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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DE FÍSICA VIEIRA, Edimara Fernandes 1 - UFPR. HIGA, Ivanilda 2 - UFPR. Grupo de Trabalho - Práticas e Estágios nas Licenciaturas. Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este trabalho foi desenvolvido no âmbito de uma disciplina de Estágio de um curso de formação de professores de física, tendo como público alvo estudantes de um curso de pedagogia. Teve como objetivo estudar as potencialidades e funcionamento de linguagens distintas das usualmente utilizadas no ambiente escolar. Dentro desta proposta buscou-se apresentar as Histórias em Quadrinhos como um recurso didático significativo no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos físicos no contexto formal de ensino, a partir da leitura, interpretação e confecção de História em Quadrinhos. Assim, este estudo contou com dois enfoques, o primeiro destinou-se à apresentação das Histórias em Quadrinhos como um potencial recurso didático no desenvolvimento de aulas de física, centradas na leitura e interpretação do recurso apresentado. O segundo enfoque destinou-se a produção de Histórias em Quadrinhos (Tirinhas) pelos estudantes dentro de um contexto que vislumbrou identificar os processos de autoria desenvolvidos por estes estudantes dentro do contexto apresentado. Três abordagens distintas foram elaboradas e desenvolvidas em sala de aula, num total de 4 horas aula, e destas abordagens pode-se identificar que os estudantes participantes interpretaram a inserção de Histórias em Quadrinhos no cotidiano escolar como um recurso de caráter lúdico, motivador, ilustrativo e/ou complementar e não como uma linguagem potencialmente mediadora no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos escolares. Da confecção de Histórias em Quadrinhos de física, pôde-se evidenciar os discursos de autoria desenvolvidos por estes estudantes, evidenciando que a articulação de linguagens que priorizam os processos criativos no contexto formal de ensino promove o aperfeiçoamento dos discursos de autoria elaborados pelos estudantes. Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Ensino de Física. Processos de Autoria. 1 Graduanda em Licenciatura em Física: Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Professora na Universidade Federal do Paraná. E- mail: [email protected] .

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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO

DE FÍSICA

VIEIRA, Edimara Fernandes 1 - UFPR.

HIGA, Ivanilda 2 - UFPR.

Grupo de Trabalho - Práticas e Estágios nas Licenciaturas.

Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este trabalho foi desenvolvido no âmbito de uma disciplina de Estágio de um curso de formação de professores de física, tendo como público alvo estudantes de um curso de pedagogia. Teve como objetivo estudar as potencialidades e funcionamento de linguagens distintas das usualmente utilizadas no ambiente escolar. Dentro desta proposta buscou-se apresentar as Histórias em Quadrinhos como um recurso didático significativo no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos físicos no contexto formal de ensino, a partir da leitura, interpretação e confecção de História em Quadrinhos. Assim, este estudo contou com dois enfoques, o primeiro destinou-se à apresentação das Histórias em Quadrinhos como um potencial recurso didático no desenvolvimento de aulas de física, centradas na leitura e interpretação do recurso apresentado. O segundo enfoque destinou-se a produção de Histórias em Quadrinhos (Tirinhas) pelos estudantes dentro de um contexto que vislumbrou identificar os processos de autoria desenvolvidos por estes estudantes dentro do contexto apresentado. Três abordagens distintas foram elaboradas e desenvolvidas em sala de aula, num total de 4 horas aula, e destas abordagens pode-se identificar que os estudantes participantes interpretaram a inserção de Histórias em Quadrinhos no cotidiano escolar como um recurso de caráter lúdico, motivador, ilustrativo e/ou complementar e não como uma linguagem potencialmente mediadora no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos escolares. Da confecção de Histórias em Quadrinhos de física, pôde-se evidenciar os discursos de autoria desenvolvidos por estes estudantes, evidenciando que a articulação de linguagens que priorizam os processos criativos no contexto formal de ensino promove o aperfeiçoamento dos discursos de autoria elaborados pelos estudantes.

Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Ensino de Física. Processos de Autoria.

1 Graduanda em Licenciatura em Física: Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Professora na Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected].

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Introdução

Nos últimos anos a preocupação com o entendimento da física como atividade humana

vem tomando maior importância no universo escolar, devido à necessidade da formação de

indivíduos autônomos e críticos a partir de um ensino centrado no desenvolvimento de

competências específicas do conhecimento humano (PCNs, 1999, p. 28). Assim faz-se

necessária uma leitura da física a partir das diversas linguagens que a compõe, juntamente

com as linguagens trazidas pelos estudantes ao ambiente escolar, visando que estes estudantes

se apropriem da linguagem da ciência por intermédio das mais diversas linguagens que

demarcam os processos de comunicação humana. De acordo com Maturana (2001, p.130) a

ciência apenas tem significado quando interpretada como uma operação de linguagem de alto

significado para os indivíduos envolvidos na escrita, leitura e/ou decodificação desta

linguagem. Assim para que os estudantes sejam envolvidos nos processos de decodificação da

linguagem da física, faz-se necessária a inserção de linguagens distintas das tradicionais na

realidade cultural da escola de educação básica.

Para que estas linguagens distintas das já inseridas no ambiente escolar sejam

significativas no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos físicos é necessário que

compreendamos quais são as potencialidades e desafios ofertados por estes diferentes

formatos linguísticos no processo de construção dos conhecimentos escolares, para que de

fato possamos promover uma aprendizagem mais significativa da física em prol da promoção

de um ensino mais contextualizado e democrático.

Linguagem

Para que possamos compreender como o processo de decodificação de certa

linguagem se dá no ambiente escolar, primeiro precisamos compreender o que é a linguagem

em um contexto mais abrangente. Afinal a linguagem não se resume simplesmente a um

conjunto de símbolos e signos de comunicação, mas constitui toda uma estrutura que

coordena o modo como os indivíduos das mais distintas esferas sociais vivem e interagem

com as mais complexas situações apresentadas pelo mundo que os rodeia. Logo a linguagem

assume o papel de coordenadora e delimitadora de conduta, expressando assim, que todo

processo significativo de ensino-aprendizagem passa obrigatoriamente pelos limites da

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interação entre os indivíduos, ou seja, passa pelos limites da linguagem. Assim

consequentemente:

Toda interação implica num encontro estrutural entre os que interagem, e todo encontro estrutural resulta num desencadilhamento ou num desencadeamento de mudanças estruturais entre os participantes do encontro. O resultado disto é que, cada vez que encontros recorrentes acontecem, ocorrem mudanças estruturais que seguem um curso contingente com o curso desses. Isto acontece conosco no viver cotidiano, de tal modo que, apesar de estarmos, como seres vivos, em contínua mudança estrutural espontânea e reativa, o curso de nossa mudança estrutural espontânea e reativa se faz de maneira contingente com a história de nossas interações. (MATURANA, 1998, p.59/60).

Para Maturana (1998, p. 63) o processo de ensino-aprendizagem está diretamente

relacionado a estes conjuntos de interações entre os indivíduos, onde aprender não é apenas

um processo de captação de conceitos e conteúdos, mas é constituído de mudanças estruturais

decorrentes dos processos de comunicação humana e não se constitui exclusivamente no

ambiente escolar, mas em todos os ambientes onde este indivíduo interage. Esta concepção

denota a importância do uso de linguagens mais próximas da realidade cultural dos estudantes

dentro de ambientes tradicionais de ensino, seja na apresentação dos conceitos na forma de

materiais didáticos potencialmente significativos, seja nos processos avaliativos, em prol de

linguagens que possibilitem um desenvolvimento cultural e intelectual mais ativo dos

indivíduos que aprendem.

Aprendizagem Significativa

Dentro deste contexto a Teoria da Aprendizagem Significativa pode ser entendida

como a Teoria da Negociação de Significados, observada quando o contexto trabalhado em

sala de aula, que tem significado para o professor, passa a significar algo para o aprendiz,

quando indivíduo que aprende é capaz de explicar novas situações com suas próprias

palavras, quando é capaz de desenvolver situações-problemas distintas das que lhe foram

apresentadas, enfim, quando compreende o que foi ensinado (MOREIRA, 2003, p.02). Para

que este processo possa ocorrer é necessário que haja a interação entre os novos

conhecimentos apresentados e conhecimentos específicos já existentes na estrutura cognitiva

do indivíduo que aprende, logo considerando este contexto de interação, para que haja de fato

a aprendizagem significativa é necessário que a linguagem seja considerada como peça

fundamental no processo de ensino-aprendizagem, pois:

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O significado está nas pessoas, não nas coisas ou eventos. É para as pessoas que sinais, gestos, ícones e, sobretudo, palavras (e outros símbolos) significam algo. Está aí à linguagem, seja ela verbal ou não. Sem a linguagem o desenvolvimento e transmissão de significados compartilhados seriam praticamente impossíveis. A interação referida antes é entre os novos conhecimentos e aqueles especificamente relevantes já existentes na estrutura cognitiva com certo grau de clareza e estabilidade, mas essa interação é usualmente mediada por outra, na qual a linguagem tem papel fundamental, a interação pessoal. O conhecimento, bem, o conhecimento é linguagem; a chave da compreensão de um conhecimento, de um conteúdo, ou mesmo de uma disciplina, é conhecer sua linguagem. (MOREIRA, 2003, p.02).

Logo para que haja de fato aprendizagem significativa, condições propícias devem ser

articuladas, e para Moreira (2012, p.24) existem duas condições fundamentais, onde a

primeira está relacionada ao material didático apresentado pelo professor aos indivíduos que

aprendem e a segunda está relacionada ao interesse dos indivíduos em aprender. Vale ressaltar

que o material didático apresentado deve ser potencialmente significativo, mas o significado

será atribuído pelos indivíduos que interagem (professor-estudante e/ou estudante-estudante).

Podemos então perceber que a linguagem viabiliza negociação de significados entre os novos

conhecimentos e conhecimentos previamente existentes na estrutura cognitiva do individuo

aprendiz, mas se o individuo que aprende não estiver disposto a atribuir significados ao

processo que o permeia, não haverá aprendizagem significativa (MOREIRA, 2003, p 14).

Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula

As Histórias em Quadrinhos constituem uma linguagem de massa com grande

aceitação popular, o que consequentemente a faz uma linguagem inserida no cotidiano

linguístico dos estudantes dos mais diversos níveis de aprendizagem, fato que a constitui

como abordagem didático-metodológico de grande significado cognitivo no processo de

ensino-aprendizagem dos conceitos físicos. De acordo com Braz e Fernandes (2009, p.01/02)

as Histórias em Quadrinhos podem ser utilizadas no ensino de física com diferentes objetivos

que podem abordar desde a correção de distorções conceituais, criação de situações problema,

desenvolvimento de perspectivas críticas da ciência até a promoção de processos criativos.

A potencialidade das Histórias em Quadrinhos pode ser atribuída a duas características

significativas da linguagem: a primeira é marcada por seu formato literário, formulada dentro

de contextos acessíveis, possibilitando uma leitura prazerosa e de fácil entendimento

(PIZARRO, 2009, p.02) e o segundo é marcado por sua proposta dual, que contempla o

desenvolvimento textual, associados a imagens gráficas. Assim, texto e imagem se

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complementam dentro do contexto apresentado, tornando-a uma linguagem extremamente

ampla, uma vez que:

Os dois sistemas envolvidos atuam em uma relação de complementaridade no contexto da HQ, sendo que o elemento linguístico escrito possui um amplo poder de representação no campo dos conceitos universais, enquanto que elemento icônico busca a representação dos objetos físicos, seus movimentos e sucessões. O texto incorporado ao Quadrinho tem o objetivo de indicar aquilo que a imagem não mostra, acrescentando elementos temporais e espaciais ao contexto pretendido, conseguindo estabelecer a união lógica das vinhetas e quadros. (TESTONI & ABIB, 2007, p.04).

Mas, mesmo sendo uma linguagem altamente significativa no desenvolvimento dos

conceitos físicos no contexto escolar, esta linguagem deve ser selecionada e desenvolvida em

sala de aula de forma cautelosa e criteriosa, afinal em sua grande maioria, este material de

mídia constitui um produto de mercado, sem necessariamente compromisso científico,

conceitual, didático e/ou metodológico. Logo esta proposta atribui ao professor a

responsabilidade da elaboração de um contexto que propicie a relação entre as Histórias em

Quadrinhos e o ambiente escolar. E esta relação é uma das grandes preocupações

evidenciadas quanto ao uso desta linguagem, pois a construção dos conhecimentos escolares

dentro desta abordagem deve evitar a corrente visão simplista de que as Histórias em

Quadrinhos constituem apenas uma ilustração lúdica e/ou motivadora da ciência, afinal:

Consideramos extremamente necessário apresentar formas de se aplicar as HQs em sala de aula, visto que, se apenas nos referíssemos aos saberes científicos contidos em cada história, não cumpriríamos o nosso intuito inicial, que é o de tecer possibilidades para o ensino de Ciências. Dessa forma, evidenciaremos que as HQs não são uma mera ilustração para se ensinar Ciências, mas podem permear toda a proposta didática (CARVALHO e MARTINS, 2009, p.135).

Logo o trabalho com Histórias em Quadrinhos constitui uma abordagem complexa que

deve ser planejada de acordo com objetivos pretendidos pelo professor, a fim de potencializar

todas as características positivas contidas nesta linguagem e evitar equívocos relacionados a

percepções distorcidas que atribuem à linguagem competências meramente lúdicas e/ou

motivadoras, que tendem a desvirtuar a proposta didática. As Histórias em Quadrinhos no

contexto escolar devem ser apresentadas como material didático de alto potencial que tem

como objetivo aproximar a linguagem do estudante à linguagem escolar.

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Processos de Autoria

A Análise do Discurso tem como objetivo a identificação da prática de linguagem,

onde esta linguagem não é transparente, pois expressa a interação entre o indivíduo, o

pensamento e o mundo que o rodeia (DIAS e ALMEIDA, 2010, p.54). Logo a base

fundamental da Análise do Discurso concentra-se no sentido empregado à palavra a partir das

bases de sua construção (MASSI e QUEIROZ, 2012, p.272/273). Neste contexto a Análise do

Discurso pode ser interpretada dentro de seu sentido mais restrito, que expressa o contexto

mais imediato do discurso elaborado ou pode considerar um sentido mais amplo, o qual inclui

o contexto sócio-histórico-ideológico do individuo que discursa, e neste segundo sentido é

que podemos identificar as características do indivíduo e seus processos de aprendizagem

(FERREIRA e QUEIROZ, 2011, p. 543).

Dentro dos processos que envolvem a Análise do Discurso, é de grande importância

ressaltar os processos de autoria que a permeiam, pois a função de autor destaca a sua função

de indivíduo que se expressa, afinal apenas o autor á capaz de atribuir sentidos e significados

a um dado contexto. E dentro desta perspectiva é necessário identificar os processos de

autoria baseados na repetição empírica, na repetição formal e na repetição histórica

(FERREIRA e QUEIROZ, 2011, p.544).

Assim estes três processos de repetição são definidas como:

a) A repetição empírica (mnemônica) que é a do efeito papagaio, só repete; b) A repetição formal (técnica) que é outro modo de dizer o mesmo; c) A repetição histórica, que é a que desloca a que permite o movimento porque historiciza o dizer e o sujeito, fazendo fluir o discurso, nos seus percursos, trabalhando o equívoco, a falha, atravessando as evidências do imaginário e fazendo o irrealizado irromper no já estabelecido. (ORLANDI, 2007, p.54)

No ensino de física, podemos interpretar a repetição empírica, com aquela em que o

estudante apenas reproduz aquilo que foi discursado pelo professor ou apresentado pelo

material didático trabalhado, a repetição formal, como aquela que explicita um exercício

gramatical, onde o estudante repete o que leu ou ouviu, mantendo o contexto, mas utilizando

uma estrutura mais próxima de seu desenvolvimento cognitivo, podendo ser entendida como a

releitura do fenômeno pelo estudante. A repetição histórica, por sua vez, retrata o que o

estudante compreendeu, exibindo as possíveis conexões existentes entre eventos explicitados

no ambiente escolar a eventos presentes no cotidiano do estudante, havendo assim uma

transposição do conhecimento da sala de aula para o mundo real. No entanto, devemos

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compreender que a identificação da repetição empírica e formal, mesmo não necessariamente

indicando um processo de autoria é de grande importância dentro de contextos escolares, pois

evidenciam o princípio de uma compreensão e/ou assimilação das linguagens características

das ciências naturais. Enquanto que a repetição histórica não expressa apenas um processo de

autoria, mas sim o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa dos conceitos

desenvolvidos (MASSI e QUEIROZ, 2012, p.274).

Metodologia

Este estudo foi desenvolvido em duas turmas de um curso de pedagogia em um

conjunto de quatro horas-aula. O primeiro objetivo deste estudo foi desenvolver aulas de

física utilizando Histórias em Quadrinhos como material didático e o segundo foi apresentar a

construção de Histórias em Quadrinhos como método avaliativo. Assim, este projeto contou

com três abordagens distintas: a primeira apresentou uma História em Quadrinhos contendo

15 cenas. A segunda contou com um conjunto de quatro pequenas Histórias em Quadrinhos

(Tirinhas) contendo três cenas cada, onde nenhuma delas continha título e a terceira

abordagem foi destinada a avaliação do que o grupo aprendeu significativamente, a partir da

construção de pequenas Histórias em Quadrinhos (Tirinhas) utilizando um site destinado a

este tipo de atividade. Na sequência cada uma das abordagens será explicitada com detalhes.

Primeira abordagem: Histórias em Quadrinhos como Material Didático

Esta primeira etapa contou com uma História em Quadrinhos contendo 15 cenas e

intitulada “Conservação e Transformação de Energia”, conforme consta na Figura 1. Este

material apresentou os conceitos de Energia, Conservação de Energia, Transformação de

Energia, Formas de Energia presentes na natureza, Energias Dissipativas e um exemplo de

como estes eventos podem ser identificados em nosso cotidiano. No momento inicial da aula

foi apresentado o material didático e anunciado o tema central tratado na História em

Quadrinhos. Foi entregue uma cópia do material para cada um dos estudantes e solicitado que

efetuassem uma leitura silenciosa e individual. Quando a leitura individual foi finalizada duas

questões foram apresentadas, como intuito direcionar o desenvolvimento da aula e analisar a

as concepções estabelecidas pelos estudantes a respeito do recurso didático.

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Figura 1 – História em Quadrinhos apresentada na primeira abordagem Fonte: Organizado pelos autores, 2012, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:p8l6u6zn, http://Pixton.com/hq:b8kj2ife, http://www.pixton.com/br/comic/7v426upv>.

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Questão 01- Liste todos os conceitos físicos que não foram completamente

compreendidos com a leitura da História em Quadrinhos sobre Conservação e Transformação

de Energia.

Questão 02- Desenvolva um pequeno texto que expresse suas impressões a respeito da

proposta didático-metodológica que associa conteúdos de física a uma História em

Quadrinhos dentro de um contexto formal de ensino.

A questão 01 serviu de base para o desenvolvimento da aula, pois todo processo de

exposição conceitual foi arquitetado com base nas dúvidas apresentadas pelo grupo, assim

todos os conceitos presentes no material didático foram aprofundados em sala de aula, como o

conceito central, a definição conceitual e exemplificação cotidiana de cada energia citada,

finalizando com uma discussão a respeito das energias dissipativas. Enquanto a questão 02

serviu de base inicial para o tópico relacionado às análises apresentadas a seguir.

Segunda abordagem: Histórias em Quadrinhos como Material Didático

Esta etapa apresentou um conjunto de quatro pequenas Histórias em Quadrinhos

(Tirinhas) contendo três cenas cada, que não estavam intituladas, apenas identificadas com

números. Quanto ao tema, cada uma delas tratava de uma forma de produção de Energia

Elétrica. Enquanto a primeira abordava os processos envolvidos em uma Usina Hidroelétrica,

a segunda focava processos envolvidos em uma Usina Termoelétrica, a terceira discutia os

processos envolvidos em uma Usina Eólica e a quarta descrevia os processos característicos

de Usinas Solares, conforme pode ser observado na Figura 02.

Foi novamente entregue uma cópia do material didático para cada um dos estudantes,

sem tecer qualquer comentário sobre a temática ou os conceitos físicos envolvidos em cada

tirinha. Foi solicitado que o grupo desenvolvesse a leitura de cada uma das Tirinhas e lhes

atribuísse um título. Com base nos títulos apresentados pelo grupo, foi desenvolvida uma

leitura dirigida e em voz alta que tinha como propósito identificar todas as formas de energias

descritas em cada uma, quais os processos de transformação de energia evidenciados, a ordem

como os processos de transformação se davam, finalizando com uma comparação

esquemática que evidenciava os processos de transformação de energia que se repetiam e as

características específicas de cada uma das usinas.

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Figura 2 – Pequenas Histórias em Quadrinhos (Tirinhas) utilizadas na segunda abordagem Fonte: Organizado pelos autores, 2012, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:6wdrqmdf, http://Pixton.com/hq:9wncvgjz, http://Pixton.com/hq:kwe03dfc, http://Pixton.com/hq:p00kbgw1>.

Terceira abordagem: Histórias em Quadrinhos como Forma Avaliativa

A terceira abordagem teve como objetivo apresentar o contexto de produção de

Histórias em Quadrinhos como uma proposta avaliativa. Para esta aula, o grupo foi

encaminhado para a sala de informática, na qual os estudantes foram apresentados a um site

destinado a construção de Histórias em Quadrinhos e receberam instruções de como utilizar

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as ferramentas disponibilizadas. Em seguida foi solicitado que escolhessem um dos conceitos

desenvolvidos nas duas abordagens anteriores e confeccionassem uma pequena História em

Quadrinhos contendo três cenas (Tirinha). A atividade poderia ser desenvolvida

individualmente, em duplas ou em trios. Quando finalizadas, as Tirinhas foram publicadas no

site para acesso público. Ao final da abordagem, foram produzidas vinte e oito Tirinhas.

Análise

Os resultados apresentados são consequência direta da análise das produções dos

estudantes na primeira, segunda e terceira abordagem. Na primeira abordagem analisam-se as

percepções dos estudantes a respeito da utilização das Histórias em Quadrinhos no contexto

escolar. Na segunda e terceira abordagens evidenciaram-se os processos de repetição

elaborados pelos futuros professores no contexto de aprendizagem dos conceitos físicos.

Análise das Questões Propostas

No contexto deste trabalho, serão tecidas reflexões sobre as respostas à Questão 02, a

partir da qual duas posturas distintas puderam sem observadas: A primeira postura refere-se

aos significados que os Estudantes Participantes (EP) atribuíram às Histórias em Quadrinhos:

de recurso de caráter lúdico e/ou motivador no contexto de ensino-aprendizagem. São

exemplos as seguintes falas desenvolvidas:

A linguagem ajuda por ser um jeito lúdico de apresentar o conteúdo (EP-01, 2012). Acredito que a linguagem em si é interessante para chamar a atenção (EP-02, 2012). O material pode ser interessante, no entanto, só para chamar atenção (EP-03, 2012).

A segunda postura adotada pelos EP evidencia que estes atribuem grande importância

ao papel do professor no desenvolvimento das articulações necessárias entre as linguagens

diferenciadas e os indivíduos que aprendem, conforme indicam algumas falas:

Para melhor entendimento dos alunos, o professor terá que abordar melhor os tipos de Energia (EP-04, 2012). Todos os elementos citados devem ser explorados pelo professor (EP-05, 2012). Acredito ser fundamental a intervenção do professor, durante ou após a leitura da história (EP-06, 2012).

Assim pudemos observar posturas distintas: quando o grupo se coloca no papel de

estudantes em contato com um contexto de aprendizagem diferenciado, estes leram a História

em Quadrinhos, formularam e apresentaram dúvidas relevantes ao contexto formal de ensino,

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onde atribuíram significados ao recurso durante a intervenção do professor. Mas quando

questionados a se posicionarem partir da perspectiva de futuros professores em contato com

uma metodologia e materiais didáticos diferenciados, parte do grupo interpretou o recurso sob

uma perspectiva lúdica e/ou motivadora, não como material didático, mas como material

ilustrativo ou complementar.

Análise do Processo de Intitulação das Tirinhas:

As análises concentraram-se na pequena parcela do grupo participante que

desenvolveu a atividade, que tinha como proposta atribuir títulos às Tirinhas que tratavam da

diferentes usinas produtoras de energia elétrica. O processo de análise dos títulos teve como

base os processos de repetição empírica, formal e histórica.

Os títulos classificados dentro do processo de repetição empírica utilizaram frases que

pertenciam à Tirinha, neste contexto houve apenas um processo extração e reprodução literal

de conteúdos. Os títulos que foram classificados dentro do processo de repetição formal

utilizaram o nome da usina apresentada, associada a complementações extraídas do enredo da

tirinha. E os títulos classificados na concepção de repetição histórica, apresentaram de forma

explícita elemento do cotidiano do Estudante como exemplificam dados do Quadro 1:

Forma de Repetição Incidência de Repetição Exemplos de Títulos Produzidos Repetição Empírica 30 Energia Elétrica pelas Águas (EP-07)

Energia Elétrica por Combustão (EP-08) Energia Elétrica pelos Ventos (EP-09) Energia Elétrica pelo Sol (EP-10)

Repetição Formal 26 Hidroelétrica: A aflição do adolescente (EP-11) Termoelétrica: Não à energia por Combustão (EP-12) Eólica: Soprando Energia (EP-13) Solar: O sol que me Aquece (EP-14)

Repetição Histórica 20 Águas para que te quero (EP-15) Caindo na Real (EP-16) O Sopro da Energia Cinética (EP- 17) O Sol está ali e a Energia Também (EP-18)

TOTAL DE INCIDÊNCIA DE REPETIÇÃO 76 Quadro 1 – Exemplos de títulos inseridos nos processos de repetição Fonte: Dados organizados pelos autores, com base na atividade de intitulação desenvolvida pelos estudantes.

No processo de intitulamento, cada aluno formulou quatro títulos distintos, um para

cada Tirinha e neste processo, foi identificado que a repetição empírica foi a mais recorrente,

mas não houve a adoção de um formato único de autoria, pois na elaboração desta atividade

houveram situações em que um único individuo desenvolveu os três processos de repetição.

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Análise das Histórias em Quadrinhos Produzidas:

A proposta de produção de Histórias em Quadrinhos teve o intuito de analisar a

apropriação do conhecimento através da análise do discurso desenvolvido na elaboração de

uma atividade de criação envolvendo conceitos físicos e apresentar aos estudantes, prováveis

futuros professores, uma proposta avaliativa diferenciada a ser inserida em sala de aula. Das

duas turmas participantes foi obtido um total de 28 Tirinhas, das quais 25 abordaram os

conceitos físicos apresentados e 03 abordaram temas aleatórios. Para esta análise foram

consideradas as 25 tirinhas que abordaram a proposta apresentada, estas foram categorizadas

de acordo com o processo de repetição evidenciado, identificando o número de tirinhas em

cada forma de repetição (empírica, formal ou histórica), como mostra a Tabela 1:

Tabela 1 - Quantificação dos Processos de Repetição

Forma de Repetição Número de Tirinhas Repetição Empírica 07 Repetição Formal 10 Repetição Histórica 08 TOTAL 25 Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nas tirinhas produzidas pelos estudantes.

As 25 Tirinhas selecionadas foram analisadas de acordo com o processo de autoria,

explicitando se os processos de repetição se deram em caráter empírico, formal ou histórico.

As tirinhas consideradas dentro do processo de Repetição Empírica tiveram como

característica comum à extração e reprodução literal de frases contidas no recurso didático

apresentado ou discurso do professor, conforme apresentam as Figura 3 e Figura 4:

Figura 3– História em Quadrinhos centrada na Repetição Empírica; Fonte: Produzido por EP-19 e EP-20, 2012, disponível em <http://Pixton.com/hq:w1l2yglr>.

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Figura 4– História em Quadrinhos centrada na Repetição Empírica; Fonte: Produzido por EP-21 e EP-22, 2012, disponibilizado em < http://Pixton.com/hq:w1l2yglr >.

Também foi identificado, nas produções, o processo de Repetição Formal, que foi

definido, dentro deste contexto, como um processo de repetição calcado no recurso didático

ou em abordagens apresentadas em sala de aula, ambas associados a elementos trazidos da

realidade cultural dos indivíduos envolvidos, conforme exemplificam as Figura 5 e Figura 6:

Figura 5 – História em Quadrinhos centrada na Repetição Formal; Fonte: Produzido por EP-23, EP-11 e EP-17, 2012, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:wkza6y73>.

Figura 6 – História em Quadrinhos centrada na Repetição Formal; Fonte: Produzido EP-24 e EP-06, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:03koy46i>.

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Finalmente, também foi identificado nas produções, a Repetição Histórica, onde as

Tirinhas consideradas dentro desta forma de repetição apresentaram diálogos e situações

calcadas em processos interpretativos e ocorreram independentemente do material didático

apresentado, ou contextos desenvolvidos em sala de aula. A característica mais mercante

deste processo foi a identificação do indivíduo como aquele que atribui significado a um dado

contexto, sem abandonar o contexto original, conforme denotam a Figura 7 e Figura 8:

Figura 7– História em Quadrinhos centrada na Repetição Histórica; Fonte: Produzido por EP-25 e EP-16, 2012, disponibilizado em http://Pixton.com/hq:8pxdhyyw

Figura 8– História em Quadrinhos centrada na Repetição Histórica; Fonte: Produzido por EP-26 e EP-27, 2012, disponibilizado em <http://Pixton.com/hq:diglxcvm>.

Os resultados evidenciam as possibilidades de produção de conhecimento e a

potencialidade do uso de linguagens diferenciadas no processo de ensino-aprendizagem dos

conteúdos escolares, pois tanto a proposta de atribuição de títulos, quanto à proposta de

confecção de Tirinhas exemplificaram a dificuldade que os estudantes têm ao desenvolver

atividades que envolvem conceitos físicos e processos de criação. Isso indica o quanto o

ensino de ciências é interpretado como a partir de uma perspectiva estática e desvinculada do

contexto de produção humana em constante mudança.

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Quanto à confecção das Tirinhas, podemos perceber que a parcela do grupo

circunscrito a processos de repetição empírica, desenvolveu um processo de apropriação do

discurso científico, mesmo que de forma ainda condicionada ao discurso do material

didático/professor/ciência. Talvez isso ocorra devido à concepção da física como uma ciência

que não permite a interpretação, mas apenas a reprodução. As Tirinhas desenvolvidas a partir

de processos de repetição formal são as mais evidenciadas entre o grupo, de forma que

podemos concluir que esta parcela está em um processo de maturação do discurso científico.

É importante ressaltar que tanto a repetição empírica quanto a formal não estão aqui sendo

descartadas ou subestimadas no processo de ensino-aprendizagem, mas são entendidas como

etapas intermediárias da apropriação do conhecimento que devem se superadas a fim de que

estes indivíduos aprendam significativamente os conceitos apresentados e consequentemente

desenvolvam os processos de autoria calcados na repetição histórica.

Considerações Finais

Este estudo teve por objetivo analisar as potencialidades das Histórias em Quadrinhos,

como material didático significativo no ensino de física, onde o uso da linguagem criativa se

faz fundamental no desenvolvimento e aperfeiçoamento do discurso. A partir deste estudo

pôde-se evidenciar que linguagens centradas em processos criativos potencializam o

desenvolvimento de atividades centradas na repetição formal e histórica, como pode ser

evidenciado na etapa envolvendo a produção de Tirinhas de física. Logo, como linguagem

mediadora, a História em Quadrinhos, quando bem articuladas dentro do ambiente formal de

ensino, pode potencializar o processo de aprendizagem significativa dos conceitos físicos,

afinal a confecção de Histórias em Quadrinhos exige dos estudantes que articule os conceitos

compreendidos a um dado contexto que pode ser desde o apresentado em sala de aula até

aqueles trazidos pelos estudantes. Contudo, este estudo também revela um ponto que pode

dificultar a utilização das Histórias em Quadrinhos em sala de aula, e está ligado ao

imaginário dos professores de que esta linguagem não se materializa como recurso didático,

mas sim como material lúdico, motivador ou complementar, assim dispensável dentro de uma

abordagem formal de ensino. O que consequentemente pode limitar a proposta, pois não

identifica que o significado desta linguagem não está no material, mas sim no significado

atribuído pelos indivíduos escolares que interagem com e através desta linguagem.

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