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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO
MESTRADO EM TEATRO
HELOISE BAURICH VIDOR
DRAMA E TEATRALIDADE
Experiências com o professor no papel e o professor-personagem e suas
possibilidades para o ensino do teatro na escola.
FLORIANÓPOLIS
2008
2
HELOISE BAURICH VIDOR
DRAMA E TEATRALIDADE
Experiências com o professor no papel e o professor–personagem e suas
possibilidades para o ensino do teatro na escola.
Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Pedagogia do Teatro. Orientadora: Profa. Beatriz Cabral, Dra.
FLORIANÓPOLIS
2008
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HELOISE BAURICH VIDOR
DRAMA E TEATRALIDADE
Experiências com o professor no papel e professor personagem e suas possibilidades
para o ensino do teatro na escola
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre em Teatro, na linha de pesquisa: Pedagogia do Teatro, e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, em 03 de novembro de 2008.
Prof Milton de Andrade, Dr Coordenador do Mestrado
Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores:
Profª Beatriz Angela Vieira Cabral, Drª Orientadora
Profª Vera Collaço, Drª Membro
Prof Flávio Desgranges, Dr Membro
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AGRADECIMENTOS
A Capes pelo apoio financeiro recebido no primeiro ano de curso.
À Laura Cascaes, Raquel Guerra, Marcelo Cabral Vaz, Lia Mota, Pedro Paulo
Pita, Melize Zanoni, Zélia Sabino, Jucélia Maria Alves e funcionários do DAC/UFSC,
pelo apoio e disponibilidade.
Aos alunos do DAC-Ceart/ Udesc e aos professores da Rede Pública de Ensino,
que participaram da primeira experiência prática.
À diretora da E.E.E.B. Lúcia do Livramento Mayvorne, professora Uda Gonzaga
e à professora Maria Goreti.
Aos alunos da terceira série (2007) da E.E.E.B Lúcia do Livramento Mayvorne,
que participaram da segunda experiência prática.
Aos professores Flávio Desgranges e Vera Collaço pelas contribuições.
À professora Márcia Pompeo pela ajuda em Exeter/ Inglaterra.
À Raquel (de novo!), Waleska, Flávia e Vicente, pela interlocução.
Aos alunos, todos, pelos questionamentos e desafios que nos colocam dia pós
dia.
Aos meus amores Mário, Ana Luísa e Rodrigo;
Sérgio e Helena;
e à Elza;
meus braços (e pernas) direitas e esquerdas!!!
À Beatriz Cabral, sou extremamente grata. Além de me aproximar do drama, me
mostrou o que é ‘ser Mestre’.
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Resumo
Esta pesquisa é sobre a metodologia do drama associada ao ensino do teatro na escola.
São utilizadas duas experiências distintas para investigar o papel do professor na
mediação de processos de drama. A estratégia do teacher in role é central na
investigação e é explorada através de duas abordagens pedagogicamente diferentes: o
professor no papel se refere às situações nas quais o professor discute uma função
social como um parceiro dos alunos dentro do processo; o professor personagem se
refere às situações aonde o professor traz um personagem, mantendo seu discurso e suas
atitudes, a fim de desafiar o ponto de vista dos alunos. Estes procedimentos aproximam
o papel do professor ao do ator, abrindo perspectivas tanto para a apropriação da
linguagem teatral pelo aluno na sala de aula, quanto para a atuação do professor como
co-atista - professor-ator - dentro do processo de ensino-aprendizagem do teatro.
Palavras chaves: drama educação - professor-artista – teatro curricular – professor-
personagem – professor no papel.
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Abstract
This research, on drama methodology in the Brazilian context, looks at two distinct
experiences in order to investigate the role of the teacher to mediate the drama
processes. The strategy teacher-in-role is the core of the investigation and here is
approached through two different pedagogical procedures: in role stands for the
situations where the teacher takes on a social function as a partner of the students within
the process; in character stands for the situations where the teacher takes on a character
and keeps his/her discourse and attitudes in order to challenge the students’ points of
view. This approach brings the role of the teacher closer to the role of the actor, and
opens doors both to the participants’ acquisition of the theatrical language and to the
teacher’ performance as co-artist within the teaching and learning processes.
Words keys: Drama education - teacher-artist - curricular theater - teacher in character
- teacher in role.
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Sumário
INTRODUÇÃO_______________________________________________________9
CAPÍTULO 1: O Professor-artista: possibilidades de interação entre o pedagogo e
o ator na sala de aula_________________________________________17
1.1. O professor como trabalhador cultural: a pedagogia pós-crítica como base para a
ação do professor-ator.____________________________________________ 22
1.2. A escola como fronteira cultural: possibilidades do teatro na escola.________ 24
1.3. Pontos de conexão: professor-artista e pedagogia pós-crítica como um caminho
provável e/ou possível.____________________________________________26
1.4. O professor-artista e o drama: mas de que drama estamos falando?_________28
1.4.1. As principais características da metodologia do drama e o fenômeno da
teatralidade.__________________________________________________30
1.4.2. Drama e Teatralidade______________________________________33
1.4.3 O drama no Brasil_________________________________________35
CAPÍTULO 2 : Professor no papel e Professor-personagem: diferentes abordagens
do teacher in role no processo de drama e suas possibilidades para o ensino do
teatro na escola _______________________________________________________38
2.1. As origens do teacher in role: o drama na proposta de Dorothy Heathcote.___38
2.2. Os papéis e suas funções: propostas que auxiliam o professor na escolha dos
papéis a serem trabalhados.________________________________________ 43
2.3. Professor no papel e professor personagem: a imigração do drama para o Brasil
e as implicações para o ‘professor-artista______________________________47
CAPÍTULO 3 : Minhas experiências com o professor no papel e com o professor-
personagem nos processos de drama a partir do pré-texto “Nós e
Eles”________________________________________________________________53
8
3.1. Nós e Eles: o professor-personagem conduz a cena - oficina sobre o potencial
interdisciplinar do teatro como eixo curricular._________________________ 55
3.1.1 Relato da Experiência._______________________________________ 60
3.1.2. Avaliação.________________________________________________ 65
3.2. Nós e Eles: Águia Azul e Leão Dourado ‘roubam’ a cena! A experiência com o
professor-personagem na sala de aula________________________________ 76
3.2.1 Relato da Experiência._______________________________________ 80
3.2.2 Avaliação._________________________________________________ 98
CONSIDERAÇÕES FINAIS___________________________________________107
REFERÊNCIAS:____________________________________________________ 117
ANEXO 1.__________________________________________________________ 121
ANEXO 2___________________________________________________________124
ANEXO 3.__________________________________________________________ 127
ANEXO 4.__________________________________________________________ 129
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1. Introdução
Este trabalho tem como objetivo geral investigar o potencial da metodologia do
drama na educação para o contexto do ensino do teatro na escola, tanto no que se refere
às múltiplas possibilidades de interação professor-aluno, quanto ao espaço que o drama
proporciona para que a voz do aluno ressoe no processo, além da sua viabilidade para a
aquisição da linguagem teatral.
O drama na educação, dentro da perspectiva inglesa onde foi criado, é definido
como um modo de aprendizado no qual os alunos, através de uma identificação ativa
com papéis e situações imaginárias, podem aprender a explorar problemas, eventos e
relacionamentos. No desenvolvimento do processo de drama, ou seja, da construção de
uma narrativa em grupo, a criança busca no seu conhecimento e na sua experiência do
mundo real subsídios para criar o mundo imaginário/ficcional. Criando e refletindo
sobre o mundo ficcional, ela pode vir a compreender a si própria e o mundo real no qual
vive. Para isso não são necessárias, nem tampouco pouco desenvolvidas, habilidades
teatrais sofisticadas, espera-se do aluno apenas disponibilidade para interagir com
situações, ações e objetos que não são reais, colocar-se no papel de outra pessoa e
interagir em grupo. A potencialização ou não da linguagem teatral durante o processo
varia de acordo com o perfil e os objetivos pedagógicos do professor de drama.
Neste sentido, o papel do professor no drama é central para o desenvolvimento
das atividades. É o professor que, trabalhando junto com os alunos dentro do processo,
guiará a construção da narrativa, a partir das idéias dos alunos e fará a ponte, para eles,
entre sua própria experiência de mundo e os significados provenientes da ficção. O
sucesso do trabalho está relacionado à segurança do professor em relação ao que cada
estrutura de drama pode gerar em termos de discussão, capacidade para incorporar as
idéias trazidas pelos alunos e habilidade para propor materiais, tarefas, estratégias, e
redirecioná-las quando necessário.
Uma das principais estratégias utilizadas pelos praticantes de drama é o teacher
in role, ou seja, o professor assumindo diferentes papéis sociais como forma de
mediação. E é esta estratégia, especificamente, que servirá como eixo para o
desenvolvimento deste trabalho, pois, o recorte da pesquisa está na investigação e
discussão do papel do professor como articulador do processo de ensino-aprendizado e
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sua possibilidade de atuação como artista, mais precisamente como ator – professor-ator
- na atividade desenvolvida em sala de aula, junto com os alunos.
No contexto brasileiro, o drama está sendo utilizado no âmbito do ensino do
teatro propriamente e um dos aspectos mais importantes para a sua imigração é a
possibilidade que ele apresenta para o ensino do teatro na instituição escolar, conforme
veremos adiante.
A estratégia do teacher in role (TIR) 1 foi traduzida para o português por
‘professor-personagem’ devido a questões lingüísticas2 e pedagógicas, como será visto
adiante, e definido como uma estratégia na qual o professor assume personagens
durante o processo de construção de uma narrativa cênica pelos alunos (CABRAL,
2006). Entretanto, no trabalho prático com o drama, desenvolvido pelo grupo de
pesquisa Pedagogia do Teatro e Teatro como Pedagogia, coordenado pela própria
Cabral, a experimentação com essa estratégia apontou para um possível desdobramento
das funções do professor, diferenciando o alcance pedagógico quando se assume um
papel social ou quando se assume um personagem, principalmente quando estamos
falando de ensino de teatro.
Como personagem, o professor tem a possibilidade de trazer a dramaturgia para
a sala de aula, mantendo a linguagem poética do texto, abrindo espaço para outros
discursos provenientes de outras épocas e lugares. Assim, a distinção dos dois conceitos
amplia as alternativas metodológicas do drama no contexto escolar e abre espaço para a
intensificação da sua dimensão teatral.
Estes conceitos podem ser entendidos e trabalhados de forma independente ainda
que o conceito de teacher in role, de certa forma, esteja embutido no conceito de
professor-personagem. Pretendo, neste trabalho, utilizar e diferenciar os dois conceitos
como uma forma de experimentar a metodologia e explorar cada uma das variáveis.
Quando eu for me referir à função social que o professor desempenha no processo
dramático utilizarei a expressão professor no papel, e quando for me referir ao uso de
personagens pelo professor, utilizarei professor-personagem.
Em linhas gerais, a opção por investigar a metodologia do drama justifica-se
pelos seguintes aspectos:
1 A sigla internacionalmente utilizada para teacher in role é TIR. 2 Na questão lingüística, a dificuldade está em traduzir teacher in role, porque a palavra ‘role’, com o sentido de papel social, não existe em português. Desta forma, teacher in role significa o papel social que o professor assume no processo dramático, mediando as interações entre o grupo, bem como a interação deste com o contexto e com a atuação do próprio professor.
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1. Possibilidade apresentada por esta metodologia para o ensino do teatro no
contexto curricular, devido à sua estrutura fragmentada e aberta à incorporação de
procedimentos próprios a outras metodologias, além de seu caráter processual.
2. Possibilidade de explorar a estratégia do TIR e desdobrá-la para professor-
personagem. Minha experiência como atriz e como professora favorece a exploração e
verificação da viabilidade desta aproximação através da minha própria atuação docente
na Universidade e sua contextualização ao ambiente escolar. Além de verificar seu
potencial para estimular ambas as atividades: artística e pedagógica em ambos os
contextos.
3. Possibilidade apresentada pelo professor-personagem de aquisição da
linguagem teatral pelo aluno. Quando o professor traz para o processo um personagem
de um texto dramático traz também aspectos referentes a estilo de representação, estilo
de dramaturgia, conhecimentos sobre a história do teatro, e aspectos da caracterização
tanto em termos técnicos como estéticos.
4. Oportunidade de rever minha própria atuação como professora, já que o
drama propõe uma dinâmica diferenciada na relação entre professor e aluno. Segundo
Cecily O’Neill (2006): “a função mais efetiva do professor no drama na educação se dá
desde dentro do processo criativo, como co-artista junto com os alunos, mais do que de
fora do trabalho, como um facilitador ou manipulador” (O’NEILL, 1979 apud
TAYLOR & WARNER, 2006: 51 trad. nossa3). 4 E este aspecto é fundamental dentro
da perspectiva do professor-artista.
Minha experiência como professora de teatro no contexto da escola iniciou em
1987 no Colégio de São Bento/SP. Minha proposta estava focada na realização de
montagens de espetáculos a partir de textos dramáticos. O processo era encaminhado da
seguinte forma: apresentava alguns textos dramáticos aos alunos e, juntos, escolhíamos
aquele que seria montado. Durante o semestre, trabalhava com improvisações sobre o
tema do texto, sobre as cenas, encaminhando, assim, a criação do espetáculo, e me
utilizando de exercícios especificamente teatrais para isso. Este encaminhamento, no
âmbito extracurricular funcionava bem, pois as aulas assumiam um caráter de oficina,
onde somente os interessados freqüentavam, os horários se estendiam de acordo com a
3 Sempre que a tradução do texto citado for minha, colocarei o texto original como nota de rodapé. 4 The teacher is likely to function most effectively in educational drama from within the creative process, as co-artist with his pupils, rather than remaining on the outside of the work, as facilitator or manipulator.
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necessidade da montagem, a escola financiava estrutura para o espetáculo e para as
apresentações.
Porém uma variante importante neste trajeto, e que me chamou a atenção para o
drama, foi pensar no ensino do teatro no âmbito curricular, que é totalmente diferente
da experiência que eu tenho com a pedagogia teatral no extracurricular. O
acompanhamento dos estágios dos alunos da Universidade em escolas públicas de
Florianópolis, devido à minha atuação docente no curso de Licenciatura em Artes
Cênicas da Universidade Do Estado de Santa Catarina/ UDESC, fez com que nos três
últimos anos eu me aproximasse do dia a dia da instituição escolar, e olhasse mais
atentamente para a condição que esta instituição oferece para a atividade teatral.
Percebi que, mesmo com os avanços no campo da pedagogia teatral, há, todavia,
uma grande dificuldade na articulação do processo de ensino–aprendizagem do teatro na
escola. As razões: “turmas abarrotadas de alunos, espaço físico inadequado, tempo
insuficiente para preparação e desenvolvimento das aulas, má qualidade do material
didático, diálogo truncado e falta de parcerias, inexistência ou descontinuidade no
aperfeiçoamento profissional, mentalidade servil e avessa à ousadia, baixa remuneração
dos trabalhadores da educação” (SANTANA, 2008: 5).
Assim, mesmo não tendo experiência prática como professora de teatro no
curricular, foi justamente neste contexto, por essas dificuldades, que optei por definir
como foco da presente pesquisa a sala de aula.
Entretanto, as mesmas observações me mostraram que há os que conseguem
enfrentar todas as dificuldades e, ainda assim, desenvolver um trabalho de teatro no
âmbito curricular, contemplando os três aspectos que norteiam seu aprendizado de
acordo com os PCNs/Artes (LARANJEIRA, 1997) – fazer, apreciar e contextualizar - e
com qualidade estética, o que me leva a crer que, sim, é possível trazer o teatro para a
sala de aula, desde que o professor reveja sua concepção de teatro, e ensino do teatro,
ampliando as perspectivas de como explorar os aspectos que compõem o texto cênico.
Mais uma vez o drama apresenta-se como um forte aliado neste processo, pois segundo
Beatriz Cabral: “Práticas pós-modernas também estão refletidas no drama:
fragmentação e redistribuição de papéis, abordagem não-linear e descontínua, retomada
de temas e textos clássicos, diluição da distinção entre atores e espectadores, mudanças
de perspectiva – investigação do tema de pontos de vista distintos” (CABRAL,
2006:115).
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Diante destas circunstâncias algumas questões começaram a emergir: como
colaborar com o professor de teatro, na sua prática diária em sala de aula? Como trazer
a teatralidade para este contexto? Será que assumir papéis sociais ou personagens,
durante o processo, pode contribuir para a imersão do aluno nas dimensões estética e
artística e, assim, contribuir com a sua aprendizagem? Será que se o professor atua
como parceiro de criação, não se sente mais estimulado para o trabalho e isso não
reverbera positivamente no processo de ensino-aprendizagem? E sintetizei numa
questão central: poderá o professor, com o professor no papel ou professor-
personagem, facilitar o processo de ensino-aprendizagem do teatro, no dia a dia da
escola, e, com isso, trazer a teatralidade e o engajamento tanto deste profissional - que
pode criar na atividade docente - quanto dos alunos – que encontram nele um parceiro
de criação?
A partir destes questionamentos, algumas hipóteses foram levantadas como:
1. O procedimento do professor-personagem, adaptado da metodologia do drama,
‘traz’ o teatro para a sala de aula na medida em que introduz parâmetros da linguagem
cênica, havendo assim, uma contribuição para o processo de ensino-aprendizagem do
teatro neste contexto.
2. O professor-personagem pode ampliar o capital cultural do aluno na medida em que
traz, um determinado ponto de vista, uma determinada época e suas particularidades,
um determinado estilo de linguagem e vocábulos, determinado comportamento,
diferenciados do contexto do mesmo.
3. A construção de uma narrativa cênica através do drama possibilita ao professor
transitar pelo papel de ator (via professor-personagem), o que favorece a perspectiva do
professor-artista - professor-ator - um co-autor da obra dentro da atividade docente.
4. A possibilidade de produzir arte na sala de aula engaja a ambos, professor e aluno –
professor-artista e aluno-artista - no processo e possibilita a conquista de melhores
condições de trabalho dentro da escola, assim como uma mudança no habitus
(BOURDIEU, 2001) 5 presente no contra-discurso: ‘é impossível trazer a teatralidade
para a sala de aula’.
A partir da problemática e das hipóteses levantadas, proponho uma estrutura
para a dissertação que parte, primeiramente de uma revisão conceitual, seguido do relato
5 O conceito de habitus, segundo Pierre Bourdieu será retomado para discussão no primeiro capítulo do trabalho.
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e avaliação de duas experiências práticas com o tema e, finalmente, discussão da prática
à luz da conceituação teórica inicial.
Desta forma, no primeiro capítulo inicio as reflexões sobre as possibilidades
para o papel do professor como pedagogo e como ator, dentro da instituição escolar,
com base na pedagogia pós-crítica de Henry Giroux. A proposta de Giroux parte da
idéia de que o professor é um agente cultural que tem a responsabilidade de propor
desafios e provocações aos alunos (GIROUX, 1999). No caso do teatro, desafios como
dramaturgista, como diretor, como cenógrafo, figurinista e ator, colocando-se também
como um artista, um criador.
Uma das provocações de que fala Giroux pode ser o procedimento do professor
no papel ou do professor-personagem, de modo que o professor lança desafios aos
alunos, com uma forma de interação totalmente diferente da usual, de maneira
consciente e intencional, tendo claros os objetivos pedagógicos e as estratégias para
alcançar estes objetivos, porém entregando-se ao inesperado gerado pela própria
experiência. Ainda no primeiro capítulo falarei sobre a metodologia do drama e sua
ressonância no campo do Teatro Educação, com as referências principais no contexto
inglês e nacional.
No segundo capítulo tratarei especificamente da estratégia do teacher in role. A
origem da mesma na abordagem de Dorothy Heathcote, uma referência do drama, as
características, funções, objetivos pedagógicos, e apropriações pelos diferentes
praticantes. Cecily O’Neill, Gavin Bolton, Jonothan Neelands, John O’Toole, Judith
Ackroyd e Beatriz Cabral serão referenciados sempre que trouxerem algum olhar sobre
o TIR. No mesmo capítulo, reavalio a opção e as implicações da tradução para o
português do teacher in role para professor-personagem, a opção pela separação dos
conceitos – professor no papel e professor-personagem - e as possibilidades que se
revelam com o professor-personagem.
No terceiro capítulo, relato dois processos de drama que conduzi em diferentes
contextos tendo como foco de pesquisa a mesma estratégia. Devido à complexidade
desta proposta, que exige que o professor transite pelos diferentes papéis envolvidos nos
binômios: professor-artista, professor-ator, professor no papel e professor-personagem
propus, além da revisão teórica destes termos, as experiências práticas por acreditar que
elas me dariam subsídios para a reflexão.
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Estas experiências ajudaram a problematizar os limites e possibilidades do
drama, do professor no papel e do professor personagem, a partir da seguinte linha de
raciocínio: foco na atuação do professor como artista, através do professor no papel e
do professor-personagem, como uma das formas de potencializar a teatralidade
associada à metodologia do drama, no intuito de gerar ações que favoreçam o processo
de ensino-aprendizagem do teatro no contexto escolar.
As experiências práticas foram realizadas em diferentes momentos da pesquisa e
em diferentes contextos: a primeira experiência, que ocorreu em abril de 20076, foi uma
‘experiência piloto’, realizada conjuntamente com o grupo de pesquisa Pedagogia do
Teatro e Teatro como Pedagogia. A proposta de trabalho prático foi a realização de
quatro aulas-espetáculo, de duas horas cada, com a participação de professores de teatro
da Rede Pública de Ensino de Florianópolis e alunos do curso de Licenciatura em Artes
Cênicas da UDESC/ Florianópolis. As aulas foram ministradas no Teatro da UFSC, em
Florianópolis, e contaram com a promoção do Projeto Arte na Escola Pólo UFSC.
Ao final das quatro sessões, foi realizada uma avaliação com os participantes,
através de um debate e, posteriormente, foi aplicado um questionário sobre a recepção à
experiência (vide capítulo 3), para identificar os aspectos que foram mais ou menos
significativos no processo. O processo foi registrado por fotos e o debate, que foi
realizado no último encontro, foi gravado em VHS. A partir da análise destes registros e
da tabulação dos questionários de recepção, a experiência pode ser problematizada, de
maneira a apontar as ações que levaram à realização da segunda experiência.
A segunda experiência ocorreu em novembro de 20077 e foi pautada na mesma
proposta temática e metodológica com duas alterações, definidas a partir da experiência
6 O resultado desta experiência foi comunicado no I SEMINÁRIO DE ESTUDOS TEATRAIS, realizado pelo 21o. Festival Universitário de Teatro de Blumenau, nos dias 8 e 9 de julho de 2007, em Blumenau/SC. O texto da comunicação está disponível no site www.furb.br/futb. E a experiência foi relatada no IV ENCONTRO ARTE NA ESCOLA- Percursos em Arte e Ensino, no Auditório da Reitoria da UFSC/Florianópolis, no dia 28 de agosto de 2007. O texto do relato está disponível no site www.artenaescola.com.br (sala de aula/relato de experiência). 7 O resultado desta experiência foi comunicado no congresso internacional Researching Applied Drama, Theatre and Performance: Performance, Cross-cultural Dialogue and Co-existence. Exeter University/Inglaterra - abril de 2008. Título da comunicação / publicação do resumo: “Teacher in Role or Teacher in Character? The search for theatricality in the Brazilian classroom” HTTP://www.spa.ex.ac.uk/drama/appliedconf/welcome.html e publicado na íntegra nos anais da I Jornada Latino Americana de Estudos Teatrais, realizada em julho de 2008 na FURB, em Blumenau : “‘Nós e Eles’ na sala de aula: o professor – personagem como articulador do processo de drama e a busca da teatralidade – segundo experimento.” HTTP: www.furb.br/futb
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anterior: 1. Não contei com a participação do grupo de pesquisa em cena. 2. O local foi
a sala de aula. Foram quatro encontros de duas aulas seguidas (1h30min) com a terceira
série do ensino Fundamental da Escola Estadual Lúcia do Livramento Mayvorne,
situada no Morro da Caixa – Montserrat, em Florianópolis.
Este processo foi fotografado e filmado na íntegra. A avaliação contou com
debate, realizado junto aos alunos e à professora da turma, e com questões aplicadas
juntamente com a visualização das fotos de diferentes momentos do processo, como
uma proposta de adaptação do questionário às necessárias da faixa etária em questão.
A partir da análise dos registros das minhas impressões após as sessões, dos
registros em foto e vídeo, bem como da tabulação dos questionários de recepção, ambas
as experiências foram interpretadas, discutidas e problematizadas, segundo a teoria
revisada.
Vale apontar que os dados gerados pelo questionário foram confrontados com os
depoimentos dados durante os debates em ambos os casos, evitando a desconsideração
das impressões emitidas oralmente. No debate os participantes expressaram suas
opiniões, impressões, sensações, sobre o processo, levantando dúvidas e
questionamentos. Porém, contando com a dificuldade que algumas pessoas apresentam
para expor suas idéias publicamente, e numa situação de debate acabam não se
pronunciando, a opção por associar o questionário à avaliação me pareceu oportuna.
Encerro a dissertação com as considerações finais a partir da teorização sobre as
práticas realizadas, procurando responder às inquietações iniciais associadas a estas
experiências específicas, evitando qualquer tipo de generalização. Desta forma,
considerando essas experiências como ponto referência para a discussão, analiso em que
medida a proposta de aproximação dos papéis do professor e do ator, na prática docente,
pode ser um estímulo para o professor enfrentar as dificuldades que enfrenta no seu dia
a dia e encontrar alternativas que o auxiliem na efetivação do processo de ensino-
aprendizagem do teatro, no contexto da escola, pelos alunos.
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Capítulo 1: O professor-artista: possibilidades de interação entre o
pedagogo e o ator na sala de aula.
O presente capítulo pretende discutir as possibilidades de atuação do professor
de teatro como ator dentro do contexto de sala de aula, tendo na metodologia do drama
a base para sua ação. Muitas vezes o professor, independente da matéria que lecione, é
comparado a um ator ou animador que se expõe à platéia de alunos para ensinar. Porém,
o que pretendo discutir, não é propriamente esta característica do papel do professor,
mas a concretização de sua condição de artista assumida intencionalmente na sala de
aula, como parceiro de criação junto com os alunos e, portanto, co-autor da cena
desenvolvida.
Antes de focar, propriamente no professor de teatro, vou tratar da questão do
professor-artista de forma a considerar que esta discussão está presente sempre que se
trata do diálogo possível entre o campo das artes e o da educação, compreendendo
outras linguagens artísticas.
Em termos da trajetória histórica do ensino da arte no Brasil, inicialmente o
profissional que tinha como principal função trabalhar com a Educação Artística nas
escolas (LDB 5692/71) foi chamado de ‘professor de Arte’. Com a mudança na
nomenclatura (LDB 9394/96), onde se adotou o substantivo ‘Artes’ ao invés de
‘Educação Artística’, houve a extinção da polivalência deste licenciado, imposta pela
antiga legislação (MARQUES, 1999). Desta feita, surge a especificidade do professor
de Artes na Educação, desdobrado de acordo com as diferentes linguagens artísticas,
onde, conseqüentemente, chegamos ao ‘professor de Teatro’8.
Sobre este processo de mudanças e ajustes, Isabel Marques, que é da área da
dança, apresenta o seguinte questionamento:
Para aqueles que possuem formação específica na área de Educação, fica
clara – e é até mesmo uma obviedade – a idéia de que o papel do professor de
Arte abarca um tipo de consciência distinta da do artista e, portanto, não
basta ser artista para ser professor. Ao diferenciar tão radicalmente estas
8 Vale apontar que a polivalência ainda é uma realidade em muitas escolas no contexto brasileiro. Em Florianópolis, a rede estadual de ensino ainda adota a polivalência, enquanto que a rede municipal adota a especificidade do professor para o trabalho com as diferentes linguagens artísticas.
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funções, no entanto, com o intuito de garantir formação pedagógica àquele
que trabalha com ensino de Arte, não estaríamos também correndo o risco de
novamente incidir no antigo preconceito do “quem sabe faz, quem não sabe
ensina”? (MARQUES, 1999:58)
Esta separação, que evidentemente preocupa-se com as questões pedagógicas do
ensino de artes, provoca, por outro lado um descompasso, no sentido de que, posto na
balança, o artístico acaba enfraquecido, reforçando a incapacidade ou desmotivação do
professor para a criação.
Quando iniciei com as aulas no curso de Licenciatura, dentro da área do Teatro
Educação, percebi uma grande resistência dos alunos com as disciplinas pedagógicas
com conseqüente falta de comprometimento com as mesmas. Fazer estas disciplinas
parecia ser encarado apenas como uma obrigação dentro do currículo, o que me pareceu
um contra senso, pois se estavam numa Licenciatura, por que a resistência e a falta de
prazer com as disciplinas que os preparariam para o ensino?
Intrigada com esta constatação, eu passei a refletir sobre as possíveis causas
desta situação e cheguei a algumas questões que envolvem a perspectiva do professor-
artista. Uma das possibilidades é que este sentimento seja fruto da dificuldade
encontrada pelos futuros professores para relacionar o que eles aprendem e vivenciam
quanto ao teatro na Universidade, dentro das disciplinas de práticas teatrais e do contato
com os grupos, e a possibilidade de adequar este conhecimento/ vivência à instituição
escolar. Esta dificuldade leva a outra questão que é a compreensão da diferença entre os
papéis do ‘professor’ e do ‘artista’, pois sabem que para atuar em qualquer escola terão
que ser primeiramente um professor e as perspectivas de associação dos papéis na
atividade docente são dificultadas pelo próprio contexto escolar. O licenciando sente
que terá que ser professor na escola e artista fora dela. E, por outro lado, ele constata
que a carreira do professor, por pior que esteja, acaba sendo uma alternativa mais
estável de sobrevivência e de aceitação social do que a do artista. Assim, assume a
dissociação mesmo que esta atitude gere um sentimento de frustração e/ ou
impossibilidade.
Sobre isso, Marques acrescenta:
A conseqüência mais imediata desta separação de funções/ papéis é a
dissociação da atividade artística da educativa e vice-versa. Ela aumenta no
dançarino [ator] que atua como professor a frustração de não estar
19
compartilhando com seu aluno aquilo que ele mais preza: criar e interpretar
uma arte que foi sua opção pessoal e profissional. Este tipo de postura faz
com que, não raramente, a própria prática docente desse profissional também
acabe excluindo de sua sala de aula o fazer eminentemente artístico: nesses
casos, são os exercícios corporais [ou vocais] que preponderam, a
capacitação física e emocional, em detrimento da vivência artístico-estética
(MARQUES, 199:60).
No caso do teatro, o ‘fazer eminentemente artístico’, seria a criação do
espetáculo. Para o professor de teatro, sua atuação como artista pode ter diversas
frentes, das quais as mais comuns são a direção ou a criação dramatúrgica, mas na
presente discussão, ela se dará através da aproximação ao papel do ator, reforçando o
sentido de representação, onde a caracterização de um personagem pode ser o meio de
exploração das convenções teatrais. Os objetivos pedagógicos se mantêm presentes na
medida em que norteiam a escolha dos personagens que serão representados, bem como
o diálogo que será estabelecido com os alunos.
Esta proposição torna-se possível, em sala de aula, na medida em que levamos
em conta as transformações pelas quais o teatro contemporâneo sofreu e que apresentam
ótimas perspectivas para que a função do ‘artista que ensina’ e do ‘professor que atua
como artista’ seja repensada. Assim, o elo de comunicação entre a arte e a educação é a
própria ação do professor.
A reflexão proposta leva ao questionamento apresentado por Marques e que
também é o meu, na medida em que o transponho para o teatro e o ator:
Meu questionamento central é se o professor não poderia também atuar como
artista e o artista como professor numa mesma atividade seja ela artística ou
docente. Ou seja, o espaço educacional merece ser repensado hoje para que
não iniba, não frustre, não automatize, não fragmente nem escolarize a dança
e o dançarino [o teatro e o ator]. Esta ponte de via dupla entre a instituição
escolar e o mundo da arte poderia ter como interlocutor o próprio professor.
Dançando [atuando], ele faz, aprecia, contextualiza a arte e o ensino com seus
alunos. O papel do professor de dança [teatro] não seria, portanto, somente o
de um intermediário entre estes mundos – a dança [o teatro], a escola e a
sociedade – ele seria também uma das fontes vivas para a experimentarmos
de maneira direta esta relação (MARQUES, 1999: 60/ 61).
20
O ‘novo papel’ do professor de teatro, seguindo a linha de pensamento de
Marques, eliminaria a idéia do ‘quem sabe faz, quem não sabe ensina’ e dialogaria com
uma atual inversão desta idéia no campo do teatro contemporâneo, já que, cada vez
mais, os atores são levados a demonstrarem os procedimentos de seu trabalho criativo e
isso exige que os mesmos transitem entre o papel de artista e o de professor quando
transmitem os conhecimentos de seu ofício através de uma aula-espetáculo. 9
Penso que há alguns fatores que contribuíram para isso:
* a própria reflexão por parte dos artistas sobre a função, ou como coloca
Guénoun (2004), a necessidade do teatro hoje, apontando para uma ‘abertura de portas’
que implica no diálogo com os outros saberes e no compartilhar com outras realidades.
Daí a proliferação de experiências em prisões, hospitais e, claro, em escolas. O artista
assume a tarefa de intercambiar estes conhecimentos, artista-professor.
* a noção do ator-criador, que, segundo Renato Ferracini, teria em Stanislávski,
Meyerhold, Artaud e Grotowski, seus Pais-Mestres (FERRACINI, 1999). Em linhas
gerais, o ator-criador é aquele que conhece e domina seus procedimentos de criação, ou
seja: “cada vez menos se vê “perdido” com a falta de técnicas objetivas que permitam
seu corpo articular seu fazer teatral e cada vez mais encontra ferramentas para que essa
articulação seja realizada” (FERRACINI, 1999:74).
* a política cultural atual, no caso nacional, que sugere contrapartidas sociais
para o financiamento dos projetos artísticos. E essas contrapartidas freqüentemente se
concretizam em forma de oficinas oferecidas pelos artistas para a comunidade.
* a condição instável da profissão do ator, que o leva a ministrar oficinas,
realizar palestras, de modo a garantir sua sobrevivência.
Estes dois últimos fatores podem ser questionados no que diz respeito à
condição destes artistas para realizarem a prática docente, porém esta é uma questão que
levaria a outra proposta de pesquisa. De uma forma ou de outra, com formação
pedagógica ou não, percebe-se que a aproximação entre o fazer e o ensinar é um
caminho sem volta e que pode, cada vez mais, ajudar a definir o perfil de um
profissional que abarca em sua prática o binômio professor-artista.
No campo das artes visuais, Edmilson Vasconcelos (2006), aborda a questão do
papel do professor-artista a partir do conceito de ‘artista-etc’ proposto por Ricardo
9 Aulas espetáculos que tive a oportunidade de assistir: Eugenio Barba e Julia Varley (CEART/UDESC-Florianópolis, 2007), Sotigui Koyaté (SESC-SP, São Paulo, 2006), Yoshi Oida (Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, 2001.
21
Basbaum - artista, diretor e professor do Instituto de Arte da UERJ e relacionando-o
com o ‘pensamento complexo’ de Edgar Morin.
Segundo Basbaum (2008):
O artista quando é artista em tempo integral pode ser chamado de ‘artista-
artista’, no entanto quando o artista questiona sobre a natureza e função de
seu papel social, podemos chamá-lo de artista-etc. (...) Quando isto acontece,
o artista acaba transitando por outras instâncias do sistema de arte
incorporando outros papéis e funções: artista-curador, artista-produtor,
artista-teórico, artista-professor, artista-terapêuta, etc.” (BASBAUM,
2008:1).
No caso do artista-professor, no âmbito do ensino da arte na escola, Edmilson
considera que “o artista-professor utiliza-se de técnicas e métodos pedagógicos como
estratégia poética para a instauração de uma aula-obra de arte, sendo esta, um híbrido
que é e não é aula, e é e não é uma obra de arte.” Sua proposição não pretende “criticar
o papel do ‘professor-professor’, mas sim apontar para outras possibilidades, tanto para
a arte como para o ensino” (VASCONCELOS, 2006:1).
Assim, o artista-etc., na função de ‘artista professor’ pode, segundo
Vasconcelos, desenvolver processos e métodos didático-pedagógicos como estratégia
poética para o ensino da arte, sendo a ‘aula’ um sistema-poético-educacional ou uma
aula obra de arte (VASCONCELOS, 2006). A grande questão é como adequar uma
situação ‘sistêmica poética’, do ensino da arte com o paradigma educacional vigente na
escola, que adota os planos e programas, prevendo o cumprimento de etapas seqüenciais
e alcance de objetivos específicos, sem considerar as descontinuidades e as mudanças
de percurso.
Como alternativa para este impasse, Vasconcelos, propõe que os processos
didático-pedagógicos envolvidos sejam estratégias poéticas propostas pelo artista para
desenvolver sua outra função de professor, e que por isso necessitam ser pensadas por
constelação e solidariedade de outros conceitos, numa referência ao pensamento de
Edgar Morin (MORIN, 2005). “As estratégias, neste sentido, oferecem a flexibilidade
para lidar com a mudança, com a participação surpreendente das pessoas envolvidas e
com as imprevisibilidades às quais todos estamos expostos” (VASCONCELOS, 2006:
7).
22
Quando deslocamos esta abordagem para o ensino do teatro, os impasses são
parecidos e a necessidade de estratégias também é necessária. No nosso caso, a
discussão também se desenvolve a partir da questão do paradigma educacional que
opera na instituição escolar, ou seja, o contexto onde o professor trabalha, e de que
modo ele permite a ação do professor de artes. Envolve, também, o paradigma do
próprio professor, seu jeito de olhar o aluno e o seu gerenciamento como educador.
O outro aspecto do professor-artista, e que este sim é foco da presente pesquisa,
refere-se à possibilidade de o professor de teatro, dentro da instituição de ensino,
transitar pelo papel de pedagogo e ator. As exigências da instituição, a estrutura das
aulas ou mesmo a própria imagem construída sobre o papel do professor e o papel do
artista, podem ser algumas das razões que fazem com que o mesmo não ‘cruze as
fronteiras’ (GIROUX, 1996) e, assim, acabe por dissociar a prática pedagógica da
artística - dentro da escola é o pedagogo e fora dela é o artista ou, o que é mais
provável, acaba se afastando da arte e atuando apenas como pedagogo. Esta proposição
de aproximação dos papéis professor-artista, no caso do teatro professor-ator, tem como
objetivo garantir a presença da teatralidade nas propostas teatrais desenvolvidas no
âmbito curricular.
Na presente abordagem, a discussão girará em torno da proposta da pedagogia
pós-crítica de Henry Giroux, para subsidiar a ação do professor, as possibilidades
oferecidas pela metodologia do drama para o diálogo entre teatro e educação e a
estratégia do professor-personagem como possibilidade para que a idéia do professor-
ator se concretize em sala de aula.
1.1. O professor como trabalhador cultural: a pedagogia pós-crítica como base
para a ação do professor -ator.
Para iniciar a reflexão sobre a possibilidade de ser ‘professor-artista’ na sala de
aula, devemos pensar no papel do professor e na instituição escolar. Que tipo de
educador pode viabilizar, na prática, esta proposta? De acordo com os conceitos centrais
da proposta de Henry Giroux, que relaciona a pedagogia crítica ao conceito de política
cultural, inicio destacando três idéias centrais do autor, com respeito à escolarização:
1. Reformular o papel do educador deve estar atrelado a questões mais amplas,
como encarar o propósito da escolarização. “Eu acredito que fundamental para uma
23
pedagogia crítica realizável é a necessidade de encarar as escolas como esferas públicas
democráticas” (GIROUX, 1997:28);
2. Elucidar o papel que educadores e pesquisadores educacionais desempenham
enquanto intelectuais, assumindo uma função social e política particular (GIROUX,
1997).
3. “Intelectuais deste tipo não estão meramente preocupados com a promoção de
realizações individuais ou progresso dos alunos em suas carreiras, e sim com a
autorização dos alunos para que possam interpretar o mundo criticamente e mudá-lo
quando necessário” (GIROUX, 1997:29).
Nota-se a tentativa, por parte de Giroux, de ampliar os parâmetros de
pensamento sobre escola, educação, pedagogia e política cultural, na perspectiva de
romper com um habitus presente na educação. O conceito de habitus de Pierre Bourdieu
auxilia na identificação de vícios de procedimentos ou pontos de vista que estão
arraigados na atuação do professor ou na própria escola. Segundo Bourdieu: “o habitus,
como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital,
(...) o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural” (BOURDIEU,
2001: 61). Assim, a proposta aqui é substituir o habitus, ou seja, desenvolver um novo
discurso que proponha questões, análises e formas de abordagem éticas radicalmente
novas.10
Giroux recusa–se a reduzir o conceito de pedagogia crítica ou política cultural à
prática do conhecimento e à transmissão de habilidades, descontextualizadas
historicamente, e se propõe a reescrever o significado da pedagogia, da educação e suas
implicações para uma nova política de diferença cultural, democracia radical, criando
uma nova geração de trabalhadores culturais.
O conceito de trabalhadores culturais é originalmente entendido como se
referindo a artistas, escritores e produtores da mídia. Na abordagem de Giroux (1999),
ele se estende a pessoas que trabalham em profissões como direito, assistência social,
arquitetura, medicina, teologia, educação e literatura, com a intenção de reescrevê-lo de
modo que a prática do trabalho cultural insira a primazia do político e do pedagógico.
10 A relação entre a proposta da pedagogia pós-crítica de Giroux e o conceito de habitus de Bourdieu vem sendo explorado por Beatriz Cabral. Ver: O diferente em cena – integração ou interação? in Ponto de Vista. Florianópolis: Editora da UFSC, 2005 e O Lugar da Memória na Pedagogia do Teatro, in Urdimento – Revista de Estudos Pós-Graduados em Artes Cênicas, Florianópolis, UDESC, No 6, 2004, ambos os artigos da autora sobre o tema.
24
No nosso caso, estendemos o conceito para melhor o compreendermos, mas novamente
o remetemos ao âmbito das artes.
A dimensão pedagógica do trabalho cultural refere-se ao processo de criação de
representações simbólicas e de práticas nas quais essas representações estejam
engajadas. A dimensão política do trabalho cultural atua nesse processo com o objetivo
de mobilizar conhecimento e desejos, que podem conduzir à minimização do grau de
opressão na vida das pessoas, o que possibilita a transformação da realidade, aqui no
caso, pela arte.
1.2. A escola como fronteira cultural: possibilidades do teatro na escola.
A lógica hegemônica do processo de educação silencia as vozes
subordinadas. Se a educação diz respeito à história de alguém, ao conjunto de
memórias de alguém, a um conjunto particular de experiências, uma única
lógica não dá conta de toda esta diversidade. A aprendizagem, antes de se
tornar crítica, tem de ser significativa para o aluno. Quais são as condições
necessárias para se educar os professores para serem intelectuais, de modo a
poderem se envolver criticamente no relacionamento entre a cultura e a
aprendizagem, e mudar as condições sob as quais eles trabalham? (GIROUX,
1999:42).
Para o professor de teatro que freqüentemente se depara com adversidades e
precariedades em seu campo de atuação, tanto em termos de espaço físico, ou tempo de
aula, quanto de baixo status da disciplina ‘teatro’, a valorização da atividade por parte
dos alunos e dos próprios professores fica comprometida. Portanto, se quiser mudar
algo neste processo e reivindicar suas necessidades dentro da escola, o questionamento
acima é fundamental.
Para Giroux (1999), o primeiro passo é entender o termo ‘intelectuais’ como
críticos engajados. Assim, eles devem ser partidários e não doutrinários: acreditam em
algo, dizem em quê acreditam e oferecem sua crença aos outros, em uma estrutura que
sempre se torna passível de debate e de indagação crítica. Falar nos professores como
intelectuais significa dizer que eles devem assumir posições. Com isso, para o professor
de teatro, o primeiro ponto é ter claro o papel desta linguagem artística na formação do
indivíduo e argumentar por ela.
25
A defesa da democracia crítica é a defesa da centralidade da profissão de
professor, rompendo com a lógica do mercado que ‘proletarizou’ a profissão e com
eventuais ranços no âmbito do funcionalismo público (GIROUX, 1999). Exige-se para
isso a predisposição para, como já foi dito, mudar o habitus (BOURDIEU, 2007). E isso
dá trabalho, por isso há também um comodismo que teria que ser enfrentado.
Em última instância, o professor tem que estar consciente de que ensinar é muito
mais complexo do que dominar um corpo de conhecimento e implementar currículos. O
problema do ensino é que a especificidade do contexto é sempre fundamental. Não
podemos impunemente invocar regras e procedimentos que não correspondam aos
contextos.
No ensino do teatro esta questão é evidente, até porque não há um currículo para
ser implementado. As diretrizes apontadas pelos PCNs/Artes (LARANJEIRA, 1997)
são realmente diretrizes e não propostas curriculares fechadas. Se por um lado o
currículo do teatro fosse estruturado objetivamente, ele iria de encontro ao que muitas
vezes é o desejo do professor, por outro lado, as diretrizes deixam brechas ‘positivas’
em termos de adaptação ao contexto e circunstâncias de cada turma, de cada escola, o
que é fundamental para a perspectiva da pedagogia crítica. Neste sentido, cabe ao
professor de teatro assumir sua posição de centralidade no processo e lançar mão de
seus recursos artísticos para completar estas brechas.
‘Assumir sua posição de centralidade’ não significa polarizar as funções e voltar
ao que Giroux chama de ‘os velhos conceitos modernistas’ de centro e margem,
domicílio e exílio, familiar e estranho, opressor e oprimido. Para ele:
Os velhos conceitos modernistas (...) estão se desfazendo. As fronteiras
geográficas, culturais e étnicas estão dando lugar a configurações mutáveis
de poder, comunidade, espaço e tempo. A cidadania não pode mais se
fundamentar em formas de eurocentrismo e na linguagem do colonialismo.
Tem de serem criados novos espaços, relacionamentos e identidades que nos
permitam cruzar fronteiras, tratar a diferença e a dissemelhança como parte
de um discurso de justiça, envolvimento social e luta democrática (GIROUX,
1999:99).
Os ‘novos espaços’ que Giroux menciona acima poderiam ser lugares possíveis
também para a expressão das vozes silenciadas e o teatro pode, perfeitamente, ser um
26
destes lugares. A criação de uma ficção através da linguagem dramática ajuda a
colocação do discurso do aluno que se sente protegido pela circunstância da
representação.
Se o aluno encontra no professor um parceiro de criação que também assume
riscos e fragilidades, enfrentando os limites de suas próprias posições, ao mesmo tempo
em que preserva sua identidade cada vez que trata de questões sociais e políticas que
não experimentou diretamente, o teatro, inegavelmente, é o lugar apropriado para o
desenvolvimento deste diálogo.
Assim, o fazer teatral traz à tona a subjetividade do aluno e do professor, que na
perspectiva da pedagogia crítica, são compreendidas de maneira múltipla e
contraditória, potencializando a possibilidade de interação destas subjetividades e
identidades.
1.3. Pontos de conexão: professor-artista e pedagogia pós-crítica como um caminho
provável e/ou possível.
A partir da proposta de Henry Giroux para a formação do educador dentro dos
princípios da pedagogia crítica e da política cultural, aponto as possibilidades de
realização do teatro pelo professor, dentro de sala de aula, e de que maneira esta
proposta educacional contribui para o diálogo em termos gerais entre teatro e educação.
Como disse anteriormente, este recorte será associado à metodologia do drama e à
estratégia do TIR na qual o professor assume papéis sociais e, na nossa proposta,
personagens para mediar o processo junto aos alunos.
Alguns pontos de conexão:
• A proposta de educação radical e [criação de] novos espaços discursivos para a
aprendizagem é de particular interesse para artistas, pela maneira que ela atrai os
trabalhadores culturais para o círculo da pedagogia, quer exerçam suas atividades em
sala de aula, galerias [teatros], ou rua (GIROUX, 1999). – desejo explícito de
aproximação entre arte e pedagogia para a transposição das fronteiras do discurso
educacional. Isso para o professor de teatro é um aspecto altamente motivacional.
27
• “o isolamento histórico das pessoas que trabalham nas escolas dos outros
trabalhadores culturais precisa ser superado” (GIROUX, 1999:187). No caso do teatro,
esse isolamento precisa ser superado tanto por parte do professor em relação aos
artistas, quanto dos artistas em relação ao professor. A proposta de justa-posição dos
papéis de professor e de artista - professor-artista - visa romper com este isolamento,
com esta fronteira.
• Segundo Giroux, “como uma forma de política cultural, a pedagogia crítica sugere
inventar uma nova linguagem para re-situar as relações entre professor e aluno dentro
de práticas pedagógicas que abrem, em vez de fechar, as fronteiras do conhecimento e
da aprendizagem” (GIROUX, 1999:194). Neste sentido, tanto o professor no papel
quanto o professor-personagem podem ser uma delas, na medida em que o professor
está imerso no processo, desafiando os alunos, passando informações, estimulando o
envolvimento na proposta.
• Se, segundo a pedagogia pós-crítica os alunos precisam ter lugar para expressarem
suas idéias, para emitirem suas vozes e os educadores radicais precisam criar as
condições para os alunos falarem, então o teatro pode ser este lugar. E o drama favorece
a emissão das vozes, na medida em que a construção da narrativa se dá pela ação dos
alunos, mediada pelo professor, assumindo ou não personagens, cruzando informações
reais (históricas) com a memória dos participantes numa trama criativa, ficcional.
• Como educadora e formadora de futuros educadores acredito, como observa Stuart
Hall, que os professores e os trabalhadores culturais devem assumir a responsabilidade
pelo conhecimento que organizam, produzem, medeiam e traduzem para a prática da
cultura. Ao mesmo tempo, é importante que os mesmos construam práticas pedagógicas
que não posicionem defensivamente seus alunos nem permitam que eles o façam
simplesmente declarando suas vozes e experiências (HALL, apud GIROUX, 1999:205).
Com isso acredito que uma pedagogia de afirmação não é desculpa para não
conceder aos alunos a obrigação de interrogar as reivindicações ou conseqüências de
suas asserções para os relacionamentos sociais que elas legitimam. A responsabilidade é
28
de todos e quando o professor se expõe junto com os alunos na criação, o risco bem
como o prazer, também passa a ser de todos.
A pedagogia pós critica e o conceito de trabalhador cultural se apresenta como
possibilidades para o professor de teatro no âmbito escolar alicerçar as bases de seu
trabalho e conquistar espaço. Além da argumentação da importância do teatro na
escola, o professor pode lançar mão da própria arte como instrumento de
conscientização e valorização da atividade que desenvolve, potencializando sua
dimensão subjetiva. Esta pode ser uma alternativa eficaz e prazerosa.
Larry Crossberg está certo ao declarar que os professores que se recusam a
afirmar sua autoridade ou a assumir a questão da responsabilidade política, como
críticos intelectuais comprometidos em geral, terminam “se anulando em favor da
reprodução acrítica da audiência [alunos]” (CROSSBERG, apud, GIROUX, 1999:205).
Assim, qualquer que seja a opção do professor para a efetivação de sua prática, a
centralidade de seu papel é incontestável, o que exige a tomada de decisões, assim como
no teatro, onde depois que se pisa no palco, algo tem que ser feito.
1.4. O professor-artista e o drama: mas de que drama estamos falando?
Quando falamos ‘drama’ é comum que a primeira relação deste termo seja feita
com o gênero dramático e, conseqüentemente, com algo sério, ‘pesado’. No primeiro
processo de drama que conduzi e que será relatado no terceiro capítulo deste trabalho,
no debate final, uma professora da rede municipal de ensino, que participou do mesmo,
perguntou se ‘podia ter comédia no drama’. Esta pergunta, que provavelmente não foi
somente desta professora, me levou a realizar um breve apanhado das principais
características do drama, sua origem e seus principais teóricos-praticantes.
Drama, process drama ou teatro-educação são maneiras distintas de fazer
referência à metodologia criada na Inglaterra, que alia formas dramáticas ao âmbito
educacional. Com toda a sua tradição em termos de literatura dramática, é perfeitamente
compreensível que a terra de Shakespeare seja o berço desta metodologia, que vem se
disseminando por várias partes do mundo pelo seu potencial de aproximação do aluno
com a linguagem do teatro, principalmente através da construção dramatúrgica e do
29
jogo de alteridade, quando ao assumir papéis, coloca-se no lugar do outro, como
possibilidade de melhor compreendê-lo.
Inicialmente, o teatro e o drama na escola inglesa estavam tradicionalmente
relacionados ao estudo da literatura, com a exploração das habilidades da linguagem
para garantir o melhor entendimento e comunicação daquilo que estava sendo
enunciado. A escola de teatro era baseada na dramatização da literatura trabalhada,
contendo exemplos dos métodos que poderiam ser chamados de ‘representativos’: o
texto da peça era importante e, conseqüentemente, o estilo da interpretação, que incluía
habilidades no falar, a graça dos movimentos, e a compreensão da mensagem.
Esta abordagem, prioritariamente relacionada à literatura dramática, entretanto,
deu lugar ao desenvolvimento da idéia de ‘arte educação’, que contou com uma
atmosfera propícia gerada pelas reformas no próprio teatro a partir do século XX. O
agit-prop e outras tendências teatrais que buscavam novas relações com a platéia; as
mudanças no treinamento do ator propostas por Stanislávski, principalmente no que
tange à introdução da improvisação - e a estética conectada com a missão social do
teatro foram, juntos, os fatores criadores de um novo tipo de teatro, um teatro que
garantiu um aspecto dedicado à educação (REDINGTON apud LEWICKI, 1996).
Depois da segunda guerra mundial, o progressivo desenvolvimento do ‘drama
na educação’ encontrou ressonância no interesse pela psicologia da criança presente no
século XX, que buscava uma metodologia de ensino apropriada para a natureza da
mesma. Na Inglaterra, Peter Slade foi, por longo tempo, uma forte referência do ‘drama
na educação’ com a proposta do Child Drama11. Na esteira da tendência psicológica de
seu tempo, o Child Drama enfatizava a ‘espontaneidade’, ‘criatividade’,
‘individualidade’, ‘imaginação’ em correspondência com a filosofia educacional da
‘criança como centro’ e foi a tendência predominante da década de 60 (LEWICKI,
1996).
A partir daí, novas abordagens começaram a surgir. A principal delas foi a de
Dorothy Heathcote. Heathcote propõe o drama como meio de aprendizagem,
caracterizando-se por ser uma abordagem holística para o processo de
ensino/aprendizado, e influenciando, sobremaneira, o desenvolvimento do drama na
educação. A novidade desta abordagem em relação à de Slade foi a proposta de conexão
11 O trabalho de Slade ficou conhecido no Brasil por causa da tradução para o português de parte de seu livro Child Drama (Slade. Peter. O Jogo Dramático Infantil. Tradução Tatiana Belink; direção de edição de Fanny Abramovich – São Paulo. Summus, 1978).
30
entre drama e conhecimento, ou seja, o drama como um eixo articulador
interdisciplinar no currículo. Assim, a proposta de Heathcote reforçou o caráter
educacional do drama, relacionando-o à aquisição de conhecimento e não propriamente
de habilidades teatrais, sem, entretanto, desconsiderar seu valor artístico e sua origem
no teatro.
Heathcote trouxe para o drama não somente sua experiência prévia com o teatro,
mas um frescor, uma genuína idéia sobre o professor, seu lugar e papel no drama para
ajudar a criança, guiá-la em direção à promoção de seu desenvolvimento pessoal. O
trabalho de Heathcote influenciou grande parte dos praticantes e pesquisadores do
drama que hoje também ocupam lugar de referência, entre eles, Gavin Bolton, Jonothan
Neelands, Cecily O’Neill, John O’Toole, Judith Ackroyd, que, cada um a sua maneira,
contribuem para ampliar as possibilidades desta metodologia dentro e fora da Inglaterra.
No Brasil, o contato com os ensinamentos de Heathcote se dá através do trabalho
teórico-prático de Beatriz Cabral, que durante seu doutoramento em Birmingham-
UK(1900-1994), participou de processos de drama conduzidos pela professora
inglesa.12
1.4.1. As principais características da metodologia do drama e sua relação com a
teatralidade.
Com uma estrutura bem definida, o drama compreende uma série de
procedimentos que visam à construção de uma narrativa cênica na qual a presença de
um conflito é fator fundamental para o seu desenvolvimento. Por isso, quando
pensamos em uma proposta de drama, temos um tema que gera um conflito e que dá o
mote para a construção da história e, conseqüentemente, para a escolha das estratégias
que serão utilizadas. Neste sentido, nota-se, sim, uma relação com o drama enquanto
gênero.
Essencialmente o aluno é levado a falar dentro de uma situação ficcional, como
ele mesmo ou como se fosse algum personagem ou ainda narrando algum
acontecimento que não seja próprio da sua vivência. Assim, é levado a ampliar a sua
percepção do mundo e das pessoas, colocando-se ‘no papel’. Ao mesmo tempo, quando
12 No próximo capítulo, aprofundarei a abordagem sobre o trabalho de Heathcote, quando falarei especificamente sobre a estratégia do teacher in role, que foi criada por ela.
31
se coloca diante do desconhecido, resgata suas próprias memórias, experiências e
pontos de vista.
Dentre as características principais do drama estão: contexto e circunstância de
ficção que tenham alguma ressonância com a realidade dos participantes, processo
desenvolvido através de episódios guiados por um pré-texto que configure a narrativa,
mediação de um professor-personagem [teacher in role], que permite focalizar a
situação sob perspectivas e obstáculos diversos (CABRAL, 2006).
O drama se utiliza de algumas estratégias para auxiliar o desenvolvimento do
processo, ao mesmo tempo em que a estrutura serve apenas como um guia, permitindo
que cada condutor fique livre para articular as estratégias de acordo com sua
criatividade e objetivos, e com o interesse dos participantes. Dentre as estratégias
principais que articulam estas características estão: convenções teatrais, qualidade e
quantidade de materiais fornecidos aos participantes, criação de ambientação cênica e o
teacher in role.
Vale ressaltar que o desenvolvimento de cada episódio pode ser a partir de
diferentes atividades como: narração, jogos dramáticos, imagens congeladas, trilha
sonora, criação de assembléias de personagens, pantomima, criação de objetos cênicos,
pesquisa histórica, leitura de fragmentos de textos – dramáticos ou não, teatro fórum,
rituais de canto e dança.
O objetivo de todas as estratégias utilizadas é fazer com que o participante, em
diferentes momentos do processo, sinta-se mergulhado na ficção que está sendo criada,
ora como ele próprio diante da situação apresentada, ora como personagem desta
situação.
A estrutura fragmentada própria do drama ajuda a diversificar as atividades e,
com isso, surpreender o participante com distintas maneiras de prosseguir e resolver os
conflitos criados pela história. É importante, porém que de uma sessão para outra fique
um suspense, uma tensão, uma pergunta no ar, nos velhos moldes folhetinescos.
O caráter espetacular, teatral, pode ser potencializado ou não pelo condutor do
processo. A ênfase nos aspectos teatrais ou na temática escolhida para ser trabalhada
através de um processo dramático é um ponto variante entre os praticantes e estudiosos
desta metodologia, apesar de sabermos que, quando trabalhamos entre o campo do
teatro e da educação, ainda que seja com outro suporte metodológico, estas mesmas
questões reaparecem, conformando boa parte da reflexão pelos especialistas da área.
32
Independente da metodologia ou do termo que se use, drama ou teatro, a questão
da busca pela teatralidade na atividade teatral desenvolvida com pessoas que não sejam
profissionais desta linguagem artística, é o ponto de tensão na união dos campos: teatro
e educação, assim como as funções e objetivos que estão em jogo em diferentes
contextos e circunstâncias.
Dorothy Heathcote procura clarificar os procedimentos desta metodologia que se
afastam não do teatro propriamente, mas da forma como ele é conduzido por alguns
professores no âmbito escolar: o professor escolhe um texto, divide os personagens,
pede às crianças que decorem as falas, encomenda aos pais um figurino e no ‘grande
dia’, normalmente o dia da festa, elas apresentam-se no auditório da escola – lugar
pouco conhecido pelas crianças – para pais e alunos. A metodologia do drama, tal como
proposta por Heathcote, se contrapõe a esta situação. Baseado num processo contínuo
de exploração dos comportamentos sociais, o drama, tal como desenvolvido por ela,
prioriza:
1. A construção de situações significativas para os envolvidos.
2. O envolvimento de toda a classe na construção destes significados.
3. O professor assumindo um papel facilitador; desta forma ele atua dentro do
contexto dramático e não fora dele. O relacionamento usual entre professor e
aluno é substituído pelo de colegas artistas (HEATHCOTE & BOLTON,
1995: 4 trad. nossa) 13.
A proposta de Heathcote deixa explícita a opção por uma dinâmica processual
de criação do texto teatral, baseada em improvisações que permitam incorporar as
idéias, experiências e proposições advindas dos participantes. A importância da
atividade não está centrada na apresentação final e sim no dia a dia da criação. Neste
sentido ela tem sido considerada como advogada do processo em detrimento do
produto. Entretanto, segundo Lewicki, a questão, para Heathcote, não é a apresentação
propriamente, mas sim o foco do trabalho estar na apresentação. “Além disso, o público
deve ser preparado para o que vai ver” (LEWICKI, 1996).
13 1. Drama is about making significant meaning. 2. Drama operates best when whole class together shares that meaning making. 3. The teacher’s responsibility is to empower and the most useful way of doing this is for the teacher to play a facilitating role. The regular teacher’s student’s relationship is laid aside for that of colleague’s artist.
33
Se o foco do drama não está em levar a experiência a público, em que medida,
então, dentro desta perspectiva processual realizada na sala de aula pode-se falar em
teatralidade como uma qualidade a ser reforçada pela ação do professor? Reforçar a
teatralidade é reforçar o quê propriamente dentro do processo?
1.4.2. Drama e Teatralidade14
O conceito de teatralidade, segundo Josette Feral “é um conceito tão amplo que
pode ser usado por qualquer disciplina, de maneira que cobre vários campos artísticos e
não artísticos” (FERAL, 2003:11, trad. nossa) 15. Aqui no nosso caso, o termo
teatralidade será utilizado associado à representação teatral, como uma qualidade que
alguns aspectos como o cenário, a cena, o figurino, o uso do espaço, a atuação podem
receber dentro da mesma, sendo considerado com um produto composto por estes
aspectos (FERAL, 2003).
Quando diz que é uma qualidade que alguns objetos podem receber, Feral, toca
no ponto crucial que envolve este fenômeno e que merece atenção. A questão da
adjetivação do termo também é discutida por Oscar Cornago (2005). Cornago esclarece
que para que o objeto receba esta qualidade é necessário que alguém o atribua, a partir
de uma observação imediata. Deste modo, a presença de um observador, que atribua
uma qualidade de teatralidade a uma obra, a uma pessoa, ou a uma situação, é condição
sine quanon deste fenômeno denominado teatralidade.
Um segundo aspecto deste fenômeno é seu caráter processual, somente ocorre
quando está em funcionamento. E o terceiro é que a teatralidade é o fenômeno da
representação: o fingimento que vai se desenvolver quando o ator interpreta o
personagem e este fenômeno é visível para o observador, havendo um caráter
intencional por parte de quem representa. Assim, um fator que potencializa a
teatralidade é a ênfase na exterioridade material, a ostentação dos signos que serão
utilizados na representação. O objetivo disto é atrair o olhar do observador, que depois
de ser seduzido pela forma, encontra um vazio por trás e isso estabelece o jogo da
teatralidade: o que está por trás daquilo que se representa.
14 Ver: VIDOR, H. B. "O papel do espectador no processo de drama educação e sua relação com o fenômeno da teatralidade". Revista Urdimento no. 9. Florianópolis. UDESC/CEART, 2007 15 El concepto es tan amplio que puede ser usado por cualquier disciplina, de manera que cubre varios campos artísticos y no artísticos
34
Como vimos, no drama o espectador, como alguém de fora do processo que é
convidado a apreciar uma obra “finalizada”, um espetáculo, não existe. Assim, o papel
de espectador no drama é desempenhado pelo próprio participante, que assume a dupla
realidade de observador e atuante, seja concomitantemente - dentro da idéia de self
spectator (O’NEILL, 1989: 8) 16, espectador de si mesmo17, ou alternadamente – onde
os participantes se revezam entre observadores e atuantes.
Dentro desta dinâmica de trabalho, o professor determina o grupo que está com
o foco da cena e o grupo dos observadores, e este foco varia com bastante elasticidade,
sem uma delimitação definitiva de quando se atua e quando se observa, mas, ainda
assim, o adjetivo ‘teatral’ poderá ser atribuído. A questão do envolvimento do aluno no
processo de drama educação perpassa por este encontro com algo que lhe chama a
atenção e lhe estimula como apreciador, ao mesmo tempo em que o encoraja a atuar. O
fato de o professor também assumir personagens amplia a oportunidade de o aluno
ocupar seu lugar de espectador e estimulá-lo para a ação, além de reforçar a questão da
intencionalidade, que também é relacionada ao conceito de teatralidade.
A situação de representação exige como diz Eugenio Barba (BARBA, 1994),
uma extracotidianidade do corpo – podemos entender corpo como corpo-voz-energia;
como corpo visual, como corpo lingüístico. Quando o aluno compreende que o jogo
ficcional estabelecido por uma situação de representação pode ser explorado com a
potencialização destes signos - gestuais, vocais, visuais, lingüísticos - e que a apreciação
de sua ação cênica, por seus colegas, é positiva na medida em que adquire este corpo
extracotidiano, ele experimenta o prazer e encoraja-se para seguir atuando, além de ter
liberdade para matizar o grau de ‘extracotidianeidade’.
Ao contrário, quando está como observador consegue desfrutar do mesmo jogo
porque conhece aquele que atua, percebe o seu ‘disfarce’ intencional e se surpreende
com a novidade de vê-lo em outra situação diferenciada do cotidiano. Assim, uma
experiência alimenta a outra e desperta nos participantes a curiosidade para inverter os
16 A idéia do self espectator aponta para uma platéia implícita baseada no conceito de percipiente, que segundo Bolton oferece ao professor uma alternativa para uma observação contínua sem interromper a atividade dramática para refletir sobre ela (O’NEILL, 1989). 17 Evreinov chama esta possibilidade de ‘sonho’: “El sueño es um drama de nuestra invención. Un teatro monodramático, donde uno se ve a sí mismo en una realidad imaginaria, como una inmensa película” (EVREINOV, 1956).
35
papéis, comportando-se na dupla realidade consciente ‘ator-espectador’, que é o
objetivo desta proposta.
No entanto, a possibilidade de identificação do ‘teatral’ é mais palpável quando
o papel do espectador no drama se dá alternadamente, de modo a assumir um
distanciamento necessário para a dinâmica de ver o que está na superfície e intuir
(campo do sensível) sobre o que está velado, para depois refletir (campo da razão) sobre
o que viu.
Com isso, podemos ressaltar que, mesmo que seja um processo em sala de aula,
a valorização do ‘eminentemente teatral’ se opera em melhores condições se o
participante pode ocupar o papel de platéia em toda a sua dimensão, com a suficiente
margem de distanciamento para poder deixar-se afetar pelas tensões provocadas pelo
jogo de ‘disfarçar-se’ (aquele que atua), reconhecer o disfarce e surpreender-se com o
que se conhece e o que não se conhece, que está por trás do disfarce (aquele que
observa).
Assim como nos espetáculos fora do âmbito de sala de aula, quando somos
espectadores, e sentimo-nos impactados com a experiência do acontecimento teatral que
assistimos, necessitamos de tempo para o elaborarmos racionalmente. Neste sentido, a
reflexão, tão preconizada em termos pedagógicos, terá seu papel deslocado a uma
segunda etapa, de modo a não esmorecer o impacto estético que o acontecimento pode
causar no participante ‘atuante-espectador’.
A seguir, apontarei as experiências realizadas e publicadas com o drama aqui no
Brasil, das quais Beatriz Cabral é a principal referência.
1.4.3. O drama no Brasil.
O drama no Brasil ocupa um pólo de concentração na região de Santa Catarina.
Beatriz Cabral, pesquisadora da área de Pedagogia Teatral, desenvolveu sua tese de
doutoramento em Birmingham-UK (1990-1994), onde teve contato com a metodologia
inglesa, e a partir daí, passou a investigar formas de sua contextualização, através da
formação de educadores que se apropriaram da mesma e passaram a desenvolvê-la em
suas propostas docentes.
Seu livro Drama como Método de Ensino (2006), apresenta as principais
características do drama e descreve alguns dos processos/estruturas: Cavernas,
36
Cavernas II, Conchas e Caramujos, Plantas da Ilha, Imigração Açoriana – confrontos da
ilha e Imigração Açoriana - os imigrantes; sendo que deste último, tive a oportunidade
de participar.
Em sua abordagem do drama, Cabral utiliza-se com freqüência da estratégia do
teacher in role e exemplifica alguns dos personagens que foram representados ora pelas
crianças ora pelos professores nestes processos.
No projeto ‘Conchas e Caramujos’, por exemplo, as crianças como cientistas
pesquisando e classificando conchas, receberam a visita de um representante
da Associação para preservação das Praias (um dos professores) que os
convidou para participar da campanha Conhecer para Apreciar, Apreciar
para Preservar; numa etapa posterior, outro professor no papel de repórter,
entrevistou os cientistas sobre suas pesquisas e descobertas. No projeto
“Cavernas”, o professor recebeu e coordenou os alunos-espeleólogos durante
a “Conferência Nacional de Geólogos”; em um momento posterior, os alunos
bolsistas envolvidos neste projeto assumiram o papel de guias na exploração
de novos sistemas de cavernas. Em “Histórias e Estórias dos Açorianos...”,
professores e bolsistas representaram, em diferentes etapas, o capitão da nau
portuguesa, o jesuíta que acompanhou os emigrantes na viagem para o Brasil,
e membros das famílias de imigrantes, estes trabalhando em parceria com as
crianças (CABRAL, 1998:22).
Como se observa, a exploração do professor no papel nos quatro processos
mencionados proporcionou a articulação da temática escolhida como pré-texto para o
desenvolvimento do drama e gerou conhecimento através da experiência teatral.
Uma segunda etapa da pesquisa sobre a apropriação e contextualização do drama
focalizou a apropriação de textos clássicos, adultos e infantis, a partir das estruturas
dramáticas apresentadas por Cecily O’Neill (1995), tais como: Macbeth (Shakespeare) e
Chapeuzinho Vermelho e Frank Miller (Cecily O’Neill). Em uma terceira etapa, foram
associados elementos do drama com jogos teatrais: O Muro (autor desconhecido) e Nós
e Eles (David Capton) são textos dramáticos que possibilitam o trabalho de apropriação
do texto pelos alunos, pois apresentam diálogos curtos e abertos, facilitando a adaptação
a diferentes contextos. Através de fragmentos do texto original associados ao pacote de
estímulo e à fala do professor no papel os participantes são estimulados a construir a
narrativa cênica.
37
Atualmente Cabral coordena o grupo de pesquisa Pedagogia do Teatro ou Teatro
como Pedagogia, do qual eu participo e com o qual pude desenvolver as propostas
práticas com o drama e que serão relatadas no terceiro capítulo deste trabalho.
Outra experiência com o drama é relatada por Flávio Desgranges em seu livro
Pedagogia do Teatro - Provocações e Dialogismos (2006). Nele o autor descreve o
primeiro contato que teve com a metodologia em uma oficina para professores
ministrada por Joe Winston em Bruxelas e um processo de drama ministrado por ele
mesmo tendo como pré-texto o Mito de Pandora. Ao lançar mão do recurso do
professor-personagem, Desgranges assume o papel de Júpiter para a contextualização
inicial e depois o papel de narrador da história. Na abordagem de Desgranges, o
desenvolvimento da história e as escolhas temáticas e estratégicas apontam para um
foco de avaliação que está na história proposta e nos aspectos específicos da linguagem
teatral (DESGRANGES, 2006).
A seguir passo ao próximo capítulo deste trabalho onde focalizo a estratégia do
teacher in role, a partir dos pressupostos de sua criadora Dorothy Heathcote, e a
inclusão do professor-personagem, procurando distinguir ambos os conceitos para
ampliar as alternativas metodológicas do drama no contexto escolar e intensificar sua
dimensão teatral.
38
Capítulo 2: Professor no papel e Professor-personagem: as diferentes
abordagens do teacher in role no processo de drama e suas
possibilidades para o teatro na escola.
O presente capítulo focalizará a estratégia do teacher in role, própria da
metodologia do drama, e o desdobramento da mesma no contexto brasileiro, de modo a
pensar suas características e possibilidades para a ação do professor artista e o ensino do
teatro na escola. Para tanto falarei inicialmente da origem do teacher in role no drama
inglês relacionando-o ao trabalho de sua criadora Dorothy Heathcote, de modo a revisar
suas funções e potencialidades enquanto estratégia de ensino, mencionando alguns
exemplos provenientes das experimentações de seus praticantes.
2.1. As origens do teacher in role: o drama na proposta de Dorothy Heathcote.
Ninguém ensina a um professor como ensinar. Professores são formados na classe, durante o confronto
com suas aulas e o produto do que eles se transformam é um resultado de suas necessidades de
sobrevivência e da forma que eles encontram para fazer isto.
Dorothy Heathcote
Dorothy Heathcote iniciou sua carreira de professora em 1950 em Newcastle
upon Tyne, Inglaterra, aos 24 anos. Influenciada pela experiência como aluna de dança
de Rudolf Laban e como aluna de teatro de Esmé Church, Heathcote introduziu uma
série de inovações técnicas para o uso do drama como base para o currículo, cuja
principal delas é o procedimento do teacher in role. 18
18 Estas informações sobre Dorothy Heathcote foram retiradas do endereço eletrônico: htpp: //stenhardt.nyu.edu/music/edtheatre/faculty/heathcote acessado em 8/02/2008. O arquivo de Dorothy Heathcote está localizado no Department of Teacher Education, Manchester Metropolitan University, England. Ela tem atuado como professora adjunta na NYU- EUA, sendo tema do projeto /Ed
39
O papel do professor no processo de drama tornou-se o objeto de pesquisa e
experimentação para Heathcote, já que ela o considera fundamental neste processo. O
professor adquire o status de organizador, facilitador, tendo responsabilidade como
membro mais maduro do grupo. Segundo Lewicki (1996), Heathcote costuma, ela
mesma, se descrever primeiramente como professora e depois como professora de
drama. A originalidade do drama de Heathcote deve-se a sua intuitiva habilidade para
traçar vários conteúdos de fontes teatrais e educacionais, organizando os vários fatores
em um coerente, progressivo e teleológico processo de ensino/aprendizado (LEWICKI,
1996).
Em seu trabalho como formadora de professores de drama, três questões são
consideradas fundamentais: uma é o paradigma dominante na escola em que o professor
atua, outro é o paradigma dominante do modo como o professor vê a criança e o terceiro
é o paradigma no qual o próprio professor opera, como gerencia suas relações no
trabalho (HEATHCOTE, 1990). A partir do entrecruzamento destes paradigmas o
professor consegue potencializar as possibilidades e trabalhar com as dificuldades. Esta
reflexão leva a uma reavaliação da prática do professor na realização do trabalho.
Uma aula é sempre um encontro social e este encontro social incluirá um
sistema de comunicações. Se você muda a expectativa do aluno por causa da
forma que você opera o paradigma e o aluno responde a este paradigma,
então você mudará o sistema de comunicação e você poderá mudar o
contexto social. Quanto mais você muda isso, mais você oferece outras
estratégias de aprendizado (HEATHCOTE, 1990:32, trad. nossa) 19.
Neste sentido, a elaboração da estratégia do teacher in role representa as várias
possibilidades de relação do professor com o grupo de drama e está totalmente
conectado com o fluxo de informações que emergem durante o processo, e com a
comunicação das informações entre professor-aluno e aluno-professor. O teacher in role
Theatre DVD project "Becoming a Teacher". O link com o trailer deste projeto pode ser visto no endereço eletrônico: http://steinhardt.nyu.edu/music/edtheatre/ 19 A classroom is always a social encounter, and that social encounter will include the communications system which occurs. If you change the pupil’s expectation because of the way you operate the paradigm and the pupil responds to that paradigm, then you will change the communication system, and you will change the social context. As soon as you change that, you offer the pupil other strategies for learning.
40
é, essencialmente, um facilitador da comunicação e uma oportunidade de mudança de
paradigma.
Esta perspectiva de comunicação e co-operação entre o professor e o aluno fez
com que Heathcote criasse, além do teacher in role, novas técnicas como rolling role20
e mantle of the expert21 para aumentar a participação e a responsabilidade da criança no
drama.
Ainda sobre o papel do professor no drama, quando fala sobre Heathcote, Gavin
Bolton afirma que: “A escrita e a prática de Dorothy Heathcote representaram um
esforço hercúleo para trazer a forma dramática de volta para as aulas de drama, para
redefinir a relação entre drama e educação e para rever o papel do professor”
(BOLTON apud LEWICKI, 1996:74, trad. nossa) 22. E agrupa os objetivos principais
do professor de drama em três áreas: 1. A área de ensino/conhecimento: tomando
decisões, organizando o aprendizado, resolução de problemas, negociação. 2. A área da
ética: drama como meio para explorar a ‘vivência’. 3. A área da estética: o prazer da
criança, seu engajamento, sua satisfação (BOLTON apud LEWICKI, 1996).
Com relação à discussão sobre a natureza teatral do drama, Dorothy reconheceu
a importância da improvisação teatral não para ‘a construção do papel’, mas para
explorar os componentes do papel, a situação, tornando-se uma aliada na busca de
novas soluções (HEATHCOTE apud LEWICKI, 1996). A estrutura dramática é
projetada pelo professor, mas os elementos são produzidos por todos os participantes
através das improvisações. Cada improvisação é composta de vários papéis assumidos
pelos alunos e pelo professor. Assim, o papel do professor no desenvolvimento do
drama é fundamental e deve-se reconhecer em seu trabalho sua intenção e as
possibilidades para sua prática.
No estágio preparatório do drama o professor transita por questões sobre ‘o que’
pode ser ensinado, mas a questão chave é ‘como’ o professor deve proceder. Neste
sentido, Heathcote, falando para professores em formação, completa: “(...) eu gostaria
20 Rolling role: troca de papéis entre os participantes (BOLTON apud LEWICKI, 1996: 125 trad. nossa). Rolling role: Challenging roles between the participants. 21 Mantle of expert: método dramático popularizado por Dorothy Heathcote que requer que os participantes se comportem como se eles tivessem conhecimento, habilidade e responsabilidade de um ‘expert’, por exemplo, um médico (BOLTON apud LEWICKI, 1996: 125 trad. nossa). “Mantle of expert” reefer’s to a dramatic method popularized by Dorothy Heathcote which requires the participants to behave as if they have knowledge, skill, and responsibility, of an expert; e.g. a doctor. 22 The writing and practice of Dorothy Heathcote represented a Herculean attempt to bring dramatic form back to classroom drama, to redefine the relationship between drama and education, and to recast the role of the teacher.
41
que me mostrassem que consideram o ‘como’ fazer, não o ‘o que’ fazer, porque o
‘como’ é o que faz a qualidade da educação” (HEATHCOTE, 1990:24, trad. nossa) 23.
Sobre isso, Ackroyd, diz: “A literatura do drama na educação ressalta a função
pedagógica do teacher in role (TIR) para maximizar as possibilidades de aprendizado,
(...), no entanto não há um consenso sobre como ele é feito” (ACKROYD, 2004:32,
trad. nossa) 24. A insistência na questão da função desta estratégia tem como objetivo
distinguir o TIR da atuação, ou seja, lembrar ao professor que seu objetivo não é portar-
se como ator diante de uma platéia e esquecer os objetivos pedagógicos que fizeram
com que ele assumisse papéis e lançasse mão da estratégia. Cecily O’Neill argumenta,
por exemplo, que “os professores quando assumem um papel nunca precisam atuar no
sentido do ator, porque eles tem um diferente trabalho a fazer, uma separação de
funções e que o TIR é definido pela sua função” (O’NEILL, 1995: 61 trad.nossa) 25.
O fato de os professores não precisarem atuar no sentido do ator, não significa
que eles não possam atuar como atores, desde que não percam de vista o contexto no
qual estão trabalhando. Ackroyd (2004) afirma que os professores quando estão
assumindo um papel estão atuando. A intencionalidade e os objetivos do professor são
os fatores que definem ou potencializam esta proposta. Ainda segundo a autora, há
professores que se amedrontam com a idéia de estarem atuando quando assumem um
papel, por isso dependendo do contexto ela, como formadora de professores de drama,
os tranqüiliza e encoraja a usarem o teacher in role separando-o da idéia de atuação.
De qualquer forma, assumir um papel durante as aulas de drama exige que o
professor aceite enfrentar alguns desafios como:
1. Agir como se fosse outra pessoa diante dos alunos;
2. Improvisar sua fala de acordo com o que surge da relação aqui e agora com os
participantes;
3. Sustentar o papel, sua lógica;
4. Simultaneamente, manter os objetivos pedagógicos;
5. Aceitar o imprevisível, o acaso;
6. Ser flexível para mudar o rumo sempre que necessário.
23 I would want him to start showing me that he has considered how it will be done, not what will be done, because how is what makes the quality of education. 24 The literature of drama in education contains much about the function of the teacher in role and focuses upon enabling learning, and its pedagogic efficiency, to maximise the learning possibilities, (…) however, no such consensus about what the teacher in role does or indeed should be doing. 25 Teachers in role must never act in the sense that na actor may, because they have a different job to do, a separate function and that teacher in role is defined by its function.
42
Além de, segundo Neelands:
1. Ser um ouvinte
2. Responder ao que é oferecido;
3. Incorporar as idéias dos participantes;
4. Controlar o tempo;
5. Agir como diretor do drama;
6. Agir como dramaturgo;
7. Participar na ação;
8. Representar um papel ou papéis (NEELANDS, 1998 apud ACKROYD,
2004: 39 trad. nossa) 26.
É interessante notar que o autor, ao mencionar os procedimentos do professor
quando assume o papel não os relaciona diretamente ao ator. Neelands menciona as
funções de diretor e dramaturgo, mas não de ator. Mas o que significa “participar na
ação” ou “representar papéis” no contexto ficcional?
Quando este questionamento é relacionado ao ensino do teatro, ele aponta para a
idéia de que se há na ação do professor a intencionalidade de agir como ator há também
uma ampliação dos objetivos pedagógicos, envolvendo: exploração de diferentes estilos
de representação, leitura/apreciação pelos alunos da representação, decodificação de
signos pelos alunos, exploração da relação com o espaço. Assim, os mesmos aspectos
que são analisados com a apreciação de um espetáculo profissional que é levado à
escola e visto pelos alunos, dentro do conceito da pedagogia do espectador
(DESGRANGES, 2003), por exemplo, podem ser discutidos a partir do exercício
rotineiro proporcionado pela estratégia do professor-personagem, sem logicamente
invalidar a proposição anterior – receber espetáculos na escola ou levar os alunos ao
teatro. Este é o mote para a investigação e exploração do professor-personagem.
No próprio contexto inglês estas variações já foram apontadas, através da prática
diferenciada dos professores de drama. De qualquer maneira, fica claro que cada
professor pode optar pela realização do que lhe é mais confortável e produtivo quando
usa a estratégia. Cecily O’Neill, apesar de receber influência direta de Dorothy
Heathcote, usa a estratégia de forma minimalista e econômica. “Eu considero mais
funcional apresentar uma atitude ou mostrar um ponto de vista ou uma perspectiva,
26 1. Be a listener; 2. Respond to what is offered; 3. Incorporate the ideas of the participants; 4. Keep an eye on the time; 5. Act as director of the drama; 6. Act as a playwright; 7. Participate in the action; 8. Represent a role or roles.
43
mais do que um papel num drama particular, (...) um tipo de pessoa sem face, podendo
ser um homem ou uma mulher” (O’NEILL apud ACKROYD, 2004: 94/95, trad. nossa) 27.
Já John O’Toole, em entrevista à Ackroyd, admite que explora a teatralidade, ou
seja, potencializa os signos, em suas experiências com o teatro na educação. Quando
assume um papel utiliza-se de figurinos, objetos de cena, exploração do uso do espaço e
refere-se à noção de personagem dependendo do drama que está sendo desenvolvido
(ACKROYD, 2004).
Estes dois exemplos reforçam a idéia de que o teacher in role apresenta uma
natureza multifacetada que pode ser realizada de acordo com estilo de cada professor. O
importante é que ele não se distancie dos objetivos vislumbrados e que auxilie o
envolvimento dos alunos com o aprendizado.
2.2. Os papéis e suas funções: propostas que auxiliam o professor na escolha
dos papéis a serem trabalhados.
Diversos autores exemplificam a estratégia do teacher in role, identificando
possíveis funções que o professor possa assumir ao utilizá-la. Cito abaixo alguns
exemplos apontados por Cabral (2006:21):
Função de buscar auxílio ou conselho;
Função de buscar informações;
Função de coordenar - um investigador coordena uma equipe de policiais;
Função de desafiar - um detetive que não acredita que seus auxiliares serão
capazes de interpretar as pistas deixadas por um criminoso;
Função de introduzir informações - mensageiro ou repórter; entre outros
papéis e funções.
Segundo Cabral, a opção por uma ou outra função, na prática de Heathcote, se
relaciona diretamente com o jogo do status – o professor pode obter um envolvimento e
uma resposta distinta do aluno, a partir do status que assume ao desempenhar sua
27 I’ve always seen it as a rather function thing where you adopt a role in drama particularly, but you present an attitude or display a point of view or a perspective(…), a faceless nature, male or female.
44
função. Assim, cada função pode ser assumida a partir de diferentes status. Alguns
papéis em princípio já sugerem um determinado status, e é a alteração do mesmo que
permite tanto a percepção crítica de sua significação quanto o uso da ironia para facilitar
esta percepção:
1. Alto: rei, capitão, líder, treinador, diretor de escola, etc;
2. Intermediário: secretário, representante de alguma autoridade, membro da
comunidade ou da tripulação, etc;
3. Baixo: pedinte, vítima, refugiado, aprendiz.
A característica em relação ao status e função escolhida está diretamente
relacionada com o tipo de resposta que se espera dos participantes, assim um
personagem de status baixo exige, dos participantes, familiaridade com o contexto
ficcional e com a improvisação. Se a turma não está habituada com o jogo cênico ou
não está imersa no contexto ficcional que está sendo tramado terá dificuldade de
interagir com o mesmo. Já um personagem de status alto, por um lado conduz a
narrativa ajudando a estabelecer o contexto da ficção e nortear o início do processo,
exigindo menos iniciativa do participante, por outro lado são, normalmente, detentores
de poder e autoridade e, com isso, podem ser extremamente provocativos e
desafiadores.
Ainda sobre os tipos de papéis que podem ser escolhidos para o
desenvolvimento de um processo de drama, Judith Ackroyd chama a atenção para
algumas convenções que usualmente são utilizadas. Ela diz:
O drama na educação pode ser desconstruído na mesma direção que nós
podemos desconstruir uma peça para descobrir como os papéis funcionam
para o seu desenvolvimento. Depois eu procuro identificar as funções dos
papéis assumidos quando eu analiso o caso estudado (ACKROYD, 2004:45,
trad. nossa) 28.
Neste sentido, os autores Aston e Savona (1991), citados por Ackroyd,
compartilham da idéia de que as funções dos personagens são governadas pelas
convenções. Eles fazem uma lista de oito principais convenções que eles identificaram
28 Drama in education can be deconstructed in the same way as we might deconstruct a play in order to discover how the roles have functioned in their development. Later I seek to identify the role functions of the roles taken when I analyze the case studies.
45
como formas utilizadas para o personagem conduzir a narrativa até o espectador.
Ackroyd destaca duas, a primeira e a quarta, respectivamente: a auto-apresentação, onde
o personagem se apresenta no início da peça e oferece informações suplementares que
sejam apropriadas ao longo da ação; o personagem como confidente: personagem
menor no qual um personagem mais importante pode confiar (ASTON & SAVONA,
apud ACKROYD, 2004).
Estas duas convenções mencionadas foram destacadas por serem freqüentemente
utilizadas pelos professores, em termos de sua função, quando assumem um papel numa
aula de drama. Por exemplo, Cecily O’Neill e John O’Toole, utilizam-se precisamente
da primeira. E a segunda, também se apresenta como muito familiar entre os papéis que
os professores assumem, com os quais eles têm acesso a informações de alguém
importante, mas como eles mesmos não tem poder, facilitam o acesso aos outros
personagens ou participantes, um exemplo típico de papel com status médio
(ACKROYD, 2004).
A escolha dos papéis a serem representados no processo de drama, coloca o
professor inicialmente no papel de dramaturgo. Antes de pensar em como representará
este papel e em sua potencialidade relacionada à exploração dos signos teatrais, o
professor precisa alinhar-se com a característica essencial desta metodologia que
envolve a construção de uma narrativa, portanto é importante que os papéis escolhidos
tenham o poder de auxiliar a condução da narrativa tanto pelo professor quanto pelos
alunos, de modo a ajudar com que os últimos se envolvam na ficção proposta.
Sobre isso, Cecily O’Neill afirma que:
A estratégia do teacher in role é freqüentemente mal compreendida, e está no
centro do repertório do professor de drama. A prontidão do professor para
direcionar e construir o mundo ficcional através desta estratégia apresenta-se
como uma poderosa maneira de alterar a atmosfera, as relações, e balancear o
poder na classe, desde que as funções do professor com a classe sejam
imediatamente alargadas. Na aula de drama mais tradicional, o professor é
tipicamente um facilitador externo, um treinador, um diretor, ou um
‘adorável adversário’, em vez de trabalhar no papel dentro do drama
(O’NEILL, 1997 apud TAYLOR & WARNER, 2006:77, trad. nossa) 29.
29 This teacher in role strategy is often misunderstood, but it is at the centre of the drama teacher’s repertoire. The willingness of the teacher to centre and build the fictional world in this way is a powerful means of altering the atmosphere, relationship, and balance of power in the classroom, since it immediately extends the functions of the teacher within the lesson. In more traditional creative drama
46
E acrescenta algumas das possibilidades oferecidas ao professor quando ele
trabalha no papel:
*Iniciar o mundo dramático rápida e economicamente;
*Dar status ao drama por ficar ativamente envolvido;
*Solicitar reações imediatas dos estudantes na medida em que dá a eles
papéis que tem o poder de responder com a situação ficcional;
*Puxar o grupo, junto, para um empreendimento propositado;
*Estabelecer tarefas relevantes para os estudantes;
*Modelo apropriado de registro de linguagem e comportamento;
*Possibilidade de guiar e controlar o desenvolvimento do drama;
*Oferecer suporte e afirmações dos papéis dos estudantes (O’NEILL, 1997
apud TAYLOR & WARNER, 2006: 78 trad. nossa) 30.
Estas são as principais características relacionadas ao uso da estratégia do
teacher in role. Em grande parte da literatura consultada sobre o drama e sobre o
teacher in role Dorothy Heathcote, além de ser sua criadora, é considerada a grande
realizadora do mesmo, conseguindo conciliar de maneira ímpar os aspectos artísticos e
pedagógicos.
Apesar de não ter tido a oportunidade de presenciar um processo conduzido por
ela, tendo assistido através de vídeo apenas uma pequena mostra de sua aula, o relato
que outros autores fazem de seu trabalho evidencia sua habilidade para aliar arte e
educação. Como professora de drama, Heathcote teve seu trabalho comparado, em
diferentes aspectos, a artistas como Grotowski, John Cage (ACKROYD, 2004), o que
confirma a ressonância de sua atuação.
A seguir discuto a contextualização do teacher in role no Brasil, que revelou a
possibilidade de desdobramento da proposta, onde além do professor assumir papéis
sociais ele também pode assumir personagens provenientes do texto dramático, com
ênfase na caracterização e suas implicações teórico-práticas.
lessons, the teacher typically remains an external facilitator, a side coach, a director, or a “loving ally”, rather than working in role within the drama. 30 * Launch the dramatic world quickly and economically; * Give status to the drama by being actively involved; * Invite immediate reactions from students by endowing them with roles that have the power to respond within the fictional situation; * draw the group together in a purposeful enterprise; * Set relevant tasks for students; *Model appropriate language registers and behaviors; * Control and guide the development of the drama; * Present challenges that increase the tension; * Offer support and affirmation of the student’s roles.”
47
2.3. Professor no papel e Professor-personagem: a imigração do drama para
o Brasil e as implicações para o ‘professor-artista-ator’.
Conforme foi mencionado no início deste trabalho, a expressão teacher in role
foi traduzida para o português por Beatriz Cabral como professor-personagem e
definida como uma estratégia na qual o professor assume personagens durante o
processo de construção de uma narrativa cênica pelos alunos (CABRAL, 2006).
Segundo Cabral:
A expressão “professor-personagem” foi a tradução escolhida para a
convenção inglesa “teacher in role”, justificando-se tanto pela
impossibilidade de uma tradução literal, quanto pelas características que o
uso desta estratégia foi adquirindo no contexto brasileiro [a autora completa
numa nota de rodapé] A tradução para o contexto do teatro educação, no
Brasil, centrado nos jogos teatrais (Viola Spolin) e na presença constante do
espectador, vai de encontro à prática do nosso licenciado em teatro, que em
geral se atém mais à caracterização do que a sua função social (CABRAL,
2006: 19-20).
Entretanto, a partir do trabalho prático com o drama, realizado junto ao grupo de
pesquisa em drama31, verificamos que esta tradução elimina a diferenciação que pode
existir entre o professor assumir um papel social e o professor representar um
personagem. Embora os termos tenham sido usados como sinônimos, a importância de
diferenciá-los se deve à possibilidade de explorar a segunda proposta – professor
representar um personagem – em termos de verificar sua viabilidade na prática da sala
de aula, e seu potencial pedagógico e metodológico para o ensino do teatro.
Assim, para clarificar e redefinir os termos dentro do que estou propondo,
retomo inicialmente a perspectiva inglesa, citando Ackroyd (2004): “Na literatura do
drama na educação, os conceitos do teacher in role são muitas vezes associados com
papéis sociais” (ACKROYD, 2004:7, trad. nossa) 32. Ao utilizar-se da estratégia do
teacher in role, o professor assume um papel social e com isso estimula a discussão que
31 Grupo de Pesquisa: Pedagogia do Teatro e Teatro como Pedagogia - coordenado pela Professora Dra. Beatriz Cabral./Projeto Arte na Escola Pólo UFSC /Florianópolis. 32 In the literature of drama in education, concepts of teacher in role are sometimes associated with social roles.
48
este papel levanta entre os participantes, em termos de comportamento e suas
implicações éticas ou conscientização de outra realidade que não a sua própria.
Na prática, o professor diz que é determinada pessoa, mantém a coerência lógica
deste papel social escolhido somente com a formulação do discurso e sua oralização. O
texto criado e oralizado pelo condutor, de forma improvisada, aproxima o mesmo de um
dramaturgista, na medida em que este constrói os diálogos a partir da relação criada,
aqui e agora, com o participante, e não fechado em um gabinete. De qualquer maneira,
o foco está potencializado no o quê está sendo dito, na função deste discurso para o
desenvolvimento da narrativa, e menos no como está sendo dito, sem objetivos cênicos.
Entretanto, na prática, a relação com a questão cênica, no contexto inglês,
também não é tão paralela e aponta para o possível desdobramento do papel para o
personagem. Ackroyd (2004) relata que quando representou o papel de uma menina
que tinha medo de ir para a neve por causa de um acidente ocorrido há alguns anos,
criou a personagem Suzie, uma menina que tinha a habilidade de evitar
questionamentos referentes a seus medos. E diz: “Quando eu atuei neste papel, eu
estava certa de que eu precisava criar um personagem. Ela não é apenas uma menina
pequena, ela é Suzie, como Masha é Masha, um personagem individual num contexto
particular” (ACKROYD, 2004:67, trad. nossa) 33. Diferente de O’Neill, que prefere
papéis sem face, neste caso Ackroyd propõe uma individualidade que se define por
detalhes na caracterização. E prossegue dizendo que entende o termo personagem a
partir da semiótica, que o define como: “Um personagem é nem mais e nem menos do
que um conjunto de signos. E estes signos são variáveis, uma vez que são determinados
pelo ator no contexto de produção” (ACKROYD, 2004:67/68, trad. nossa) 34.
A noção de papel e personagem, relacionado ao trabalho do ator, tem em
Stanislávski sua forte referência, na medida em que este autor dedicou-se a sistematizar
procedimentos de atuação, identificando separadamente os campos da criação do papel
e da construção de personagem. Em sua obra A Criação do Papel (1984), o autor refere-
se ao processo de entendimento do contexto da ficção e das circunstâncias dadas. Em a
Construção da Personagem (2000), o autor focaliza a caracterização física do
personagem.
33 When I play this role, I am aware that I need to create a character. She is not just a small girl; she is Suzie, just as Masha is Masha, an individual character in a particular context. 34 The character is no more or less than a set of signs. These signs are variable, since they are determined by the actor in the context of the production.
49
Assim, para a criação de um papel é necessário que haja um período de análise
das circunstâncias dadas pelo autor do texto dramático, ou seja, a criação do contexto da
ficção, a avaliação dos fatos e a criação do discurso do papel, para depois, numa
segunda etapa, partir para a construção de física. Quando se refere à construção física,
exterior, Stanislávski utiliza o termo ‘personagem’. Para a construção do personagem,
seja ele qual for, é necessário que o ator trabalhe na caracterização exterior, na
plasticidade dos movimentos, nas entonações, na expressividade das palavras, no
tempo-ritmo (STANISLAVSKI, 2000).
As convenções do professor no papel e do professor personagem correspondem
a estas etapas identificadas por Stanislávski. Podemos entender que o professor no
papel focaliza a primeira etapa, que concentra o desenvolvimento das circunstâncias
dadas e criadas pelo autor ou pelo pré-texto criado pelo professor. E o professor-
personagem abarca as duas etapas, pois sua composição exige que o professor estude o
texto dramático, compreendendo as circunstâncias e objetivos do personagem dentro do
mesmo para fisicalizá-lo. Porém, no momento de intervenção no processo de drama,
eles são independentes, ou seja, uma estrutura de drama pode ter o professor no papel
em determinado episódio, e o professor representando um determinado personagem em
outro momento.
Patrice Pavis (2001) apresenta uma definição para o termo papel que, apesar de
ser colocado como sinônimo de personagem define o tipo de personagem - ou
personagem tipo - e ajuda a esclarecer a opção inglesa pelo termo:
Enquanto tipo ou personagem, o papel está ligado a uma situação ou uma
conduta geral. Ela não tem característica individual alguma, mas reúne várias
propriedades tradicionais e típicas de determinado comportamento ou
determinada classe social (papel de traidor, de homem mal) (PAVIS, 2001:
275).
Esta idéia do papel como comportamento de uma determinada classe social vai
de encontro ao aspecto relacionado à função e ao status do papel que o professor
assumirá.
Assim, parto de três constatações para especificar os dois termos professor no
papel e professor personagem e justificar a necessidade de um estudo mais aprofundado
da segunda possibilidade:
50
1. A prática do teacher in role, no contexto inglês, apresenta variações que vão do uso
exclusivo do papel até a incorporação de aspectos do professor-personagem, sem, no
entanto, usar esta expressão.
2. A utilização da metodologia do drama no Brasil se dá nas aulas de teatro, o que fez
com que Cabral (2006) optasse por traduzir teacher in role por professor-personagem.
Esta expressão contribui para a inserção da estratégia ao universo do teatro.
3. A expressão professor-personagem abarca dois procedimentos que, como vimos, são
diferentes ou, no mínimo, complementares.
Em função destas colocações, proponho que a tradução se mantenha literal
teacher in role - professor no papel - e que o termo professor-personagem seja
preservado para definir um procedimento específico, potencialmente interessante para a
aquisição de linguagem teatral no contexto escolar. Como no contexto escolar brasileiro
o drama está sendo utilizado dentro das aulas de teatro, o desdobramento do professor
no papel para o professor personagem emerge automaticamente e leva à potencialização
dos elementos teatrais sempre que possível. Chega-se assim ao questionamento
principal: qual é a diferença fundamental do professor-personagem em relação ao
professor no papel?
O professor-personagem dá ênfase à caracterização, cria um discurso condizente
com as circunstâncias do personagem em termos de época, nacionalidade, ideologia,
criando assim uma individualidade, enunciando o texto literal de um autor seja ele
dramático ou não. Durante o processo do drama este personagem interage nas
improvisações do grupo, mantendo, porém, sua postura física e ideológica a fim de
permitir o desenvolvimento de uma contra-argumentação pelo grupo. O professor vai
refinar a caracterização em termos físicos, sonoros, visuais, mantendo assim a idéia de
construção de personagem, um personagem determinado que possa ser trazido em
diversos momentos do processo.
Esta é, sem dúvida, uma tarefa que exige mais elaboração por parte do professor,
mas que, se ele tem a intenção e o desejo de resgatar sua prática como ator, poderá
sentir-se fortemente gratificado e estimulado, além de provocar um forte impacto nos
alunos, já que esta proposta apresenta-se como sendo de maior radicalidade estética na
relação com o participante e em termos pedagógicos, oportuniza a ampliação da
linguagem teatral – estilo de representação, relação do ator com o espaço cênico,
51
caracterização em termos do trabalho do ator e em termos da indumentária utilizada,
contato com textos dramáticos.
Estas diferentes abordagens confirmam as várias possibilidades de exploração da
estratégia do professor-personagem, e reforçam a idéia de que, segundo Tadeu Lewicki:
[Dorothy Heathcote] não quis transferir suas habilidades pessoais para os
estudantes ou para outros professores, mas ela estava convencida que todos
são capazes de desenvolver suas próprias habilidades a fim de produzir uma
metodologia individual. Seu objetivo como uma praticante de drama e
professora universitária não foi produzir outras ‘Heathcotes’, mas mostrar e
explicar como o drama funcionou e como todos os professores poderiam
adotá-lo em suas aulas (LEWICKI, 1996: 68 trad. nossa) 35.
Apesar de constatar a forte influência de Heathcote no desenvolvimento da
metodologia do drama e de lançar mão de uma de suas estratégias de ensino para
explorar as possibilidades de trazer o teatro para a sala de aula, minha proposta do
professor-artista enfatiza a exploração da teatralidade e da aquisição da linguagem
teatral pelo aluno, diferenciando-se da ênfase que Heathcote dá ao aspecto educacional.
De qualquer maneira, a discussão sobre o papel do professor como co-artista no
desenvolvimento do trabalho é praticamente recente, mas bastante presente entre os
praticantes e estudiosos do drama na atualidade (TAYLOR&WARNER, 2006). Esta
postura não é muito fácil de assumir, na medida em que exige que o professor esteja
preparado para abdicar de seu usual papel (de professor), no qual ele tem a palavra final
e é o detentor do conhecimento. Ele precisa ser capaz de dividir as responsabilidades
tanto do processo de criação quanto de aprendizado com o resto do grupo.
Como artista, o professor precisa estar preparado para tolerar sua própria
espontaneidade e a do grupo. Como qualquer processo criativo ele precisa aventurar-se
em um novo território, arriscar-se no caos e na fragmentação do trabalho. Pode ser
difícil para os professores irem adiante numa situação na qual eles não podem elaborar
planos para o futuro (TAYLOR&WARNER, 2006).
Neste sentido, a noção e o conceito de ‘professor como intelectual’, proposto por
Giroux, abre perspectivas para a apropriação das estratégias estudadas – professor no
35 She wanted not to transfer her personal skills to the students or other teachers, but she was convinced that everybody is able to develop his/her own skills in order to produce an individual methodology. Her aim as a drama practitioner and university lecturer was not to produce other ‘Heathcotes’, but to show and explain how drama worked and how all teachers could employ drama in their teaching.
52
papel e professor-personagem – e para o desenvolvimento de alternativas
metodológicas. O professor como intelectual está centrado na ampliação do capital
cultural do aluno, introduzindo referencial cultural, teórico (conceitual e lingüístico) e
metodológico, fornecendo as informações e os métodos, com liberdade para
desenvolver e explorar o seu modo particular de fazer.
A seguir relato as experiências por mim realizadas com o professor no papel e o
professor-personagem, através da condução de dois processos de drama que tinham
como objetivo geral reforçar a teatralidade das experiências e investigar os problemas e
as possibilidades oferecidas pelas estratégias mencionadas para o processo de ensino
aprendizagem do teatro.
53
Capítulo 3: Minhas experiências com o professor no papel e com o
professor-personagem nos processos de drama a partir do pré-texto Nós
e Eles.
Fig.1: Papéis e personagens assumidos durante os processos práticos: (da esquerda para a direita: Moradora da
cidade vizinha; Escriba; Escriba Namassor; Funcionária da Prefeitura, Advogada).
Neste capítulo pretendo relatar as experiências que tive com a condução de dois
processos de drama, nos quais busquei explorar a teatralidade e investigar os
procedimentos do professor no papel e do professor-personagem.
A primeira experiência foi realizada no formato de oficina com alunos do curso
de Licenciatura em Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC
e professores de artes da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis e a segunda
experiência foi realizada com alunos da terceira série do Ensino Fundamental da E.E.B.
Lúcia do Livramento Mayvorne, ambas em Florianópolis.
O tema geral das experiências foi a discussão do potencial do fazer teatral no
contexto do ensino curricular, a ênfase na teatralidade e o papel do professor como ator
na sala de aula, assumindo papéis sociais e personagens, desdobrando a estratégia do
drama denominada teacher in role em duas vertentes - professor no papel e professor-
personagem.
54
Em ambas as experiências o texto dramático ‘Nós e Eles’, de David Campton36
foi escolhido como pré-texto do drama.
Resumo da fábula:
O texto ‘Nós e Eles’ conta a história, através do personagem do Escriba, de dois
grupos de pessoas, A e B, que chegam a um lugar, que pode ser qualquer lugar, e
passam a conviver neste mesmo espaço. A convivência leva os grupos a quererem
dividir o espaço e eles chegam à conclusão que a melhor forma de dividir este espaço é
através da construção de um muro. Separados pelo muro, eles passam a imaginar o que
os outros estão fazendo ou deixando de fazer e isso leva ambos os grupos a um estado
de paranóia. Assim, eles resolvem derrubar o muro e, ao derrubarem, percebem que os
conflitos entre eles foram gerados pelo fato de que o muro era muito fino, muito baixo,
curto etc. O Escriba, indignado, constata que, na história, as coisas se repetem, e que
logo, logo irão chamá-lo em outro lugar, provavelmente para ele escrever/relatar a
mesma história.
Personagens do texto:
Escriba;
Grupo A e Grupo B (número de participantes indeterminado; gênero não
determinado)
Porta voz A
Porta voz B.
Questões abordadas pelo texto e que podem ser exploradas pelo processo de
drama - o texto como pré-texto.
1. A convivência entre grupos distintos – identidade e diferença;
36 David Campton (1924-2006): Dramaturgo inglês que escreveu para teatro, cinema e rádio e foi considerado um dos primeiros dramaturgos britânicos a escrever no estilo do Teatro do Absurdo.
55
2. A mudança de vida - envolvendo os limites entre os processos de acomodação
e confronto de recém chegados a um determinado local;
3. A ocupação da terra: dificuldades e possibilidades oferecidas pela nova terra.
4. As expectativas geradas com a mudança - o que se ganha e o que se perde.
3.1. Nós e Eles: o professor-personagem conduz a cena - oficina sobre o potencial
interdisciplinar do teatro como eixo curricular.
A presente oficina foi criada juntamente com o grupo de estudo Teatro como
Pedagogia37 (Parte Prática) e foi conduzida por mim, contando com a participação de
todo o grupo e com a coordenação pedagógica da Professora Doutora Beatriz Cabral38.
Foram quatro encontros realizados nos dias 19 e 26 de abril e 3 e 10 de maio de 2007,
das 14h00minh às 16h00minh no Teatro da UFSC em Florianópolis, somando um total
de 8h, com a promoção do Projeto Arte na Escola Pólo UFSC.
Optamos por fazer a oficina no teatro, ao invés da sala de aula, para
aproveitarmos os recursos de luz, som, além do palco, ajudando a estabelecer a
atmosfera teatral desejada. Esta opção não nos pareceu incompatível com a instituição
escolar, já que várias escolas possuem uma sala especial para a disciplina de artes, ainda
que não tenha o aparato técnico próprio de um teatro. Outro fator que determinou a
escolha do espaço teatral foi a grande quantidade de pessoas envolvidas,
aproximadamente 40 pessoas entre os proponentes, os participantes e os observadores.
Este processo foi planejado pensando em um público alvo de alunos de Ensino Médio
em diante. Na nossa experiência, ele foi realizado com professores de artes e futuros
professores, todos com idade superior aos dezoito anos. Sugerimos, por questões
pedagógicas e práticas, que o grupo fosse dividido em dois, sendo que metade
participou e metade observou. Estes grupos não eram fixos, de modo que em cada
sessão o participante poderia somente observar ou somente participar, e inverter as
posições nas sessões seguintes. Como a oficina tinha o caráter de investigação,
37 A equipe de pesquisa em cena contou com a coordenação pedagógica da Professora Doutora Beatriz Cabral, e foi composta por mim, Professora Ms Heloise Baurich Vidor, Ms Melize Zanoni, a aluna do Mestrado em Teatro/UDESC Raquel Guerra, aluna da graduação em Licenciatura em Artes Cênicas/UDESC Lia Motta e o ator Pedro Paulo Prado Pitta, todos pertencentes ao grupo de estudo acima referido. 38 O planejamento das atividades foi feito por mim, porém todas as resoluções nos mais diferentes níveis foram tomadas em conjunto com o grupo, inclusive o próprio plano de aula.
56
quisemos abrir a possibilidade de os participantes – professores e futuros professores –
modificarem o olhar durante o processo. Em termos pedagógicos, se a proposta era
reforçar a teatralidade, a presença do observador, de acordo com Cornago (2006) era
essencial e este aspecto precisava ser diferenciado da abordagem tradicional do drama,
na qual não existe espectador a priori. Em termos práticos, seria inviável trabalhar com
40 pessoas no palco.
Decidimos também não interromper o processo para discussões sobre a
metodologia. Isso porque pretendíamos investir no caráter espetacular. O personagem
do Escriba, assumido por mim, seria o responsável por estabelecer o fio condutor da
narrativa, passando instruções eventuais e de forma indireta. Os quatro porta-vozes,
assumidos pela equipe de pesquisa, fariam a mediação e o esclarecimento das instruções
junto aos participantes, cada qual com seu grupo.
Os objetivos foram:
1. Investigar a participação do professor no processo tendo como foco a estratégia do
professor no papel, transitando entre a função de pedagogo e de ator.
2. Investigar o desdobramento possível e suas diferenças quanto a assumir um papel
social, como na proposta inglesa e assumir um personagem. Como isso acontece no
processo? Esse desdobramento é válido? Por quê?
3. Buscar potencializar os elementos teatrais no processo de drama - a ambientação
cênica, o jogo cênico e o sentido espetacular - de modo a reforçar sua relação com o
ensino do teatro na escola.
4. Compartilhar a experiência com professores da rede, que estão no dia a dia da sala de
aula e podem avaliar o potencial e a viabilidade desta proposta metodológica para
envolver e/ou engajar emocionalmente o aluno no processo de investigação cênica.
Aspectos da contextualização:
• O texto como pré-texto: as adaptações ao contexto dos participantes.
57
1. Dividimos os participantes em quatro grupos ao invés de dois. E os denominamos de
‘tribos’ para fazer uma conexão com a atualidade, onde os jovens se juntam por
determinadas afinidades e recebem a denominação de tribos.39
2. No texto original, não sabemos quem são esses As e Bs, não percebemos nenhuma
característica que os identifique com um determinado perfil. Ao contrário disto, eles são
colocados pelo autor como muito parecidos, dizem as mesmas coisas, tem as mesmas
idéias e angústias. No nosso caso, procuramos relacionar com nosso contexto atual,
pensando numa cidade com características urbanas, em franco desenvolvimento e as
contradições que começam a surgir: o desenvolvimento urbano, cultural, econômico, tão
desejado por alguns e a questão da preservação do meio ambiente, tão preconizada por
outros. Estes temas estão muito presentes na atualidade e, na nossa cidade, eles ocupam
manchetes de jornais quase que diariamente, já que Florianópolis é reconhecida como
cidade modelo em termos de qualidade de vida e por isso tem trazido muitos novos
moradores para cá. Esses que chegam trazem o sonho de uma cidade urbana, próspera,
desenvolvida, ou, ao contrário estão fugindo dos grandes centros em busca de uma vida
mais tranqüila e um lugar mais calmo, menos poluído, menos violento. Assim,
encontramos aqui aqueles que se identificam com algum aspecto desta problemática e
acabam se juntando em tribos que discutem estas questões e assumem um estilo de vida
que as identificam.
3. Para evitarmos uma abordagem estereotipada das tribos, resolvemos dividi-las em
quatro, pensando em outros tipos de tribos que reconhecemos aqui na cidade: tribo dos
esotéricos, tribo dos internautas/ tecnólogos; tribo dos desenvolvimentistas urbanos e
tribos dos ambientalistas. A simbologia que usamos carrega um aspecto metafórico que
não estabelece uma relação direta de significado: a tribo dos esotéricos foi simbolizada
pelas conchas, a tribo dos internautas foi simbolizada pelos galhos, a tribo dos
desenvolvimentistas urbanos foi simbolizada pelas pedras e a tribo dos ambientalistas
foi simbolizada pelas folhas.
4. Nossa adaptação ao texto original conta com a interrupção da história no momento
em que os grupos vão decidir pela derrubada ou manutenção do muro. No original eles
optam pela derrubada, mas voltam a pensar que poderiam construir outro mais
39 Segundo o sociólogo Michel Maffesoli: “uma tendência da sociedade pós-moderna é a fragmentação da sociedade em pequenas tribos [...] A tribalização pode ser para melhor ou para pior. Há gangues nas cidades e há o bom relacionamento nas praias. São dois pólos da tribalização...” (MAFFESOLI, M citado por NAZÁRIO, L. 2005:45).
58
comprido, largo, forte, grosso. Neste momento do texto, nós sugerimos a realização de
uma assembléia e uma votação entre as tribos, que agora estão duas de um lado e duas
de outro lado, ponderando a presença do muro como algo que pode ou não ser eficaz.
Assim, os participantes decidem se o muro deve ou não ser derrubado e discutimos
quais as implicações de uma ou de outra opção. Isso mostra que o final é aberto e em
cada contexto que a experiência é realizada o muro pode ser derrubado ou não.
• Personagem assumido pelo professor:
Escriba: O escriba está presente no texto original e teve suas falas preservadas. A
função do escriba no texto é comentar e registrar os eventos na medida em que estes
ocorrem.
• Papéis sociais assumidos pelo professor:
Moradora da cidade vizinha: este papel não está presente no texto original. Ele é um
papel de status médio e foi criado, para a segunda sessão, com a função de verificar se
os participantes se lembravam da história e reforçar o sentido da viagem até um
determinado local. Outra função da vizinha era fortalecer a interação com o grupo
através do diálogo criado no aqui agora com as resposta que surgiam. Assim a vizinha
criava perguntas como: quem são vocês? Por que resolveram vir para este lugar? O que
este lugar tem de bom?
Consultora da prefeitura, Srta. Arbeit: este papel não está no texto original. Ele é um
papel de status alto, persuasivo e que tinha o respaldo da prefeitura para determinar as
ações de trabalho que os grupos fariam. A consultora tinha sido contratada pela
prefeitura para auxiliar as pessoas na sua instalação na nova terra, bem como nas
atividades que elas desenvolveriam. A Srta Arbeit tinha a função de identificar as
habilidades de cada membro da tribo, de modo a reforçar as diferenças entre um grupo e
outro. Esta diferença potencializada levaria à construção do muro e ao ápice do conflito.
• Papéis dos porta-vozes tribais
59
Quatro componentes do grupo de pesquisa assumiram os papéis de porta vozes
das tribos e mantiveram uma interação direta com os participantes. Como porta vozes,
eles negociavam as questões do uso da terra com os demais grupos. Para tanto, eles
tinham que levantar perguntas que ajudassem o grupo a se posicionar frente às questões.
• Elementos de caracterização utilizados pelo professor:
1. Propositalmente não utilizei adereços ou figurinos. Optei por usar uma roupa
preta e um lenço, que a cada mudança de papel ocupava um lugar diferente no corpo;
estabeleci mudanças no corpo e na voz para cada um dos papéis e para o personagem do
Escriba.
2. Foi utilizado um tambor que pontuava o ritmo da ação dramática e ajudava a
dar as informações e tarefas na medida em que chamava a atenção dos participantes
quando estes estavam dispersos ou em grupos discutindo as tarefas.
• Procedimentos metodológicos:
Rituais, ritos de passagem, jogos teatrais com objetos, imagens corporais,
fragmentos de texto e uma sensibilização, intercalando, respectivamente, a introdução
gradual do contexto pelo professor e a interação do texto com a memória dos
participantes.
• Materiais de apoio:
Um tambor, vinte caixas de papelão, tintas, pincéis, cola, tesoura, folhas secas,
galhos de árvores, conchas e pedras (pedregulhos), seis fotos impressas em tamanho A3.
60
3.1.1. Relato da Experiência.40
1o. Episódio: Quem somos...? O que buscamos...? A Jornada.
O foco desta primeira sessão estava na inserção do participante na atmosfera
teatral e suas primeiras relações com o tema da narrativa. A sensibilização foi a
estratégia utilizada para criar o percurso da viagem que estava começando. E os
elementos simbólicos, estabeleceram a identidade de cada tribo de uma maneira
metafórica. Cada símbolo (galho de árvore, concha, pedra ou folha) os uniu em uma
tribo, portanto, tivemos quatro tribos: a Tribo das Conchas, a Tribo dos Galhos, a Tribo
das Pedras e a Tribo das Folhas. Essas tribos foram mantidas ao longo de todas as aulas.
Os participantes, descalços e de olhos fechados, entraram no teatro e
percorreram o ‘caminho da viagem’, do corredor de entrada até o palco, o qual estava
preenchido pelos mesmos elementos da natureza (folhas secas, galhos, pedras, conchas).
Cada participante passou pela sensibilização e juntou-se aos quatro porta-vozes que
estavam em posição de estátua (equipe de pesquisa) no palco. O fundo musical sugeria
uma atmosfera misteriosa e desta forma as tribos foram formadas.
Fig. 2: Os participantes junto aos porta-vozes no palco.
40 O registro fotográfico foi realizado por Marcelo Cabral Vaz.
61
Após todos se acomodarem e ficarem em posição de estátua junto à sua tribo,
como professor-personagem, toquei um tambor, chamando a atenção para mim e iniciei
com o texto “Nós e Eles” assumindo o personagem do Escriba:
“Que estranho. Eu tinha certeza que tinha alguém aqui. Apenas há um minuto...
Eles vêm e vão. (neste momento as estátuas se mexem). Escutem... Alguma coisa
está para acontecer. Eu preciso tomar nota.”
A cada batida no tambor, um porta-voz descongelou e falou um texto
improvisado que se relacionava com o seu símbolo. Após as improvisações dos porta-
vozes, ainda como Escriba disse: “Quem são essas tribos? Essas tribos se reúnem e
discutem suas características, suas expectativas, seus sonhos... Tempo de discussão...”
Passando a instrução de maneira indireta, propus que os grupos se reunissem e
discutissem a identidade da tribo da qual pertenciam. Vale ressaltar que os porta-vozes
participaram das discussões como pertencentes a cada tribo, mas ajudaram a esclarecer
as instruções das tarefas junto aos grupos, agindo como professores-auxiliares.
A última tarefa foi preparar uma imagem congelada feita com os corpos dos
participantes, que retratasse o desejo da tribo neste novo lugar. E após a realização da
imagem coletiva cada participante falaria uma frase verbalizando o seu sonho individual
dentro do coletivo. Através da minha condução como professor-personagem, com o
auxílio do toque do tambor, cada grupo mostrou aos outros e aos observadores sua
imagem e suas vozes. Após as quatro tribos terem realizado a tarefa, a luz caiu
lentamente e a primeira sessão foi encerrada.
2o Episódio: A chegada ao novo lugar: teremos que dividir a terra nova???
O foco desta sessão estava na fortificação da identidade de cada tribo, na
convivência das diferentes tribos dentro do mesmo espaço desejado e no conflito gerado
pela divisão da terra.
Os participantes se juntaram com as suas tribos e cada tribo ocupou uma posição
no teatro (norte, sul, leste e oeste). Nesse momento, apareceu uma velhinha dizendo que
era moradora de um povoado vizinho (professor no papel), e ela fazia perguntas aos
62
viajantes procurando promover ou reforçar a identidade de cada grupo, esta personagem
não existe no texto original e sua fala foi totalmente improvisada.
Fig 3: professora no papel da vizinha. Fig 4: Painel da Tribo dos Empreendedores.
Depois desta intervenção, os participantes criaram com material para pintura e
frases poéticas uma bandeira com seu lema, estabelecendo bem a diferença entre “nós”
e “eles”. Quando os painéis ficaram prontos, foram criados os “gritos de guerra” de cada
tribo, inspirados por trechos de poesias. Num ritual em coro, alternadamente, cada tribo
emitiu seu ‘grito de guerra’ e exibiu sua bandeira. Como Escriba (professor-
personagem), encerrei a sessão, dizendo:
Há lugar suficiente para todos? Como fica a convivência cotidiana dentre tantos
desejos e tantas incompatibilidades? Se vocês não têm outro lugar para ir... Se
este é o lugar de vocês, qual a melhor solução?
3o. Episódio O que se faz do outro lado do muro...????A curiosidade mata!!!!!!!!!!
O foco deste encontro estava na busca da visão paranóica gerada pelo
desconhecido, e que foi provocada pela existência do muro. A base do trabalho estava
na realização de ações físicas e sonoras pelos dois grupos A e B, buscando deformações.
A luz acendeu. Havia um muro construído no meio do palco. Cada tribo
escolheu um lado do palco de acordo com as afinidades entre sua tribo e as outras. A
Tribo dos Galhos (tecnólogos) ficou com a Tribo das Pedras (empreendedores) e a
Tribo das Conchas (esotéricos) ficou com a Tribo das Folhas (ambientalistas). Todos
63
receberam fragmentos do texto, cujo tema central era ‘o trabalho’ e, em coro, falaram de
um lado do muro para o outro lado do muro.
Neste momento, surge Srta. Arbeit, outro papel assumido por mim que também
não existe no texto e que foi improvisado. A Srta. Arbeit era uma executiva estrangeira
que tinha sido contratada pela prefeitura da cidade vizinha para orientar estas pessoas
para o trabalho e organizar cada lado do muro. Ela pediu aos trabalhadores que
mostrassem com o que iriam trabalhar – ações físicas – e, posteriormente, criassem uma
engrenagem com as ações de trabalho. Esta engrenagem seria transformada numa ação
coletiva e silenciosa.
Fig. 5: Cada tribo realizando seu trabalho com a orientação da Srta Arbeit.
Sem interromper o trabalho, eles falavam frases do texto produzindo um eco
assustador:
Oooo queee seráaaaa queeeee estáaaaa acontecendooooo doooo outrooooo
laddooooodoooo murooooooo...............................?????????????
A próxima tarefa foi criar uma pirâmide com os corpos de todos, para que eles
pudessem enxergar o que havia do outro lado do muro.
64
Fig. 6: Pirâmide de corpos: O que tem do outro lado do muro??
Quando conseguiram se olhar, o Escriba, professor-personagem, interrompeu e
finalizou:
Eu deixo a pergunta no ar: o muro cairá ou o muro se manterá??Saberemos na
próxima sessão.
4o Episódio: Derrubar ou preservar?
O foco desta sessão estava na derrubada ou na manutenção do muro. A sessão
iniciou-se com a reprodução da cena final do encontro anterior. Como Escriba, repeti a
mesma fala de encerramento e propus que, a partir desta pergunta, o grupo se reunisse
para uma assembléia, para decidir o quê faríamos com o muro. Decisões divergentes:
um lado optou pela derrubada do muro e o outro pela manutenção do mesmo. Assim,
propus outra tarefa: uma improvisação com o tema: “Alguns anos se passaram... o que
aconteceu com estas pessoas?” Os grupos combinaram e apresentarem para os
observadores. Depois de ‘olhar’ o futuro, perguntei aos grupos se eles ainda assim
manteriam suas posições e a resposta foi sim. Então, passamos à votação entre os
observadores e, por diferença de um voto, o muro foi mantido.
Cada lado do muro fez um memorial, registrando os fatos, expressando opiniões
sobre o acontecido. Na tentativa de contextualizar a proposta com eventos da nossa
história real, disponibilizamos fotos ampliadas de muros que existiram ou existem no
mundo: Muro de Berlin, Muro das Lamentações, Muralha da China, Muro da fronteira
entre México e EUA, para serem incorporadas nos memoriais. Prontos os memoriais,
65
em bloco, os grupos circularam pelo teatro verbalizando sua posição frente ao ocorrido.
Em clima de manifestação, chamei a atenção de todos com o toque do tambor e
cantei um trecho da Internacional Comunista em russo. Encerramos a sessão. Ao
término da experiência, fizemos uma avaliação, procurando identificar quais foram os
aspectos mais significativos para participantes e observadores.
Fig. 7: Um dos memoriais criados.
3.1.2. Avaliação.
Nossa avaliação tinha como guia a hipótese de que a ênfase na criação da
ambientação cênica e nas propostas de exercícios que focassem aspectos propriamente
teatrais, como improvisações, criação de ações físicas, criação de imagens corporais,
criação de sonoridades, criariam uma atmosfera que ajudaria a envolver o grupo no
contexto da ficção. O professor no papel ou assumindo um personagem manteria
presente a ficção e faria a mediação entre esta e os participantes. Utilizamo-nos de dois
procedimentos para a avaliação: o debate ocorrido logo após o término da última sessão,
gravado em DVD e um questionário de recepção. Os resultados foram amplamente
discutidos com os alunos de graduação na disciplina de Estágio 1 e Metodologia do
Ensino do Teatro 1, ministradas pela Professora Beatriz Cabral, com a participação de
alguns componentes do grupo de pesquisa nas discussões.
66
a) O debate: a seguir aponto as questões principais que emergiram no debate em
termos da aplicação da metodologia nesta experiência.41
1. A possibilidade/ dificuldade de transposição da experiência para a escola.
Questionamento: Como adequar uma experiência como esta à sala de aula, tentando
reforçar a teatralidade e driblar a precariedade do ambiente, estando o professor
sozinho, sem uma equipe de professores? “(...) eu dou aula para 18 alunos e é muito
difícil porque este embate é o dia a dia deles... Eu fico imaginando fazer isso com eles...
eu ia sofrer muito... Alunos de segunda série...” (Transcrição do DVD do debate).
Comentário: A possibilidade de adequação está relacionada à adaptação dos
procedimentos metodológicos ao contexto e à faixa etária dos alunos. As tarefas que
neste processo foram desenvolvidas de forma concentrada poderiam ser estendidas ao
longo do semestre e distribuídas dentro do planejamento do professor. Quanto à
presença da equipe, se por um lado ajudou a dividir as tarefas e a discutir as
proposições, por outro lado, dificultou a comunicação. O professor, sozinho, em contato
direto com a turma, com a qual tem familiaridade, provavelmente terá melhores
condições de administrar as mudanças de plano de aula, fazer a mediação com seus
alunos, além de explorar os espaços da escola e os materiais disponíveis na mesma para
incrementar o trabalho. Mas, para compreender melhor esta dinâmica de deslocar o
processo para o campo escolar, foi que propus, dentro da perspectiva desta pesquisa, a
realização de um processo na sala de aula.
2. Papel da mediação do professor no processo.
Questionamento: Como equilibrar o estético e o pedagógico em termos da incorporação
da voz dos participantes? Como o professor no papel e o professor-personagem se
referem à funcionalidade dos papéis escolhidos e incorporam a voz dos participantes?
41 Quando for trazer a fala literal do participante, utilizarei aspas, seguido da expressão: Transcrição do DVD do debate, entre parênteses.
67
“(...) até que ponto o professor deve assumir uma performance/caracterização ou deve
pensar mais na funcionalidade, ou seja, como seu discurso funciona para trazer as
pessoas para o contexto e para que os alunos façam o que ele quer”. (Transcrição do
DVD do debate).
Comentário: Nesta experiência, conforme coloquei no início do capítulo, não usei
nenhum recurso para a caracterização além da expressão física e vocal. E mesmo assim,
os alunos a perceberam como uma caracterização performática e levantaram a questão
do foco no pedagógico. Como vimos, no aspecto da caracterização não há um consenso
de como realizar a estratégia, o importante é que se mantenha a questão da sua
funcionalidade. O’Neill, por exemplo, opta por papéis “sem face”, sem qualquer
preocupação com a caracterização e Ackroyd e O’Toole, por exemplo, a reforçam
quando assumem um papel.
A caracterização é um dos elementos que podem ser associado ao professor-
personagem, pois o personagem, ao inserir a voz do autor, traz outra realidade em
termos de espaço e tempo. A caracterização física e vocal pode contribuir para clarificar
para os alunos que tempo é esse e que local é esse (modo de falar rebuscado; sotaque,
postura, trejeitos). Além deste aspecto, o uso de adereços e figurinos também contribui
para a caracterização do personagem e a introdução de outros elementos que compõem
a linguagem do teatro e que podem ser desenvolvidos pelo professor como a criação de
figurinos e objetos (figurinos/adereços feitos com material reciclado, por exemplo).
3. O trânsito entre os papéis de pedagogo e ator através do professor no papel e do
professor-personagem.
Questionamento: “Quando o professor assume o personagem isso dá mais impacto para
os alunos quanto mais há quebra [entrar e sair do personagem]. A quebra eleva o
potencial do professor-personagem. As quebras são importantes para dar as instruções.
Usar o professor-personagem para passar as instruções é confuso.” (Transcrição do
DVD do debate).
Comentário: No contexto da escola, onde há familiaridade entre professor e aluno, o
jogo de entrar e sair do papel é atrativo e impactante. Porém, é importante apontar que o
procedimento do professor no papel tem como uma das funções, transmitir
68
informações, e isso nem sempre é confuso, pois segundo Heathcote, a estratégia foi
criada essencialmente para facilitar a comunicação entre professor e aluno
(HEATHCOTE apud LEWICKI, 1996). Neste processo o professor manteve-se mais
tempo no papel de ator, saindo do personagem do Escriba para assumir os papéis da
Vizinha e da Advogada. A mediação pedagógica42 entre a construção da narrativa pelo
grupo e a manutenção do personagem e dos papéis assumidos pelo professor foi
realizada pelos integrantes do grupo de pesquisa, que assumiram os papéis de porta
vozes das tribos.
4. Interação do professor-personagem com os participantes.
Questionamento: Segundo os participantes, houve distância entre o personagem do
Escriba e os mesmos. “Com os dois personagens que foram improvisados nos sentimos
mais próximos do professor.” (Transcrição do debate).
Comentário: Esta afirmação confirma a especificidade do personagem no processo. O
personagem do Escriba no texto “Nós e Eles” não participa da ação, funciona como um
narrador que descreve os acontecimentos na medida em que eles ocorrem. A proposta
de trazer um personagem, como opção metodológica a ser explorada neste e em outros
processos, não é para que ele seja próximo dos participantes, ele é justamente para
aparecer como alguém distante, provocador, estranho, polêmico. Os papéis
improvisados - a velhinha da cidade vizinha e a Srta Arbeit – tem a função de
aproximar, dialogar e desafiar.
5. Quanto à função dos papéis.
Questionamento: Os papéis (Vizinha e Sra. Arbeit) e o personagem (Escriba)
assumidos pelo professor, para os alunos, “não ajudaram a desenvolver a ficção, ou seja,
não foram tão funcionais.” (Transcrição do DVD do debate).
Comentário: Este é um ponto interessante para análise, porque ambos os papéis
cumpriram suas funções de acordo com o que foi planejado quando os criei – função de
estabelecer diálogo com os participantes, desafiando-os com perguntas referentes ao
contexto ficcional e relacionados com o momento de desenvolvimento em que estava a 42 Neste caso entendemos mediação pedagógica como o esclarecimento das instruções das atividades propostas.
69
narrativa. A vizinha colocava-se como alguém que queria entender porque eles estavam
ali, o que este lugar tinha de tão interessante e perguntava isso a eles. A Sra. Arbeit
queria que eles trabalhassem e a partir daí, mostrassem qual trabalho desenvolviam de
acordo com a lógica da tribo a qual pertenciam.
O personagem tinha a função de trazer o texto do autor referente à
contextualização das situações exploradas, indiretamente dando pistas sobre o que
estava ocorrendo, trazendo os acontecimentos para o fio da narrativa.
É importante notar que nenhum deles caracterizava-se como protagonista da
ação dramática em questão. Este é um dos critérios usados no drama para a escolha dos
papéis pelo professor, quando o mesmo lança mão da estratégia do professor no papel.
Nas estruturas de drama criadas por Cecily O’Neill (1997), os papéis principais
de um texto dramático ou de um tema que está sendo trabalhado no drama, só são
trazidos para o processo se eles tiverem que ser conhecidos pelo grupo para que a
narrativa prossiga. Quando isso ocorre, os participantes assumem este papel de forma
alternada, contribuindo para que o conhecimento do mesmo seja aprofundado, trazendo
diferentes aspectos, até mesmo contraditórios (mostrando as contradições presentes no
mesmo), justamente para incrementar a discussão.
Na estrutura criada a partir da história de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo,
não existe nem a Chapeuzinho, nem a Vovó, nem o Caçador, nem o Lobo. Existem
‘lobos’ numa floresta onde coisas estranhas estão ocorrendo e as únicas semelhanças
com a versão tradicional é que há uma floresta e que os lobos falam. “Os únicos
resquícios da versão original são os lobos falantes, a floresta, e o senso de uma
comunidade hostil aos lobos” (O’NEILL, 1997: 54) 43. Esta forma oblíqua de abordar o
processo evita, por um lado, a distribuição de papéis entre os participantes dentro da
divisão hierárquica de protagonista, coadjuvante, figurante e, por outro lado, oportuniza
a discussão sobre o acontecido, versões possíveis para os fatos e não sua representação
tal e qual conhecemos ou está proposta pelo texto.
Neste sentido, a estratégia do professor-personagem pode ter uma contribuição
importante, pois, ao invés do aluno, é o professor que pode trazer um protagonista para
43 The only remnants of the original tale were talking wolves, the setting of the Woods, and a vestigial sense of a community hostile to the wolves.
70
esclarecer a ação, ou fortificar o conflito proposto, criando tensão através do ponto de
vista do personagem.
5. A presença da platéia.
Questionamento: “Por que havia uma platéia?” “A platéia influencia o processo...”
(Transcrição do DVD do debate).
Comentário: Estes questionamentos revelam a dificuldade dos participantes de
encararem a platéia como parte fundamental do jogo - a platéia como jogadora potencial
(GUÉNOUN, 2004), porque colocam implicitamente que a “influência” da platéia pode
ser algo ruim. Apesar de conhecedores dos jogos teatrais (SPOLIN, 2005) – conteúdo
presente nas disciplinas de Estágio e Improvisação Teatral na Licenciatura – nos quais a
presença da platéia é elemento fundamental desde o primeiro dia de prática, há uma
tendência de proteger os alunos da exposição. Por outro lado, paradoxalmente, os
alunos, tanto da universidade, quanto da escola tem necessidade/vontade de mostrar, o
que me parece positivo, pois mostrar tem o sentido de concluir. Ainda que não seja com
o jogo teatral, provocar a situação de apreciação é fundamental para a efetivação do
acontecimento cênico.
Em termos da atuação do professor como ator, a presença da platéia lança um
desafio a mais, pois quando o professor assume papéis ou personagens, ele amplia sua
perspectiva de atenção, pois interage com os participantes, mas não desconsidera a
platéia, o que aumenta o campo de atenção: atuação + o universo criado pelos
participantes + o olhar da platéia = elevação da atenção/concentração idêntica ao
comportamento do ator quando está em cena.
6. Quanto ao ponto de vista do observador:
Questionamento: “foi melhor observar do que participar” (Transcrição do DVD do
debate),
Comentário: Esta colocação revela que o sentido espetacular esteve presente no
processo e evidencia o fato de que o observador consegue apreender o processo de
modo privilegiado. Ele tem como: a) perceber os diferentes pontos de vista que
emergem das tribos, b) compreender o que leva a cada decisão dos participantes, c)
71
ponderar os prós e contras de cada posicionamento, d) visualizar outras possibilidades
de encaminhamento das tarefas e do próprio processo como um todo.
7. O pré-texto “Nós e Eles” e sua contextualização.
7.1. Questionamento: Alguns participantes questionaram o sentido do pré-texto,
alegando que “não compreenderam o jogo entre o contexto dramático [texto original
‘Nós e Eles’] e o contexto ficcional [adaptação para as tribos; tema do desenvolvimento
x preservação]”. (Transcrição do DVD do debate).
Comentário: O que ocorreu foi uma dificuldade de ‘comprar o jogo’, em função do
‘Nós e Eles’ ter sido dividido em quatro tribos. Essa divisão dificultou a identificação
de quem fazia parte do ‘Nós’ ou do ‘Eles’, uma vez que no planejamento da atividade, o
grupo de pesquisa enfatizou a necessidade de evitar a dicotomia e fugir do estereótipo –
os empreendedores são do mal e os ambientalistas são do bem – assim, nenhuma tribo
seria totalmente má ou totalmente boa.
7.2. Questionamento “[A divisão das tribos com a construção do muro] criou uma
tensão absurda e eu fico pensando nisso na sala [de aula], com as crianças... os jogos da
Viola [Spolin] não têm dois times, não tem ‘ganha e perde’ aí você põe um jogo
deste...” (Transcrição do DVD do debate.)
Comentário: Uma das principais funções do drama é trazer à tona, através da ficção,
acontecimentos reais da sociedade, que envolvam questões éticas e comportamentais,
para serem discutidas no âmbito da escola. A competição, a rivalidade, a rejeição ao
diferente são temas presentes no ambiente escolar, assim como na sociedade em geral e
que através de um processo de drama são resgatados para que não ‘passem em branco’,
para que sejam discutidos. Para se fazer isso, muitas vezes, é necessário, sim, criar uma
“tensão absurda”.
O pré-texto ‘Nós e Eles’ sugere a necessidade de se criar uma situação de
divisão para questioná-la a seguir. Neste sentido, Giroux (1999) embasa nosso
pensamento e opção quando coloca que “as fronteiras geográficas, culturais e étnicas
estão dando lugar a configurações mutáveis de poder, comunidade, espaço e tempo.”
(GIROUX, 1999:99). Este pré-texto vem justamente trazer estes pontos e é fundamental
72
que isto se esclareça na colocação e desfecho do conflito trazido pelo mesmo. Ou seja,
não reforça posições binárias de poder – não existe um grupo representando os
mocinhos e outro os bandidos. A complexidade de posições individualistas que possam
prejudicar a coletividade são sempre questionadas por membros de diferentes tribos,
inclusive por posições contrárias dentro da mesma tribo. Além disso, o professor no
papel ou como personagem poderá usar a ironia do texto para mostrar as questões que
permeiam a convivência entre indivíduos, grupos sociais, que geram outras questões
como respeito à diferença, xenofobia, às dificuldades de adaptação ao novo,
expectativas e medos relacionados a situações de mudanças.
Neste sentido, o pré-texto ‘Nós e Eles’ é oportuno para o trabalho em escolas. O
professor em sintonia com as possibilidades da faixa etária com a qual está trabalhando,
terá que fazer as devidas adaptações, em termos dos procedimentos metodológicos que
poderão ser utilizados por seus alunos, no contexto da sala de aula, de modo a favorecer
a construção da narrativa pelo grupo.
b) O questionário:
O questionário44 foi criado com base na identificação dos aspectos teatrais
explorados no decorrer do processo que serviram tanto para criar a ambientação cênica,
quanto à interação entre as tribos e destas com o texto. Os participantes responderam
quais aspectos foram os mais significativos, numa gradação de 1 a 5, sendo o 1 o que
chamou mais a atenção.
As questões do questionário foram relacionadas com o uso do pré-texto ‘Nós e
Eles’ e suas diferentes possibilidades: para focalizar aspectos de identidade e diferença
em grupo; para criar a ambientação cênica; para definir os perfis de tribos – quem são os
“Nós” e os “Eles”, para definir e desenvolver o professor-personagem45; para
problematizar e/ou criar conflitos. Estes foram os eixos temáticos que geraram as
perguntas do questionário, com cinco alternativas sobre cada tema.
44 O questionário completo e os gráficos de tabulação estão nos anexos 1 e 2, respectivamente. 45 Neste momento da pesquisa ainda estávamos utilizando a expressão professor-personagem, na qual o termo ‘personagem’ estava sendo utilizado como sinônimo de ‘papel’. Por isso, só aparece professor-personagem nos itens do questionário. Neste sentido, o questionário não ajudou na questão específica da diferenciação dos conceitos professor no papel e professor-personagem, mas ajudou na compreensão do processo como um todo, o que, para mim, condutora de ‘primeira viagem’, foi fundamental.
73
Resultados e comentários:
Como resultado, tivemos como mais expressivas, dentro de cada eixo temático,
as seguintes respostas:
a) Quanto ao pré-texto: exploração das questões de identidade e diferença dentro de
cada grupo e no relacionamento entre grupos foi a alternativa mais votada.
Comentário: Isso nos mostra que a questão da identidade das tribos e as diferenças
entre elas foi um dos aspectos bem explorados no processo. A diferença foi percebida
pelos participantes em decorrência da divisão do grupo em tribos e da identificação
criada entre os membros de cada grupo a partir das características de sua tribo.
b) Quanto à ambientação cênica: o muro criado com as caixas de papelão neutras e as
pichadas, onde foram inscritos os desejos e diferenças de cada tribo, foi a alternativa
mais votada.
Comentário: A re-significação dos materiais pelos participantes – através de pinturas e
escrituras sobre as caixas – aumentou o engajamento dos alunos na construção da
narrativa teatral, na medida em que eles se envolveram com a criação de slogans e
palavras de ordem.
c) Quanto à função do professor-personagem: a introdução do contexto da ficção e das
situações dramáticas; foi a alternativa mais votada.
Comentário: Esta é a principal função da estratégia teacher in role. A atividade
dramática só pode ser desenvolvida se o contexto da ficção estiver claro e as situações
dramáticas estiverem definidas. O professor, assim, estabelece um foco para o
desenvolvimento das ações do grupo.
d) Quanto ao perfil das Tribos: a simbolização de cada tribo por um elemento da
natureza - galhos de árvores, folhas secas, conchas e pedras - foi a alternativa mais
votada.
Comentário: A questão metafórica é um dos grandes atributos do drama. Trabalhar
com situações e temas reais do cotidiano, metaforizados através da ficção. Aqui no caso,
74
a identificação das tribos foi atrelada aos elementos da natureza, potencializando a
questão simbólica e, ao mesmo tempo, re-significando elementos tão presentes em
Florianópolis.
e) Quanto aos conflitos gerados: os rituais em grupo - foi a alternativa mais votada.
Comentário: Os momentos de maior tensão criados durante o processo foram aqueles
em que os grupos, em marcha, expressavam sua opinião. Em forma de passeatas ou
embates tribais, a força de cada tribo, reivindicando seu desejo, criava o momento de
tensão própria ao conflito proposto.
Como menos expressivas, dentro de cada eixo temático, tivemos as seguintes respostas:
a) Quanto ao pré-texto: os jogos de linguagem.
b) Quanto à ambientação cênica: a exploração do espaço físico de modo a definir
localidades do norte, sul, leste oeste.
c) Quanto à função do professor-personagem: a pontuação das analogias possíveis com
o contexto atual.
d) Quanto ao perfil das tribos: as características físicas/ corporais que as identificavam
como “tribo”.
e) Quanto aos conflitos gerados: a incorporação de fragmentos de falas do texto.
Comentário: Estas alternativas que foram consideradas como as menos expressivas, são
importantes para identificar aspectos potenciais do processo que não foram
suficientemente explorados. Duas delas, a primeira e a última, se referem ao trabalho de
apropriação do texto dramático. Apesar de termos trabalhado com narração, pelo
professor-personagem (personagem do Escriba), e com fragmentos do texto, inseridos
nas tribos pelos seus porta–vozes, não conseguimos explorar suficientemente sua
apropriação pelos participantes.
A exploração do espaço, a pontuação das analogias com o contexto atual e o
trabalho com a caracterização foram focalizados em determinados momentos do
processo, mas não foram priorizados, em termos de aprofundamento, no desenrolar da
narrativa cênica que estava sendo criada.
75
Reflexão final a partir do questionário: Chegar a estas respostas, através da análise
quantitativa proporcionada pela tabulação dos questionários foi importante para o grupo
de pesquisa, pois ele aponta que as formas de percepção do processo pelos participantes
nem sempre correspondem às expectativas do professor. Aspectos julgados secundários
durante o planejamento foram priorizados pelos grupos e questões que o professor
imaginou que causariam grande impacto, não tiveram a recepção esperada.
Outro aspecto importante do questionário foi identificar e explicitar os temas
centrais explorados dentro de cada encontro, e lembrar aos envolvidos (participantes e
proponentes) os detalhes, que poderiam ter sido esquecidos durante a análise. Foi
possível perceber que as questões que foram mais claras na sua formulação, tiveram
respostas mais condizentes com o que os envolvidos falaram no debate.
Algumas das propostas que estavam contidas no questionário – que foi pensado
previamente ao processo prático – foram alteradas ou adaptadas na realização da
prática, perdendo assim importância como questão.
Vale ressaltar que a possibilidade de identificar os aspectos apontados pelos
participantes como os menos expressivos foi importante, pois os mesmos poderiam ser
desenvolvidos em novos episódios, caso o processo fosse continuar. Pensando no
contexto escolar, onde o professor tem um semestre para desenvolver um projeto de
teatro, por exemplo, todos estes aspectos poderiam ser retomados e explorados, ou seja,
o questionário de recepção “em processo” aponta para o professor ações que podem ser
desenvolvidas e aprofundadas no decurso da criação.
Apontamentos sobre a Primeira Experiência.
Depois de vivenciar esta experiência, que considerei como uma experiência
piloto de minha atuação como professor no papel e professor personagem, optei por
repetir a experiência no contexto da escola. Assim, o pré-texto ‘Nós e Eles’ foi mantido,
e as estratégias e convenções adaptadas à nova situação. Os pontos centrais que foram
reconsiderados e adaptados foram:
1. Espaço físico: sala de aula ao invés de teatro.
76
2. Perfil dos participantes: alunos regulares do ensino básico ao invés de adultos
participando em caráter de oficina.
3. Professor sem auxílio do grupo de pesquisa: procurar ficar mais próximo da
situação real do professor de teatro que trabalha no espaço curricular, dentro da
instituição escolar.
4. Professor assumindo a dupla função de artista e pedagogo: como transitar
pelos papéis de pedagogo e ator para realizar a mediação?
5. Variação de papéis: em termos de status e funcionalidade.
6. Explorar o professor-personagem: introdução de fragmentos do texto
dramático através do professor-personagem.
7. Trabalhar na caracterização física/vocal dos componentes das tribos - em
termos de criação de identidade46: construção de personagens pelos participantes.
8. Apropriação de fragmentos do texto dramático pelos alunos: Trabalho de
apropriação do texto também seria priorizado, dependendo das possibilidades de leitura
apresentada pelos alunos da escola.
Passo, a seguir, ao relato da segunda experiência.
3.2. Nós e Eles: Águia Azul e Leão Dourado roubam a cena! A experiência com o
professor no papel e com o professor-personagem na sala de aula.
A segunda experiência com o professor no papel e o professor-personagem foi
realizada na E.E.B. Lúcia do Livramento Mayvorne, com alunos da terceira série do
Ensino Fundamental. Esta escola situa-se no Morro da Caixa – Morro do Montserrat,
região central de Florianópolis e atende alunos desta comunidade, composta na sua
maioria, por população de baixa renda. O primeiro contato que tive com a escola foi
46 Os itens 7 e 8 foram incorporados a partir do apontamento das questões menos expressivas geradas pelo questionário.
77
através do acompanhamento das aulas de estágio ministradas pelos alunos na
Universidade.
Aproveitando a oportunidade, cujo contato inicial foi feito pelo estagiário, a
diretora da escola mostrou-se interessada pelo projeto e pediu que ele fosse
desenvolvido com os alunos da terceira série, que, segundo ela, ‘estavam um pouco
desmotivados’. Como já estávamos no final do semestre letivo e com possibilidades de
greves e paralisações ocorrerem, fizemos dois encontros por semana, com duas aulas
cada, durante duas semanas. As aulas foram ministradas nos dias 19, 26, 29 de
novembro e 4 de dezembro de 2007, em horário seguido (1h30min), somando um total
de 4h 30min de prática e 1h30min de avaliação.
Minha intenção foi manter o mesmo pré-texto da experiência anterior e verificar
quais as adaptações seriam necessárias para o contexto atual, sem, entretanto, mudar os
objetivos centrais: reforçar a teatralidade da proposta e explorar o professor no papel e o
professor-personagem na perspectiva de aproximar os papéis do pedagogo e do ator.
Quanto ao espaço, apesar de a escola possuir uma sala/auditório, preferi
desenvolver o trabalho na sala de aula, tentando explorar suas possibilidades e driblar as
precariedades apresentadas por este local.
Quando iniciei o planejamento, tendo como forte referência a experiência
anterior, realizada com os professores e alunos da licenciatura, no Teatro da UFSC,
minhas principais preocupações foram: incorporar a história dos participantes na criação
do contexto ficcional; entrar e sair do papel e do personagem para passar as instruções,
ou seja, deixar claro o trânsito entre o pedagogo e o ator, não ficar presa ao
planejamento nem ao texto ‘Nós e Eles’. Assim, a manutenção do pré-texto se deu com
base em improvisações das principais situações do texto e à incorporação de fragmentos
do mesmo pelo personagem do Escriba.
Quanto aos papéis que escolheria, preferencialmente, variariam em termos de
status e poderiam retornar em várias aulas, ou seja, em algum momento da trama, eles
reapareceriam. Outro diferencial seria quanto à caracterização. Procurei aprimorar a
caracterização em termos corporais e vocais e também quanto ao uso de figurinos e
objetos. Com isso, minha intenção era proporcionar o contato destes alunos com vários
aspectos envolvidos na performance teatral, ainda que com um caráter de intervenção,
pois ambos professor no papel e professor-personagem podem trazer o teatro para a
sala de aula através da sua atuação.
78
O pré-texto escolhido foi o mesmo – ‘Nós e Eles’, de David Campton – porém,
neste caso, o foco estava no ‘desejo de mudança’, que para um dos grupos significava a
busca por uma vida mais tranqüila, num lugar menos poluído, com mais qualidade de
vida. E para o outro grupo, a busca era por um lugar mais promissor, com mais
oportunidade de trabalho, desenvolvimento urbano, cultural, tecnológico.
Como disse anteriormente, este tema está presente em Florianópolis, pois por um
lado moradores de outras cidades do Brasil como São Paulo, Rio de Janeiro mudam-se
para Florianópolis por considerarem uma cidade menos poluída, menos violenta,
enquanto que os moradores do interior do Estado de Santa Catarina, por exemplo, vem
em busca de oportunidades relacionadas à oportunidade de emprego, aperfeiçoamento
profissional, oferta cultural. E por outro lado, os moradores locais sentem que estão
perdendo oportunidades com a invasão, o que provoca o sentimento de xenofobia em
relação aos que são “de fora”.
Os objetivos específicos foram:
1. Investigar como transitar entre os papéis de pedagogo e ator no contexto da sala de
aula.
2. Investigar e discutir a escolha dos personagens em termos de status, função e
caracterização dos mesmos. Neste item a diferenciação entre assumir um papel social e
um personagem voltou a ser explorado.
3. Investigar como adaptar o pré-texto ‘Nós e Eles’ ao novo contexto. (Outro enfoque,
outros procedimentos).
4. Clarificar a diferença entre as propostas de assumir um papel social ou um
personagem. Minha proposta de insistir no jogo com estas duas possibilidades –
professor no papel e professor-personagem – deve-se ao fato de perceber o potencial
que se apresenta em termos metodológicos com o personagem, e que apenas com a
experiência anterior ainda não tinha ficado absolutamente claro. Pelo contrário, a prática
revelou que o professor no papel, nos moldes ingleses já é por si um procedimento
complexo, que exige muito preparo do professor e que na medida em que é realizado,
vai esclarecendo alguns pontos e colocando outros em questão. No nosso caso, estou
colocando um ingrediente a mais para ser pensado e explorado, mas que pode
acrescentar aspectos, em se tratando do ensino do teatro - o personagem.
79
5. Investigar o envolvimento do aluno na investigação cênica e apropriação da
linguagem teatral.
Pré-texto: ‘Nós e Eles’ de David Campton.
• Personagem assumido pelo professor:
O Escriba, que batizei de Escriba Namassor.
Função: favorecia a interação com os alunos, a introdução da história e a instruções das
tarefas de maneira indireta. O Escriba está presente no texto original e teve algumas de
suas falas preservadas e outras improvisadas. Ganhou um caráter de narrador/ contador
de histórias neste processo.
• Papéis sociais assumidos pelo professor:
A Funcionária da Prefeitura – status médio, representava a instância superior – a
prefeitura – porém, sem muito poder, precisando da ajuda dos participantes. Este papel
tinha a função de introduzir o pacote de estímulos compostos (SOMERS, 1999) 47, para
ajudar a reforçar a identidade dos grupos. Em termos de caracterização, usava um
avental branco, que por sinal é utilizado pelos professores enquanto estão na sala de
aula.
A Advogada: status alto, a função principal era ajudar os grupos na divisão da terra e
levar a narrativa ao ápice do conflito que é a construção do muro para a separação da
terra e suas implicações. O retorno ao papel de status alto, com comportamento bastante
seco e autoritário, foi uma tentativa de administrar o problema da indisciplina na sala de
aula.
47 O estímulo composto é um recurso didático onde alguns objetos são oferecidos aos participantes de modo que seja tecida uma trama de relações entre os personagens, no contexto ficcional, a partir dos objetos. Segundo Somers: “A habilidade de juntar um estímulo composto parece residir no poder de criar personagens e eventos nos quais aqueles estímulos estejam envolvidos. (...) Deve haver uma tensão produtiva entre os artefatos e as informações que estes carregam” (SOMERS, 1999: 39).
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• Estratégias utilizadas para reforçar a teatralidade da proposta e construir a
narrativa:
Fragmentos do texto dramático, fragmentos de poesia, confecção de cartazes, jogos
tradicionais e jogos teatrais, cenas congeladas, cenas com alteração de ritmo (câmera
lenta, normal, rápido), pacote de estímulos compostos, utilização de figurinos e objetos.
3.2.1 Relato da Experiência.48
Primeira aula- 19/11/07.
Objetivo: conhecer as crianças e iniciar a aproximação ao contexto ficcional.
Personagem: Escriba Namassor.
Chegamos à escola, eu, Beatriz Cabral e Laura Cascaes (ambas auxiliaram no
registro do processo), e conversamos um pouco com a diretora e com a professora da
turma. Às 10h15min entramos na sala de aula da terceira série do ensino fundamental. A
sala era grande e tínhamos aproximadamente 16 crianças. Nós nos apresentamos e eu
iniciei o trabalho pedindo que nós arrumássemos as carteiras de modo que criássemos
um espaço central onde seriam feitas as atividades.
Iniciei com uma roda de apresentação, aonde cada um iria ao centro, falaria o
nome e faria um movimento. A seguir fizemos o Jogo do Diferente: todos os
participantes são colocados no espaço. O professor inicia o jogo fazendo perguntas que
levam as pessoas a se juntarem pelas respostas iguais ou diferentes. Exemplos: Quem
nasceu em Florianópolis? Quem comeu banana no café da manhã? Quem mora com a
avó? Quem é filho único? As perguntas são feitas de acordo com o contexto das
crianças e procurando deixar claro que somos parecidos com uns em algumas coisas e
com outros em outras. Difícil ser igual ou diferente em tudo. Todos participaram
inclusive a professora da turma e a equipe que estava registrando.
48 O registro fotográfico foi realizado por Beatriz Cabral e o registro em vídeo foi realizado por Laura Cascaes.
81
Depois deste jogo, coloquei os acessórios que tinha preparado (um cordão de
TNT colorido e uma touca para a cabeça) e iniciei a história com o personagem do
Escriba Namassor:
“Eu sou o Escriba Namassor e vou contar uma história para vocês: era uma vez
dois grupos de pessoas que vinham de lugares diferentes, gostavam de coisas
diferentes, tinham jeitos diferentes, faziam coisas diferentes e queriam coisas
diferentes... Só que o lugar que elas queriam ir era o mesmo. Era um lugar que diziam
que era muito bom, então todos queriam ir pra esse lugar. Vamos investigar quem eram
estas pessoas e por quê elas queriam se mudar???”
A seguir, tirei os acessórios e perguntei a eles quem tinha estado ali e o que
havia dito. Alguns disseram que era eu mesma e outros disseram que era um homem,
dando inclusive um nome – Maracutaia Nacutaia, que eu incorporei ao que eu havia
criado - e disseram que ele ia contar uma história de dois grupos de pessoas que queriam
se mudar e iriam para outro lugar, que diziam que era muito bom.
Com isso, eu perguntei a eles se tinham visto esses dois grupos e eles
responderam que não. Então eu disse que nós teríamos a tarefa de encontrar estes dois
grupos e que eles me ajudariam nesta tarefa como detetives. Nós teríamos que descobrir
que lugar era esse, quem eram estas pessoas e por que elas queriam se mudar.
Levei algumas imagens de pessoas, tiradas de revistas atuais. Cada aluno
escolheu uma imagem, depois cada um colou sua imagem num cartaz, deu um nome
para esta pessoa e fez um balãozinho, onde deveria escrever uma fala que explicitasse o
porquê desta pessoa querer se mudar. Esta atividade foi interessante para saber o que
cada um pensava sobre a mudança e seus desejos. Alguns alunos apresentaram
dificuldade em escrever, neste caso, pediam ajuda à professora da turma e a mim.
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Fig. 8: Crianças escolhendo suas imagens. Fig. 9: Professora auxiliando na escrita dos
cartazes.
Depois que todos terminaram um de cada vez mostrou seu cartaz, dizendo o
nome da pessoa e o porquê da mudança. Expliquei que a partir de agora eles agiriam
como se fossem esta pessoa da foto. A partir daí, de acordo com o perfil de cada pessoa,
dividimos os dois grupos, o grupo A era o grupo dos que queriam mudar para um lugar
mais tranqüilo, mais calmo, para descansar, etc., e receberam uma tira de TNT azul para
caracterizarem-se como grupo. O nome foi escolhido por eles mesmos: ‘Águia Azul’. O
grupo B era o grupo daqueles que queriam ir para um lugar mais agitado, que tivesse
mais trabalho, mais oportunidade, cidades grandes como ‘São Paulo, Rio de Janeiro e
Dalas, nos EUA’(Transcrição do vídeo). Eles receberam uma tira de TNT laranja para
se caracterizarem como grupo e também criaram o nome: ‘Leão Dourado’.
Quando os grupos estavam formados, pedi que eles escolhessem o que levariam
para a viagem. Cada componente escolheria um objeto. Neste momento, devido ao
tumulto na sala, pedi que eles congelassem e somente um leria em voz alta os objetos
escolhidos. O outro grupo realizou o mesmo procedimento. O grupo ‘Águia Azul’
escreveu: amor, coruja de barro, coelho, animais preferido, um burro pra me apóia,
paixão, união, notibuque, macaco mutante. (descrição idêntica ao original). O grupo
‘Leão Dourado’ escreveu: comida, muxila com comidas, ropa, chara (lancheira) com
comidas, comidas, muxila. (descrição idêntica ao original).
Devido à grande dificuldade dos alunos em escrever, as atividades que
envolviam a escrita se transformavam em momentos de dispersão e confusão. Apesar de
contar com a ajuda da professora da turma, não conseguíamos dar o suporte necessário
para que cada um dissesse e escrevesse aquilo que queria.
83
Após a leitura dos objetos, coloquei os acessórios/figurinos e retomei o
personagem do Escriba Namassor, que agora era o Maracutaia na Cutaia, dizendo que
neste momento nós iniciaríamos a viagem. Cada grupo, em câmera lenta, seguiria por
seu caminho. Eu ia conduzindo com algumas informações como: ‘eles estavam muito
cansados, mas eles não caíam no chão, pois eram fortes e queriam chegar ao novo
lugar’.
Fig. 10: Grupos a caminho da viagem.
A seguir, como Escriba, li o poema da mudança bem teatralmente, exagerando
na gesticulação e na entonação:
“Muda o mundo, Mudam as coisas, As pessoas, Mudo eu,
Ás vezes muda...
Muda o verbo
O tempo
O modo
Mudam as perguntas
As certezas
As crenças
Muda a confiança
A esperança... De mudar... ” (Mena Moreira) 49
49 Mena Moreira é poetiza nascida em Santos Dumont, Minas Gerais, também professora e psicopedagoga.
84
Fig. 11: Professor no personagem do Escriba.
E para encerrar, repetimos a roda de apresentação só que agora falando o nome
do personagem criado e fazendo um movimento ou gesto condizente com o
personagem. Fim da primeira aula.
Segunda aula 26/11/07
Este encontro deveria ter sido no dia 22/11/07, mas ele não aconteceu, pois a
escola cancelou todas as aulas. Não fomos avisados que não haveria aula, assim a
equipe de pesquisa compareceu normalmente.
Remarcamos para o dia 26/11/07.
Objetivo: reforçar a identidade dos personagens criados e traçar uma história coletiva
que una esses personagens.
Papel social assumido pelo professor: Funcionária da Prefeitura (status médio)
Chegamos à escola às 10h00min e, em seguida subimos para arrumar a sala
antes da entrada dos alunos. Deixamos as cadeiras em formato de moldura de modo que
o centro da sala estivesse livre. Quando as crianças chegaram, sentaram-se nas carteiras
e conversamos um pouco sobre o trabalho. Perguntei se elas se lembravam da nossa
história e elas disseram que sim. Falaram sobre os grupos que tinham sido formados.
Para facilitar a lembrança a todos, redistribuí os cartazes que eles tinham feito e
85
pedi que lessem o que tinham escrito e o nome dos personagens. Perguntei se elas
lembravam quem tinha estado lá para ajudar a contar a história. Imediatamente
disseram: ‘Maracutaia na Cutaia’. A seguir, perguntei sobre a mudança, o porquê da
mudança e os objetos que seriam levados na viagem. Todos relembraram. Enquanto
fazíamos este protocolo oral, redistribuí as fitas azuis e laranjas de modo a reconfigurar
os grupos: Águia Azul e Leão Dourado.
Já com as fitas, pedi que sentassem no chão em círculo e começamos a jogar ‘Eu
vou mudar e vou levar... (objetos que foram listados na aula passada), uma
adaptação do jogo: “Eu vou viajar pra Lua e vou levar...”, possibilitando a aproximação
com o contexto da história.
Começando pela minha direita, o grupo Águia Azul, elencou estes objetos: “Eu
iniciei levando um travesseiro; travesseiro e cobertor; travesseiro e cobertor e colchão;
travesseiro e cobertor e colchão e paz; travesseiro e cobertor e colchão e paz e um burro;
travesseiro e cobertor e colchão e paz e um burro e notebook; travesseiro e cobertor e
colchão e paz e um burro e notebook e um macaco.”
Depois fizemos para o outro lado, com o grupo Leão Dourado: “Eu iniciei
levando uma bebida; bebida e comida; bebida e comida e mochila; bebida e comida e
mochila e harmonia; bebida e comida e mochila e harmonia e roupas.”
Como os alunos apresentaram certa dificuldade para ‘engrenarem o jogo’, achei
que fazer variações tentando lembrar o nome do personagem, o desejo de mudar,
acrescido aos objetos, tiraria o interesse do grupo e provocaria dispersão. Por isso,
passei para a próxima atividade.
Como estratégia para a construção da história coletiva, seria introduzido o
pacote de estímulos compostos. Neste caso, o pacote foi introduzido pelo papel de uma
funcionária da prefeitura que foi designada para encontrar os donos de umas sacolas que
foram deixadas numa estrada da redondeza. Ela precisava da ajuda das crianças para
descobrir de quem eram as sacolas, a partir do que elas tinham dentro. Utilizamos dois
pacotes:
O pacote de número 1 foi entregue para o grupo Águia Azul e o pacote de
número 2 foi entregue para o grupo Leão Dourado;
1) Sacola de feira, dentro 1 pé de bota de homem, um pacote de lenço de papel, uma
passagem de avião usada com uma imagem de um menino dentro dobradinha, um cartão
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com dizeres de saudade, um paninho de neném, um laço de berço velho, um cartão
telefônico, uma boneca de pano, um chapeuzinho de aniversário e pedaços de
papel/revista (uma família, um mapa de SC e um menino numa carroça), folhagens de
ervas. Trechos do texto ‘Nós e Eles’.
2) Bolsa térmica com areia de praia dentro e zíper quebrado, um fax quase apagado com
dizeres de problemas, um carimbo escrito bônus, um pano de mesa bordado, uma tira de
negativo sem fotos, um disquete, um postal de cidade grande, uma nécessaire com um
pente de homem, uma moedeira com moedas estrangeiras, uma pulseira velha e uma
chave, um saquinho de camurça com um pacotinho com um pedaço de pulseira de
relógio, pedaços de papel/revistas cidade grande/balada, um casal sério num enterro.
Trechos do texto ‘Nós e Eles’.
Assim, entrei com o papel da funcionária da prefeitura, dizendo que precisava da
ajuda deles para descobrir o que tinha naquelas sacolas, que foram achadas na rua e que
eram de um grupo de pessoas que estava viajando. Disse que a ajuda deles era
fundamental porque senão eu perderia o emprego se voltasse para a prefeitura sem o
mistério resolvido. A prefeitura não queria as digitais nas sacolas nem nos objetos, por
isso tinha mandado umas luvas para que os objetos pudessem ser tocados. Todos
vestiram as luvas e começaram a mexer nas sacolas.
Fig. 12: Professora no papel da Funcionária Fig. 13: Os objetos do pacote de estímulo composto. da Prefeitura.
Eu me detive mais ao grupo azul, pois este apresentou dificuldade para ler o que
estava escrito nos papéis que estavam dentro da sacola, além de ser o grupo com maior
quantidade de participantes e muito disperso. A professora da turma estava no outro
grupo, o que facilitou a leitura e comunicação entre eles.
87
Depois de um tempo de investigação junto às sacolas, pedi que cada grupo
dissesse para o outro o que tinha descoberto e fizesse uma imagem congelada a partir da
descoberta. O grupo Águia Azul chegou à conclusão de que uma família estava com
uma das filhas doente, bronquite, e precisava mudar para um lugar menos poluído para a
menina se curar, então todos eles iam para este lugar mais calmo e limpo e o médico
estava presente para ajudar na mudança.
O grupo Leão Dourado estava querendo diversão. Eles estavam fazendo um
piquenique com a comida que tinham levado para a viagem e falavam que queriam ir
para a balada, na praia, na Barra da Lagoa e depois voltar das férias. Eu lembrei a eles
que não era uma viagem de férias, era uma mudança. Ficou perceptível que as
características dos personagens não estavam claras para eles, muito menos a motivação
dos mesmos para a mudança.
Neste momento, eu deveria ter saído do papel, tirado o guarda pó e as luvas, e
ajudá-los como pedagoga e depois, me caracterizado novamente e retornado para saber
a resposta. No entanto, não foi isso que aconteceu. A dificuldade em manter a turma
disciplinada e ao mesmo tempo envolvida com os objetos fez com que eu acabasse
tocando as atividades sem diferenciar a atriz da pedagoga.
Pedi a eles que se mantivessem nos grupos e tentei retomar a concentração
propondo uma ritualização para a chegada ao local desejado pela mudança, que seria o
mesmo local para os dois grupos. Como num coro de pergunta e resposta perguntei o
nome dos grupos, por que se mudavam, o que cada grupo faria para sobreviver. Pedi
que combinassem um pouco e depois fizessem corporalmente a ação.
O grupo Águia Azul, fez uma loja, onde as freguesas compravam um caderno.
Depois um menino em casa e o pai tomando a tarefa do menino. Depois uma menina
ginasta e o pai ajudando-a a fazer o exercício. No outro grupo, uma menina colhia frutas
de uma árvore muito alta, juntamente com outra pessoa que colocava numa cesta, uma
varria e os três meninos pescavam peixes grandes e pesados.
88
Fig. 14: Pai ensinando a tarefa para o filho Fig. 15: Colheita no campo e pesca.
Depois da realização e apreciação das cenas, finalizei a aula pedindo que eles me
ajudassem a recolocar as carteiras no lugar, recolhi as tiras de TNT, e encerramos a aula
com uma rápida conversa: o que eles tinham achado da aula, se queriam comentar
alguma coisa que tinha sido feita.
Terceira aula 29/11/2007
Objetivo: delimitar claramente a divisão da terra, estabelecendo bem qual é a parte de
cada um nesta divisão e estabelecer o conflito gerado pela divisão da terra. Daí chegar à
construção do muro. Criar situações em cada lado do muro. Despertar a curiosidade em
cada uma das partes. Votar sobre a derrubada ou manutenção do muro.
Papel assumido pelo professor: uma advogada que vai auxiliar na divisão da terra.
(status alto)
Seqüência dramática: A advogada propõe a divisão da terra com uma corda. Se a
conclusão for que só a corda no chão não é suficiente, então ela sugere que seja feito um
muro. Coordena a arrumação do muro e diz que vai embora, para voltar uns dias depois.
Tarefa para os grupos: Cada grupo vai preparar uma cena, utilizando figurinos e
adereços. Os figurinos e adereços são relacionados com o lugar que cada grupo escolheu
na mudança. Ex. Águia Azul encontra uma mala com chapéus de palha, roupas
campestres, botinas, enquanto que Leão Dourado encontra uma mala com óculos de sol,
bonés, bolsas, casacos.
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Depois de se caracterizarem, eles vão mostrar o que está diferente neste novo
lugar e vão dizer o que estão sentindo com a nova vida - o que está melhor e o que está
pior em relação ao lugar antigo, através de uma cena improvisada.
A questão sobre derrubar ou preservar o muro será posta quando as cenas
estiverem prontas. Se eles quiserem mostrar a cena para o outro lado e assistir a que os
outros fizeram, eles terão que propor a derrubada do muro.
A professora no papel de advogada mediará a situação, discutindo as vantagens e
desvantagens de se manter o muro ou de se derrubar o muro. Se a proposta final for por
deixar o muro, eles vão realizar a cena sem que o outro grupo veja. Se a resposta for por
derrubar o muro, cada grupo poderá olhar a cena que o outro fez e assim encerraremos o
processo. 50
Relatório da terceira aula dia 29/11/07
Às 08h25minutos iniciamos a aula. Os alunos estavam tendo aula de português e
mostraram certa relutância para começar outra atividade. Havia alguns alunos que não
estavam nas aulas anteriores e, portanto, não estavam inteirados com o processo, assim
não nos conheciam.
Com a ajuda da professora eles começaram a organizar o espaço de forma a
afastar as carteiras e sentaram-se em roda no chão. Comecei relembrando a eles passo a
passo a história. Falei dos grupos, porque cada grupo queria mudar, para onde estavam
mudando, das atividades que eles faziam: Leão Dourado - colheita, pesca, plantação e
Águia Azul - comércio, estudo e ginástica. Falei da chegada ao local onde eles teriam
que compartilhar o espaço e a conviver.
A seguir, para introduzir o jogo do dia, chamei atenção para o fato de que, em
cada lugar, cada um tem uma “toca”, um espaço, e tem que conviver com as outras
“tocas” e com as outras pessoas que ocupam estas “tocas” dentro deste mesmo espaço.
Depois destas palavras, propus o jogo do “coelhinho sai da toca”. Vários alunos já
conheciam o jogo e jogaram com entusiasmo. Fiz variações: jogar em câmera lenta,
jogar em duplas, tentando sempre ‘chamar’ para o contexto da ficção: como é a
convivência? Com quem você divide a sua toca?
50 Achei necessário descrever o planejamento desta aula, pois a realização teve muitos problemas. Para a presente discussão me pareceu importante explicitar o que foi planejado e o que realmente aconteceu.
90
Fig. 16: Cada um tem sua toca...
Enquanto chamava a atenção para isto, redistribuí as fitas laranja e azul para a
definição dos grupos. Automaticamente, eles já se dividiram nos dois grupos e
escolheram um lugar no espaço.
Neste momento entrei com o papel da advogada, autoritária e austera – roupa
preta, óculos escuros e pasta de executiva – que tinha sido contratada para amenizar os
conflitos que estavam ocorrendo na posse daquela terra e perguntei como podia
organizar a convivência entre eles, o que cada grupo queria e como estava a divisão do
espaço. Coloquei a corda no chão para tornar a divisão do espaço concreta e entreguei
uma folha que continha as primeiras tarefas.
Para o grupo Leão Dourado a tarefa foi fazer três cenas congeladas de situações
agitadas: 1) uma cena de dança e festa/balada; 2) uma cena de pressa para trabalhar; 3)
uma cena de trânsito / ônibus/ moto/ carro/ buzina.
Para o grupo Águia Azul a tarefa foi fazer três cenas congeladas de situações
tranqüilas: 1) Uma cena de ioga; 2) Uma cena de bicicleta e cavalo; 3) Uma cena de
trabalho de campo, colheita, calmaria, natureza.
Fig. 17: Professora no papel de advogada
91
Como advogada, disse que iria embora e que depois voltaria para ver como
estavam, se a coisa tinha se organizado. Retirei a capa preta e os óculos e perguntei a
eles quem tinha estado lá e o que queria. Eles prontamente disseram que era uma
advogada e que tinha vindo organizar o espaço.
Cada grupo preparou suas tarefas e a advogada voltou para ver. Depois de
mostrarem uns para os outros, a advogada perguntou como tinha sido, se estava melhor
a convivência entre eles. O grupo laranja disse que não, que o Águia Azul era muito
parado, que só queria dormir, enquanto que o azul disse que o Leão Dourado era muito
barulhento e que estava incomodando.
Como o contexto estava claro para eles, bem como as características de cada
grupo e os conflitos, propus como advogada, a criação do muro, já que somente com a
corda não tinha sido possível a convivência.
Até aqui tudo indo muito bem... Até que: surgiu o muro...!
Produzi um muro de TNT que, como um varal, foi puxado, dividindo a sala ao
meio. As crianças ficaram em tal estado de excitação com a divisão do espaço, com a
impossibilidade de ver o outro lado, que gerou um momento de total anarquia: elas
puxavam o varal de TNT, olhavam por baixo, se dependuravam e, no meio do caos,
tentei atraí-las com umas sacolas de figurino, dizendo que elas teriam a tarefa de
criarem uma cena surpresa, sem que os colegas do outro lado vissem..., mas aí sim que a
agitação foi total - pegavam os objetos, andavam de um lado para o outro, atiravam os
objetos por sobre o muro...
Fig. 18: O muro... Fig. 19: Organizando o caos depois do muro...
Para completar, a professora da turma foi chamada e teve que sair da sala
justamente nesta hora. Isto impossibilitou sua colaboração para mediar as interações do
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outro lado do muro, uma vez que a excitação excessiva não permitiu que eu transitasse
entre os dois lados. Eu, tentando driblar a situação, estava com a roupa da advogada,
mas já tinha perdido totalmente o foco no papel. Assim como na aula anterior, não
houve distanciamento para retomar o papel da advogada no fechamento da aula.
Em função dos acontecimentos, retirei o muro, recolhi os figurinos e pedi que
todos se sentassem em suas carteiras.
Silêncio.
Iniciei uma conversa tentando chamar a atenção para o que tinha ocorrido. Falei
sobre a particularidade da aula de teatro que, apesar de exigir movimentação física e
expressão sonora, vocal, exige disciplina, colaboração, concentração, respeito às regras;
sem isso é impossível trabalhar com os figurinos, com os objetos, realizar as tarefas, as
cenas, observar os outros.
Eles ouviram e pouco a pouco começaram a falar:
Uma aluna disse que estava ‘chato’ e eu perguntei por que estava chato ou o quê
estava chato.
Ela disse: “ficar dividido.” (Transcrição do material gravado DVD).
Outro falou: “foi chato porque o muro separa e aí não dá pra ver o que os outros
estão fazendo.” (Transcrição do material gravado DVD).
Outra: “foi chato por que não foi todo mundo que participou.” (Transcrição do
material gravado DVD).
Outro: “porque não tinha objeto prá todo mundo.” (Transcrição do material
gravado DVD).
Eu disse que tinha sim, só que se um aluno pegasse três ou quatro objetos de
uma vez, não sobrava para os outros.
Como o tempo já estava se esgotando, infelizmente, desta forma conflituosa e
meio ‘pesada’ terminamos o terceiro encontro.
As respostas acima transcritas geraram muita reflexão, não decorrentes do
processo como um todo, mas em relação a esta aula em particular:
a) Em termos simbólicos emergiram estes questionamentos:
1. A resistência ao muro teria relação com o próprio significado da palavra muro?
Poderia levar a uma analogia com o fato de viverem “murados” pela sociedade?
Representaria um protesto ao muro?
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2. A advogada, com status alto, é a própria representação do enfrentamento entre eles e
a sociedade? Ela era dura, autoritária e foi ela que propôs o muro... Será?
b) Em termos práticos foi possível observar que:
1. A presença do muro, neste processo foi um elemento complicador em termos de
encaminhamento da aula. Quando estendi o pano para dividir a sala, de um lado fiquei
eu no papel da advogada, tentando organizar e do outro lado somente os alunos, pois a
Professora teve que sair da sala. Talvez tenha faltado uma preparação para a entrada do
muro. Eu quis gerar impacto, introduzindo-o de surpresa, mas acho que não foi uma boa
opção.
2. Excesso de informação, tanto para eles quanto para mim. Os figurinos, ainda que
tivessem o sentido de ajudar na transformação física, visual, causaram alvoroço pelo
impulso de querer tocar, pegar, vestir, segurar, de algum modo possuir, contribuindo
assim para a euforia que já tinha sido gerada pelo muro. Percebi que a utilização de
objetos é arriscada. Grande quantidade de objetos colocados diante das crianças, sem
uma função muito clara, são confundidos com brinquedos. Neste caso, eles tinham a
função de caracterização dos personagens e mudança de foco em relação ao muro, além
de gerar curiosidade nas crianças, na medida em que um grupo não deveria estar vendo
os objetos do outro grupo. Não dei tempo, ou melhor, não havia tempo para que depois
da euforia a calma se instalasse e aí então algo fosse proposto.
3. Outra possibilidade de retomar o processo dramático seria, depois da conversa sobre
o ocorrido, eu ter entrado com o personagem do Escriba e reconduzido a história, dando
um fechamento e evitando a sensação de que algo tinha ficado inacabado. Mas fiquei
tão atordoada com o barulho, com a tentativa de despencar o muro, com os objetos, com
o entra e sai na sala, que preferi encerrar o processo somente com a conversa.
Aproveitei o momento de reflexão para falar da avaliação e marcá-la, junto com
a professora da turma, para o dia 3/12/2007. Quando chegamos à escola, conforme o
combinado havia conselho de classe e nós não tínhamos sido avisadas. Transferimos em
conjunto com a professora e a diretora para o dia seguinte 4/12/07.
Quarta aula - 04/12/07
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Quando chegamos à escola, os alunos estavam no pátio sendo avisados pela
diretora que ‘o passeio que eles fariam estava adiado por causa da chuva’, ou seja, por
pouco nossa avaliação ficaria inviabilizada, pois os alunos que já tinham passado de ano
seriam dispensados e, depois daquele dia, só ficariam os da recuperação. Felizmente,
devido ao mal tempo, conseguimos realizar a avaliação.
Fig. 20: A avaliação Fig. 21: A avaliação
A proposta era guiar a avaliação através das fotos de diferentes momentos do
próprio processo. Fiz três cartazes com as fotos e alguns objetos que foram utilizados ao
longo do processo e formulei quatro questões que enfatizavam os aspectos principais
explorados. Com a observação dos cartazes e com as folhas em branco só contendo uma
foto impressa, a criança respondia a cada questão.51
51 Em anexo coloco as questões acompanhadas pelas respostas. A transcrição respeitou a grafia que foi utilizada, mantendo os eventuais erros ortográficos. Os nomes das crianças foram abreviados.
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Fig.22: O mural de fotos de todo o processo
Os alunos 52 responderam a quatro questões que abrangiam os temas centrais
relacionados com o pré-texto ‘Nós e Eles’ e suas diferentes possibilidades:
• quanto à temática: desejo/esperança, expectativas e implicações de ‘se mudar’,
seja de um lugar para outro, de uma profissão para outra, de uma casa para
outra;
“Nossa história é sobre mudança. Mudança de um lugar calmo para um lugar agitado,
mudança de um lugar agitado para um lugar calmo, onde encontramos novos amigos,
novos vizinhos, novos lugares. Qual parte da história você gostou mais de fazer?”
• quanto aos papéis/personagens assumidos pelo professor: qual deles prendeu
mais a atenção e qual deles fez com que o aluno tivesse mais vontade de
participar;
“A professora fez 3 personagens: um escriba chamado Namassor ou Maracutaia na
Cutaia, uma funcionária da prefeitura que precisava da ajuda de vocês para descobrir
o mistério daqueles objetos que estavam na sacola e uma advogada que veio para
52 Quatorze alunos responderam às perguntas da avaliação.
96
dividir a terra no novo lugar que vocês estavam. Qual deles você prestou mais atenção?
Qual deles fez com que você tivesse mais vontade de participar da história?”
• quanto aos objetos e estratégias que foram utilizadas para a condução da
história: nome para o grupo, cor para cada grupo, objetos levados por cada grupo
na ‘mudança’;
“O início da história foi a divisão da turma em dois grupos: Águia Azul e Leão
Dourado. Vocês ganharam fitas de cores diferentes para que a gente soubesse quem
era de qual grupo. Você lembra o nome do seu grupo? Você acha que a fita ajudou a
reunir o grupo? Você lembra de algum objeto que o grupo quis levar na mudança?”
• quanto aos exercícios de técnica teatral: qual colaborou com a cena e qual foi o
mais difícil de fazer.
“Entre os exercícios de técnica teatral: cena congelada, câmera lenta, efeitos sonoros,
qual você acha que ajudou a cena a ficar melhor? E qual foi o mais difícil de fazer?”
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Após a realização da avaliação, entreguei os certificados de participação e recebi
das crianças alguns desenhos que elas tinham feito para nós. Coloquei os cartazes com
as fotos nos corredores da escola e, desta forma, com a presença da professora da turma
e da Diretora da Escola, encerrei o trabalho.
3.2.2. Avaliação do processo.
Resultados obtidos através das questões de avaliação:
a) Qual parte da história sobre a mudança o aluno mais gostou de fazer:
1. Cenas: 6 respostas.
2. Mudar de um lugar calmo para um agitado e de um lugar agitado para um calmo: 4
respostas.
3. Vestir as roupas: 2 respostas.
4. Investigar os objetos do pacote de estímulos: 2 respostas.
5. Assistir: 1 resposta.
6. Dos amigos: 1 resposta.
Comentário: De acordo com as respostas das crianças, a parte do processo que
elas mais gostaram de fazer foram as cenas criadas a partir de jogos teatrais (Spolin,
2005). As improvisações foram feitas por um grupo enquanto o outro observava e o
foco estava no o que, ou seja, ‘o que eles faziam no lugar em que eles moravam antes da
mudança’, com base no princípio da fizicalização. O interessante foi a intersecção dos
jogos teatrais com o tema da narrativa, já que em ambos os casos os grupos fizeram
ações relacionadas com o contexto da ficção. Exemplos: o grupo Leão Dourado que
queria mudar para um lugar mais desenvolvido, fez uma cena de campo e pesca e o
grupo Águia Azul fez uma cena de uma família estressada, onde o pai estava ensinando
a lição de casa para o filho e de uma família que tinha uma filha com bronquite e
precisava mudar para um lugar menos poluído.
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Assim, em segundo lugar na preferência dos alunos ficou o próprio tema. Em
nenhum momento este tema foi relacionado com a situação real dos alunos, mas a
repetição das respostas aponta para a ressonância que o tema teve para eles.
O contato com figurinos e objetos não teve muito impacto para os alunos, pois
como vimos tanto o pacote de estímulos quanto a criação dos cartazes esbarraram no
despreparo das crianças com a leitura e a escrita, prejudicando a sua realização. De um
total de 23 crianças entre 9 e 11 anos, poucas conseguiram ler e escrever sozinhas. Em
vários momentos tivemos que escrever para a criança ou escrever num papel para ela
copiar na folha de avaliação. A outra atividade com objetos foi proposta no momento do
muro, que devido ao tumulto gerado pelo excesso de informações e elementos, não foi
possível desenvolver plenamente.
b) Qual dos papéis/personagens representados pelo professor prendeu mais a atenção
dos alunos e qual deles fez com que os mesmos tivessem mais vontade de participar:
1. Advogada: 9 respostas.
2. Narrador/Escriba: 5 respostas.
3. Funcionária: 2 respostas.
Comentário: Para mim foi uma surpresa que a advogada, ríspida e autoritária fosse a
que mais tivesse chamado a atenção dos alunos e os estimulado a participar, seguida
pelo Narrador/Escriba. Este fato revelou que a ênfase na caracterização, o status alto da
mesma, e o caráter marcante, geraram mais impacto do que o Narrador/Escriba -
contador de histórias, que apesar de simpático, é uma figura mais familiar a eles – e a
Funcionária da Prefeitura, com aparência mais neutra e com um discurso de igualdade
de posições.
Aqui há duas questões a serem consideradas:
1. A questão da teatralidade relacionada à ênfase na exterioridade material, na
ostentação dos signos (CORNAGO, 2005), encontra paralelo com o universo do
carnaval, que emergiu no grupo em diversos momentos. O Morro da Caixa tem uma das
Escolas de Samba mais importantes de Florianópolis – que em 2008 foi a Campeã nos
desfiles do Carnaval – e várias atividades são desenvolvidas com as crianças desta
100
comunidade na sede da Escola de Samba. Os nomes que eles escolheram para os
grupos, por exemplo - Águia Azul e Leão Dourado – são nomes que se relacionam com
este universo. Assim, o personagem do Escriba e o papel da advogada eram os que
tinham os figurinos mais elaborados e diferenciados do cotidiano e mais próximos à
imagem do ator que permeia o imaginário dos alunos.
2. A questão do status alto da advogada. A advogada foi clara e objetiva, de
modo a organizar o espaço, fazer a narrativa evoluir. Este fato torna evidente a
dificuldade dos alunos com atividades que exijam maior autonomia - trabalho em
grupos, com resolução de problemas, emissão de opiniões em detrimento ao hábito de
‘copiar do quadro’ – e este fato fez com que a advogada fosse a preferida, pois, com seu
tom autoritário e ríspido, a mesma os colocou em uma posição de obediência e certa
passividade, dizendo o que tinham que fazer.
c) O início da história foi a divisão da turma em dois grupos: Águia Azul e Leão
Dourado. Qual a lembrança em relação ao nome do grupo, à cor do grupo, aos objetos
levados na ‘mudança’. O nome, a cor, os objetos ajudaram a definir e unir o grupo?
1. Lembranças quanto ao nome, cor e objetos do grupo: 10 lembraram; 3 confundiram o
nome e 4 não lembraram porque não estavam presentes na aula.
2. Quanto à definição e a união entre o grupo: 13 acharam que o nome, a cor o os
objetos ajudaram a definir e unir o grupo e 1 não respondeu.
Comentário: Estes aspectos foram trabalhados desde as primeiras aulas e os poucos
alunos que confundiram ou não se lembraram foram os que não estavam presentes
nestas aulas.
As perguntas relacionadas ao nome, a cor do grupo e aos objetos levados na
viagem de mudança seriam o ponto de partida para iniciar um diálogo sobre como eles
perceberam seu grupo em termos da identidade dos participantes. No entanto, o diálogo
foi inviabilizado porque as respostas foram monossilábicas e as entrevistadoras (eu e
Laura Cascaes) ficaram receosas de induzir as respostas, apontando para possíveis
relações e interações entre os grupos, a partir de ações que surgiram na cena. Na prática
eles responderam bem às atividades e tarefas propostas, de modo a concretizarem o
desenvolvimento da narrativa cênica (conduzidos pelo professor no papel ou no
101
personagem), mas a reflexão e a articulação verbal para comentar o processo não
ocorreram. É provável que isto tenha ocorrido devido à dificuldade de descrever e
interpretar as situações vivenciadas, uma vez que os alunos não demonstraram timidez
ou resistência à entrevista.
d) Entre os exercícios de técnica teatral: improvisação, cena congelada, câmera lenta,
efeitos sonoros, qual você acha que ajudou a cena a ficar melhor? E qual foi o mais
difícil de fazer?
1. Ajudou a cena a ficar melhor:
a) câmera lenta 9 respostas;
b) cena improvisada (jogo teatral): 3 respostas;
c) cena congelada: 2 respostas.
2. Considerou mais difícil de fazer:
a) Cena congelada 3 respostas;
b) Cena improvisada, câmera lenta, efeito sonoro 2 respostas respectivamente.
c) Nenhuma: 2 respostas .
Obs.: 3 respostas foram invalidadas, pois estavam em branco.
Comentário: O trabalho com as variações de ritmo dos movimentos, que eu chamava de
‘câmera lenta’ foi o mais citado. Porém, mais do que desenvolver a consciência do
corpo lento, em termos de contenção de energia, em termos de concentração da atenção,
a opção pelo trabalho em lentidão teve como objetivo controlar a turma para que eu me
fizesse ouvir e para que as atividades pudessem acontecer. O mesmo com a ‘cena
congelada’ ou a ‘ação congelada’. Assim, eles gostaram de fazer a ‘câmera lenta’ e
apontaram como maior dificuldade a ‘cena congelada’, onde há a exigência de
imobilidade total e silêncio. De qualquer forma, pode-se constatar que eles entenderam
os conceitos. Como se lembraram dos mesmos prontamente, fica evidente a aquisição
de linguagem, já que os alunos utilizaram as expressões corretamente, localizando o
momento, a situação e a parte do processo na qual elas ocorreram.
102
Notas de Reflexão
1. Professor no papel e professor-personagem - o trânsito entre o pedagogo e
o ator.
A principal dificuldade que enfrentei foi com as quebras, entrar e sair do papel.
Consegui fazer esta quebra somente no personagem do Escriba /Narrador, onde o texto
era definido e a função de narrar a história era mais próxima deles e os colocava como
ouvintes/ espectadores. O papel da Funcionária, que precisava muito da participação
deles, e que estava relacionada com o pacote de estímulos, se enfraqueceu diante da
dificuldade com a decifração dos objetos. Como seu tom era mais realista - até o
figurino era parecido com as roupas usadas pela professora da turma - acabou por se
diluir na confusão. Já a Advogada se manteve até o momento em que o muro foi
construído, dividindo a sala em dois e dificultando a comunicação entre os grupos. Para
me comunicar com um lado e com outro, na euforia em que eles estavam com a nova
ambientação, abandonei a caracterização sem evidenciar a quebra ou a saída do papel e
sem comentar este fato com os alunos.
Outro aspecto que percebi nesta experiência e que também constatei na anterior
foi o fato de que a caracterização física é muito interessante para estabelecer a quebra e
criar o código de quando se está dentro ou fora do papel, mas o uso excessivo de
figurinos e adereços dificulta, em termos práticos, o jogo de entrar e sair do papel. Se o
professor tarda muito neste trânsito, as crianças se dispersam e, depois de algumas
vezes, já sabem o que vai acontecer e não se surpreendem mais. Neste sentido, o mesmo
ocorre com o personagem.
Por outro lado, o uso de um determinado adereço pode ser a convenção criada e
acordada entre todos para estabelecer quando o professor está no papel ou personagem –
usa uma peça de figurino ou um objeto - e quando não está – retira o figurino/objeto.
Quanto ao trânsito entre o papel de professor e de ator durante o processo,
constatei sua possibilidade e eficácia, além de confirmar a opinião dos participantes da
primeira experiência de que quanto maior for a quebra, mais interessante fica para o
aluno. Neste processo, as instruções foram passadas fora do papel e do personagem, e
isso foi fundamental devido ao contexto da sala de aula, neste caso, composto por
103
crianças que não estão habituadas ao jogo do teatro. A manutenção dos papéis e do
personagem, pelo professor, colocou os alunos como espectadores o que viabilizou a
possibilidade de leitura da cena. Conforme foram se acostumando com a estratégia,
incentivados pelo professor, puderam depurar a leitura e identificar aspectos
diferenciados da linguagem teatral.
Outra adaptação que foi feita, a partir do contexto, foi a escolha pelo papel de
status alto – advogada - mesmo eu querendo trazer, para este processo, papéis de status
baixo ou médio, ampliando a possibilidade de investigar a mediação, um desafio posto
pela experiência anterior. Mas devido a pouca familiaridade dos alunos com atividades
realizadas em pequenos grupos, que exigem autonomia, tive que optar por mais um
papel de status alto, onde a mediação apresenta traços de intervenção. A intervenção
quando posta pelo personagem não significa uma atitude autoritária, uma vez que o
professor, ao deixar o personagem e retomar seu papel de pedagogo, poderá se referir à
atitude do personagem inclusive para trazer à discussão relações de poder. Os papéis de
status médio e baixo, conforme vimos no Capítulo 2 exigem maior participação dos
alunos e, neste caso, não seriam os mais recomendados.
2. Quanto ao pré-texto ‘Nós e Eles’ e sua ressonância:
Ficou evidente que a relação entre o pré-texto e o contexto leva a adaptações,
tanto em termos do foco temático a ser posto em discussão, quanto em termos de
finalização, da escolha dos papéis assumidos pelo professor, entre outros. A questão
mais evidente da utilização deste pré-texto no contexto desta escola foi a reação à
presença do muro. Na primeira experiência, relatada anteriormente, o muro só ganhou
real significado quando os participantes viram as imagens de muros reais. No processo
realizado na escola, o significado veio imediatamente, assim como uma intolerância ao
mesmo.
A relação com o universo do carnaval, tema forte na comunidade do Morro da
Caixa, foi outro elemento evidente da contextualização. Nota-se que a conexão que o
drama estabelece com o contexto real dos participantes emergiu automaticamente e foi
incorporada no processo.
104
3. Quanto à relação entre o ensino do teatro e a escola.
Em termos gerais, esta experiência teatral revelou, por um lado a precariedade
do ensino nesta escola e, por outro lado, o abandono da mesma por parte da Secretaria
Estadual de Educação – o espaço físico é mal conservado e pouco acolhedor, faltam
equipamentos básicos na secretaria, como um computador que funcione53. Porém, o
principal fator que evidenciou esta situação de precariedade foi o fato de boa parte das
crianças não estarem alfabetizadas (aos nove anos de idade), o que impedia sua
autonomia na realização das tarefas propostas. Havia uma grande necessidade de
mediação.
Com o desenrolar do trabalho, percebi que a carga horária prevista para a
realização do mesmo seria restrita, porém percebi também que, como havia um
freqüente cancelamento de aulas, pelos mais diversos motivos, seria prudente terminá-lo
dentro do prazo que eu havia acertado com a direção. Ainda que o processo se desse de
forma concentrada, vale apontar que o professor tem possibilidade de desdobrar as
atividades ao longo do semestre letivo.
Um processo de drama como este pode durar um semestre inteiro, desde que o
interesse dos alunos pelo tema e pela narrativa em desenvolvimento se mantenha. Além
disso, o caráter processual do drama não elimina a possibilidade de junção, pelo
professor, de momentos criados durante o processo, que podem ser articulados e
ensaiados para apresentação a um público. Este procedimento demanda mais tempo,
podendo estar atrelado ao programa anual do professor, onde no primeiro semestre ele
trabalha com o tema/texto da montagem através de um processo de drama e no segundo
semestre parte para a elaboração das cenas articuladas com o material criado.
Entretanto, a questão do tempo não é determinante para que a experiência
estética ocorra. É possível observar experiências intensas em curto espaço de tempo,
enquanto que trabalhos mais longos perdem seu significado no decorrer do processo. O
contrário também é possível. A qualidade de um processo não é determinada pelo seu
tempo de duração. 53 Não pude ter cópia da lista de chamada dos alunos da terceira série, porque não havia uma impressora ou um computador com acesso a internet (para enviar por email) ou uma máquina fotocopiadora que disponibilizasse uma cópia do documento.
105
A experiência com o drama realizada nesta escola me fez olhar para as questões
complexas que envolvem o ensino do teatro dentro do contexto curricular. As que mais
me chamaram a atenção foram:
1. A questão da adequação da preparação do professor de teatro para a sala de
aula: relação entre as atividades propostas, o tempo da aula e o espaço físico; número
elevado de alunos e necessidade de administrar a resistência dos que não querem fazer
as atividades; o ruído produzido pela própria dinâmica deste tipo de aula, que muitas
vezes, para quem está fora do processo, soa como barulho e bagunça.
2. A visão do teatro vigente - conceito de teatro presente no imaginário dos
alunos, da direção e, muitas vezes, dos próprios professores, que influenciados pela TV
acham que o teatro é a reprodução das cenas do cotidiano ou, ainda, reprodução dos
próprios programas televisivos.
3. Dificuldade do professor de encarar o teatro como um processo de
investigação cênica, ou seja, como trabalho e não como expressão livre.
4. Necessidade de o professor promover ensaios abertos do trabalho como uma
prática usual no processo. Esta prática, por um lado atende às expectativas da direção
quanto à realização de apresentações artísticas para serem mostradas nas ocasiões
organizadas pela instituição (festas comemorativas, mostras de artes), e por outro lado,
faz com que a atividade teatral ganhe espaço dentro da escola. Esta prática oferece ao
aluno a oportunidade de concretizar a experiência e visualizar produtos parciais do
processo.
O drama, neste sentido, apresenta-se como uma alternativa para enfrentar estas
dificuldades, na medida em que cria possibilidades estratégicas seguras para a
construção de uma narrativa textual e cênica pelas crianças. Entendo por estratégias
seguras o mecanismo de encaminhamento do trabalho onde os alunos, em duplas ou em
trios, focalizam a resolução de problemas, investigam fatos, criam hipóteses sobre o
assunto em questão.
Quando propõe o trabalho com o grupo todo, o professor realiza a mediação
assumindo papéis ou personagens, transitando entre o papel de pedagogo e ator. Na
experiência realizada, a mediação entre professor e aluno, com base nas estratégias
desta metodologia, também foi um diferencial, já que, como pudemos observar na
avaliação, os alunos estavam acostumados a ‘copiar do quadro’ os conteúdos passados
pela professora.
106
As percepções das duas experiências, que foram realizadas em condições tão
distintas, me permitiram aprofundar a compreensão da complexidade da atuação do
professor e das nuances necessárias para o trabalho com a metodologia em diferentes
contextos.
Neste sentido, a primeira experiência trouxe a voz dos professores e futuros
professores, tendo como principal contribuição a problematização de aspectos
relacionados à minha atuação como mediadora, aspectos relacionados ao pré-texto
escolhido, ao equilíbrio entre o estético e o pedagógico, entre outros. Esta discussão foi
essencial para a preparação da segunda experiência, que foi problematizada a partir da
voz do aluno. A correlação entre as duas experiências será o foco do capítulo que se
segue, encerrando a pesquisa.
107
Considerações finais
A prática com o drama, ao longo das duas experiências relatadas teve como
questão central a mediação do professor de teatro, transitando entre as funções de ator e
pedagogo durante o processo. A via utilizada para esta transição foi o procedimento
denominado professor no papel - professor assume papéis sociais- e professor-
personagem - professor assume um personagem de um texto, dramático ou não, cujas
falas do autor são preservadas. A opção por investigar estes procedimentos e a
possibilidade de professor assumir o papel de ator, dentro da instituição escolar em
parceria com os alunos, teve como pano de fundo a perspectiva do professor-artista.
Não é de hoje que o teatro se depara com a proposta de junção dos papéis do
artista ao do pedagogo. Os diretores teatrais do século passado, Stanislávski, Grotowski,
norteados por um constante desejo de renovação e superação de códigos já consagrados,
não prescindiram do aspecto ético e formativo em sua atuação, tendo sido também
pedagogos (PUPO, 2001). Desta forma, também na atualidade, encontramos artistas que
ao repensarem o papel do teatro na sociedade - os diretores Eugenio Barba, Antunes
Filho, mas também os atores Sotigui Koyaté, Yoshi Oida, Julia Varley, entre outros –
dedicam parte de seu tempo à transmissão de conhecimentos, sem que isso diminua seu
estatuto de artista, pelo contrário, solidificando-o através disso. Identifica-se nesta
iniciativa a configuração do binômio do artista-professor.
No contexto da escola o binômio se inverte – professor-artista – pois sua
formação inclui pedagogia e teatro. Entretanto, nota-se um difícil equilíbrio entre uma e
outra e, a perspectiva do professor-artista, pretende trabalhar em prol deste equilíbrio.
De qualquer maneira, a pesquisa revelou que está no próprio professor a possibilidade
de compatibilizar as duas áreas, tanto como mediador entre os artistas que vem até a
escola e os alunos, quanto como ele próprio colocando-se como artista conjuntamente
com seus alunos. Neste sentido, o conceito de ‘professor como intelectual’ de Giroux
(1999) associado ao campo das artes, norteia as possibilidades para que esta parceria se
efetive e as dicotomias sejam superadas. É o professor que tem a possibilidade de criar
espaço dentro da escola para que processos de apropriação do teatro sejam efetivados.
Dentro da presente proposta, a criação teatral se deu através da experiência com
a metodologia do drama, que, além de ter sido pouco explorada no contexto brasileiro,
108
apresenta-se como potencialmente interessante para o trabalho do teatro na escola -
estrutura em episódios, possibilidade de incorporação de procedimentos e estratégias
centrais a outras abordagens metodológicas, utilização de um tema ou texto como pré-
texto para a criação cênica, foco na contextualização do tema da ficção à realidade dos
participantes. Estes aspectos intrínsecos ao drama foram relacionados com a questão da
teatralidade, na medida em que “o que se quer é ver o tornar-se-teatro de uma ação, de
uma história, de um papel.” (GUÉNOUN, 2004:139) e, no caso do drama, isso ocorre
enquanto se constrói esta história coletivamente, junto com os alunos.
Apesar de ambas as experiências terem se caracterizado por serem processos
curtos, vale lembrar que uma experiência estética não tem tempo definido. A carga
horária reduzida em função da disponibilidade tanto da proponente como dos
participantes em ambas as experiências não invalidou a discussão, pois foram revelados
problemas e possibilidades concretas da metodologia e dos procedimentos para o ensino
do teatro no contexto da escola, para a atuação do professor como artista, no caso como
ator, dentro da sala de aula.
Assim, a partir das práticas realizadas, as principais considerações foram:
• Com relação ao papel do professor como ator no processo através da estratégia
do professor no papel e do professor-personagem, atuando como co-artista:
1. Ambos, professor no papel e professor personagem, trazem à tona a questão do
equilíbrio entre o estético e o pedagógico e a questão da mediação do professor,
enquanto transita entre os papéis de ator e pedagogo. Neste sentido, conforme aponta
Neelands (1998 apud ACKROYD, 2004) o professor tem que estar disponível para agir
como se fosse outra pessoa, mantendo o discurso deste outro alguém e interagindo com
os alunos dentro do jogo. Com o papel social, ele improvisa as falas e encontra maior
flexibilidade na composição, podendo ficar na fase que, segundo Stanislávski (1984),
seria da criação da situação e das circunstâncias propostas. Neste sentido, não há
necessariamente uma preocupação com a individualidade do papel, nem com a
caracterização físico-vocal ou indumentária, podendo fazer como O’Neill (1995 apud
ACROYD,2004) “papéis sem face”. Porém, conforme foi realizado nas práticas
relatadas, os papéis sociais também podem receber a caracterização. Se o professor
109
consegue criar, além do discurso, uma caracterização que ajude a dar corpo a essa fala
isso será ótimo, mas a caracterização material nem sempre é suficiente e necessária,
pois o professor pode trazer o papel para o imaginário do aluno sem estar caracterizado.
Utilizando-se de sua própria postura física o professor pode conseguir estabelecer quem
ele é, e a que veio. Se ele preferir caracterizar-se, diferenciando-se de sua própria
expressividade, então ele poderá incrementar o jogo ficcional e estimular os
participantes a também se arriscarem a assumir papéis e caracterizá-los. E se pensarmos
no contexto das aulas de teatro, a caracterização abre possibilidades para a criação e
confecção de figurinos e objetos.
Neste sentido, a opção pelo personagem pode contribuir sobremaneira, pois,
além de manter as falas do texto, o professor pode reforçar a caracterização,
preocupando-se com a comunicação física do discurso do personagem e trabalhar com
os elementos que Stanislávski (2000) aponta para a construção do mesmo: composição
física e vocal, questões de ritmo e composição plástica. Neste sentido, ambas as
experiências mostraram que é possível incorporar o texto do autor no processo e
provocar um estranhamento nos participantes, através de um personagem que surja com
um discurso fechado, estranho ao contexto dos alunos e diferenciado pela caracterização
que pode ter.
Assim, o professor no papel caracteriza-se como mais flexível de modo a
explorar questões como a presença do ator, prontidão para o jogo, de modo a enfrentar
as questões que surgem das relações de poder, através dos papéis, enquanto que o
professor-personagem se caracteriza pelo foco na representação de um personagem
proveniente do texto dramático, mantendo a coerência lógica do texto, as palavras
literais do autor, caracterizado física, sonora e visualmente e atrelado às ações propostas
pelo texto. Ambos são independentes e tem funções diferentes dentro do processo e este
trabalho pretendeu enfatizar a potencialidade de ambos como ferramenta de trabalho
para o professor.
Quanto à funcionalidade dos papéis, confirmei a idéia de que o status do papel
interfere na interação com o aluno. Dentre os papéis escolhidos acabei optando por
mais papéis de status alto do que médio ou baixo. Este fato tornou evidente a minha
inexperiência com a estratégia do professor no papel e com a situação de risco na qual o
professor tem que se colocar para atuar como co-artista com seus alunos. Sobre isto a
colocação de Taylor & Warner (2006) me conforta:
110
O professor que é novo nesta forma de trabalho pode achar mais fácil no
inicio adotar um papel de autoridade, através do qual o controle será,
provavelmente, mantido em suas mãos – o chefe, o expert, o oficial, o chefe
da gangue, o diretor, o capitão – todos estes papéis não estão muito longe de
serem removidos do papel normal do professor (Taylor & Warner, 2006:54,
trad. nossa). 54
Inevitavelmente, o trabalho com a estratégia do professor no papel e do
professor-personagem faz com que o professor seja levado a repensar seus
procedimentos pedagógicos. A percepção revelada no item acima está relacionada à
necessidade de mudança de paradigma, mencionada por Heathcote (1990), e que foi
discutida no Capítulo 1 deste trabalho. Esta experiência evidenciou algumas
características que eu como professora tenho: dificuldade de abandonar-me ao ‘caos’ –
mantive por boa parte do tempo o planejamento na mão, procurando segui-lo fielmente;
tendência a coordenar a atividade, o que ficou evidente pela escolha dos papéis com
status alto; tendência a mediar a cena desde fora – influência da formação que tive com
os jogos de Viola Spolin.
Estes foram pontos que pude notar como muito desafiadores para mim enquanto
professora e que são fundamentais para que o procedimento do professor no papel e do
professor-personagem se efetive e, mais ainda, para que a perspectiva do professor-
artista ou co-artista se concretize.
• Quanto às possibilidades e as vantagens/ necessidades de diferenciar os
conceitos mencionados - professor no papel e professor-personagem:
A prática apontou as possibilidades que um e outro oferecem, ainda que tenha
sido pouca a experimentação com eles, bem como a relação de independência entre eles.
Evidenciou-se que o professor no papel facilita o diálogo com os alunos na medida em
que é mais flexível em sua configuração do que o professor-personagem, que traz uma
lógica e um texto fechado. O personagem não muda seu ponto de vista durante o
processo e o papel social pode mudar de ponto de vista e de status a partir da interação.
54 The teacher who is new to this way of working may find it easier at first to adopt an authority role, through which control is likely to remain in their hands – the chief, the expert, the official, the gang boss, the warden, the captain – all of these roles are not too far removed from the normal role as teacher.
111
Assim, o professor-personagem traz uma particularidade e um conteúdo diferente em
termos de linguagem, de localidade, época, provocando um estranhamento, uma reação
que, além de funcionar como uma estratégia para a apreciação da representação em
diferentes estilos pelos alunos na própria aula - quando o personagem do Escriba cantou
a Internacional Comunista, em russo, no encerramento do processo descrito como
primeira experiência prática (Capítulo 3), o impacto ficou evidente. Este mesmo
impacto, também chamado de choque ou surpresa, contribui para a imersão e o
engajamento do aluno no processo.
• Quanto à possibilidade de reforçar a teatralidade do drama:
As fotos de ambos os processos revelaram que a teatralidade esteve presente,
assim como a manutenção do sentido espetacular – revelam o foco de atenção dos
participantes na cena, a expressão física e facial dos atores, o uso do espaço, a
plasticidade, a interação com o professor no papel ou personagem, o prazer de atuar.
Logicamente que em cada processo isto aconteceu de forma diferenciada, com
elementos distintos. O foco na questão da potencialização da teatralidade traz a presença
do observador no processo como elemento fundamental, pois de acordo com Cornago
(2005), a teatralidade é uma adjetivação que só ocorre enquanto alguém a atribui a uma
situação ou pessoa. É nesse sentido que a presença do espectador também é
fundamental, pois é através da sua recepção à obra que a dimensão da teatralidade será
evidenciada.
Conforme observamos, na proposta de Heathcote para o drama os espectadores
são internos ao próprio grupo, não como alguém de fora do processo, mas os próprios
alunos observando as improvisações realizadas pelos colegas. Ou ainda, a observação
do próprio professor quando este está no papel ou personagem. Estes procedimentos
possibilitam a leitura da cena por parte de quem observa. Não se pode desconsiderar
que, mesmo durante a investigação, o professor pode usar diferentes ambientes da
escola, que acabam trazendo espectadores distintos – atividades realizadas no pátio,
rampas, escadas, refeitórios, que podem chegar a um produto final para ser apresentado
a um público externo.
Pensando no aprendizado do teatro, este aspecto é essencial, já que envolve tanto
o fazer quanto o apreciar. Por isso, proporcionar a observação das cenas pelos alunos,
112
além da atuação nas mesmas, é, finalmente, compreender que: “o teatro não é uma
atividade, mas duas. Atividade de fazer e atividade de ver (...) simultaneamente.”
(GUÉNOUN, 2004:14)
Em ambas as experiências realizadas, os participantes tiveram a oportunidade de
trocar de posição (atuante – observador), justamente para contemplar estes dois aspectos
fundamentais para o aprendizado. Na primeira experiência, havia uma platéia
permanente (apesar de diferente a cada encontro) e na segunda experiência, os alunos
transitavam entre os papéis de atuante e observador ao longo do processo, de acordo
com a atividade proposta, e em alguns momentos todos atuavam, aos moldes de
Heathcote.
• Quanto à contextualização do texto ‘Nós e Eles’
O aspecto mais evidente da contextualização em drama é a escolha do pré-texto.
O texto ‘Nós e Eles’, como pré-texto, levou a uma resolução do conflito de forma
oposta em cada experiência. No teatro, com os alunos da universidade e os professores
da Rede Pública de Educação, o muro foi mantido como proteção para a tribo dos
ambientalistas em relações aos empreendedores, e as implicações desta manutenção só
foram percebidas quando os participantes olharam fotos de muros reais. Na escola,
situada no alto do Morro da Caixa, a presença de um muro simbólico entre os
moradores do Morro e a sociedade já faz parte da realidade das crianças, assim o muro
da ficção foi rapidamente destruído.
Este fato revela a flexibilidade do drama para incorporar os desejos,
expectativas e a realidade dos participantes, e evidencia que estes elementos emergem
concretamente na narrativa. O professor, neste caso, tem que estar atento para
incorporar estas transformações que são desencadeadas a cada nova experiência. Desta
forma, o processo de drama possibilita a leitura do contexto revelada pela própria
experiência artística.
* Quanto à relação do drama com o teatro contemporâneo.
113
As reflexões atuais sobre o teatro defendem e enfatizam a dissolução entre
drama e teatro (LEHMANN, 2007), ou seja, a cisão entre o discurso do texto e o
discurso teatral. A metodologia do drama educação, no entanto, segue a estrutura
tradicional do desenvolvimento da ação dramática – ações, personagens, conflito e
resolução do conflito – cuja base envolve a totalidade, a ilusão e a representação do
mundo quando propõe a construção de uma narrativa em grupo, mas abre, ao mesmo
tempo, a possibilidade de trabalhar com aspectos relacionados ao pós-dramático, como:
relação flexível com o texto através da opção pelo pré-texto, a presença do ator –
professor no papel – ao invés da representação – professor-personagem, o processo ao
invés do produto, a valorização de diferentes aspectos da cena nos episódios
fragmentados, exemplo: primeira sessão foco na sonoridade, segunda sessão foco na
criação plástica da cena, e assim por diante, ao invés de uma abordagem linear da
narrativa. Sobre isso, Cabral (2007) completa:
No teatro dos anos 60, o trabalho experimental enfatizava noções de presença
e proximidade, processo e transformação, e estas idéias foram filtradas no
trabalho com teatro em sala-de-aula. Mais recentemente, influências das
práticas teatrais pós-modernas também se refletiram no drama. Estas incluem
a fragmentação e distribuição de papéis entre o grande grupo, uma
abordagem não linear e descontínua ao argumento, a adaptação de temas e
textos clássicos, a diluição do espaço entre atores e espectadores, a constante
mudança de perspectivas (CABRAL, 2007:2).
O trabalho mostrou o potencial do professor-personagem, que em termos de
construção é criado aos moldes stanislavskianos, mas em termos de aparição na cena,
arriscaria dizer que se relaciona ao pós-dramático. A manutenção literal de fragmento(s)
do texto dramático, trazido pelo personagem como algo estranho ao contexto das falas
improvisadas pelos participantes, revela a possibilidade de uma teatralidade autônoma
da fala. Sérgio Carvalho utilizando-se do conceito de “teatro como instituição oral” de
Ginka Steinwachs, que configura a realidade cênica como uma intensa objetivação
poético-significativa da linguagem e o conceito de Jelinke de “superfícies lingüísticas”
contrapostas, em vez de diálogo (CARVALHO apud LEHMANN, 2007: 20), aponta
para esta autonomia.
Assim, o drama, conforme revelaram as experiências, abre possibilidades para o
diálogo entre o sistema Stanislávski, no que se refere ao estabelecimento do contexto
114
ficcional e do trabalho com os papéis e personagens pelo professor-ator, e as tendências
contemporâneas do teatro, em termos de pluralidade de elementos dissonantes que
podem surgir na articulação do processo.
* Quanto ao ensino do teatro na escola.
Mais do que as dificuldades práticas/operacionais para a realização da aula de
teatro na escola, como apontamos no capítulo anterior - adequação dos exercícios ao
espaço da sala de aula, curto tempo da aula, estado de euforia dos alunos quando saem
da carteira, ou por outro lado, desânimo dos mesmos quando se recusam a participar das
atividades - acredito que a maior tarefa que o professor-artista-intelectual tem, levando-
se em conta a proposta da pedagogia pós-crítica, é de mudar a imagem do teatro dentro
da escola. A maneira de mudar esta imagem é deixar claro que a disciplina teatro é uma
disciplina que proporciona a aquisição de conhecimento ao aluno.
Para viabilizar este conhecimento é fundamental que o professor consiga
envolver o aluno em processos de produção e recepção. O envolvimento será gerado
pela seleção de materiais e planejamento de atividades que sejam viáveis dentro das
condições de espaço e tempo presentes na escola, e atraentes para os alunos. Assim,
estas atividades, por mais que tenham que ser adaptadas a estas circunstâncias, não
podem ser negligenciadas ou barateadas.
O drama apresenta aspectos positivos evidentes para a contribuição com o
processo de ensino-aprendizado do teatro, pois é uma criação coletiva que incorpora a
voz individual e em grupo, além de incluir texto escrito e desenvolver a expressão oral e
corporal do aluno. A divisão da estrutura em episódios facilita o trabalho do professor
em termos da adaptação ao tempo da aula e possibilita que a cada aula haja uma
produção criativa que pode ser resgatada em qualquer momento do processo.
Pensando na apropriação do drama pelas aulas de teatro e levando em conta a
realidade do ensino público brasileiro, considero que as principais contribuições teórico-
práticas para as experiências realizadas nesta pesquisa foram:
1. A exploração do procedimento do professor no papel criado por Dorothy Heathcote,
que abriu possibilidade para ser desdobrado para o professor-personagem, já que o
drama está sendo realizado nas aulas de teatro. A mediação entre professor e aluno
realizada através do papel ou do personagem permite ao professor um tipo de
115
intervenção que seria impossibilitada sem os mesmos. Quando assume um papel o
professor pode ironizar situações, agir autoritariamente, usar um linguajar não usual ao
contexto da escola, para, por exemplo, contornar questões de comportamento dos
alunos. Ao sair do papel, comenta o acontecido, procurando analisá-lo criticamente com
o grupo.
2. O conceito de pré-texto criado por O’Neill, foi outra contribuição fundamental, pois
ela propõe a utilização de uma estrutura temática norteadora para a construção da
narrativa dentro dos processos de drama. O pré-texto ajuda o professor a driblar as
dificuldades, porque possibilita unir forma e conteúdo na criação, aqui no caso, da
narrativa cênica. Assim, o pré-texto funciona como um roteiro para o desenvolvimento
do trabalho, que é ao mesmo tempo seguro e aberto, além de sugerir quais os papéis e
personagens que podem ser assumidos pelo professor.
3. A tese defendida por Ackroyd de que o professor quando assume um papel está
atuando no sentido do ator sustenta a proposição do professor personagem. Ainda que
eu não tenha explorado esta modalidade suficientemente, a tese de Ackroyd me encoraja
a seguir com a proposição de trazer um personagem para o processo e, com isso,
vislumbrar um caminho para incrementar as possibilidades de aproximação dos alunos
com os elementos da linguagem teatral. Esta possibilidade está centrada no papel do
professor como ator, ou seja, ele mesmo pode viabilizar a intervenção cênica,
diminuindo sua dependência de parcerias com outros professores, com a direção ou com
os pais para que o trabalho aconteça.
Assim, finalizo a pesquisa com a certeza de que o drama apresenta-se como uma
alternativa metodológica extremamente rica para enfrentar as condições adversas do
ensino do teatro na escola e para que o professor possa, através do desenvolvimento das
atividades dramáticas, se colocar como artista no trabalho, dialogando com outras
metodologias e linguagens artísticas.
As experiências práticas apontaram que, tanto a metodologia quanto os
procedimentos do professor no papel e do professor-personagem ainda apresentam-se
como objetos para futuras pesquisas e aprofundamentos no campo teórico e prático, já
que o drama apresenta uma complexa rede de procedimentos que, aqui no Brasil, ainda
não foram suficientemente explorados.
Minha prática com o teatro e com o ensino, tanto na sala de aula na
Universidade, como no acompanhamento dos estagiários nas escolas da rede pública de
116
Florianópolis, abrirão, seguramente, novos questionamentos sobre como aproximar
teatro e educação, renovando sempre a curiosidade e o desejo de aprofundar estes
aspectos e contribuir com a pesquisa no campo da pedagogia teatral.
117
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UDESC/CEART, 2007
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ANEXO 1.
Questionário Drama UFSC “Nós e Eles” – 1ª Experiência abril/maio de 2007. Pontue de 1 a 5, sendo 1 a alternativa que você acha que foi a melhor explorada durante este trabalho e 5 a que passou desapercebida. A. O texto “Nós e Eles” (David Campton) foi o pré-texto para esta oficina. Nele, o autor focaliza os processos de acomodação e confronto entre recém chegados a um lugar que poderia ser qualquer lugar que conhecemos. Em sua opinião, qual aspecto desta experiência foi mais significativo? ( ) a forma como este texto permite explorar questões de identidade e diferença em grupo. ( ) o confronto entre as tribos no decorrer do processo. ( ) a ambientação criada. ( ) a definição do perfil de cada tribo. ( ) o professor como personagem assumindo um dos papéis do texto. B. Este texto focaliza a identidade e a diferença como uma questão política, mostrando o processo social de sua produção. Neste sentido, você considerou como mais importante: ( ) sua relação com o atual contexto político e social. ( ) os jogos de linguagem. ( ) a dúvida e a incerteza como ponto de partida para a intensificação da xenofobia. ( ) a relação entre identidade e diferença dentro de cada grupo e no relacionamento entre grupos. ( ) as relações de poder : quem é incluído (nós) quem é excluído (eles). C. Quanto à ambientação cênica, o que funcionou melhor foi: ( ) a sensibilização criada durante a ‘travessia à nova terra’. (1a. sessão). ( ) a exploração do espaço físico de modo a definir localidades do norte, sul, leste e oeste.(2a. sessão) ( ) a iluminação cênica pontuando o início e o fim de cada sessão. ( ) O muro criado com as caixas neutras e as pichadas, representando a separação a partir dos desejos e diferenças de cada tribo. ( ) a trilha sonora e o som do tambor tocado pelo professor- personagem marcando o ritmo dos acontecimentos e criando atmosferas. D. Professor-personagem é uma estratégia do drama, onde o professor assume um papel e interage com o grupo dentro do contexto ficcional. Neste processo, o professor assumiu o papel do Narrador, podendo assim, passar instruções e manter o fio narrativo do texto dramático. Qual aspecto desta intervenção foi mais significativo:
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( ) a manutenção do fio narrativo. ( ) a introdução do contexto da ficção e das situações dramáticas. ( ) a interação com o grupo para identificar e enfatizar as contribuições dos participantes. ( ) o estímulo do jogo durante o jogo. ( ) a pontuação das analogias possíveis com o contexto atual. E. Quanto ao perfil das tribos e a possibilidade de posturas frente o desenvolvimento urbano e preservação do meio ambiente, considerei mais significativos: ( ) a simbolização de cada tribo por um elemento da natureza - galhos, folhas, pedras e conchas. ( ) a existência de contradições entre si, evitando um retrato estereotipado das mesmas. ( ) as características físicas / corporais que as identificavam como ‘tribo’. ( ) a linguagem e/ou discurso das tribos. ( ) expressão coletiva das idéias. F. Quanto aos conflitos gerados a cada episódio devido ao confronto entre as tribos, você aponta como os mais significativos: ( ) a incorporação de fragmentos de falas do texto. ( ) as metáforas - ‘duelo poético’, pichações, posicionamento no espaço. ( ) atmosfera criada pelos efeitos sonoros e o professor com tambor. ( ) os rituais em grupo. ( ) argumentações e contra-argumentações.
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ANEXO 3.
Perguntas e respostas da avaliação na escola Lúcia do Livramento Mayvorne: 1. Nossa história é sobre mudança. Mudança de um lugar calmo para um lugar agitado, mudança de um lugar agitado para um lugar calmo, onde encontramos novos amigos, novos vizinhos, novos lugares. Qual parte da história você gostou mais de fazer? TODAS (13) AS RESPOSTAS NÚMERO 1. 1. Foi quando a gente mudou de um lugar calmo para um lugar agitado. (Pamela) 1. Do lugar calmo. (Fernanda). 1. A da que a gente tinha que pesquisar... da luva. (Ketelin). 1. Os amigos. Quando a gente botou aquelas roupas. Lugar mais agitado. (Rodrigo). 1. Eu gostei quando a gente tava colhendo as frutas e os peixes para comer. (Kasminys). 1. Quando eles queriam levar coisa para viagem e estavam fazendo lanche. (Thalisson). 1. Eu gostei quando a gente tava pegando peixe. (Jonatan). 1. A parte de usar instrumento que tava na caixa. (Felipe). 1. A parte que nos vestimos de outro tipo, descobrindo o que tava dentro da mala. (Pablo). 1. Foi a parte que a gente tentamos ajudar o outro para um lado poder fazer o que quiser e o outro poder fazer agitação. (Lucas). 1. Dividir o espaço. (Richard). 1. Foi a de inventar de mudar para um lugar calmo. (Ivouclei). 1. Eu gostei de ver. (Indiamara). 1. Eu gostei quando o Guilherme mandou o filho fazer o trabalho da escola, tomar banho, comer, escovar o dente. (Kasminys). 1. Dos amigos. (Carlos). 2. A professora fez 3 personagens: um escriba chamado Namassor ou Maracutaia na Cutaia, uma funcionária da prefeitura que precisava da ajuda de vocês para descobrir o mistério daqueles objetos que estavam na sacola e uma advogada que veio para dividir a terra no novo lugar que vocês estavam. Qual deles você prestou mais atenção? Qual deles fez com que você tivesse mais vontade de participar da história? TODAS (13) AS RESPOSTAS NÚMERO DOIS: 2. Só aquele nacutaia ... (Fernanda) 2. Maracutaia na cutaia (Ketelin) 2 maracutaia na cutaia (Indiamara). 2. Maracutaia na cutaia (Jonatan). 2. Daquele que tinha que colocar luva na mão (funcionário) advogada. (Thalisson) 2. Advogada. Aquela parte que dividiu assim. (Rodrigo). 2. Foi na hora que eles colocaram a cortina. [advogada] (Pablo) 2. Advogada mandou sentar e ficar quieto. Não, não, eu gostei da que tava com a faixa [de cabelo] e com os objetos. (Kasminys). 2. A da luva. A Advogada. (Ivouclei). 2. A advogada. (Felipe). 2. Advogada. Foi o que eu estava. (Lucas). 2. Aquela advogada. (Richard). 2. A dona maracutaia mais não caia fez eu prestar mais atenção e ter mais vontade de participar da história. (Pamela) 2. Advogada. (Carlos)
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3. O início da história foi a divisão da turma em dois grupos: Águia Azul e Leão Dourado. Vocês ganharam fitas de cores diferentes para que a gente soubesse quem era de qual grupo. Você lembra o nome do seu grupo? Você acha que a fita ajudou a reunir o grupo? Você lembra de algum objeto que o grupo quis levar na mudança? TODAS (13) AS RESPOSTAS NÚMERO 3 3. Águia Azul. / Sim./ Não lembro (Ketelin). 3. Águia Azul./ Ajudou. /Cobertor, travesseiro, comida, colchão (Indiamara). 3. Águia Azul./ Um burro pra se apoiar. Não sei, acho que eles queriam levar cavalo também. Só isso eu sei, o resto eu não sei mais nada. (Thalisson) 3. Águia Dourada./ Sim a fita ajudou. / Roupa e comida. (Kasminys). 3. Alaranjado. / Sim a fita ajudou./ Sapato. (Rodrigo). 3. Leão Dourado. / Sim./ Cobertor, colchão, comida, lençol, um cavalo. (Jonatan). 3. Leão Dourado. /Ajudou./ Não tava, não lembro. (Lucas). 3. Águia Azul. /Sim./ Roupas, sapatos, coruja. (Pablo). 3. Águia Azul./ Sim./ Burro pra me apoiar.(Felipe) 3. Águia Azul./ Ajudou. /Não lembro.(Richard) 3. Águia Azul era o nome do grupo./ A fita ajudou a reunir o grupo. /Foi um burro para eu mim apoiar, os bichos mais preferidos , uma coruja. (Pamela). 3. Terra Dourada./ Sim, ajudou./ Não lembro. (Fernanda). 3. Leão Dourado. /Ajudou./ Foi a cama, travesseiro, o cobertor, a comida, um burro para se apoiar e uma chave de carro. (Ivouclei). 3. Não lembra./ Sim./ Era roupa, comida e a cama. (Carlos). 4. Entre os exercícios de técnica teatral: cena congelada, câmera lenta, efeitos sonoros, qual você acha que ajudou a cena a ficar melhor? E qual foi o mais difícil de fazer? TODAS (13) AS RESPOSTAS NÚMERO 4. 4. Câmera lenta./ Nenhum. (Ketelin). 4. Câmera lenta. /Nenhum. (Indiamara). 4. Pescar. /Pegar negócio do pé. (Rodrigo). 4. Câmera Lenta./ Foi difícil (...) a cena congelada. (Fernanda) 4. Foi pegar, colher, plantar. /Foi o mesmo: pegar, plantar, colher. (Lucas). 4. Estátua. / Barulho. (Jonatan). 4. Foi quando a gente congelou, quando a gente fez mais barulho./ Mais difícil foi aquele de andar em câmera lenta. (Pamela) 4. Eu gostei mais do coelhinho sai da toca, com câmera lenta e sem câmera lenta. (Kasmilys). 4. Câmera lenta./ O mais rápido. (Richard). 4. Foi câmera lenta./ O mais difícil foi a cena congelada. (Pablo). 4. Câmera lenta. /Foi difícil fazer aquele trabalho no chão, que tinha a folha branca e tinha que colar. O efeito sonoro foi o mais difícil. (Thalisson). 4. Câmera Lenta foi a melhor e/ cena congelada foi a mais difícil. (Felipe). 4. A de falar./ Foi a câmera lenta. (Ivouclei). 4. Câmera lenta./ Fazer som. (Carlos).
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