga que a cultura é um

conjunto de valores, regras, crenças etc. criado por uma população com o intuito de se estabelecer

práticas individuais ideais, objetivando o convívio harmônico entre os comuns. A cultura também

foi lançada por alguns autores, como sendo um contexto no qual um grupo de pessoas mantém a

24

necessidade de enxergar o significado das coisas, considerando-as ideais e transferindo-as para as

demais gerações.

Se há diferentes populações espalhadas pelo mundo, então há de se convir que existem

diferentes culturas, e em suas formas mais sucintas se tornam um instrumento de identificação de

um povo. Considerando que a “cultura nacional é um agregado de subculturas” (NARDI, 2002, p.5)

que são partes que formam um todo cultural, afirma-se que as organizações se encaixam neste

conceito, possuindo suas políticas, códigos, visões, valores, padrões de conduta etc. A partir desta

análise, infere-se que as organizações estão inseridas em meio ao todo, à cultura nacional, e

portanto, recebem influências desta através de seus gestores e funcionários, considerando que as

corporações são sistemas abertos.

Muitos dos traços trazidos da cultura do país podem não condizer com o foco da

organização, sendo necessário arquitetar a cultura organizacional conforme os modelos desejados.

Surge, desta situação-problema, o interesse administrativo em instrumentalizar a cultura como

forma de controlar seus membros produtivos através de um fenômeno tão natural, que estes nem

percebem na maioria das vezes.

Os estudos sociais que surgiram com a psicologia, sociologia, antropologia e que

chegaram ao campo administrativo abandonaram uma visão retrógrada acerca dos funcionários que,

a partir de então, deixaram de ser preguiçosos e passaram a ser chamados de colaboradores. Estes

avanços são resultados das análises que definiram o funcionário como um ser social; e como

socializar é uma necessidade, estes acabam por não confrontar os valores e preceitos comuns às

organizações para não serem excluídos. Por isso, o domínio da cultura causa o brilho nos olhos do

gestores.

Engana-se quem pensa que administrar uma organização culturalmente seja uma tarefa

fácil, dada suas complexas e enormes proporções. Mas entender a cultura que permeia uma nação é

o primeiro passo para identificar seus traços dentro das organizações e determinar estratégias que as

fortaleçam ou inibam, conforme os objetivos corporativos.

O presente artigo não oferta métodos científicos que apontem para o controle cultural

por parte dos administradores, mas fornece uma transparência da cultura de quatro importantes

nações do planeta, no intuito de ilustrar de maneira clara as ideias inseridas nesta composição.

Espera-se que as contribuições contidas neste texto sirvam para estimular os avanços

das discussões sobre cultura organizacional, pois é um diálogo muito vasto. Portanto este é apenas

um esforço inicial para se desvendar a riqueza e dinâmica que a cultura tem a oferecer para a teoria

das organizações.

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