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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO HELOISE BAURICH VIDOR DRAMA E TEATRALIDADE Experiências com o professor no papel e o professor-personagem e suas possibilidades para o ensino do teatro na escola. FLORIANÓPOLIS 2008

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO

MESTRADO EM TEATRO

HELOISE BAURICH VIDOR

DRAMA E TEATRALIDADE

Experiências com o professor no papel e o professor-personagem e suas

possibilidades para o ensino do teatro na escola.

FLORIANÓPOLIS

2008

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HELOISE BAURICH VIDOR

DRAMA E TEATRALIDADE

Experiências com o professor no papel e o professor–personagem e suas

possibilidades para o ensino do teatro na escola.

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de Mestre em Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, Linha de Pesquisa: Pedagogia do Teatro. Orientadora: Profa. Beatriz Cabral, Dra.

FLORIANÓPOLIS

2008

3

HELOISE BAURICH VIDOR

DRAMA E TEATRALIDADE

Experiências com o professor no papel e professor personagem e suas possibilidades

para o ensino do teatro na escola

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre em Teatro, na linha de pesquisa: Pedagogia do Teatro, e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, em 03 de novembro de 2008.

Prof Milton de Andrade, Dr Coordenador do Mestrado

Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores:

Profª Beatriz Angela Vieira Cabral, Drª Orientadora

Profª Vera Collaço, Drª Membro

Prof Flávio Desgranges, Dr Membro

4

AGRADECIMENTOS

A Capes pelo apoio financeiro recebido no primeiro ano de curso.

À Laura Cascaes, Raquel Guerra, Marcelo Cabral Vaz, Lia Mota, Pedro Paulo

Pita, Melize Zanoni, Zélia Sabino, Jucélia Maria Alves e funcionários do DAC/UFSC,

pelo apoio e disponibilidade.

Aos alunos do DAC-Ceart/ Udesc e aos professores da Rede Pública de Ensino,

que participaram da primeira experiência prática.

À diretora da E.E.E.B. Lúcia do Livramento Mayvorne, professora Uda Gonzaga

e à professora Maria Goreti.

Aos alunos da terceira série (2007) da E.E.E.B Lúcia do Livramento Mayvorne,

que participaram da segunda experiência prática.

Aos professores Flávio Desgranges e Vera Collaço pelas contribuições.

À professora Márcia Pompeo pela ajuda em Exeter/ Inglaterra.

À Raquel (de novo!), Waleska, Flávia e Vicente, pela interlocução.

Aos alunos, todos, pelos questionamentos e desafios que nos colocam dia pós

dia.

Aos meus amores Mário, Ana Luísa e Rodrigo;

Sérgio e Helena;

e à Elza;

meus braços (e pernas) direitas e esquerdas!!!

À Beatriz Cabral, sou extremamente grata. Além de me aproximar do drama, me

mostrou o que é ‘ser Mestre’.

5

Resumo

Esta pesquisa é sobre a metodologia do drama associada ao ensino do teatro na escola.

São utilizadas duas experiências distintas para investigar o papel do professor na

mediação de processos de drama. A estratégia do teacher in role é central na

investigação e é explorada através de duas abordagens pedagogicamente diferentes: o

professor no papel se refere às situações nas quais o professor discute uma função

social como um parceiro dos alunos dentro do processo; o professor personagem se

refere às situações aonde o professor traz um personagem, mantendo seu discurso e suas

atitudes, a fim de desafiar o ponto de vista dos alunos. Estes procedimentos aproximam

o papel do professor ao do ator, abrindo perspectivas tanto para a apropriação da

linguagem teatral pelo aluno na sala de aula, quanto para a atuação do professor como

co-atista - professor-ator - dentro do processo de ensino-aprendizagem do teatro.

Palavras chaves: drama educação - professor-artista – teatro curricular – professor-

personagem – professor no papel.

6

Abstract

This research, on drama methodology in the Brazilian context, looks at two distinct

experiences in order to investigate the role of the teacher to mediate the drama

processes. The strategy teacher-in-role is the core of the investigation and here is

approached through two different pedagogical procedures: in role stands for the

situations where the teacher takes on a social function as a partner of the students within

the process; in character stands for the situations where the teacher takes on a character

and keeps his/her discourse and attitudes in order to challenge the students’ points of

view. This approach brings the role of the teacher closer to the role of the actor, and

opens doors both to the participants’ acquisition of the theatrical language and to the

teacher’ performance as co-artist within the teaching and learning processes.

Words keys: Drama education - teacher-artist - curricular theater - teacher in character

- teacher in role.

7

Sumário

INTRODUÇÃO_______________________________________________________9

CAPÍTULO 1: O Professor-artista: possibilidades de interação entre o pedagogo e

o ator na sala de aula_________________________________________17

1.1. O professor como trabalhador cultural: a pedagogia pós-crítica como base para a

ação do professor-ator.____________________________________________ 22

1.2. A escola como fronteira cultural: possibilidades do teatro na escola.________ 24

1.3. Pontos de conexão: professor-artista e pedagogia pós-crítica como um caminho

provável e/ou possível.____________________________________________26

1.4. O professor-artista e o drama: mas de que drama estamos falando?_________28

1.4.1. As principais características da metodologia do drama e o fenômeno da

teatralidade.__________________________________________________30

1.4.2. Drama e Teatralidade______________________________________33

1.4.3 O drama no Brasil_________________________________________35

CAPÍTULO 2 : Professor no papel e Professor-personagem: diferentes abordagens

do teacher in role no processo de drama e suas possibilidades para o ensino do

teatro na escola _______________________________________________________38

2.1. As origens do teacher in role: o drama na proposta de Dorothy Heathcote.___38

2.2. Os papéis e suas funções: propostas que auxiliam o professor na escolha dos

papéis a serem trabalhados.________________________________________ 43

2.3. Professor no papel e professor personagem: a imigração do drama para o Brasil

e as implicações para o ‘professor-artista______________________________47

CAPÍTULO 3 : Minhas experiências com o professor no papel e com o professor-

personagem nos processos de drama a partir do pré-texto “Nós e

Eles”________________________________________________________________53

8

3.1. Nós e Eles: o professor-personagem conduz a cena - oficina sobre o potencial

interdisciplinar do teatro como eixo curricular._________________________ 55

3.1.1 Relato da Experiência._______________________________________ 60

3.1.2. Avaliação.________________________________________________ 65

3.2. Nós e Eles: Águia Azul e Leão Dourado ‘roubam’ a cena! A experiência com o

professor-personagem na sala de aula________________________________ 76

3.2.1 Relato da Experiência._______________________________________ 80

3.2.2 Avaliação._________________________________________________ 98

CONSIDERAÇÕES FINAIS___________________________________________107

REFERÊNCIAS:____________________________________________________ 117

ANEXO 1.__________________________________________________________ 121

ANEXO 2___________________________________________________________124

ANEXO 3.__________________________________________________________ 127

ANEXO 4.__________________________________________________________ 129

9

1. Introdução

Este trabalho tem como objetivo geral investigar o potencial da metodologia do

drama na educação para o contexto do ensino do teatro na escola, tanto no que se refere

às múltiplas possibilidades de interação professor-aluno, quanto ao espaço que o drama

proporciona para que a voz do aluno ressoe no processo, além da sua viabilidade para a

aquisição da linguagem teatral.

O drama na educação, dentro da perspectiva inglesa onde foi criado, é definido

como um modo de aprendizado no qual os alunos, através de uma identificação ativa

com papéis e situações imaginárias, podem aprender a explorar problemas, eventos e

relacionamentos. No desenvolvimento do processo de drama, ou seja, da construção de

uma narrativa em grupo, a criança busca no seu conhecimento e na sua experiência do

mundo real subsídios para criar o mundo imaginário/ficcional. Criando e refletindo

sobre o mundo ficcional, ela pode vir a compreender a si própria e o mundo real no qual

vive. Para isso não são necessárias, nem tampouco pouco desenvolvidas, habilidades

teatrais sofisticadas, espera-se do aluno apenas disponibilidade para interagir com

situações, ações e objetos que não são reais, colocar-se no papel de outra pessoa e

interagir em grupo. A potencialização ou não da linguagem teatral durante o processo

varia de acordo com o perfil e os objetivos pedagógicos do professor de drama.

Neste sentido, o papel do professor no drama é central para o desenvolvimento

das atividades. É o professor que, trabalhando junto com os alunos dentro do processo,

guiará a construção da narrativa, a partir das idéias dos alunos e fará a ponte, para eles,

entre sua própria experiência de mundo e os significados provenientes da ficção. O

sucesso do trabalho está relacionado à segurança do professor em relação ao que cada

estrutura de drama pode gerar em termos de discussão, capacidade para incorporar as

idéias trazidas pelos alunos e habilidade para propor materiais, tarefas, estratégias, e

redirecioná-las quando necessário.

Uma das principais estratégias utilizadas pelos praticantes de drama é o teacher

in role, ou seja, o professor assumindo diferentes papéis sociais como forma de

mediação. E é esta estratégia, especificamente, que servirá como eixo para o

desenvolvimento deste trabalho, pois, o recorte da pesquisa está na investigação e

discussão do papel do professor como articulador do processo de ensino-aprendizado e

10

sua possibilidade de atuação como artista, mais precisamente como ator – professor-ator

- na atividade desenvolvida em sala de aula, junto com os alunos.

No contexto brasileiro, o drama está sendo utilizado no âmbito do ensino do

teatro propriamente e um dos aspectos mais importantes para a sua imigração é a

possibilidade que ele apresenta para o ensino do teatro na instituição escolar, conforme

veremos adiante.

A estratégia do teacher in role (TIR) 1 foi traduzida para o português por

‘professor-personagem’ devido a questões lingüísticas2 e pedagógicas, como será visto

adiante, e definido como uma estratégia na qual o professor assume personagens

durante o processo de construção de uma narrativa cênica pelos alunos (CABRAL,

2006). Entretanto, no trabalho prático com o drama, desenvolvido pelo grupo de

pesquisa Pedagogia do Teatro e Teatro como Pedagogia, coordenado pela própria

Cabral, a experimentação com essa estratégia apontou para um possível desdobramento

das funções do professor, diferenciando o alcance pedagógico quando se assume um

papel social ou quando se assume um personagem, principalmente quando estamos

falando de ensino de teatro.

Como personagem, o professor tem a possibilidade de trazer a dramaturgia para

a sala de aula, mantendo a linguagem poética do texto, abrindo espaço para outros

discursos provenientes de outras épocas e lugares. Assim, a distinção dos dois conceitos

amplia as alternativas metodológicas do drama no contexto escolar e abre espaço para a

intensificação da sua dimensão teatral.

Estes conceitos podem ser entendidos e trabalhados de forma independente ainda

que o conceito de teacher in role, de certa forma, esteja embutido no conceito de

professor-personagem. Pretendo, neste trabalho, utilizar e diferenciar os dois conceitos

como uma forma de experimentar a metodologia e explorar cada uma das variáveis.

Quando eu for me referir à função social que o professor desempenha no processo

dramático utilizarei a expressão professor no papel, e quando for me referir ao uso de

personagens pelo professor, utilizarei professor-personagem.

Em linhas gerais, a opção por investigar a metodologia do drama justifica-se

pelos seguintes aspectos:

1 A sigla internacionalmente utilizada para teacher in role é TIR. 2 Na questão lingüística, a dificuldade está em traduzir teacher in role, porque a palavra ‘role’, com o sentido de papel social, não existe em português. Desta forma, teacher in role significa o papel social que o professor assume no processo dramático, mediando as interações entre o grupo, bem como a interação deste com o contexto e com a atuação do próprio professor.

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1. Possibilidade apresentada por esta metodologia para o ensino do teatro no

contexto curricular, devido à sua estrutura fragmentada e aberta à incorporação de

procedimentos próprios a outras metodologias, além de seu caráter processual.

2. Possibilidade de explorar a estratégia do TIR e desdobrá-la para professor-

personagem. Minha experiência como atriz e como professora favorece a exploração e

verificação da viabilidade desta aproximação através da minha própria atuação docente

na Universidade e sua contextualização ao ambiente escolar. Além de verificar seu

potencial para estimular ambas as atividades: artística e pedagógica em ambos os

contextos.

3. Possibilidade apresentada pelo professor-personagem de aquisição da

linguagem teatral pelo aluno. Quando o professor traz para o processo um personagem

de um texto dramático traz também aspectos referentes a estilo de representação, estilo

de dramaturgia, conhecimentos sobre a história do teatro, e aspectos da caracterização

tanto em termos técnicos como estéticos.

4. Oportunidade de rever minha própria atuação como professora, já que o

drama propõe uma dinâmica diferenciada na relação entre professor e aluno. Segundo

Cecily O’Neill (2006): “a função mais efetiva do professor no drama na educação se dá

desde dentro do processo criativo, como co-artista junto com os alunos, mais do que de

fora do trabalho, como um facilitador ou manipulador” (O’NEILL, 1979 apud

TAYLOR & WARNER, 2006: 51 trad. nossa3). 4 E este aspecto é fundamental dentro

da perspectiva do professor-artista.

Minha experiência como professora de teatro no contexto da escola iniciou em

1987 no Colégio de São Bento/SP. Minha proposta estava focada na realização de

montagens de espetáculos a partir de textos dramáticos. O processo era encaminhado da

seguinte forma: apresentava alguns textos dramáticos aos alunos e, juntos, escolhíamos

aquele que seria montado. Durante o semestre, trabalhava com improvisações sobre o

tema do texto, sobre as cenas, encaminhando, assim, a criação do espetáculo, e me

utilizando de exercícios especificamente teatrais para isso. Este encaminhamento, no

âmbito extracurricular funcionava bem, pois as aulas assumiam um caráter de oficina,

onde somente os interessados freqüentavam, os horários se estendiam de acordo com a

3 Sempre que a tradução do texto citado for minha, colocarei o texto original como nota de rodapé. 4 The teacher is likely to function most effectively in educational drama from within the creative process, as co-artist with his pupils, rather than remaining on the outside of the work, as facilitator or manipulator.

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necessidade da montagem, a escola financiava estrutura para o espetáculo e para as

apresentações.

Porém uma variante importante neste trajeto, e que me chamou a atenção para o

drama, foi pensar no ensino do teatro no âmbito curricular, que é totalmente diferente

da experiência que eu tenho com a pedagogia teatral no extracurricular. O

acompanhamento dos estágios dos alunos da Universidade em escolas públicas de

Florianópolis, devido à minha atuação docente no curso de Licenciatura em Artes

Cênicas da Universidade Do Estado de Santa Catarina/ UDESC, fez com que nos três

últimos anos eu me aproximasse do dia a dia da instituição escolar, e olhasse mais

atentamente para a condição que esta instituição oferece para a atividade teatral.

Percebi que, mesmo com os avanços no campo da pedagogia teatral, há, todavia,

uma grande dificuldade na articulação do processo de ensino–aprendizagem do teatro na

escola. As razões: “turmas abarrotadas de alunos, espaço físico inadequado, tempo

insuficiente para preparação e desenvolvimento das aulas, má qualidade do material

didático, diálogo truncado e falta de parcerias, inexistência ou descontinuidade no

aperfeiçoamento profissional, mentalidade servil e avessa à ousadia, baixa remuneração

dos trabalhadores da educação” (SANTANA, 2008: 5).

Assim, mesmo não tendo experiência prática como professora de teatro no

curricular, foi justamente neste contexto, por essas dificuldades, que optei por definir

como foco da presente pesquisa a sala de aula.

Entretanto, as mesmas observações me mostraram que há os que conseguem

enfrentar todas as dificuldades e, ainda assim, desenvolver um trabalho de teatro no

âmbito curricular, contemplando os três aspectos que norteiam seu aprendizado de

acordo com os PCNs/Artes (LARANJEIRA, 1997) – fazer, apreciar e contextualizar - e

com qualidade estética, o que me leva a crer que, sim, é possível trazer o teatro para a

sala de aula, desde que o professor reveja sua concepção de teatro, e ensino do teatro,

ampliando as perspectivas de como explorar os aspectos que compõem o texto cênico.

Mais uma vez o drama apresenta-se como um forte aliado neste processo, pois segundo

Beatriz Cabral: “Práticas pós-modernas também estão refletidas no drama:

fragmentação e redistribuição de papéis, abordagem não-linear e descontínua, retomada

de temas e textos clássicos, diluição da distinção entre atores e espectadores, mudanças

de perspectiva – investigação do tema de pontos de vista distintos” (CABRAL,

2006:115).

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Diante destas circunstâncias algumas questões começaram a emergir: como

colaborar com o professor de teatro, na sua prática diária em sala de aula? Como trazer

a teatralidade para este contexto? Será que assumir papéis sociais ou personagens,

durante o processo, pode contribuir para a imersão do aluno nas dimensões estética e

artística e, assim, contribuir com a sua aprendizagem? Será que se o professor atua

como parceiro de criação, não se sente mais estimulado para o trabalho e isso não

reverbera positivamente no processo de ensino-aprendizagem? E sintetizei numa

questão central: poderá o professor, com o professor no papel ou professor-

personagem, facilitar o processo de ensino-aprendizagem do teatro, no dia a dia da

escola, e, com isso, trazer a teatralidade e o engajamento tanto deste profissional - que

pode criar na atividade docente - quanto dos alunos – que encontram nele um parceiro

de criação?

A partir destes questionamentos, algumas hipóteses foram levantadas como:

1. O procedimento do professor-personagem, adaptado da metodologia do drama,

‘traz’ o teatro para a sala de aula na medida em que introduz parâmetros da linguagem

cênica, havendo assim, uma contribuição para o processo de ensino-aprendizagem do

teatro neste contexto.

2. O professor-personagem pode ampliar o capital cultural do aluno na medida em que

traz, um determinado ponto de vista, uma determinada época e suas particularidades,

um determinado estilo de linguagem e vocábulos, determinado comportamento,

diferenciados do contexto do mesmo.

3. A construção de uma narrativa cênica através do drama possibilita ao professor

transitar pelo papel de ator (via professor-personagem), o que favorece a perspectiva do

professor-artista - professor-ator - um co-autor da obra dentro da atividade docente.

4. A possibilidade de produzir arte na sala de aula engaja a ambos, professor e aluno –

professor-artista e aluno-artista - no processo e possibilita a conquista de melhores

condições de trabalho dentro da escola, assim como uma mudança no habitus

(BOURDIEU, 2001) 5 presente no contra-discurso: ‘é impossível trazer a teatralidade

para a sala de aula’.

A partir da problemática e das hipóteses levantadas, proponho uma estrutura

para a dissertação que parte, primeiramente de uma revisão conceitual, seguido do relato

5 O conceito de habitus, segundo Pierre Bourdieu será retomado para discussão no primeiro capítulo do trabalho.

14

e avaliação de duas experiências práticas com o tema e, finalmente, discussão da prática

à luz da conceituação teórica inicial.

Desta forma, no primeiro capítulo inicio as reflexões sobre as possibilidades

para o papel do professor como pedagogo e como ator, dentro da instituição escolar,

com base na pedagogia pós-crítica de Henry Giroux. A proposta de Giroux parte da

idéia de que o professor é um agente cultural que tem a responsabilidade de propor

desafios e provocações aos alunos (GIROUX, 1999). No caso do teatro, desafios como

dramaturgista, como diretor, como cenógrafo, figurinista e ator, colocando-se também

como um artista, um criador.

Uma das provocações de que fala Giroux pode ser o procedimento do professor

no papel ou do professor-personagem, de modo que o professor lança desafios aos

alunos, com uma forma de interação totalmente diferente da usual, de maneira

consciente e intencional, tendo claros os objetivos pedagógicos e as estratégias para

alcançar estes objetivos, porém entregando-se ao inesperado gerado pela própria

experiência. Ainda no primeiro capítulo falarei sobre a metodologia do drama e sua

ressonância no campo do Teatro Educação, com as referências principais no contexto

inglês e nacional.

No segundo capítulo tratarei especificamente da estratégia do teacher in role. A

origem da mesma na abordagem de Dorothy Heathcote, uma referência do drama, as

características, funções, objetivos pedagógicos, e apropriações pelos diferentes

praticantes. Cecily O’Neill, Gavin Bolton, Jonothan Neelands, John O’Toole, Judith

Ackroyd e Beatriz Cabral serão referenciados sempre que trouxerem algum olhar sobre

o TIR. No mesmo capítulo, reavalio a opção e as implicações da tradução para o

português do teacher in role para professor-personagem, a opção pela separação dos

conceitos – professor no papel e professor-personagem - e as possibilidades que se

revelam com o professor-personagem.

No terceiro capítulo, relato dois processos de drama que conduzi em diferentes

contextos tendo como foco de pesquisa a mesma estratégia. Devido à complexidade

desta proposta, que exige que o professor transite pelos diferentes papéis envolvidos nos

binômios: professor-artista, professor-ator, professor no papel e professor-personagem

propus, além da revisão teórica destes termos, as experiências práticas por acreditar que

elas me dariam subsídios para a reflexão.

15

Estas experiências ajudaram a problematizar os limites e possibilidades do

drama, do professor no papel e do professor personagem, a partir da seguinte linha de

raciocínio: foco na atuação do professor como artista, através do professor no papel e

do professor-personagem, como uma das formas de potencializar a teatralidade

associada à metodologia do drama, no intuito de gerar ações que favoreçam o processo

de ensino-aprendizagem do teatro no contexto escolar.

As experiências práticas foram realizadas em diferentes momentos da pesquisa e

em diferentes contextos: a primeira experiência, que ocorreu em abril de 20076, foi uma

‘experiência piloto’, realizada conjuntamente com o grupo de pesquisa Pedagogia do

Teatro e Teatro como Pedagogia. A proposta de trabalho prático foi a realização de

quatro aulas-espetáculo, de duas horas cada, com a participação de professores de teatro

da Rede Pública de Ensino de Florianópolis e alunos do curso de Licenciatura em Artes

Cênicas da UDESC/ Florianópolis. As aulas foram ministradas no Teatro da UFSC, em

Florianópolis, e contaram com a promoção do Projeto Arte na Escola Pólo UFSC.

Ao final das quatro sessões, foi realizada uma avaliação com os participantes,

através de um debate e, posteriormente, foi aplicado um questionário sobre a recepção à

experiência (vide capítulo 3), para identificar os aspectos que foram mais ou menos

significativos no processo. O processo foi registrado por fotos e o debate, que foi

realizado no último encontro, foi gravado em VHS. A partir da análise destes registros e

da tabulação dos questionários de recepção, a experiência pode ser problematizada, de

maneira a apontar as ações que levaram à realização da segunda experiência.

A segunda experiência ocorreu em novembro de 20077 e foi pautada na mesma

proposta temática e metodológica com duas alterações, definidas a partir da experiência

6 O resultado desta experiência foi comunicado no I SEMINÁRIO DE ESTUDOS TEATRAIS, realizado pelo 21o. Festival Universitário de Teatro de Blumenau, nos dias 8 e 9 de julho de 2007, em Blumenau/SC. O texto da comunicação está disponível no site www.furb.br/futb. E a experiência foi relatada no IV ENCONTRO ARTE NA ESCOLA- Percursos em Arte e Ensino, no Auditório da Reitoria da UFSC/Florianópolis, no dia 28 de agosto de 2007. O texto do relato está disponível no site www.artenaescola.com.br (sala de aula/relato de experiência). 7 O resultado desta experiência foi comunicado no congresso internacional Researching Applied Drama, Theatre and Performance: Performance, Cross-cultural Dialogue and Co-existence. Exeter University/Inglaterra - abril de 2008. Título da comunicação / publicação do resumo: “Teacher in Role or Teacher in Character? The search for theatricality in the Brazilian classroom” HTTP://www.spa.ex.ac.uk/drama/appliedconf/welcome.html e publicado na íntegra nos anais da I Jornada Latino Americana de Estudos Teatrais, realizada em julho de 2008 na FURB, em Blumenau : “‘Nós e Eles’ na sala de aula: o professor – personagem como articulador do processo de drama e a busca da teatralidade – segundo experimento.” HTTP: www.furb.br/futb

16

anterior: 1. Não contei com a participação do grupo de pesquisa em cena. 2. O local foi

a sala de aula. Foram quatro encontros de duas aulas seguidas (1h30min) com a terceira

série do ensino Fundamental da Escola Estadual Lúcia do Livramento Mayvorne,

situada no Morro da Caixa – Montserrat, em Florianópolis.

Este processo foi fotografado e filmado na íntegra. A avaliação contou com

debate, realizado junto aos alunos e à professora da turma, e com questões aplicadas

juntamente com a visualização das fotos de diferentes momentos do processo, como

uma proposta de adaptação do questionário às necessárias da faixa etária em questão.

A partir da análise dos registros das minhas impressões após as sessões, dos

registros em foto e vídeo, bem como da tabulação dos questionários de recepção, ambas

as experiências foram interpretadas, discutidas e problematizadas, segundo a teoria

revisada.

Vale apontar que os dados gerados pelo questionário foram confrontados com os

depoimentos dados durante os debates em ambos os casos, evitando a desconsideração

das impressões emitidas oralmente. No debate os participantes expressaram suas

opiniões, impressões, sensações, sobre o processo, levantando dúvidas e

questionamentos. Porém, contando com a dificuldade que algumas pessoas apresentam

para expor suas idéias publicamente, e numa situação de debate acabam não se

pronunciando, a opção por associar o questionário à avaliação me pareceu oportuna.

Encerro a dissertação com as considerações finais a partir da teorização sobre as

práticas realizadas, procurando responder às inquietações iniciais associadas a estas

experiências específicas, evitando qualquer tipo de generalização. Desta forma,

considerando essas experiências como ponto referência para a discussão, analiso em que

medida a proposta de aproximação dos papéis do professor e do ator, na prática docente,

pode ser um estímulo para o professor enfrentar as dificuldades que enfrenta no seu dia

a dia e encontrar alternativas que o auxiliem na efetivação do processo de ensino-

aprendizagem do teatro, no contexto da escola, pelos alunos.

17

Capítulo 1: O professor-artista: possibilidades de interação entre o

pedagogo e o ator na sala de aula.

O presente capítulo pretende discutir as possibilidades de atuação do professor

de teatro como ator dentro do contexto de sala de aula, tendo na metodologia do drama

a base para sua ação. Muitas vezes o professor, independente da matéria que lecione, é

comparado a um ator ou animador que se expõe à platéia de alunos para ensinar. Porém,

o que pretendo discutir, não é propriamente esta característica do papel do professor,

mas a concretização de sua condição de artista assumida intencionalmente na sala de

aula, como parceiro de criação junto com os alunos e, portanto, co-autor da cena

desenvolvida.

Antes de focar, propriamente no professor de teatro, vou tratar da questão do

professor-artista de forma a considerar que esta discussão está presente sempre que se

trata do diálogo possível entre o campo das artes e o da educação, compreendendo

outras linguagens artísticas.

Em termos da trajetória histórica do ensino da arte no Brasil, inicialmente o

profissional que tinha como principal função trabalhar com a Educação Artística nas

escolas (LDB 5692/71) foi chamado de ‘professor de Arte’. Com a mudança na

nomenclatura (LDB 9394/96), onde se adotou o substantivo ‘Artes’ ao invés de

‘Educação Artística’, houve a extinção da polivalência deste licenciado, imposta pela

antiga legislação (MARQUES, 1999). Desta feita, surge a especificidade do professor

de Artes na Educação, desdobrado de acordo com as diferentes linguagens artísticas,

onde, conseqüentemente, chegamos ao ‘professor de Teatro’8.

Sobre este processo de mudanças e ajustes, Isabel Marques, que é da área da

dança, apresenta o seguinte questionamento:

Para aqueles que possuem formação específica na área de Educação, fica

clara – e é até mesmo uma obviedade – a idéia de que o papel do professor de

Arte abarca um tipo de consciência distinta da do artista e, portanto, não

basta ser artista para ser professor. Ao diferenciar tão radicalmente estas

8 Vale apontar que a polivalência ainda é uma realidade em muitas escolas no contexto brasileiro. Em Florianópolis, a rede estadual de ensino ainda adota a polivalência, enquanto que a rede municipal adota a especificidade do professor para o trabalho com as diferentes linguagens artísticas.

18

funções, no entanto, com o intuito de garantir formação pedagógica àquele

que trabalha com ensino de Arte, não estaríamos também correndo o risco de

novamente incidir no antigo preconceito do “quem sabe faz, quem não sabe

ensina”? (MARQUES, 1999:58)

Esta separação, que evidentemente preocupa-se com as questões pedagógicas do

ensino de artes, provoca, por outro lado um descompasso, no sentido de que, posto na

balança, o artístico acaba enfraquecido, reforçando a incapacidade ou desmotivação do

professor para a criação.

Quando iniciei com as aulas no curso de Licenciatura, dentro da área do Teatro

Educação, percebi uma grande resistência dos alunos com as disciplinas pedagógicas

com conseqüente falta de comprometimento com as mesmas. Fazer estas disciplinas

parecia ser encarado apenas como uma obrigação dentro do currículo, o que me pareceu

um contra senso, pois se estavam numa Licenciatura, por que a resistência e a falta de

prazer com as disciplinas que os preparariam para o ensino?

Intrigada com esta constatação, eu passei a refletir sobre as possíveis causas

desta situação e cheguei a algumas questões que envolvem a perspectiva do professor-

artista. Uma das possibilidades é que este sentimento seja fruto da dificuldade

encontrada pelos futuros professores para relacionar o que eles aprendem e vivenciam

quanto ao teatro na Universidade, dentro das disciplinas de práticas teatrais e do contato

com os grupos, e a possibilidade de adequar este conhecimento/ vivência à instituição

escolar. Esta dificuldade leva a outra questão que é a compreensão da diferença entre os

papéis do ‘professor’ e do ‘artista’, pois sabem que para atuar em qualquer escola terão

que ser primeiramente um professor e as perspectivas de associação dos papéis na

atividade docente são dificultadas pelo próprio contexto escolar. O licenciando sente

que terá que ser professor na escola e artista fora dela. E, por outro lado, ele constata

que a carreira do professor, por pior que esteja, acaba sendo uma alternativa mais

estável de sobrevivência e de aceitação social do que a do artista. Assim, assume a

dissociação mesmo que esta atitude gere um sentimento de frustração e/ ou

impossibilidade.

Sobre isso, Marques acrescenta:

A conseqüência mais imediata desta separação de funções/ papéis é a

dissociação da atividade artística da educativa e vice-versa. Ela aumenta no

dançarino [ator] que atua como professor a frustração de não estar

19

compartilhando com seu aluno aquilo que ele mais preza: criar e interpretar

uma arte que foi sua opção pessoal e profissional. Este tipo de postura faz

com que, não raramente, a própria prática docente desse profissional também

acabe excluindo de sua sala de aula o fazer eminentemente artístico: nesses

casos, são os exercícios corporais [ou vocais] que preponderam, a

capacitação física e emocional, em detrimento da vivência artístico-estética

(MARQUES, 199:60).

No caso do teatro, o ‘fazer eminentemente artístico’, seria a criação do

espetáculo. Para o professor de teatro, sua atuação como artista pode ter diversas

frentes, das quais as mais comuns são a direção ou a criação dramatúrgica, mas na

presente discussão, ela se dará através da aproximação ao papel do ator, reforçando o

sentido de representação, onde a caracterização de um personagem pode ser o meio de

exploração das convenções teatrais. Os objetivos pedagógicos se mantêm presentes na

medida em que norteiam a escolha dos personagens que serão representados, bem como

o diálogo que será estabelecido com os alunos.

Esta proposição torna-se possível, em sala de aula, na medida em que levamos

em conta as transformações pelas quais o teatro contemporâneo sofreu e que apresentam

ótimas perspectivas para que a função do ‘artista que ensina’ e do ‘professor que atua

como artista’ seja repensada. Assim, o elo de comunicação entre a arte e a educação é a

própria ação do professor.

A reflexão proposta leva ao questionamento apresentado por Marques e que

também é o meu, na medida em que o transponho para o teatro e o ator:

Meu questionamento central é se o professor não poderia também atuar como

artista e o artista como professor numa mesma atividade seja ela artística ou

docente. Ou seja, o espaço educacional merece ser repensado hoje para que

não iniba, não frustre, não automatize, não fragmente nem escolarize a dança

e o dançarino [o teatro e o ator]. Esta ponte de via dupla entre a instituição

escolar e o mundo da arte poderia ter como interlocutor o próprio professor.

Dançando [atuando], ele faz, aprecia, contextualiza a arte e o ensino com seus

alunos. O papel do professor de dança [teatro] não seria, portanto, somente o

de um intermediário entre estes mundos – a dança [o teatro], a escola e a

sociedade – ele seria também uma das fontes vivas para a experimentarmos

de maneira direta esta relação (MARQUES, 1999: 60/ 61).

20

O ‘novo papel’ do professor de teatro, seguindo a linha de pensamento de

Marques, eliminaria a idéia do ‘quem sabe faz, quem não sabe ensina’ e dialogaria com

uma atual inversão desta idéia no campo do teatro contemporâneo, já que, cada vez

mais, os atores são levados a demonstrarem os procedimentos de seu trabalho criativo e

isso exige que os mesmos transitem entre o papel de artista e o de professor quando

transmitem os conhecimentos de seu ofício através de uma aula-espetáculo. 9

Penso que há alguns fatores que contribuíram para isso:

* a própria reflexão por parte dos artistas sobre a função, ou como coloca

Guénoun (2004), a necessidade do teatro hoje, apontando para uma ‘abertura de portas’

que implica no diálogo com os outros saberes e no compartilhar com outras realidades.

Daí a proliferação de experiências em prisões, hospitais e, claro, em escolas. O artista

assume a tarefa de intercambiar estes conhecimentos, artista-professor.

* a noção do ator-criador, que, segundo Renato Ferracini, teria em Stanislávski,

Meyerhold, Artaud e Grotowski, seus Pais-Mestres (FERRACINI, 1999). Em linhas

gerais, o ator-criador é aquele que conhece e domina seus procedimentos de criação, ou

seja: “cada vez menos se vê “perdido” com a falta de técnicas objetivas que permitam

seu corpo articular seu fazer teatral e cada vez mais encontra ferramentas para que essa

articulação seja realizada” (FERRACINI, 1999:74).

* a política cultural atual, no caso nacional, que sugere contrapartidas sociais

para o financiamento dos projetos artísticos. E essas contrapartidas freqüentemente se

concretizam em forma de oficinas oferecidas pelos artistas para a comunidade.

* a condição instável da profissão do ator, que o leva a ministrar oficinas,

realizar palestras, de modo a garantir sua sobrevivência.

Estes dois últimos fatores podem ser questionados no que diz respeito à

condição destes artistas para realizarem a prática docente, porém esta é uma questão que

levaria a outra proposta de pesquisa. De uma forma ou de outra, com formação

pedagógica ou não, percebe-se que a aproximação entre o fazer e o ensinar é um

caminho sem volta e que pode, cada vez mais, ajudar a definir o perfil de um

profissional que abarca em sua prática o binômio professor-artista.

No campo das artes visuais, Edmilson Vasconcelos (2006), aborda a questão do

papel do professor-artista a partir do conceito de ‘artista-etc’ proposto por Ricardo

9 Aulas espetáculos que tive a oportunidade de assistir: Eugenio Barba e Julia Varley (CEART/UDESC-Florianópolis, 2007), Sotigui Koyaté (SESC-SP, São Paulo, 2006), Yoshi Oida (Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, 2001.

21

Basbaum - artista, diretor e professor do Instituto de Arte da UERJ e relacionando-o

com o ‘pensamento complexo’ de Edgar Morin.

Segundo Basbaum (2008):

O artista quando é artista em tempo integral pode ser chamado de ‘artista-

artista’, no entanto quando o artista questiona sobre a natureza e função de

seu papel social, podemos chamá-lo de artista-etc. (...) Quando isto acontece,

o artista acaba transitando por outras instâncias do sistema de arte

incorporando outros papéis e funções: artista-curador, artista-produtor,

artista-teórico, artista-professor, artista-terapêuta, etc.” (BASBAUM,

2008:1).

No caso do artista-professor, no âmbito do ensino da arte na escola, Edmilson

considera que “o artista-professor utiliza-se de técnicas e métodos pedagógicos como

estratégia poética para a instauração de uma aula-obra de arte, sendo esta, um híbrido

que é e não é aula, e é e não é uma obra de arte.” Sua proposição não pretende “criticar

o papel do ‘professor-professor’, mas sim apontar para outras possibilidades, tanto para

a arte como para o ensino” (VASCONCELOS, 2006:1).

Assim, o artista-etc., na função de ‘artista professor’ pode, segundo

Vasconcelos, desenvolver processos e métodos didático-pedagógicos como estratégia

poética para o ensino da arte, sendo a ‘aula’ um sistema-poético-educacional ou uma

aula obra de arte (VASCONCELOS, 2006). A grande questão é como adequar uma

situação ‘sistêmica poética’, do ensino da arte com o paradigma educacional vigente na

escola, que adota os planos e programas, prevendo o cumprimento de etapas seqüenciais

e alcance de objetivos específicos, sem considerar as descontinuidades e as mudanças

de percurso.

Como alternativa para este impasse, Vasconcelos, propõe que os processos

didático-pedagógicos envolvidos sejam estratégias poéticas propostas pelo artista para

desenvolver sua outra função de professor, e que por isso necessitam ser pensadas por

constelação e solidariedade de outros conceitos, numa referência ao pensamento de

Edgar Morin (MORIN, 2005). “As estratégias, neste sentido, oferecem a flexibilidade

para lidar com a mudança, com a participação surpreendente das pessoas envolvidas e

com as imprevisibilidades às quais todos estamos expostos” (VASCONCELOS, 2006:

7).

22

Quando deslocamos esta abordagem para o ensino do teatro, os impasses são

parecidos e a necessidade de estratégias também é necessária. No nosso caso, a

discussão também se desenvolve a partir da questão do paradigma educacional que

opera na instituição escolar, ou seja, o contexto onde o professor trabalha, e de que

modo ele permite a ação do professor de artes. Envolve, também, o paradigma do

próprio professor, seu jeito de olhar o aluno e o seu gerenciamento como educador.

O outro aspecto do professor-artista, e que este sim é foco da presente pesquisa,

refere-se à possibilidade de o professor de teatro, dentro da instituição de ensino,

transitar pelo papel de pedagogo e ator. As exigências da instituição, a estrutura das

aulas ou mesmo a própria imagem construída sobre o papel do professor e o papel do

artista, podem ser algumas das razões que fazem com que o mesmo não ‘cruze as

fronteiras’ (GIROUX, 1996) e, assim, acabe por dissociar a prática pedagógica da

artística - dentro da escola é o pedagogo e fora dela é o artista ou, o que é mais

provável, acaba se afastando da arte e atuando apenas como pedagogo. Esta proposição

de aproximação dos papéis professor-artista, no caso do teatro professor-ator, tem como

objetivo garantir a presença da teatralidade nas propostas teatrais desenvolvidas no

âmbito curricular.

Na presente abordagem, a discussão girará em torno da proposta da pedagogia

pós-crítica de Henry Giroux, para subsidiar a ação do professor, as possibilidades

oferecidas pela metodologia do drama para o diálogo entre teatro e educação e a

estratégia do professor-personagem como possibilidade para que a idéia do professor-

ator se concretize em sala de aula.

1.1. O professor como trabalhador cultural: a pedagogia pós-crítica como base

para a ação do professor -ator.

Para iniciar a reflexão sobre a possibilidade de ser ‘professor-artista’ na sala de

aula, devemos pensar no papel do professor e na instituição escolar. Que tipo de

educador pode viabilizar, na prática, esta proposta? De acordo com os conceitos centrais

da proposta de Henry Giroux, que relaciona a pedagogia crítica ao conceito de política

cultural, inicio destacando três idéias centrais do autor, com respeito à escolarização:

1. Reformular o papel do educador deve estar atrelado a questões mais amplas,

como encarar o propósito da escolarização. “Eu acredito que fundamental para uma

23

pedagogia crítica realizável é a necessidade de encarar as escolas como esferas públicas

democráticas” (GIROUX, 1997:28);

2. Elucidar o papel que educadores e pesquisadores educacionais desempenham

enquanto intelectuais, assumindo uma função social e política particular (GIROUX,

1997).

3. “Intelectuais deste tipo não estão meramente preocupados com a promoção de

realizações individuais ou progresso dos alunos em suas carreiras, e sim com a

autorização dos alunos para que possam interpretar o mundo criticamente e mudá-lo

quando necessário” (GIROUX, 1997:29).

Nota-se a tentativa, por parte de Giroux, de ampliar os parâmetros de

pensamento sobre escola, educação, pedagogia e política cultural, na perspectiva de

romper com um habitus presente na educação. O conceito de habitus de Pierre Bourdieu

auxilia na identificação de vícios de procedimentos ou pontos de vista que estão

arraigados na atuação do professor ou na própria escola. Segundo Bourdieu: “o habitus,

como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital,

(...) o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural” (BOURDIEU,

2001: 61). Assim, a proposta aqui é substituir o habitus, ou seja, desenvolver um novo

discurso que proponha questões, análises e formas de abordagem éticas radicalmente

novas.10

Giroux recusa–se a reduzir o conceito de pedagogia crítica ou política cultural à

prática do conhecimento e à transmissão de habilidades, descontextualizadas

historicamente, e se propõe a reescrever o significado da pedagogia, da educação e suas

implicações para uma nova política de diferença cultural, democracia radical, criando

uma nova geração de trabalhadores culturais.

O conceito de trabalhadores culturais é originalmente entendido como se

referindo a artistas, escritores e produtores da mídia. Na abordagem de Giroux (1999),

ele se estende a pessoas que trabalham em profissões como direito, assistência social,

arquitetura, medicina, teologia, educação e literatura, com a intenção de reescrevê-lo de

modo que a prática do trabalho cultural insira a primazia do político e do pedagógico.

10 A relação entre a proposta da pedagogia pós-crítica de Giroux e o conceito de habitus de Bourdieu vem sendo explorado por Beatriz Cabral. Ver: O diferente em cena – integração ou interação? in Ponto de Vista. Florianópolis: Editora da UFSC, 2005 e O Lugar da Memória na Pedagogia do Teatro, in Urdimento – Revista de Estudos Pós-Graduados em Artes Cênicas, Florianópolis, UDESC, No 6, 2004, ambos os artigos da autora sobre o tema.

24

No nosso caso, estendemos o conceito para melhor o compreendermos, mas novamente

o remetemos ao âmbito das artes.

A dimensão pedagógica do trabalho cultural refere-se ao processo de criação de

representações simbólicas e de práticas nas quais essas representações estejam

engajadas. A dimensão política do trabalho cultural atua nesse processo com o objetivo

de mobilizar conhecimento e desejos, que podem conduzir à minimização do grau de

opressão na vida das pessoas, o que possibilita a transformação da realidade, aqui no

caso, pela arte.

1.2. A escola como fronteira cultural: possibilidades do teatro na escola.

A lógica hegemônica do processo de educação silencia as vozes

subordinadas. Se a educação diz respeito à história de alguém, ao conjunto de

memórias de alguém, a um conjunto particular de experiências, uma única

lógica não dá conta de toda esta diversidade. A aprendizagem, antes de se

tornar crítica, tem de ser significativa para o aluno. Quais são as condições

necessárias para se educar os professores para serem intelectuais, de modo a

poderem se envolver criticamente no relacionamento entre a cultura e a

aprendizagem, e mudar as condições sob as quais eles trabalham? (GIROUX,

1999:42).

Para o professor de teatro que freqüentemente se depara com adversidades e

precariedades em seu campo de atuação, tanto em termos de espaço físico, ou tempo de

aula, quanto de baixo status da disciplina ‘teatro’, a valorização da atividade por parte

dos alunos e dos próprios professores fica comprometida. Portanto, se quiser mudar

algo neste processo e reivindicar suas necessidades dentro da escola, o questionamento

acima é fundamental.

Para Giroux (1999), o primeiro passo é entender o termo ‘intelectuais’ como

críticos engajados. Assim, eles devem ser partidários e não doutrinários: acreditam em

algo, dizem em quê acreditam e oferecem sua crença aos outros, em uma estrutura que

sempre se torna passível de debate e de indagação crítica. Falar nos professores como

intelectuais significa dizer que eles devem assumir posições. Com isso, para o professor

de teatro, o primeiro ponto é ter claro o papel desta linguagem artística na formação do

indivíduo e argumentar por ela.

25

A defesa da democracia crítica é a defesa da centralidade da profissão de

professor, rompendo com a lógica do mercado que ‘proletarizou’ a profissão e com

eventuais ranços no âmbito do funcionalismo público (GIROUX, 1999). Exige-se para

isso a predisposição para, como já foi dito, mudar o habitus (BOURDIEU, 2007). E isso

dá trabalho, por isso há também um comodismo que teria que ser enfrentado.

Em última instância, o professor tem que estar consciente de que ensinar é muito

mais complexo do que dominar um corpo de conhecimento e implementar currículos. O

problema do ensino é que a especificidade do contexto é sempre fundamental. Não

podemos impunemente invocar regras e procedimentos que não correspondam aos

contextos.

No ensino do teatro esta questão é evidente, até porque não há um currículo para

ser implementado. As diretrizes apontadas pelos PCNs/Artes (LARANJEIRA, 1997)

são realmente diretrizes e não propostas curriculares fechadas. Se por um lado o

currículo do teatro fosse estruturado objetivamente, ele iria de encontro ao que muitas

vezes é o desejo do professor, por outro lado, as diretrizes deixam brechas ‘positivas’

em termos de adaptação ao contexto e circunstâncias de cada turma, de cada escola, o

que é fundamental para a perspectiva da pedagogia crítica. Neste sentido, cabe ao

professor de teatro assumir sua posição de centralidade no processo e lançar mão de

seus recursos artísticos para completar estas brechas.

‘Assumir sua posição de centralidade’ não significa polarizar as funções e voltar

ao que Giroux chama de ‘os velhos conceitos modernistas’ de centro e margem,

domicílio e exílio, familiar e estranho, opressor e oprimido. Para ele:

Os velhos conceitos modernistas (...) estão se desfazendo. As fronteiras

geográficas, culturais e étnicas estão dando lugar a configurações mutáveis

de poder, comunidade, espaço e tempo. A cidadania não pode mais se

fundamentar em formas de eurocentrismo e na linguagem do colonialismo.

Tem de serem criados novos espaços, relacionamentos e identidades que nos

permitam cruzar fronteiras, tratar a diferença e a dissemelhança como parte

de um discurso de justiça, envolvimento social e luta democrática (GIROUX,

1999:99).

Os ‘novos espaços’ que Giroux menciona acima poderiam ser lugares possíveis

também para a expressão das vozes silenciadas e o teatro pode, perfeitamente, ser um

26

destes lugares. A criação de uma ficção através da linguagem dramática ajuda a

colocação do discurso do aluno que se sente protegido pela circunstância da

representação.

Se o aluno encontra no professor um parceiro de criação que também assume

riscos e fragilidades, enfrentando os limites de suas próprias posições, ao mesmo tempo

em que preserva sua identidade cada vez que trata de questões sociais e políticas que

não experimentou diretamente, o teatro, inegavelmente, é o lugar apropriado para o

desenvolvimento deste diálogo.

Assim, o fazer teatral traz à tona a subjetividade do aluno e do professor, que na

perspectiva da pedagogia crítica, são compreendidas de maneira múltipla e

contraditória, potencializando a possibilidade de interação destas subjetividades e

identidades.

1.3. Pontos de conexão: professor-artista e pedagogia pós-crítica como um caminho

provável e/ou possível.

A partir da proposta de Henry Giroux para a formação do educador dentro dos

princípios da pedagogia crítica e da política cultural, aponto as possibilidades de

realização do teatro pelo professor, dentro de sala de aula, e de que maneira esta

proposta educacional contribui para o diálogo em termos gerais entre teatro e educação.

Como disse anteriormente, este recorte será associado à metodologia do drama e à

estratégia do TIR na qual o professor assume papéis sociais e, na nossa proposta,

personagens para mediar o processo junto aos alunos.

Alguns pontos de conexão:

• A proposta de educação radical e [criação de] novos espaços discursivos para a

aprendizagem é de particular interesse para artistas, pela maneira que ela atrai os

trabalhadores culturais para o círculo da pedagogia, quer exerçam suas atividades em

sala de aula, galerias [teatros], ou rua (GIROUX, 1999). – desejo explícito de

aproximação entre arte e pedagogia para a transposição das fronteiras do discurso

educacional. Isso para o professor de teatro é um aspecto altamente motivacional.

27

• “o isolamento histórico das pessoas que trabalham nas escolas dos outros

trabalhadores culturais precisa ser superado” (GIROUX, 1999:187). No caso do teatro,

esse isolamento precisa ser superado tanto por parte do professor em relação aos

artistas, quanto dos artistas em relação ao professor. A proposta de justa-posição dos

papéis de professor e de artista - professor-artista - visa romper com este isolamento,

com esta fronteira.

• Segundo Giroux, “como uma forma de política cultural, a pedagogia crítica sugere

inventar uma nova linguagem para re-situar as relações entre professor e aluno dentro

de práticas pedagógicas que abrem, em vez de fechar, as fronteiras do conhecimento e

da aprendizagem” (GIROUX, 1999:194). Neste sentido, tanto o professor no papel

quanto o professor-personagem podem ser uma delas, na medida em que o professor

está imerso no processo, desafiando os alunos, passando informações, estimulando o

envolvimento na proposta.

• Se, segundo a pedagogia pós-crítica os alunos precisam ter lugar para expressarem

suas idéias, para emitirem suas vozes e os educadores radicais precisam criar as

condições para os alunos falarem, então o teatro pode ser este lugar. E o drama favorece

a emissão das vozes, na medida em que a construção da narrativa se dá pela ação dos

alunos, mediada pelo professor, assumindo ou não personagens, cruzando informações

reais (históricas) com a memória dos participantes numa trama criativa, ficcional.

• Como educadora e formadora de futuros educadores acredito, como observa Stuart

Hall, que os professores e os trabalhadores culturais devem assumir a responsabilidade

pelo conhecimento que organizam, produzem, medeiam e traduzem para a prática da

cultura. Ao mesmo tempo, é importante que os mesmos construam práticas pedagógicas

que não posicionem defensivamente seus alunos nem permitam que eles o façam

simplesmente declarando suas vozes e experiências (HALL, apud GIROUX, 1999:205).

Com isso acredito que uma pedagogia de afirmação não é desculpa para não

conceder aos alunos a obrigação de interrogar as reivindicações ou conseqüências de

suas asserções para os relacionamentos sociais que elas legitimam. A responsabilidade é

28

de todos e quando o professor se expõe junto com os alunos na criação, o risco bem

como o prazer, também passa a ser de todos.

A pedagogia pós critica e o conceito de trabalhador cultural se apresenta como

possibilidades para o professor de teatro no âmbito escolar alicerçar as bases de seu

trabalho e conquistar espaço. Além da argumentação da importância do teatro na

escola, o professor pode lançar mão da própria arte como instrumento de

conscientização e valorização da atividade que desenvolve, potencializando sua

dimensão subjetiva. Esta pode ser uma alternativa eficaz e prazerosa.

Larry Crossberg está certo ao declarar que os professores que se recusam a

afirmar sua autoridade ou a assumir a questão da responsabilidade política, como

críticos intelectuais comprometidos em geral, terminam “se anulando em favor da

reprodução acrítica da audiência [alunos]” (CROSSBERG, apud, GIROUX, 1999:205).

Assim, qualquer que seja a opção do professor para a efetivação de sua prática, a

centralidade de seu papel é incontestável, o que exige a tomada de decisões, assim como

no teatro, onde depois que se pisa no palco, algo tem que ser feito.

1.4. O professor-artista e o drama: mas de que drama estamos falando?

Quando falamos ‘drama’ é comum que a primeira relação deste termo seja feita

com o gênero dramático e, conseqüentemente, com algo sério, ‘pesado’. No primeiro

processo de drama que conduzi e que será relatado no terceiro capítulo deste trabalho,

no debate final, uma professora da rede municipal de ensino, que participou do mesmo,

perguntou se ‘podia ter comédia no drama’. Esta pergunta, que provavelmente não foi

somente desta professora, me levou a realizar um breve apanhado das principais

características do drama, sua origem e seus principais teóricos-praticantes.

Drama, process drama ou teatro-educação são maneiras distintas de fazer

referência à metodologia criada na Inglaterra, que alia formas dramáticas ao âmbito

educacional. Com toda a sua tradição em termos de literatura dramática, é perfeitamente

compreensível que a terra de Shakespeare seja o berço desta metodologia, que vem se

disseminando por várias partes do mundo pelo seu potencial de aproximação do aluno

com a linguagem do teatro, principalmente através da construção dramatúrgica e do

29

jogo de alteridade, quando ao assumir papéis, coloca-se no lugar do outro, como

possibilidade de melhor compreendê-lo.

Inicialmente, o teatro e o drama na escola inglesa estavam tradicionalmente

relacionados ao estudo da literatura, com a exploração das habilidades da linguagem

para garantir o melhor entendimento e comunicação daquilo que estava sendo

enunciado. A escola de teatro era baseada na dramatização da literatura trabalhada,

contendo exemplos dos métodos que poderiam ser chamados de ‘representativos’: o

texto da peça era importante e, conseqüentemente, o estilo da interpretação, que incluía

habilidades no falar, a graça dos movimentos, e a compreensão da mensagem.

Esta abordagem, prioritariamente relacionada à literatura dramática, entretanto,

deu lugar ao desenvolvimento da idéia de ‘arte educação’, que contou com uma

atmosfera propícia gerada pelas reformas no próprio teatro a partir do século XX. O

agit-prop e outras tendências teatrais que buscavam novas relações com a platéia; as

mudanças no treinamento do ator propostas por Stanislávski, principalmente no que

tange à introdução da improvisação - e a estética conectada com a missão social do

teatro foram, juntos, os fatores criadores de um novo tipo de teatro, um teatro que

garantiu um aspecto dedicado à educação (REDINGTON apud LEWICKI, 1996).

Depois da segunda guerra mundial, o progressivo desenvolvimento do ‘drama

na educação’ encontrou ressonância no interesse pela psicologia da criança presente no

século XX, que buscava uma metodologia de ensino apropriada para a natureza da

mesma. Na Inglaterra, Peter Slade foi, por longo tempo, uma forte referência do ‘drama

na educação’ com a proposta do Child Drama11. Na esteira da tendência psicológica de

seu tempo, o Child Drama enfatizava a ‘espontaneidade’, ‘criatividade’,

‘individualidade’, ‘imaginação’ em correspondência com a filosofia educacional da

‘criança como centro’ e foi a tendência predominante da década de 60 (LEWICKI,

1996).

A partir daí, novas abordagens começaram a surgir. A principal delas foi a de

Dorothy Heathcote. Heathcote propõe o drama como meio de aprendizagem,

caracterizando-se por ser uma abordagem holística para o processo de

ensino/aprendizado, e influenciando, sobremaneira, o desenvolvimento do drama na

educação. A novidade desta abordagem em relação à de Slade foi a proposta de conexão

11 O trabalho de Slade ficou conhecido no Brasil por causa da tradução para o português de parte de seu livro Child Drama (Slade. Peter. O Jogo Dramático Infantil. Tradução Tatiana Belink; direção de edição de Fanny Abramovich – São Paulo. Summus, 1978).

30

entre drama e conhecimento, ou seja, o drama como um eixo articulador

interdisciplinar no currículo. Assim, a proposta de Heathcote reforçou o caráter

educacional do drama, relacionando-o à aquisição de conhecimento e não propriamente

de habilidades teatrais, sem, entretanto, desconsiderar seu valor artístico e sua origem

no teatro.

Heathcote trouxe para o drama não somente sua experiência prévia com o teatro,

mas um frescor, uma genuína idéia sobre o professor, seu lugar e papel no drama para

ajudar a criança, guiá-la em direção à promoção de seu desenvolvimento pessoal. O

trabalho de Heathcote influenciou grande parte dos praticantes e pesquisadores do

drama que hoje também ocupam lugar de referência, entre eles, Gavin Bolton, Jonothan

Neelands, Cecily O’Neill, John O’Toole, Judith Ackroyd, que, cada um a sua maneira,

contribuem para ampliar as possibilidades desta metodologia dentro e fora da Inglaterra.

No Brasil, o contato com os ensinamentos de Heathcote se dá através do trabalho

teórico-prático de Beatriz Cabral, que durante seu doutoramento em Birmingham-

UK(1900-1994), participou de processos de drama conduzidos pela professora

inglesa.12

1.4.1. As principais características da metodologia do drama e sua relação com a

teatralidade.

Com uma estrutura bem definida, o drama compreende uma série de

procedimentos que visam à construção de uma narrativa cênica na qual a presença de

um conflito é fator fundamental para o seu desenvolvimento. Por isso, quando

pensamos em uma proposta de drama, temos um tema que gera um conflito e que dá o

mote para a construção da história e, conseqüentemente, para a escolha das estratégias

que serão utilizadas. Neste sentido, nota-se, sim, uma relação com o drama enquanto

gênero.

Essencialmente o aluno é levado a falar dentro de uma situação ficcional, como

ele mesmo ou como se fosse algum personagem ou ainda narrando algum

acontecimento que não seja próprio da sua vivência. Assim, é levado a ampliar a sua

percepção do mundo e das pessoas, colocando-se ‘no papel’. Ao mesmo tempo, quando

12 No próximo capítulo, aprofundarei a abordagem sobre o trabalho de Heathcote, quando falarei especificamente sobre a estratégia do teacher in role, que foi criada por ela.

31

se coloca diante do desconhecido, resgata suas próprias memórias, experiências e

pontos de vista.

Dentre as características principais do drama estão: contexto e circunstância de

ficção que tenham alguma ressonância com a realidade dos participantes, processo

desenvolvido através de episódios guiados por um pré-texto que configure a narrativa,

mediação de um professor-personagem [teacher in role], que permite focalizar a

situação sob perspectivas e obstáculos diversos (CABRAL, 2006).

O drama se utiliza de algumas estratégias para auxiliar o desenvolvimento do

processo, ao mesmo tempo em que a estrutura serve apenas como um guia, permitindo

que cada condutor fique livre para articular as estratégias de acordo com sua

criatividade e objetivos, e com o interesse dos participantes. Dentre as estratégias

principais que articulam estas características estão: convenções teatrais, qualidade e

quantidade de materiais fornecidos aos participantes, criação de ambientação cênica e o

teacher in role.

Vale ressaltar que o desenvolvimento de cada episódio pode ser a partir de

diferentes atividades como: narração, jogos dramáticos, imagens congeladas, trilha

sonora, criação de assembléias de personagens, pantomima, criação de objetos cênicos,

pesquisa histórica, leitura de fragmentos de textos – dramáticos ou não, teatro fórum,

rituais de canto e dança.

O objetivo de todas as estratégias utilizadas é fazer com que o participante, em

diferentes momentos do processo, sinta-se mergulhado na ficção que está sendo criada,

ora como ele próprio diante da situação apresentada, ora como personagem desta

situação.

A estrutura fragmentada própria do drama ajuda a diversificar as atividades e,

com isso, surpreender o participante com distintas maneiras de prosseguir e resolver os

conflitos criados pela história. É importante, porém que de uma sessão para outra fique

um suspense, uma tensão, uma pergunta no ar, nos velhos moldes folhetinescos.

O caráter espetacular, teatral, pode ser potencializado ou não pelo condutor do

processo. A ênfase nos aspectos teatrais ou na temática escolhida para ser trabalhada

através de um processo dramático é um ponto variante entre os praticantes e estudiosos

desta metodologia, apesar de sabermos que, quando trabalhamos entre o campo do

teatro e da educação, ainda que seja com outro suporte metodológico, estas mesmas

questões reaparecem, conformando boa parte da reflexão pelos especialistas da área.

32

Independente da metodologia ou do termo que se use, drama ou teatro, a questão

da busca pela teatralidade na atividade teatral desenvolvida com pessoas que não sejam

profissionais desta linguagem artística, é o ponto de tensão na união dos campos: teatro

e educação, assim como as funções e objetivos que estão em jogo em diferentes

contextos e circunstâncias.

Dorothy Heathcote procura clarificar os procedimentos desta metodologia que se

afastam não do teatro propriamente, mas da forma como ele é conduzido por alguns

professores no âmbito escolar: o professor escolhe um texto, divide os personagens,

pede às crianças que decorem as falas, encomenda aos pais um figurino e no ‘grande

dia’, normalmente o dia da festa, elas apresentam-se no auditório da escola – lugar

pouco conhecido pelas crianças – para pais e alunos. A metodologia do drama, tal como

proposta por Heathcote, se contrapõe a esta situação. Baseado num processo contínuo

de exploração dos comportamentos sociais, o drama, tal como desenvolvido por ela,

prioriza:

1. A construção de situações significativas para os envolvidos.

2. O envolvimento de toda a classe na construção destes significados.

3. O professor assumindo um papel facilitador; desta forma ele atua dentro do

contexto dramático e não fora dele. O relacionamento usual entre professor e

aluno é substituído pelo de colegas artistas (HEATHCOTE & BOLTON,

1995: 4 trad. nossa) 13.

A proposta de Heathcote deixa explícita a opção por uma dinâmica processual

de criação do texto teatral, baseada em improvisações que permitam incorporar as

idéias, experiências e proposições advindas dos participantes. A importância da

atividade não está centrada na apresentação final e sim no dia a dia da criação. Neste

sentido ela tem sido considerada como advogada do processo em detrimento do

produto. Entretanto, segundo Lewicki, a questão, para Heathcote, não é a apresentação

propriamente, mas sim o foco do trabalho estar na apresentação. “Além disso, o público

deve ser preparado para o que vai ver” (LEWICKI, 1996).

13 1. Drama is about making significant meaning. 2. Drama operates best when whole class together shares that meaning making. 3. The teacher’s responsibility is to empower and the most useful way of doing this is for the teacher to play a facilitating role. The regular teacher’s student’s relationship is laid aside for that of colleague’s artist.

33

Se o foco do drama não está em levar a experiência a público, em que medida,

então, dentro desta perspectiva processual realizada na sala de aula pode-se falar em

teatralidade como uma qualidade a ser reforçada pela ação do professor? Reforçar a

teatralidade é reforçar o quê propriamente dentro do processo?

1.4.2. Drama e Teatralidade14

O conceito de teatralidade, segundo Josette Feral “é um conceito tão amplo que

pode ser usado por qualquer disciplina, de maneira que cobre vários campos artísticos e

não artísticos” (FERAL, 2003:11, trad. nossa) 15. Aqui no nosso caso, o termo

teatralidade será utilizado associado à representação teatral, como uma qualidade que

alguns aspectos como o cenário, a cena, o figurino, o uso do espaço, a atuação podem

receber dentro da mesma, sendo considerado com um produto composto por estes

aspectos (FERAL, 2003).

Quando diz que é uma qualidade que alguns objetos podem receber, Feral, toca

no ponto crucial que envolve este fenômeno e que merece atenção. A questão da

adjetivação do termo também é discutida por Oscar Cornago (2005). Cornago esclarece

que para que o objeto receba esta qualidade é necessário que alguém o atribua, a partir

de uma observação imediata. Deste modo, a presença de um observador, que atribua

uma qualidade de teatralidade a uma obra, a uma pessoa, ou a uma situação, é condição

sine quanon deste fenômeno denominado teatralidade.

Um segundo aspecto deste fenômeno é seu caráter processual, somente ocorre

quando está em funcionamento. E o terceiro é que a teatralidade é o fenômeno da

representação: o fingimento que vai se desenvolver quando o ator interpreta o

personagem e este fenômeno é visível para o observador, havendo um caráter

intencional por parte de quem representa. Assim, um fator que potencializa a

teatralidade é a ênfase na exterioridade material, a ostentação dos signos que serão

utilizados na representação. O objetivo disto é atrair o olhar do observador, que depois

de ser seduzido pela forma, encontra um vazio por trás e isso estabelece o jogo da

teatralidade: o que está por trás daquilo que se representa.

14 Ver: VIDOR, H. B. "O papel do espectador no processo de drama educação e sua relação com o fenômeno da teatralidade". Revista Urdimento no. 9. Florianópolis. UDESC/CEART, 2007 15 El concepto es tan amplio que puede ser usado por cualquier disciplina, de manera que cubre varios campos artísticos y no artísticos

34

Como vimos, no drama o espectador, como alguém de fora do processo que é

convidado a apreciar uma obra “finalizada”, um espetáculo, não existe. Assim, o papel

de espectador no drama é desempenhado pelo próprio participante, que assume a dupla

realidade de observador e atuante, seja concomitantemente - dentro da idéia de self

spectator (O’NEILL, 1989: 8) 16, espectador de si mesmo17, ou alternadamente – onde

os participantes se revezam entre observadores e atuantes.

Dentro desta dinâmica de trabalho, o professor determina o grupo que está com

o foco da cena e o grupo dos observadores, e este foco varia com bastante elasticidade,

sem uma delimitação definitiva de quando se atua e quando se observa, mas, ainda

assim, o adjetivo ‘teatral’ poderá ser atribuído. A questão do envolvimento do aluno no

processo de drama educação perpassa por este encontro com algo que lhe chama a

atenção e lhe estimula como apreciador, ao mesmo tempo em que o encoraja a atuar. O

fato de o professor também assumir personagens amplia a oportunidade de o aluno

ocupar seu lugar de espectador e estimulá-lo para a ação, além de reforçar a questão da

intencionalidade, que também é relacionada ao conceito de teatralidade.

A situação de representação exige como diz Eugenio Barba (BARBA, 1994),

uma extracotidianidade do corpo – podemos entender corpo como corpo-voz-energia;

como corpo visual, como corpo lingüístico. Quando o aluno compreende que o jogo

ficcional estabelecido por uma situação de representação pode ser explorado com a

potencialização destes signos - gestuais, vocais, visuais, lingüísticos - e que a apreciação

de sua ação cênica, por seus colegas, é positiva na medida em que adquire este corpo

extracotidiano, ele experimenta o prazer e encoraja-se para seguir atuando, além de ter

liberdade para matizar o grau de ‘extracotidianeidade’.

Ao contrário, quando está como observador consegue desfrutar do mesmo jogo

porque conhece aquele que atua, percebe o seu ‘disfarce’ intencional e se surpreende

com a novidade de vê-lo em outra situação diferenciada do cotidiano. Assim, uma

experiência alimenta a outra e desperta nos participantes a curiosidade para inverter os

16 A idéia do self espectator aponta para uma platéia implícita baseada no conceito de percipiente, que segundo Bolton oferece ao professor uma alternativa para uma observação contínua sem interromper a atividade dramática para refletir sobre ela (O’NEILL, 1989). 17 Evreinov chama esta possibilidade de ‘sonho’: “El sueño es um drama de nuestra invención. Un teatro monodramático, donde uno se ve a sí mismo en una realidad imaginaria, como una inmensa película” (EVREINOV, 1956).

35

papéis, comportando-se na dupla realidade consciente ‘ator-espectador’, que é o

objetivo desta proposta.

No entanto, a possibilidade de identificação do ‘teatral’ é mais palpável quando

o papel do espectador no drama se dá alternadamente, de modo a assumir um

distanciamento necessário para a dinâmica de ver o que está na superfície e intuir

(campo do sensível) sobre o que está velado, para depois refletir (campo da razão) sobre

o que viu.

Com isso, podemos ressaltar que, mesmo que seja um processo em sala de aula,

a valorização do ‘eminentemente teatral’ se opera em melhores condições se o

participante pode ocupar o papel de platéia em toda a sua dimensão, com a suficiente

margem de distanciamento para poder deixar-se afetar pelas tensões provocadas pelo

jogo de ‘disfarçar-se’ (aquele que atua), reconhecer o disfarce e surpreender-se com o

que se conhece e o que não se conhece, que está por trás do disfarce (aquele que

observa).

Assim como nos espetáculos fora do âmbito de sala de aula, quando somos

espectadores, e sentimo-nos impactados com a experiência do acontecimento teatral que

assistimos, necessitamos de tempo para o elaborarmos racionalmente. Neste sentido, a

reflexão, tão preconizada em termos pedagógicos, terá seu papel deslocado a uma

segunda etapa, de modo a não esmorecer o impacto estético que o acontecimento pode

causar no participante ‘atuante-espectador’.

A seguir, apontarei as experiências realizadas e publicadas com o drama aqui no

Brasil, das quais Beatriz Cabral é a principal referência.

1.4.3. O drama no Brasil.

O drama no Brasil ocupa um pólo de concentração na região de Santa Catarina.

Beatriz Cabral, pesquisadora da área de Pedagogia Teatral, desenvolveu sua tese de

doutoramento em Birmingham-UK (1990-1994), onde teve contato com a metodologia

inglesa, e a partir daí, passou a investigar formas de sua contextualização, através da

formação de educadores que se apropriaram da mesma e passaram a desenvolvê-la em

suas propostas docentes.

Seu livro Drama como Método de Ensino (2006), apresenta as principais

características do drama e descreve alguns dos processos/estruturas: Cavernas,

36

Cavernas II, Conchas e Caramujos, Plantas da Ilha, Imigração Açoriana – confrontos da

ilha e Imigração Açoriana - os imigrantes; sendo que deste último, tive a oportunidade

de participar.

Em sua abordagem do drama, Cabral utiliza-se com freqüência da estratégia do

teacher in role e exemplifica alguns dos personagens que foram representados ora pelas

crianças ora pelos professores nestes processos.

No projeto ‘Conchas e Caramujos’, por exemplo, as crianças como cientistas

pesquisando e classificando conchas, receberam a visita de um representante

da Associação para preservação das Praias (um dos professores) que os

convidou para participar da campanha Conhecer para Apreciar, Apreciar

para Preservar; numa etapa posterior, outro professor no papel de repórter,

entrevistou os cientistas sobre suas pesquisas e descobertas. No projeto

“Cavernas”, o professor recebeu e coordenou os alunos-espeleólogos durante

a “Conferência Nacional de Geólogos”; em um momento posterior, os alunos

bolsistas envolvidos neste projeto assumiram o papel de guias na exploração

de novos sistemas de cavernas. Em “Histórias e Estórias dos Açorianos...”,

professores e bolsistas representaram, em diferentes etapas, o capitão da nau

portuguesa, o jesuíta que acompanhou os emigrantes na viagem para o Brasil,

e membros das famílias de imigrantes, estes trabalhando em parceria com as

crianças (CABRAL, 1998:22).

Como se observa, a exploração do professor no papel nos quatro processos

mencionados proporcionou a articulação da temática escolhida como pré-texto para o

desenvolvimento do drama e gerou conhecimento através da experiência teatral.

Uma segunda etapa da pesquisa sobre a apropriação e contextualização do drama

focalizou a apropriação de textos clássicos, adultos e infantis, a partir das estruturas

dramáticas apresentadas por Cecily O’Neill (1995), tais como: Macbeth (Shakespeare) e

Chapeuzinho Vermelho e Frank Miller (Cecily O’Neill). Em uma terceira etapa, foram

associados elementos do drama com jogos teatrais: O Muro (autor desconhecido) e Nós

e Eles (David Capton) são textos dramáticos que possibilitam o trabalho de apropriação

do texto pelos alunos, pois apresentam diálogos curtos e abertos, facilitando a adaptação

a diferentes contextos. Através de fragmentos do texto original associados ao pacote de

estímulo e à fala do professor no papel os participantes são estimulados a construir a

narrativa cênica.

37

Atualmente Cabral coordena o grupo de pesquisa Pedagogia do Teatro ou Teatro

como Pedagogia, do qual eu participo e com o qual pude desenvolver as propostas

práticas com o drama e que serão relatadas no terceiro capítulo deste trabalho.

Outra experiência com o drama é relatada por Flávio Desgranges em seu livro

Pedagogia do Teatro - Provocações e Dialogismos (2006). Nele o autor descreve o

primeiro contato que teve com a metodologia em uma oficina para professores

ministrada por Joe Winston em Bruxelas e um processo de drama ministrado por ele

mesmo tendo como pré-texto o Mito de Pandora. Ao lançar mão do recurso do

professor-personagem, Desgranges assume o papel de Júpiter para a contextualização

inicial e depois o papel de narrador da história. Na abordagem de Desgranges, o

desenvolvimento da história e as escolhas temáticas e estratégicas apontam para um

foco de avaliação que está na história proposta e nos aspectos específicos da linguagem

teatral (DESGRANGES, 2006).

A seguir passo ao próximo capítulo deste trabalho onde focalizo a estratégia do

teacher in role, a partir dos pressupostos de sua criadora Dorothy Heathcote, e a

inclusão do professor-personagem, procurando distinguir ambos os conceitos para

ampliar as alternativas metodológicas do drama no contexto escolar e intensificar sua

dimensão teatral.

38

Capítulo 2: Professor no papel e Professor-personagem: as diferentes

abordagens do teacher in role no processo de drama e suas

possibilidades para o teatro na escola.

O presente capítulo focalizará a estratégia do teacher in role, própria da

metodologia do drama, e o desdobramento da mesma no contexto brasileiro, de modo a

pensar suas características e possibilidades para a ação do professor artista e o ensino do

teatro na escola. Para tanto falarei inicialmente da origem do teacher in role no drama

inglês relacionando-o ao trabalho de sua criadora Dorothy Heathcote, de modo a revisar

suas funções e potencialidades enquanto estratégia de ensino, mencionando alguns

exemplos provenientes das experimentações de seus praticantes.

2.1. As origens do teacher in role: o drama na proposta de Dorothy Heathcote.

Ninguém ensina a um professor como ensinar. Professores são formados na classe, durante o confronto

com suas aulas e o produto do que eles se transformam é um resultado de suas necessidades de

sobrevivência e da forma que eles encontram para fazer isto.

Dorothy Heathcote

Dorothy Heathcote iniciou sua carreira de professora em 1950 em Newcastle

upon Tyne, Inglaterra, aos 24 anos. Influenciada pela experiência como aluna de dança

de Rudolf Laban e como aluna de teatro de Esmé Church, Heathcote introduziu uma

série de inovações técnicas para o uso do drama como base para o currículo, cuja

principal delas é o procedimento do teacher in role. 18

18 Estas informações sobre Dorothy Heathcote foram retiradas do endereço eletrônico: htpp: //stenhardt.nyu.edu/music/edtheatre/faculty/heathcote acessado em 8/02/2008. O arquivo de Dorothy Heathcote está localizado no Department of Teacher Education, Manchester Metropolitan University, England. Ela tem atuado como professora adjunta na NYU- EUA, sendo tema do projeto /Ed

39

O papel do professor no processo de drama tornou-se o objeto de pesquisa e

experimentação para Heathcote, já que ela o considera fundamental neste processo. O

professor adquire o status de organizador, facilitador, tendo responsabilidade como

membro mais maduro do grupo. Segundo Lewicki (1996), Heathcote costuma, ela

mesma, se descrever primeiramente como professora e depois como professora de

drama. A originalidade do drama de Heathcote deve-se a sua intuitiva habilidade para

traçar vários conteúdos de fontes teatrais e educacionais, organizando os vários fatores

em um coerente, progressivo e teleológico processo de ensino/aprendizado (LEWICKI,

1996).

Em seu trabalho como formadora de professores de drama, três questões são

consideradas fundamentais: uma é o paradigma dominante na escola em que o professor

atua, outro é o paradigma dominante do modo como o professor vê a criança e o terceiro

é o paradigma no qual o próprio professor opera, como gerencia suas relações no

trabalho (HEATHCOTE, 1990). A partir do entrecruzamento destes paradigmas o

professor consegue potencializar as possibilidades e trabalhar com as dificuldades. Esta

reflexão leva a uma reavaliação da prática do professor na realização do trabalho.

Uma aula é sempre um encontro social e este encontro social incluirá um

sistema de comunicações. Se você muda a expectativa do aluno por causa da

forma que você opera o paradigma e o aluno responde a este paradigma,

então você mudará o sistema de comunicação e você poderá mudar o

contexto social. Quanto mais você muda isso, mais você oferece outras

estratégias de aprendizado (HEATHCOTE, 1990:32, trad. nossa) 19.

Neste sentido, a elaboração da estratégia do teacher in role representa as várias

possibilidades de relação do professor com o grupo de drama e está totalmente

conectado com o fluxo de informações que emergem durante o processo, e com a

comunicação das informações entre professor-aluno e aluno-professor. O teacher in role

Theatre DVD project "Becoming a Teacher". O link com o trailer deste projeto pode ser visto no endereço eletrônico: http://steinhardt.nyu.edu/music/edtheatre/ 19 A classroom is always a social encounter, and that social encounter will include the communications system which occurs. If you change the pupil’s expectation because of the way you operate the paradigm and the pupil responds to that paradigm, then you will change the communication system, and you will change the social context. As soon as you change that, you offer the pupil other strategies for learning.

40

é, essencialmente, um facilitador da comunicação e uma oportunidade de mudança de

paradigma.

Esta perspectiva de comunicação e co-operação entre o professor e o aluno fez

com que Heathcote criasse, além do teacher in role, novas técnicas como rolling role20

e mantle of the expert21 para aumentar a participação e a responsabilidade da criança no

drama.

Ainda sobre o papel do professor no drama, quando fala sobre Heathcote, Gavin

Bolton afirma que: “A escrita e a prática de Dorothy Heathcote representaram um

esforço hercúleo para trazer a forma dramática de volta para as aulas de drama, para

redefinir a relação entre drama e educação e para rever o papel do professor”

(BOLTON apud LEWICKI, 1996:74, trad. nossa) 22. E agrupa os objetivos principais

do professor de drama em três áreas: 1. A área de ensino/conhecimento: tomando

decisões, organizando o aprendizado, resolução de problemas, negociação. 2. A área da

ética: drama como meio para explorar a ‘vivência’. 3. A área da estética: o prazer da

criança, seu engajamento, sua satisfação (BOLTON apud LEWICKI, 1996).

Com relação à discussão sobre a natureza teatral do drama, Dorothy reconheceu

a importância da improvisação teatral não para ‘a construção do papel’, mas para

explorar os componentes do papel, a situação, tornando-se uma aliada na busca de

novas soluções (HEATHCOTE apud LEWICKI, 1996). A estrutura dramática é

projetada pelo professor, mas os elementos são produzidos por todos os participantes

através das improvisações. Cada improvisação é composta de vários papéis assumidos

pelos alunos e pelo professor. Assim, o papel do professor no desenvolvimento do

drama é fundamental e deve-se reconhecer em seu trabalho sua intenção e as

possibilidades para sua prática.

No estágio preparatório do drama o professor transita por questões sobre ‘o que’

pode ser ensinado, mas a questão chave é ‘como’ o professor deve proceder. Neste

sentido, Heathcote, falando para professores em formação, completa: “(...) eu gostaria

20 Rolling role: troca de papéis entre os participantes (BOLTON apud LEWICKI, 1996: 125 trad. nossa). Rolling role: Challenging roles between the participants. 21 Mantle of expert: método dramático popularizado por Dorothy Heathcote que requer que os participantes se comportem como se eles tivessem conhecimento, habilidade e responsabilidade de um ‘expert’, por exemplo, um médico (BOLTON apud LEWICKI, 1996: 125 trad. nossa). “Mantle of expert” reefer’s to a dramatic method popularized by Dorothy Heathcote which requires the participants to behave as if they have knowledge, skill, and responsibility, of an expert; e.g. a doctor. 22 The writing and practice of Dorothy Heathcote represented a Herculean attempt to bring dramatic form back to classroom drama, to redefine the relationship between drama and education, and to recast the role of the teacher.

41

que me mostrassem que consideram o ‘como’ fazer, não o ‘o que’ fazer, porque o

‘como’ é o que faz a qualidade da educação” (HEATHCOTE, 1990:24, trad. nossa) 23.

Sobre isso, Ackroyd, diz: “A literatura do drama na educação ressalta a função

pedagógica do teacher in role (TIR) para maximizar as possibilidades de aprendizado,

(...), no entanto não há um consenso sobre como ele é feito” (ACKROYD, 2004:32,

trad. nossa) 24. A insistência na questão da função desta estratégia tem como objetivo

distinguir o TIR da atuação, ou seja, lembrar ao professor que seu objetivo não é portar-

se como ator diante de uma platéia e esquecer os objetivos pedagógicos que fizeram

com que ele assumisse papéis e lançasse mão da estratégia. Cecily O’Neill argumenta,

por exemplo, que “os professores quando assumem um papel nunca precisam atuar no

sentido do ator, porque eles tem um diferente trabalho a fazer, uma separação de

funções e que o TIR é definido pela sua função” (O’NEILL, 1995: 61 trad.nossa) 25.

O fato de os professores não precisarem atuar no sentido do ator, não significa

que eles não possam atuar como atores, desde que não percam de vista o contexto no

qual estão trabalhando. Ackroyd (2004) afirma que os professores quando estão

assumindo um papel estão atuando. A intencionalidade e os objetivos do professor são

os fatores que definem ou potencializam esta proposta. Ainda segundo a autora, há

professores que se amedrontam com a idéia de estarem atuando quando assumem um

papel, por isso dependendo do contexto ela, como formadora de professores de drama,

os tranqüiliza e encoraja a usarem o teacher in role separando-o da idéia de atuação.

De qualquer forma, assumir um papel durante as aulas de drama exige que o

professor aceite enfrentar alguns desafios como:

1. Agir como se fosse outra pessoa diante dos alunos;

2. Improvisar sua fala de acordo com o que surge da relação aqui e agora com os

participantes;

3. Sustentar o papel, sua lógica;

4. Simultaneamente, manter os objetivos pedagógicos;

5. Aceitar o imprevisível, o acaso;

6. Ser flexível para mudar o rumo sempre que necessário.

23 I would want him to start showing me that he has considered how it will be done, not what will be done, because how is what makes the quality of education. 24 The literature of drama in education contains much about the function of the teacher in role and focuses upon enabling learning, and its pedagogic efficiency, to maximise the learning possibilities, (…) however, no such consensus about what the teacher in role does or indeed should be doing. 25 Teachers in role must never act in the sense that na actor may, because they have a different job to do, a separate function and that teacher in role is defined by its function.

42

Além de, segundo Neelands:

1. Ser um ouvinte

2. Responder ao que é oferecido;

3. Incorporar as idéias dos participantes;

4. Controlar o tempo;

5. Agir como diretor do drama;

6. Agir como dramaturgo;

7. Participar na ação;

8. Representar um papel ou papéis (NEELANDS, 1998 apud ACKROYD,

2004: 39 trad. nossa) 26.

É interessante notar que o autor, ao mencionar os procedimentos do professor

quando assume o papel não os relaciona diretamente ao ator. Neelands menciona as

funções de diretor e dramaturgo, mas não de ator. Mas o que significa “participar na

ação” ou “representar papéis” no contexto ficcional?

Quando este questionamento é relacionado ao ensino do teatro, ele aponta para a

idéia de que se há na ação do professor a intencionalidade de agir como ator há também

uma ampliação dos objetivos pedagógicos, envolvendo: exploração de diferentes estilos

de representação, leitura/apreciação pelos alunos da representação, decodificação de

signos pelos alunos, exploração da relação com o espaço. Assim, os mesmos aspectos

que são analisados com a apreciação de um espetáculo profissional que é levado à

escola e visto pelos alunos, dentro do conceito da pedagogia do espectador

(DESGRANGES, 2003), por exemplo, podem ser discutidos a partir do exercício

rotineiro proporcionado pela estratégia do professor-personagem, sem logicamente

invalidar a proposição anterior – receber espetáculos na escola ou levar os alunos ao

teatro. Este é o mote para a investigação e exploração do professor-personagem.

No próprio contexto inglês estas variações já foram apontadas, através da prática

diferenciada dos professores de drama. De qualquer maneira, fica claro que cada

professor pode optar pela realização do que lhe é mais confortável e produtivo quando

usa a estratégia. Cecily O’Neill, apesar de receber influência direta de Dorothy

Heathcote, usa a estratégia de forma minimalista e econômica. “Eu considero mais

funcional apresentar uma atitude ou mostrar um ponto de vista ou uma perspectiva,

26 1. Be a listener; 2. Respond to what is offered; 3. Incorporate the ideas of the participants; 4. Keep an eye on the time; 5. Act as director of the drama; 6. Act as a playwright; 7. Participate in the action; 8. Represent a role or roles.

43

mais do que um papel num drama particular, (...) um tipo de pessoa sem face, podendo

ser um homem ou uma mulher” (O’NEILL apud ACKROYD, 2004: 94/95, trad. nossa) 27.

Já John O’Toole, em entrevista à Ackroyd, admite que explora a teatralidade, ou

seja, potencializa os signos, em suas experiências com o teatro na educação. Quando

assume um papel utiliza-se de figurinos, objetos de cena, exploração do uso do espaço e

refere-se à noção de personagem dependendo do drama que está sendo desenvolvido

(ACKROYD, 2004).

Estes dois exemplos reforçam a idéia de que o teacher in role apresenta uma

natureza multifacetada que pode ser realizada de acordo com estilo de cada professor. O

importante é que ele não se distancie dos objetivos vislumbrados e que auxilie o

envolvimento dos alunos com o aprendizado.

2.2. Os papéis e suas funções: propostas que auxiliam o professor na escolha

dos papéis a serem trabalhados.

Diversos autores exemplificam a estratégia do teacher in role, identificando

possíveis funções que o professor possa assumir ao utilizá-la. Cito abaixo alguns

exemplos apontados por Cabral (2006:21):

Função de buscar auxílio ou conselho;

Função de buscar informações;

Função de coordenar - um investigador coordena uma equipe de policiais;

Função de desafiar - um detetive que não acredita que seus auxiliares serão

capazes de interpretar as pistas deixadas por um criminoso;

Função de introduzir informações - mensageiro ou repórter; entre outros

papéis e funções.

Segundo Cabral, a opção por uma ou outra função, na prática de Heathcote, se

relaciona diretamente com o jogo do status – o professor pode obter um envolvimento e

uma resposta distinta do aluno, a partir do status que assume ao desempenhar sua

27 I’ve always seen it as a rather function thing where you adopt a role in drama particularly, but you present an attitude or display a point of view or a perspective(…), a faceless nature, male or female.

44

função. Assim, cada função pode ser assumida a partir de diferentes status. Alguns

papéis em princípio já sugerem um determinado status, e é a alteração do mesmo que

permite tanto a percepção crítica de sua significação quanto o uso da ironia para facilitar

esta percepção:

1. Alto: rei, capitão, líder, treinador, diretor de escola, etc;

2. Intermediário: secretário, representante de alguma autoridade, membro da

comunidade ou da tripulação, etc;

3. Baixo: pedinte, vítima, refugiado, aprendiz.

A característica em relação ao status e função escolhida está diretamente

relacionada com o tipo de resposta que se espera dos participantes, assim um

personagem de status baixo exige, dos participantes, familiaridade com o contexto

ficcional e com a improvisação. Se a turma não está habituada com o jogo cênico ou

não está imersa no contexto ficcional que está sendo tramado terá dificuldade de

interagir com o mesmo. Já um personagem de status alto, por um lado conduz a

narrativa ajudando a estabelecer o contexto da ficção e nortear o início do processo,

exigindo menos iniciativa do participante, por outro lado são, normalmente, detentores

de poder e autoridade e, com isso, podem ser extremamente provocativos e

desafiadores.

Ainda sobre os tipos de papéis que podem ser escolhidos para o

desenvolvimento de um processo de drama, Judith Ackroyd chama a atenção para

algumas convenções que usualmente são utilizadas. Ela diz:

O drama na educação pode ser desconstruído na mesma direção que nós

podemos desconstruir uma peça para descobrir como os papéis funcionam

para o seu desenvolvimento. Depois eu procuro identificar as funções dos

papéis assumidos quando eu analiso o caso estudado (ACKROYD, 2004:45,

trad. nossa) 28.

Neste sentido, os autores Aston e Savona (1991), citados por Ackroyd,

compartilham da idéia de que as funções dos personagens são governadas pelas

convenções. Eles fazem uma lista de oito principais convenções que eles identificaram

28 Drama in education can be deconstructed in the same way as we might deconstruct a play in order to discover how the roles have functioned in their development. Later I seek to identify the role functions of the roles taken when I analyze the case studies.

45

como formas utilizadas para o personagem conduzir a narrativa até o espectador.

Ackroyd destaca duas, a primeira e a quarta, respectivamente: a auto-apresentação, onde

o personagem se apresenta no início da peça e oferece informações suplementares que

sejam apropriadas ao longo da ação; o personagem como confidente: personagem

menor no qual um personagem mais importante pode confiar (ASTON & SAVONA,

apud ACKROYD, 2004).

Estas duas convenções mencionadas foram destacadas por serem freqüentemente

utilizadas pelos professores, em termos de sua função, quando assumem um papel numa

aula de drama. Por exemplo, Cecily O’Neill e John O’Toole, utilizam-se precisamente

da primeira. E a segunda, também se apresenta como muito familiar entre os papéis que

os professores assumem, com os quais eles têm acesso a informações de alguém

importante, mas como eles mesmos não tem poder, facilitam o acesso aos outros

personagens ou participantes, um exemplo típico de papel com status médio

(ACKROYD, 2004).

A escolha dos papéis a serem representados no processo de drama, coloca o

professor inicialmente no papel de dramaturgo. Antes de pensar em como representará

este papel e em sua potencialidade relacionada à exploração dos signos teatrais, o

professor precisa alinhar-se com a característica essencial desta metodologia que

envolve a construção de uma narrativa, portanto é importante que os papéis escolhidos

tenham o poder de auxiliar a condução da narrativa tanto pelo professor quanto pelos

alunos, de modo a ajudar com que os últimos se envolvam na ficção proposta.

Sobre isso, Cecily O’Neill afirma que:

A estratégia do teacher in role é freqüentemente mal compreendida, e está no

centro do repertório do professor de drama. A prontidão do professor para

direcionar e construir o mundo ficcional através desta estratégia apresenta-se

como uma poderosa maneira de alterar a atmosfera, as relações, e balancear o

poder na classe, desde que as funções do professor com a classe sejam

imediatamente alargadas. Na aula de drama mais tradicional, o professor é

tipicamente um facilitador externo, um treinador, um diretor, ou um

‘adorável adversário’, em vez de trabalhar no papel dentro do drama

(O’NEILL, 1997 apud TAYLOR & WARNER, 2006:77, trad. nossa) 29.

29 This teacher in role strategy is often misunderstood, but it is at the centre of the drama teacher’s repertoire. The willingness of the teacher to centre and build the fictional world in this way is a powerful means of altering the atmosphere, relationship, and balance of power in the classroom, since it immediately extends the functions of the teacher within the lesson. In more traditional creative drama

46

E acrescenta algumas das possibilidades oferecidas ao professor quando ele

trabalha no papel:

*Iniciar o mundo dramático rápida e economicamente;

*Dar status ao drama por ficar ativamente envolvido;

*Solicitar reações imediatas dos estudantes na medida em que dá a eles

papéis que tem o poder de responder com a situação ficcional;

*Puxar o grupo, junto, para um empreendimento propositado;

*Estabelecer tarefas relevantes para os estudantes;

*Modelo apropriado de registro de linguagem e comportamento;

*Possibilidade de guiar e controlar o desenvolvimento do drama;

*Oferecer suporte e afirmações dos papéis dos estudantes (O’NEILL, 1997

apud TAYLOR & WARNER, 2006: 78 trad. nossa) 30.

Estas são as principais características relacionadas ao uso da estratégia do

teacher in role. Em grande parte da literatura consultada sobre o drama e sobre o

teacher in role Dorothy Heathcote, além de ser sua criadora, é considerada a grande

realizadora do mesmo, conseguindo conciliar de maneira ímpar os aspectos artísticos e

pedagógicos.

Apesar de não ter tido a oportunidade de presenciar um processo conduzido por

ela, tendo assistido através de vídeo apenas uma pequena mostra de sua aula, o relato

que outros autores fazem de seu trabalho evidencia sua habilidade para aliar arte e

educação. Como professora de drama, Heathcote teve seu trabalho comparado, em

diferentes aspectos, a artistas como Grotowski, John Cage (ACKROYD, 2004), o que

confirma a ressonância de sua atuação.

A seguir discuto a contextualização do teacher in role no Brasil, que revelou a

possibilidade de desdobramento da proposta, onde além do professor assumir papéis

sociais ele também pode assumir personagens provenientes do texto dramático, com

ênfase na caracterização e suas implicações teórico-práticas.

lessons, the teacher typically remains an external facilitator, a side coach, a director, or a “loving ally”, rather than working in role within the drama. 30 * Launch the dramatic world quickly and economically; * Give status to the drama by being actively involved; * Invite immediate reactions from students by endowing them with roles that have the power to respond within the fictional situation; * draw the group together in a purposeful enterprise; * Set relevant tasks for students; *Model appropriate language registers and behaviors; * Control and guide the development of the drama; * Present challenges that increase the tension; * Offer support and affirmation of the student’s roles.”

47

2.3. Professor no papel e Professor-personagem: a imigração do drama para

o Brasil e as implicações para o ‘professor-artista-ator’.

Conforme foi mencionado no início deste trabalho, a expressão teacher in role

foi traduzida para o português por Beatriz Cabral como professor-personagem e

definida como uma estratégia na qual o professor assume personagens durante o

processo de construção de uma narrativa cênica pelos alunos (CABRAL, 2006).

Segundo Cabral:

A expressão “professor-personagem” foi a tradução escolhida para a

convenção inglesa “teacher in role”, justificando-se tanto pela

impossibilidade de uma tradução literal, quanto pelas características que o

uso desta estratégia foi adquirindo no contexto brasileiro [a autora completa

numa nota de rodapé] A tradução para o contexto do teatro educação, no

Brasil, centrado nos jogos teatrais (Viola Spolin) e na presença constante do

espectador, vai de encontro à prática do nosso licenciado em teatro, que em

geral se atém mais à caracterização do que a sua função social (CABRAL,

2006: 19-20).

Entretanto, a partir do trabalho prático com o drama, realizado junto ao grupo de

pesquisa em drama31, verificamos que esta tradução elimina a diferenciação que pode

existir entre o professor assumir um papel social e o professor representar um

personagem. Embora os termos tenham sido usados como sinônimos, a importância de

diferenciá-los se deve à possibilidade de explorar a segunda proposta – professor

representar um personagem – em termos de verificar sua viabilidade na prática da sala

de aula, e seu potencial pedagógico e metodológico para o ensino do teatro.

Assim, para clarificar e redefinir os termos dentro do que estou propondo,

retomo inicialmente a perspectiva inglesa, citando Ackroyd (2004): “Na literatura do

drama na educação, os conceitos do teacher in role são muitas vezes associados com

papéis sociais” (ACKROYD, 2004:7, trad. nossa) 32. Ao utilizar-se da estratégia do

teacher in role, o professor assume um papel social e com isso estimula a discussão que

31 Grupo de Pesquisa: Pedagogia do Teatro e Teatro como Pedagogia - coordenado pela Professora Dra. Beatriz Cabral./Projeto Arte na Escola Pólo UFSC /Florianópolis. 32 In the literature of drama in education, concepts of teacher in role are sometimes associated with social roles.

48

este papel levanta entre os participantes, em termos de comportamento e suas

implicações éticas ou conscientização de outra realidade que não a sua própria.

Na prática, o professor diz que é determinada pessoa, mantém a coerência lógica

deste papel social escolhido somente com a formulação do discurso e sua oralização. O

texto criado e oralizado pelo condutor, de forma improvisada, aproxima o mesmo de um

dramaturgista, na medida em que este constrói os diálogos a partir da relação criada,

aqui e agora, com o participante, e não fechado em um gabinete. De qualquer maneira,

o foco está potencializado no o quê está sendo dito, na função deste discurso para o

desenvolvimento da narrativa, e menos no como está sendo dito, sem objetivos cênicos.

Entretanto, na prática, a relação com a questão cênica, no contexto inglês,

também não é tão paralela e aponta para o possível desdobramento do papel para o

personagem. Ackroyd (2004) relata que quando representou o papel de uma menina

que tinha medo de ir para a neve por causa de um acidente ocorrido há alguns anos,

criou a personagem Suzie, uma menina que tinha a habilidade de evitar

questionamentos referentes a seus medos. E diz: “Quando eu atuei neste papel, eu

estava certa de que eu precisava criar um personagem. Ela não é apenas uma menina

pequena, ela é Suzie, como Masha é Masha, um personagem individual num contexto

particular” (ACKROYD, 2004:67, trad. nossa) 33. Diferente de O’Neill, que prefere

papéis sem face, neste caso Ackroyd propõe uma individualidade que se define por

detalhes na caracterização. E prossegue dizendo que entende o termo personagem a

partir da semiótica, que o define como: “Um personagem é nem mais e nem menos do

que um conjunto de signos. E estes signos são variáveis, uma vez que são determinados

pelo ator no contexto de produção” (ACKROYD, 2004:67/68, trad. nossa) 34.

A noção de papel e personagem, relacionado ao trabalho do ator, tem em

Stanislávski sua forte referência, na medida em que este autor dedicou-se a sistematizar

procedimentos de atuação, identificando separadamente os campos da criação do papel

e da construção de personagem. Em sua obra A Criação do Papel (1984), o autor refere-

se ao processo de entendimento do contexto da ficção e das circunstâncias dadas. Em a

Construção da Personagem (2000), o autor focaliza a caracterização física do

personagem.

33 When I play this role, I am aware that I need to create a character. She is not just a small girl; she is Suzie, just as Masha is Masha, an individual character in a particular context. 34 The character is no more or less than a set of signs. These signs are variable, since they are determined by the actor in the context of the production.

49

Assim, para a criação de um papel é necessário que haja um período de análise

das circunstâncias dadas pelo autor do texto dramático, ou seja, a criação do contexto da

ficção, a avaliação dos fatos e a criação do discurso do papel, para depois, numa

segunda etapa, partir para a construção de física. Quando se refere à construção física,

exterior, Stanislávski utiliza o termo ‘personagem’. Para a construção do personagem,

seja ele qual for, é necessário que o ator trabalhe na caracterização exterior, na

plasticidade dos movimentos, nas entonações, na expressividade das palavras, no

tempo-ritmo (STANISLAVSKI, 2000).

As convenções do professor no papel e do professor personagem correspondem

a estas etapas identificadas por Stanislávski. Podemos entender que o professor no

papel focaliza a primeira etapa, que concentra o desenvolvimento das circunstâncias

dadas e criadas pelo autor ou pelo pré-texto criado pelo professor. E o professor-

personagem abarca as duas etapas, pois sua composição exige que o professor estude o

texto dramático, compreendendo as circunstâncias e objetivos do personagem dentro do

mesmo para fisicalizá-lo. Porém, no momento de intervenção no processo de drama,

eles são independentes, ou seja, uma estrutura de drama pode ter o professor no papel

em determinado episódio, e o professor representando um determinado personagem em

outro momento.

Patrice Pavis (2001) apresenta uma definição para o termo papel que, apesar de

ser colocado como sinônimo de personagem define o tipo de personagem - ou

personagem tipo - e ajuda a esclarecer a opção inglesa pelo termo:

Enquanto tipo ou personagem, o papel está ligado a uma situação ou uma

conduta geral. Ela não tem característica individual alguma, mas reúne várias

propriedades tradicionais e típicas de determinado comportamento ou

determinada classe social (papel de traidor, de homem mal) (PAVIS, 2001:

275).

Esta idéia do papel como comportamento de uma determinada classe social vai

de encontro ao aspecto relacionado à função e ao status do papel que o professor

assumirá.

Assim, parto de três constatações para especificar os dois termos professor no

papel e professor personagem e justificar a necessidade de um estudo mais aprofundado

da segunda possibilidade:

50

1. A prática do teacher in role, no contexto inglês, apresenta variações que vão do uso

exclusivo do papel até a incorporação de aspectos do professor-personagem, sem, no

entanto, usar esta expressão.

2. A utilização da metodologia do drama no Brasil se dá nas aulas de teatro, o que fez

com que Cabral (2006) optasse por traduzir teacher in role por professor-personagem.

Esta expressão contribui para a inserção da estratégia ao universo do teatro.

3. A expressão professor-personagem abarca dois procedimentos que, como vimos, são

diferentes ou, no mínimo, complementares.

Em função destas colocações, proponho que a tradução se mantenha literal

teacher in role - professor no papel - e que o termo professor-personagem seja

preservado para definir um procedimento específico, potencialmente interessante para a

aquisição de linguagem teatral no contexto escolar. Como no contexto escolar brasileiro

o drama está sendo utilizado dentro das aulas de teatro, o desdobramento do professor

no papel para o professor personagem emerge automaticamente e leva à potencialização

dos elementos teatrais sempre que possível. Chega-se assim ao questionamento

principal: qual é a diferença fundamental do professor-personagem em relação ao

professor no papel?

O professor-personagem dá ênfase à caracterização, cria um discurso condizente

com as circunstâncias do personagem em termos de época, nacionalidade, ideologia,

criando assim uma individualidade, enunciando o texto literal de um autor seja ele

dramático ou não. Durante o processo do drama este personagem interage nas

improvisações do grupo, mantendo, porém, sua postura física e ideológica a fim de

permitir o desenvolvimento de uma contra-argumentação pelo grupo. O professor vai

refinar a caracterização em termos físicos, sonoros, visuais, mantendo assim a idéia de

construção de personagem, um personagem determinado que possa ser trazido em

diversos momentos do processo.

Esta é, sem dúvida, uma tarefa que exige mais elaboração por parte do professor,

mas que, se ele tem a intenção e o desejo de resgatar sua prática como ator, poderá

sentir-se fortemente gratificado e estimulado, além de provocar um forte impacto nos

alunos, já que esta proposta apresenta-se como sendo de maior radicalidade estética na

relação com o participante e em termos pedagógicos, oportuniza a ampliação da

linguagem teatral – estilo de representação, relação do ator com o espaço cênico,

51

caracterização em termos do trabalho do ator e em termos da indumentária utilizada,

contato com textos dramáticos.

Estas diferentes abordagens confirmam as várias possibilidades de exploração da

estratégia do professor-personagem, e reforçam a idéia de que, segundo Tadeu Lewicki:

[Dorothy Heathcote] não quis transferir suas habilidades pessoais para os

estudantes ou para outros professores, mas ela estava convencida que todos

são capazes de desenvolver suas próprias habilidades a fim de produzir uma

metodologia individual. Seu objetivo como uma praticante de drama e

professora universitária não foi produzir outras ‘Heathcotes’, mas mostrar e

explicar como o drama funcionou e como todos os professores poderiam

adotá-lo em suas aulas (LEWICKI, 1996: 68 trad. nossa) 35.

Apesar de constatar a forte influência de Heathcote no desenvolvimento da

metodologia do drama e de lançar mão de uma de suas estratégias de ensino para

explorar as possibilidades de trazer o teatro para a sala de aula, minha proposta do

professor-artista enfatiza a exploração da teatralidade e da aquisição da linguagem

teatral pelo aluno, diferenciando-se da ênfase que Heathcote dá ao aspecto educacional.

De qualquer maneira, a discussão sobre o papel do professor como co-artista no

desenvolvimento do trabalho é praticamente recente, mas bastante presente entre os

praticantes e estudiosos do drama na atualidade (TAYLOR&WARNER, 2006). Esta

postura não é muito fácil de assumir, na medida em que exige que o professor esteja

preparado para abdicar de seu usual papel (de professor), no qual ele tem a palavra final

e é o detentor do conhecimento. Ele precisa ser capaz de dividir as responsabilidades

tanto do processo de criação quanto de aprendizado com o resto do grupo.

Como artista, o professor precisa estar preparado para tolerar sua própria

espontaneidade e a do grupo. Como qualquer processo criativo ele precisa aventurar-se

em um novo território, arriscar-se no caos e na fragmentação do trabalho. Pode ser

difícil para os professores irem adiante numa situação na qual eles não podem elaborar

planos para o futuro (TAYLOR&WARNER, 2006).

Neste sentido, a noção e o conceito de ‘professor como intelectual’, proposto por

Giroux, abre perspectivas para a apropriação das estratégias estudadas – professor no

35 She wanted not to transfer her personal skills to the students or other teachers, but she was convinced that everybody is able to develop his/her own skills in order to produce an individual methodology. Her aim as a drama practitioner and university lecturer was not to produce other ‘Heathcotes’, but to show and explain how drama worked and how all teachers could employ drama in their teaching.

52

papel e professor-personagem – e para o desenvolvimento de alternativas

metodológicas. O professor como intelectual está centrado na ampliação do capital

cultural do aluno, introduzindo referencial cultural, teórico (conceitual e lingüístico) e

metodológico, fornecendo as informações e os métodos, com liberdade para

desenvolver e explorar o seu modo particular de fazer.

A seguir relato as experiências por mim realizadas com o professor no papel e o

professor-personagem, através da condução de dois processos de drama que tinham

como objetivo geral reforçar a teatralidade das experiências e investigar os problemas e

as possibilidades oferecidas pelas estratégias mencionadas para o processo de ensino

aprendizagem do teatro.

53

Capítulo 3: Minhas experiências com o professor no papel e com o

professor-personagem nos processos de drama a partir do pré-texto Nós

e Eles.

Fig.1: Papéis e personagens assumidos durante os processos práticos: (da esquerda para a direita: Moradora da

cidade vizinha; Escriba; Escriba Namassor; Funcionária da Prefeitura, Advogada).

Neste capítulo pretendo relatar as experiências que tive com a condução de dois

processos de drama, nos quais busquei explorar a teatralidade e investigar os

procedimentos do professor no papel e do professor-personagem.

A primeira experiência foi realizada no formato de oficina com alunos do curso

de Licenciatura em Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC

e professores de artes da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis e a segunda

experiência foi realizada com alunos da terceira série do Ensino Fundamental da E.E.B.

Lúcia do Livramento Mayvorne, ambas em Florianópolis.

O tema geral das experiências foi a discussão do potencial do fazer teatral no

contexto do ensino curricular, a ênfase na teatralidade e o papel do professor como ator

na sala de aula, assumindo papéis sociais e personagens, desdobrando a estratégia do

drama denominada teacher in role em duas vertentes - professor no papel e professor-

personagem.

54

Em ambas as experiências o texto dramático ‘Nós e Eles’, de David Campton36

foi escolhido como pré-texto do drama.

Resumo da fábula:

O texto ‘Nós e Eles’ conta a história, através do personagem do Escriba, de dois

grupos de pessoas, A e B, que chegam a um lugar, que pode ser qualquer lugar, e

passam a conviver neste mesmo espaço. A convivência leva os grupos a quererem

dividir o espaço e eles chegam à conclusão que a melhor forma de dividir este espaço é

através da construção de um muro. Separados pelo muro, eles passam a imaginar o que

os outros estão fazendo ou deixando de fazer e isso leva ambos os grupos a um estado

de paranóia. Assim, eles resolvem derrubar o muro e, ao derrubarem, percebem que os

conflitos entre eles foram gerados pelo fato de que o muro era muito fino, muito baixo,

curto etc. O Escriba, indignado, constata que, na história, as coisas se repetem, e que

logo, logo irão chamá-lo em outro lugar, provavelmente para ele escrever/relatar a

mesma história.

Personagens do texto:

Escriba;

Grupo A e Grupo B (número de participantes indeterminado; gênero não

determinado)

Porta voz A

Porta voz B.

Questões abordadas pelo texto e que podem ser exploradas pelo processo de

drama - o texto como pré-texto.

1. A convivência entre grupos distintos – identidade e diferença;

36 David Campton (1924-2006): Dramaturgo inglês que escreveu para teatro, cinema e rádio e foi considerado um dos primeiros dramaturgos britânicos a escrever no estilo do Teatro do Absurdo.

55

2. A mudança de vida - envolvendo os limites entre os processos de acomodação

e confronto de recém chegados a um determinado local;

3. A ocupação da terra: dificuldades e possibilidades oferecidas pela nova terra.

4. As expectativas geradas com a mudança - o que se ganha e o que se perde.

3.1. Nós e Eles: o professor-personagem conduz a cena - oficina sobre o potencial

interdisciplinar do teatro como eixo curricular.

A presente oficina foi criada juntamente com o grupo de estudo Teatro como

Pedagogia37 (Parte Prática) e foi conduzida por mim, contando com a participação de

todo o grupo e com a coordenação pedagógica da Professora Doutora Beatriz Cabral38.

Foram quatro encontros realizados nos dias 19 e 26 de abril e 3 e 10 de maio de 2007,

das 14h00minh às 16h00minh no Teatro da UFSC em Florianópolis, somando um total

de 8h, com a promoção do Projeto Arte na Escola Pólo UFSC.

Optamos por fazer a oficina no teatro, ao invés da sala de aula, para

aproveitarmos os recursos de luz, som, além do palco, ajudando a estabelecer a

atmosfera teatral desejada. Esta opção não nos pareceu incompatível com a instituição

escolar, já que várias escolas possuem uma sala especial para a disciplina de artes, ainda

que não tenha o aparato técnico próprio de um teatro. Outro fator que determinou a

escolha do espaço teatral foi a grande quantidade de pessoas envolvidas,

aproximadamente 40 pessoas entre os proponentes, os participantes e os observadores.

Este processo foi planejado pensando em um público alvo de alunos de Ensino Médio

em diante. Na nossa experiência, ele foi realizado com professores de artes e futuros

professores, todos com idade superior aos dezoito anos. Sugerimos, por questões

pedagógicas e práticas, que o grupo fosse dividido em dois, sendo que metade

participou e metade observou. Estes grupos não eram fixos, de modo que em cada

sessão o participante poderia somente observar ou somente participar, e inverter as

posições nas sessões seguintes. Como a oficina tinha o caráter de investigação,

37 A equipe de pesquisa em cena contou com a coordenação pedagógica da Professora Doutora Beatriz Cabral, e foi composta por mim, Professora Ms Heloise Baurich Vidor, Ms Melize Zanoni, a aluna do Mestrado em Teatro/UDESC Raquel Guerra, aluna da graduação em Licenciatura em Artes Cênicas/UDESC Lia Motta e o ator Pedro Paulo Prado Pitta, todos pertencentes ao grupo de estudo acima referido. 38 O planejamento das atividades foi feito por mim, porém todas as resoluções nos mais diferentes níveis foram tomadas em conjunto com o grupo, inclusive o próprio plano de aula.

56

quisemos abrir a possibilidade de os participantes – professores e futuros professores –

modificarem o olhar durante o processo. Em termos pedagógicos, se a proposta era

reforçar a teatralidade, a presença do observador, de acordo com Cornago (2006) era

essencial e este aspecto precisava ser diferenciado da abordagem tradicional do drama,

na qual não existe espectador a priori. Em termos práticos, seria inviável trabalhar com

40 pessoas no palco.

Decidimos também não interromper o processo para discussões sobre a

metodologia. Isso porque pretendíamos investir no caráter espetacular. O personagem

do Escriba, assumido por mim, seria o responsável por estabelecer o fio condutor da

narrativa, passando instruções eventuais e de forma indireta. Os quatro porta-vozes,

assumidos pela equipe de pesquisa, fariam a mediação e o esclarecimento das instruções

junto aos participantes, cada qual com seu grupo.

Os objetivos foram:

1. Investigar a participação do professor no processo tendo como foco a estratégia do

professor no papel, transitando entre a função de pedagogo e de ator.

2. Investigar o desdobramento possível e suas diferenças quanto a assumir um papel

social, como na proposta inglesa e assumir um personagem. Como isso acontece no

processo? Esse desdobramento é válido? Por quê?

3. Buscar potencializar os elementos teatrais no processo de drama - a ambientação

cênica, o jogo cênico e o sentido espetacular - de modo a reforçar sua relação com o

ensino do teatro na escola.

4. Compartilhar a experiência com professores da rede, que estão no dia a dia da sala de

aula e podem avaliar o potencial e a viabilidade desta proposta metodológica para

envolver e/ou engajar emocionalmente o aluno no processo de investigação cênica.

Aspectos da contextualização:

• O texto como pré-texto: as adaptações ao contexto dos participantes.

57

1. Dividimos os participantes em quatro grupos ao invés de dois. E os denominamos de

‘tribos’ para fazer uma conexão com a atualidade, onde os jovens se juntam por

determinadas afinidades e recebem a denominação de tribos.39

2. No texto original, não sabemos quem são esses As e Bs, não percebemos nenhuma

característica que os identifique com um determinado perfil. Ao contrário disto, eles são

colocados pelo autor como muito parecidos, dizem as mesmas coisas, tem as mesmas

idéias e angústias. No nosso caso, procuramos relacionar com nosso contexto atual,

pensando numa cidade com características urbanas, em franco desenvolvimento e as

contradições que começam a surgir: o desenvolvimento urbano, cultural, econômico, tão

desejado por alguns e a questão da preservação do meio ambiente, tão preconizada por

outros. Estes temas estão muito presentes na atualidade e, na nossa cidade, eles ocupam

manchetes de jornais quase que diariamente, já que Florianópolis é reconhecida como

cidade modelo em termos de qualidade de vida e por isso tem trazido muitos novos

moradores para cá. Esses que chegam trazem o sonho de uma cidade urbana, próspera,

desenvolvida, ou, ao contrário estão fugindo dos grandes centros em busca de uma vida

mais tranqüila e um lugar mais calmo, menos poluído, menos violento. Assim,

encontramos aqui aqueles que se identificam com algum aspecto desta problemática e

acabam se juntando em tribos que discutem estas questões e assumem um estilo de vida

que as identificam.

3. Para evitarmos uma abordagem estereotipada das tribos, resolvemos dividi-las em

quatro, pensando em outros tipos de tribos que reconhecemos aqui na cidade: tribo dos

esotéricos, tribo dos internautas/ tecnólogos; tribo dos desenvolvimentistas urbanos e

tribos dos ambientalistas. A simbologia que usamos carrega um aspecto metafórico que

não estabelece uma relação direta de significado: a tribo dos esotéricos foi simbolizada

pelas conchas, a tribo dos internautas foi simbolizada pelos galhos, a tribo dos

desenvolvimentistas urbanos foi simbolizada pelas pedras e a tribo dos ambientalistas

foi simbolizada pelas folhas.

4. Nossa adaptação ao texto original conta com a interrupção da história no momento

em que os grupos vão decidir pela derrubada ou manutenção do muro. No original eles

optam pela derrubada, mas voltam a pensar que poderiam construir outro mais

39 Segundo o sociólogo Michel Maffesoli: “uma tendência da sociedade pós-moderna é a fragmentação da sociedade em pequenas tribos [...] A tribalização pode ser para melhor ou para pior. Há gangues nas cidades e há o bom relacionamento nas praias. São dois pólos da tribalização...” (MAFFESOLI, M citado por NAZÁRIO, L. 2005:45).

58

comprido, largo, forte, grosso. Neste momento do texto, nós sugerimos a realização de

uma assembléia e uma votação entre as tribos, que agora estão duas de um lado e duas

de outro lado, ponderando a presença do muro como algo que pode ou não ser eficaz.

Assim, os participantes decidem se o muro deve ou não ser derrubado e discutimos

quais as implicações de uma ou de outra opção. Isso mostra que o final é aberto e em

cada contexto que a experiência é realizada o muro pode ser derrubado ou não.

• Personagem assumido pelo professor:

Escriba: O escriba está presente no texto original e teve suas falas preservadas. A

função do escriba no texto é comentar e registrar os eventos na medida em que estes

ocorrem.

• Papéis sociais assumidos pelo professor:

Moradora da cidade vizinha: este papel não está presente no texto original. Ele é um

papel de status médio e foi criado, para a segunda sessão, com a função de verificar se

os participantes se lembravam da história e reforçar o sentido da viagem até um

determinado local. Outra função da vizinha era fortalecer a interação com o grupo

através do diálogo criado no aqui agora com as resposta que surgiam. Assim a vizinha

criava perguntas como: quem são vocês? Por que resolveram vir para este lugar? O que

este lugar tem de bom?

Consultora da prefeitura, Srta. Arbeit: este papel não está no texto original. Ele é um

papel de status alto, persuasivo e que tinha o respaldo da prefeitura para determinar as

ações de trabalho que os grupos fariam. A consultora tinha sido contratada pela

prefeitura para auxiliar as pessoas na sua instalação na nova terra, bem como nas

atividades que elas desenvolveriam. A Srta Arbeit tinha a função de identificar as

habilidades de cada membro da tribo, de modo a reforçar as diferenças entre um grupo e

outro. Esta diferença potencializada levaria à construção do muro e ao ápice do conflito.

• Papéis dos porta-vozes tribais

59

Quatro componentes do grupo de pesquisa assumiram os papéis de porta vozes

das tribos e mantiveram uma interação direta com os participantes. Como porta vozes,

eles negociavam as questões do uso da terra com os demais grupos. Para tanto, eles

tinham que levantar perguntas que ajudassem o grupo a se posicionar frente às questões.

• Elementos de caracterização utilizados pelo professor:

1. Propositalmente não utilizei adereços ou figurinos. Optei por usar uma roupa

preta e um lenço, que a cada mudança de papel ocupava um lugar diferente no corpo;

estabeleci mudanças no corpo e na voz para cada um dos papéis e para o personagem do

Escriba.

2. Foi utilizado um tambor que pontuava o ritmo da ação dramática e ajudava a

dar as informações e tarefas na medida em que chamava a atenção dos participantes

quando estes estavam dispersos ou em grupos discutindo as tarefas.

• Procedimentos metodológicos:

Rituais, ritos de passagem, jogos teatrais com objetos, imagens corporais,

fragmentos de texto e uma sensibilização, intercalando, respectivamente, a introdução

gradual do contexto pelo professor e a interação do texto com a memória dos

participantes.

• Materiais de apoio:

Um tambor, vinte caixas de papelão, tintas, pincéis, cola, tesoura, folhas secas,

galhos de árvores, conchas e pedras (pedregulhos), seis fotos impressas em tamanho A3.

60

3.1.1. Relato da Experiência.40

1o. Episódio: Quem somos...? O que buscamos...? A Jornada.

O foco desta primeira sessão estava na inserção do participante na atmosfera

teatral e suas primeiras relações com o tema da narrativa. A sensibilização foi a

estratégia utilizada para criar o percurso da viagem que estava começando. E os

elementos simbólicos, estabeleceram a identidade de cada tribo de uma maneira

metafórica. Cada símbolo (galho de árvore, concha, pedra ou folha) os uniu em uma

tribo, portanto, tivemos quatro tribos: a Tribo das Conchas, a Tribo dos Galhos, a Tribo

das Pedras e a Tribo das Folhas. Essas tribos foram mantidas ao longo de todas as aulas.

Os participantes, descalços e de olhos fechados, entraram no teatro e

percorreram o ‘caminho da viagem’, do corredor de entrada até o palco, o qual estava

preenchido pelos mesmos elementos da natureza (folhas secas, galhos, pedras, conchas).

Cada participante passou pela sensibilização e juntou-se aos quatro porta-vozes que

estavam em posição de estátua (equipe de pesquisa) no palco. O fundo musical sugeria

uma atmosfera misteriosa e desta forma as tribos foram formadas.

Fig. 2: Os participantes junto aos porta-vozes no palco.

40 O registro fotográfico foi realizado por Marcelo Cabral Vaz.

61

Após todos se acomodarem e ficarem em posição de estátua junto à sua tribo,

como professor-personagem, toquei um tambor, chamando a atenção para mim e iniciei

com o texto “Nós e Eles” assumindo o personagem do Escriba:

“Que estranho. Eu tinha certeza que tinha alguém aqui. Apenas há um minuto...

Eles vêm e vão. (neste momento as estátuas se mexem). Escutem... Alguma coisa

está para acontecer. Eu preciso tomar nota.”

A cada batida no tambor, um porta-voz descongelou e falou um texto

improvisado que se relacionava com o seu símbolo. Após as improvisações dos porta-

vozes, ainda como Escriba disse: “Quem são essas tribos? Essas tribos se reúnem e

discutem suas características, suas expectativas, seus sonhos... Tempo de discussão...”

Passando a instrução de maneira indireta, propus que os grupos se reunissem e

discutissem a identidade da tribo da qual pertenciam. Vale ressaltar que os porta-vozes

participaram das discussões como pertencentes a cada tribo, mas ajudaram a esclarecer

as instruções das tarefas junto aos grupos, agindo como professores-auxiliares.

A última tarefa foi preparar uma imagem congelada feita com os corpos dos

participantes, que retratasse o desejo da tribo neste novo lugar. E após a realização da

imagem coletiva cada participante falaria uma frase verbalizando o seu sonho individual

dentro do coletivo. Através da minha condução como professor-personagem, com o

auxílio do toque do tambor, cada grupo mostrou aos outros e aos observadores sua

imagem e suas vozes. Após as quatro tribos terem realizado a tarefa, a luz caiu

lentamente e a primeira sessão foi encerrada.

2o Episódio: A chegada ao novo lugar: teremos que dividir a terra nova???

O foco desta sessão estava na fortificação da identidade de cada tribo, na

convivência das diferentes tribos dentro do mesmo espaço desejado e no conflito gerado

pela divisão da terra.

Os participantes se juntaram com as suas tribos e cada tribo ocupou uma posição

no teatro (norte, sul, leste e oeste). Nesse momento, apareceu uma velhinha dizendo que

era moradora de um povoado vizinho (professor no papel), e ela fazia perguntas aos

62

viajantes procurando promover ou reforçar a identidade de cada grupo, esta personagem

não existe no texto original e sua fala foi totalmente improvisada.

Fig 3: professora no papel da vizinha. Fig 4: Painel da Tribo dos Empreendedores.

Depois desta intervenção, os participantes criaram com material para pintura e

frases poéticas uma bandeira com seu lema, estabelecendo bem a diferença entre “nós”

e “eles”. Quando os painéis ficaram prontos, foram criados os “gritos de guerra” de cada

tribo, inspirados por trechos de poesias. Num ritual em coro, alternadamente, cada tribo

emitiu seu ‘grito de guerra’ e exibiu sua bandeira. Como Escriba (professor-

personagem), encerrei a sessão, dizendo:

Há lugar suficiente para todos? Como fica a convivência cotidiana dentre tantos

desejos e tantas incompatibilidades? Se vocês não têm outro lugar para ir... Se

este é o lugar de vocês, qual a melhor solução?

3o. Episódio O que se faz do outro lado do muro...????A curiosidade mata!!!!!!!!!!

O foco deste encontro estava na busca da visão paranóica gerada pelo

desconhecido, e que foi provocada pela existência do muro. A base do trabalho estava

na realização de ações físicas e sonoras pelos dois grupos A e B, buscando deformações.

A luz acendeu. Havia um muro construído no meio do palco. Cada tribo

escolheu um lado do palco de acordo com as afinidades entre sua tribo e as outras. A

Tribo dos Galhos (tecnólogos) ficou com a Tribo das Pedras (empreendedores) e a

Tribo das Conchas (esotéricos) ficou com a Tribo das Folhas (ambientalistas). Todos

63

receberam fragmentos do texto, cujo tema central era ‘o trabalho’ e, em coro, falaram de

um lado do muro para o outro lado do muro.

Neste momento, surge Srta. Arbeit, outro papel assumido por mim que também

não existe no texto e que foi improvisado. A Srta. Arbeit era uma executiva estrangeira

que tinha sido contratada pela prefeitura da cidade vizinha para orientar estas pessoas

para o trabalho e organizar cada lado do muro. Ela pediu aos trabalhadores que

mostrassem com o que iriam trabalhar – ações físicas – e, posteriormente, criassem uma

engrenagem com as ações de trabalho. Esta engrenagem seria transformada numa ação

coletiva e silenciosa.

Fig. 5: Cada tribo realizando seu trabalho com a orientação da Srta Arbeit.

Sem interromper o trabalho, eles falavam frases do texto produzindo um eco

assustador:

Oooo queee seráaaaa queeeee estáaaaa acontecendooooo doooo outrooooo

laddooooodoooo murooooooo...............................?????????????

A próxima tarefa foi criar uma pirâmide com os corpos de todos, para que eles

pudessem enxergar o que havia do outro lado do muro.

64

Fig. 6: Pirâmide de corpos: O que tem do outro lado do muro??

Quando conseguiram se olhar, o Escriba, professor-personagem, interrompeu e

finalizou:

Eu deixo a pergunta no ar: o muro cairá ou o muro se manterá??Saberemos na

próxima sessão.

4o Episódio: Derrubar ou preservar?

O foco desta sessão estava na derrubada ou na manutenção do muro. A sessão

iniciou-se com a reprodução da cena final do encontro anterior. Como Escriba, repeti a

mesma fala de encerramento e propus que, a partir desta pergunta, o grupo se reunisse

para uma assembléia, para decidir o quê faríamos com o muro. Decisões divergentes:

um lado optou pela derrubada do muro e o outro pela manutenção do mesmo. Assim,

propus outra tarefa: uma improvisação com o tema: “Alguns anos se passaram... o que

aconteceu com estas pessoas?” Os grupos combinaram e apresentarem para os

observadores. Depois de ‘olhar’ o futuro, perguntei aos grupos se eles ainda assim

manteriam suas posições e a resposta foi sim. Então, passamos à votação entre os

observadores e, por diferença de um voto, o muro foi mantido.

Cada lado do muro fez um memorial, registrando os fatos, expressando opiniões

sobre o acontecido. Na tentativa de contextualizar a proposta com eventos da nossa

história real, disponibilizamos fotos ampliadas de muros que existiram ou existem no

mundo: Muro de Berlin, Muro das Lamentações, Muralha da China, Muro da fronteira

entre México e EUA, para serem incorporadas nos memoriais. Prontos os memoriais,

65

em bloco, os grupos circularam pelo teatro verbalizando sua posição frente ao ocorrido.

Em clima de manifestação, chamei a atenção de todos com o toque do tambor e

cantei um trecho da Internacional Comunista em russo. Encerramos a sessão. Ao

término da experiência, fizemos uma avaliação, procurando identificar quais foram os

aspectos mais significativos para participantes e observadores.

Fig. 7: Um dos memoriais criados.

3.1.2. Avaliação.

Nossa avaliação tinha como guia a hipótese de que a ênfase na criação da

ambientação cênica e nas propostas de exercícios que focassem aspectos propriamente

teatrais, como improvisações, criação de ações físicas, criação de imagens corporais,

criação de sonoridades, criariam uma atmosfera que ajudaria a envolver o grupo no

contexto da ficção. O professor no papel ou assumindo um personagem manteria

presente a ficção e faria a mediação entre esta e os participantes. Utilizamo-nos de dois

procedimentos para a avaliação: o debate ocorrido logo após o término da última sessão,

gravado em DVD e um questionário de recepção. Os resultados foram amplamente

discutidos com os alunos de graduação na disciplina de Estágio 1 e Metodologia do

Ensino do Teatro 1, ministradas pela Professora Beatriz Cabral, com a participação de

alguns componentes do grupo de pesquisa nas discussões.

66

a) O debate: a seguir aponto as questões principais que emergiram no debate em

termos da aplicação da metodologia nesta experiência.41

1. A possibilidade/ dificuldade de transposição da experiência para a escola.

Questionamento: Como adequar uma experiência como esta à sala de aula, tentando

reforçar a teatralidade e driblar a precariedade do ambiente, estando o professor

sozinho, sem uma equipe de professores? “(...) eu dou aula para 18 alunos e é muito

difícil porque este embate é o dia a dia deles... Eu fico imaginando fazer isso com eles...

eu ia sofrer muito... Alunos de segunda série...” (Transcrição do DVD do debate).

Comentário: A possibilidade de adequação está relacionada à adaptação dos

procedimentos metodológicos ao contexto e à faixa etária dos alunos. As tarefas que

neste processo foram desenvolvidas de forma concentrada poderiam ser estendidas ao

longo do semestre e distribuídas dentro do planejamento do professor. Quanto à

presença da equipe, se por um lado ajudou a dividir as tarefas e a discutir as

proposições, por outro lado, dificultou a comunicação. O professor, sozinho, em contato

direto com a turma, com a qual tem familiaridade, provavelmente terá melhores

condições de administrar as mudanças de plano de aula, fazer a mediação com seus

alunos, além de explorar os espaços da escola e os materiais disponíveis na mesma para

incrementar o trabalho. Mas, para compreender melhor esta dinâmica de deslocar o

processo para o campo escolar, foi que propus, dentro da perspectiva desta pesquisa, a

realização de um processo na sala de aula.

2. Papel da mediação do professor no processo.

Questionamento: Como equilibrar o estético e o pedagógico em termos da incorporação

da voz dos participantes? Como o professor no papel e o professor-personagem se

referem à funcionalidade dos papéis escolhidos e incorporam a voz dos participantes?

41 Quando for trazer a fala literal do participante, utilizarei aspas, seguido da expressão: Transcrição do DVD do debate, entre parênteses.

67

“(...) até que ponto o professor deve assumir uma performance/caracterização ou deve

pensar mais na funcionalidade, ou seja, como seu discurso funciona para trazer as

pessoas para o contexto e para que os alunos façam o que ele quer”. (Transcrição do

DVD do debate).

Comentário: Nesta experiência, conforme coloquei no início do capítulo, não usei

nenhum recurso para a caracterização além da expressão física e vocal. E mesmo assim,

os alunos a perceberam como uma caracterização performática e levantaram a questão

do foco no pedagógico. Como vimos, no aspecto da caracterização não há um consenso

de como realizar a estratégia, o importante é que se mantenha a questão da sua

funcionalidade. O’Neill, por exemplo, opta por papéis “sem face”, sem qualquer

preocupação com a caracterização e Ackroyd e O’Toole, por exemplo, a reforçam

quando assumem um papel.

A caracterização é um dos elementos que podem ser associado ao professor-

personagem, pois o personagem, ao inserir a voz do autor, traz outra realidade em

termos de espaço e tempo. A caracterização física e vocal pode contribuir para clarificar

para os alunos que tempo é esse e que local é esse (modo de falar rebuscado; sotaque,

postura, trejeitos). Além deste aspecto, o uso de adereços e figurinos também contribui

para a caracterização do personagem e a introdução de outros elementos que compõem

a linguagem do teatro e que podem ser desenvolvidos pelo professor como a criação de

figurinos e objetos (figurinos/adereços feitos com material reciclado, por exemplo).

3. O trânsito entre os papéis de pedagogo e ator através do professor no papel e do

professor-personagem.

Questionamento: “Quando o professor assume o personagem isso dá mais impacto para

os alunos quanto mais há quebra [entrar e sair do personagem]. A quebra eleva o

potencial do professor-personagem. As quebras são importantes para dar as instruções.

Usar o professor-personagem para passar as instruções é confuso.” (Transcrição do

DVD do debate).

Comentário: No contexto da escola, onde há familiaridade entre professor e aluno, o

jogo de entrar e sair do papel é atrativo e impactante. Porém, é importante apontar que o

procedimento do professor no papel tem como uma das funções, transmitir

68

informações, e isso nem sempre é confuso, pois segundo Heathcote, a estratégia foi

criada essencialmente para facilitar a comunicação entre professor e aluno

(HEATHCOTE apud LEWICKI, 1996). Neste processo o professor manteve-se mais

tempo no papel de ator, saindo do personagem do Escriba para assumir os papéis da

Vizinha e da Advogada. A mediação pedagógica42 entre a construção da narrativa pelo

grupo e a manutenção do personagem e dos papéis assumidos pelo professor foi

realizada pelos integrantes do grupo de pesquisa, que assumiram os papéis de porta

vozes das tribos.

4. Interação do professor-personagem com os participantes.

Questionamento: Segundo os participantes, houve distância entre o personagem do

Escriba e os mesmos. “Com os dois personagens que foram improvisados nos sentimos

mais próximos do professor.” (Transcrição do debate).

Comentário: Esta afirmação confirma a especificidade do personagem no processo. O

personagem do Escriba no texto “Nós e Eles” não participa da ação, funciona como um

narrador que descreve os acontecimentos na medida em que eles ocorrem. A proposta

de trazer um personagem, como opção metodológica a ser explorada neste e em outros

processos, não é para que ele seja próximo dos participantes, ele é justamente para

aparecer como alguém distante, provocador, estranho, polêmico. Os papéis

improvisados - a velhinha da cidade vizinha e a Srta Arbeit – tem a função de

aproximar, dialogar e desafiar.

5. Quanto à função dos papéis.

Questionamento: Os papéis (Vizinha e Sra. Arbeit) e o personagem (Escriba)

assumidos pelo professor, para os alunos, “não ajudaram a desenvolver a ficção, ou seja,

não foram tão funcionais.” (Transcrição do DVD do debate).

Comentário: Este é um ponto interessante para análise, porque ambos os papéis

cumpriram suas funções de acordo com o que foi planejado quando os criei – função de

estabelecer diálogo com os participantes, desafiando-os com perguntas referentes ao

contexto ficcional e relacionados com o momento de desenvolvimento em que estava a 42 Neste caso entendemos mediação pedagógica como o esclarecimento das instruções das atividades propostas.

69

narrativa. A vizinha colocava-se como alguém que queria entender porque eles estavam

ali, o que este lugar tinha de tão interessante e perguntava isso a eles. A Sra. Arbeit

queria que eles trabalhassem e a partir daí, mostrassem qual trabalho desenvolviam de

acordo com a lógica da tribo a qual pertenciam.

O personagem tinha a função de trazer o texto do autor referente à

contextualização das situações exploradas, indiretamente dando pistas sobre o que

estava ocorrendo, trazendo os acontecimentos para o fio da narrativa.

É importante notar que nenhum deles caracterizava-se como protagonista da

ação dramática em questão. Este é um dos critérios usados no drama para a escolha dos

papéis pelo professor, quando o mesmo lança mão da estratégia do professor no papel.

Nas estruturas de drama criadas por Cecily O’Neill (1997), os papéis principais

de um texto dramático ou de um tema que está sendo trabalhado no drama, só são

trazidos para o processo se eles tiverem que ser conhecidos pelo grupo para que a

narrativa prossiga. Quando isso ocorre, os participantes assumem este papel de forma

alternada, contribuindo para que o conhecimento do mesmo seja aprofundado, trazendo

diferentes aspectos, até mesmo contraditórios (mostrando as contradições presentes no

mesmo), justamente para incrementar a discussão.

Na estrutura criada a partir da história de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo,

não existe nem a Chapeuzinho, nem a Vovó, nem o Caçador, nem o Lobo. Existem

‘lobos’ numa floresta onde coisas estranhas estão ocorrendo e as únicas semelhanças

com a versão tradicional é que há uma floresta e que os lobos falam. “Os únicos

resquícios da versão original são os lobos falantes, a floresta, e o senso de uma

comunidade hostil aos lobos” (O’NEILL, 1997: 54) 43. Esta forma oblíqua de abordar o

processo evita, por um lado, a distribuição de papéis entre os participantes dentro da

divisão hierárquica de protagonista, coadjuvante, figurante e, por outro lado, oportuniza

a discussão sobre o acontecido, versões possíveis para os fatos e não sua representação

tal e qual conhecemos ou está proposta pelo texto.

Neste sentido, a estratégia do professor-personagem pode ter uma contribuição

importante, pois, ao invés do aluno, é o professor que pode trazer um protagonista para

43 The only remnants of the original tale were talking wolves, the setting of the Woods, and a vestigial sense of a community hostile to the wolves.

70

esclarecer a ação, ou fortificar o conflito proposto, criando tensão através do ponto de

vista do personagem.

5. A presença da platéia.

Questionamento: “Por que havia uma platéia?” “A platéia influencia o processo...”

(Transcrição do DVD do debate).

Comentário: Estes questionamentos revelam a dificuldade dos participantes de

encararem a platéia como parte fundamental do jogo - a platéia como jogadora potencial

(GUÉNOUN, 2004), porque colocam implicitamente que a “influência” da platéia pode

ser algo ruim. Apesar de conhecedores dos jogos teatrais (SPOLIN, 2005) – conteúdo

presente nas disciplinas de Estágio e Improvisação Teatral na Licenciatura – nos quais a

presença da platéia é elemento fundamental desde o primeiro dia de prática, há uma

tendência de proteger os alunos da exposição. Por outro lado, paradoxalmente, os

alunos, tanto da universidade, quanto da escola tem necessidade/vontade de mostrar, o

que me parece positivo, pois mostrar tem o sentido de concluir. Ainda que não seja com

o jogo teatral, provocar a situação de apreciação é fundamental para a efetivação do

acontecimento cênico.

Em termos da atuação do professor como ator, a presença da platéia lança um

desafio a mais, pois quando o professor assume papéis ou personagens, ele amplia sua

perspectiva de atenção, pois interage com os participantes, mas não desconsidera a

platéia, o que aumenta o campo de atenção: atuação + o universo criado pelos

participantes + o olhar da platéia = elevação da atenção/concentração idêntica ao

comportamento do ator quando está em cena.

6. Quanto ao ponto de vista do observador:

Questionamento: “foi melhor observar do que participar” (Transcrição do DVD do

debate),

Comentário: Esta colocação revela que o sentido espetacular esteve presente no

processo e evidencia o fato de que o observador consegue apreender o processo de

modo privilegiado. Ele tem como: a) perceber os diferentes pontos de vista que

emergem das tribos, b) compreender o que leva a cada decisão dos participantes, c)

71

ponderar os prós e contras de cada posicionamento, d) visualizar outras possibilidades

de encaminhamento das tarefas e do próprio processo como um todo.

7. O pré-texto “Nós e Eles” e sua contextualização.

7.1. Questionamento: Alguns participantes questionaram o sentido do pré-texto,

alegando que “não compreenderam o jogo entre o contexto dramático [texto original

‘Nós e Eles’] e o contexto ficcional [adaptação para as tribos; tema do desenvolvimento

x preservação]”. (Transcrição do DVD do debate).

Comentário: O que ocorreu foi uma dificuldade de ‘comprar o jogo’, em função do

‘Nós e Eles’ ter sido dividido em quatro tribos. Essa divisão dificultou a identificação

de quem fazia parte do ‘Nós’ ou do ‘Eles’, uma vez que no planejamento da atividade, o

grupo de pesquisa enfatizou a necessidade de evitar a dicotomia e fugir do estereótipo –

os empreendedores são do mal e os ambientalistas são do bem – assim, nenhuma tribo

seria totalmente má ou totalmente boa.

7.2. Questionamento “[A divisão das tribos com a construção do muro] criou uma

tensão absurda e eu fico pensando nisso na sala [de aula], com as crianças... os jogos da

Viola [Spolin] não têm dois times, não tem ‘ganha e perde’ aí você põe um jogo

deste...” (Transcrição do DVD do debate.)

Comentário: Uma das principais funções do drama é trazer à tona, através da ficção,

acontecimentos reais da sociedade, que envolvam questões éticas e comportamentais,

para serem discutidas no âmbito da escola. A competição, a rivalidade, a rejeição ao

diferente são temas presentes no ambiente escolar, assim como na sociedade em geral e

que através de um processo de drama são resgatados para que não ‘passem em branco’,

para que sejam discutidos. Para se fazer isso, muitas vezes, é necessário, sim, criar uma

“tensão absurda”.

O pré-texto ‘Nós e Eles’ sugere a necessidade de se criar uma situação de

divisão para questioná-la a seguir. Neste sentido, Giroux (1999) embasa nosso

pensamento e opção quando coloca que “as fronteiras geográficas, culturais e étnicas

estão dando lugar a configurações mutáveis de poder, comunidade, espaço e tempo.”

(GIROUX, 1999:99). Este pré-texto vem justamente trazer estes pontos e é fundamental

72

que isto se esclareça na colocação e desfecho do conflito trazido pelo mesmo. Ou seja,

não reforça posições binárias de poder – não existe um grupo representando os

mocinhos e outro os bandidos. A complexidade de posições individualistas que possam

prejudicar a coletividade são sempre questionadas por membros de diferentes tribos,

inclusive por posições contrárias dentro da mesma tribo. Além disso, o professor no

papel ou como personagem poderá usar a ironia do texto para mostrar as questões que

permeiam a convivência entre indivíduos, grupos sociais, que geram outras questões

como respeito à diferença, xenofobia, às dificuldades de adaptação ao novo,

expectativas e medos relacionados a situações de mudanças.

Neste sentido, o pré-texto ‘Nós e Eles’ é oportuno para o trabalho em escolas. O

professor em sintonia com as possibilidades da faixa etária com a qual está trabalhando,

terá que fazer as devidas adaptações, em termos dos procedimentos metodológicos que

poderão ser utilizados por seus alunos, no contexto da sala de aula, de modo a favorecer

a construção da narrativa pelo grupo.

b) O questionário:

O questionário44 foi criado com base na identificação dos aspectos teatrais

explorados no decorrer do processo que serviram tanto para criar a ambientação cênica,

quanto à interação entre as tribos e destas com o texto. Os participantes responderam

quais aspectos foram os mais significativos, numa gradação de 1 a 5, sendo o 1 o que

chamou mais a atenção.

As questões do questionário foram relacionadas com o uso do pré-texto ‘Nós e

Eles’ e suas diferentes possibilidades: para focalizar aspectos de identidade e diferença

em grupo; para criar a ambientação cênica; para definir os perfis de tribos – quem são os

“Nós” e os “Eles”, para definir e desenvolver o professor-personagem45; para

problematizar e/ou criar conflitos. Estes foram os eixos temáticos que geraram as

perguntas do questionário, com cinco alternativas sobre cada tema.

44 O questionário completo e os gráficos de tabulação estão nos anexos 1 e 2, respectivamente. 45 Neste momento da pesquisa ainda estávamos utilizando a expressão professor-personagem, na qual o termo ‘personagem’ estava sendo utilizado como sinônimo de ‘papel’. Por isso, só aparece professor-personagem nos itens do questionário. Neste sentido, o questionário não ajudou na questão específica da diferenciação dos conceitos professor no papel e professor-personagem, mas ajudou na compreensão do processo como um todo, o que, para mim, condutora de ‘primeira viagem’, foi fundamental.

73

Resultados e comentários:

Como resultado, tivemos como mais expressivas, dentro de cada eixo temático,

as seguintes respostas:

a) Quanto ao pré-texto: exploração das questões de identidade e diferença dentro de

cada grupo e no relacionamento entre grupos foi a alternativa mais votada.

Comentário: Isso nos mostra que a questão da identidade das tribos e as diferenças

entre elas foi um dos aspectos bem explorados no processo. A diferença foi percebida

pelos participantes em decorrência da divisão do grupo em tribos e da identificação

criada entre os membros de cada grupo a partir das características de sua tribo.

b) Quanto à ambientação cênica: o muro criado com as caixas de papelão neutras e as

pichadas, onde foram inscritos os desejos e diferenças de cada tribo, foi a alternativa

mais votada.

Comentário: A re-significação dos materiais pelos participantes – através de pinturas e

escrituras sobre as caixas – aumentou o engajamento dos alunos na construção da

narrativa teatral, na medida em que eles se envolveram com a criação de slogans e

palavras de ordem.

c) Quanto à função do professor-personagem: a introdução do contexto da ficção e das

situações dramáticas; foi a alternativa mais votada.

Comentário: Esta é a principal função da estratégia teacher in role. A atividade

dramática só pode ser desenvolvida se o contexto da ficção estiver claro e as situações

dramáticas estiverem definidas. O professor, assim, estabelece um foco para o

desenvolvimento das ações do grupo.

d) Quanto ao perfil das Tribos: a simbolização de cada tribo por um elemento da

natureza - galhos de árvores, folhas secas, conchas e pedras - foi a alternativa mais

votada.

Comentário: A questão metafórica é um dos grandes atributos do drama. Trabalhar

com situações e temas reais do cotidiano, metaforizados através da ficção. Aqui no caso,

74

a identificação das tribos foi atrelada aos elementos da natureza, potencializando a

questão simbólica e, ao mesmo tempo, re-significando elementos tão presentes em

Florianópolis.

e) Quanto aos conflitos gerados: os rituais em grupo - foi a alternativa mais votada.

Comentário: Os momentos de maior tensão criados durante o processo foram aqueles

em que os grupos, em marcha, expressavam sua opinião. Em forma de passeatas ou

embates tribais, a força de cada tribo, reivindicando seu desejo, criava o momento de

tensão própria ao conflito proposto.

Como menos expressivas, dentro de cada eixo temático, tivemos as seguintes respostas:

a) Quanto ao pré-texto: os jogos de linguagem.

b) Quanto à ambientação cênica: a exploração do espaço físico de modo a definir

localidades do norte, sul, leste oeste.

c) Quanto à função do professor-personagem: a pontuação das analogias possíveis com

o contexto atual.

d) Quanto ao perfil das tribos: as características físicas/ corporais que as identificavam

como “tribo”.

e) Quanto aos conflitos gerados: a incorporação de fragmentos de falas do texto.

Comentário: Estas alternativas que foram consideradas como as menos expressivas, são

importantes para identificar aspectos potenciais do processo que não foram

suficientemente explorados. Duas delas, a primeira e a última, se referem ao trabalho de

apropriação do texto dramático. Apesar de termos trabalhado com narração, pelo

professor-personagem (personagem do Escriba), e com fragmentos do texto, inseridos

nas tribos pelos seus porta–vozes, não conseguimos explorar suficientemente sua

apropriação pelos participantes.

A exploração do espaço, a pontuação das analogias com o contexto atual e o

trabalho com a caracterização foram focalizados em determinados momentos do

processo, mas não foram priorizados, em termos de aprofundamento, no desenrolar da

narrativa cênica que estava sendo criada.

75

Reflexão final a partir do questionário: Chegar a estas respostas, através da análise

quantitativa proporcionada pela tabulação dos questionários foi importante para o grupo

de pesquisa, pois ele aponta que as formas de percepção do processo pelos participantes

nem sempre correspondem às expectativas do professor. Aspectos julgados secundários

durante o planejamento foram priorizados pelos grupos e questões que o professor

imaginou que causariam grande impacto, não tiveram a recepção esperada.

Outro aspecto importante do questionário foi identificar e explicitar os temas

centrais explorados dentro de cada encontro, e lembrar aos envolvidos (participantes e

proponentes) os detalhes, que poderiam ter sido esquecidos durante a análise. Foi

possível perceber que as questões que foram mais claras na sua formulação, tiveram

respostas mais condizentes com o que os envolvidos falaram no debate.

Algumas das propostas que estavam contidas no questionário – que foi pensado

previamente ao processo prático – foram alteradas ou adaptadas na realização da

prática, perdendo assim importância como questão.

Vale ressaltar que a possibilidade de identificar os aspectos apontados pelos

participantes como os menos expressivos foi importante, pois os mesmos poderiam ser

desenvolvidos em novos episódios, caso o processo fosse continuar. Pensando no

contexto escolar, onde o professor tem um semestre para desenvolver um projeto de

teatro, por exemplo, todos estes aspectos poderiam ser retomados e explorados, ou seja,

o questionário de recepção “em processo” aponta para o professor ações que podem ser

desenvolvidas e aprofundadas no decurso da criação.

Apontamentos sobre a Primeira Experiência.

Depois de vivenciar esta experiência, que considerei como uma experiência

piloto de minha atuação como professor no papel e professor personagem, optei por

repetir a experiência no contexto da escola. Assim, o pré-texto ‘Nós e Eles’ foi mantido,

e as estratégias e convenções adaptadas à nova situação. Os pontos centrais que foram

reconsiderados e adaptados foram:

1. Espaço físico: sala de aula ao invés de teatro.

76

2. Perfil dos participantes: alunos regulares do ensino básico ao invés de adultos

participando em caráter de oficina.

3. Professor sem auxílio do grupo de pesquisa: procurar ficar mais próximo da

situação real do professor de teatro que trabalha no espaço curricular, dentro da

instituição escolar.

4. Professor assumindo a dupla função de artista e pedagogo: como transitar

pelos papéis de pedagogo e ator para realizar a mediação?

5. Variação de papéis: em termos de status e funcionalidade.

6. Explorar o professor-personagem: introdução de fragmentos do texto

dramático através do professor-personagem.

7. Trabalhar na caracterização física/vocal dos componentes das tribos - em

termos de criação de identidade46: construção de personagens pelos participantes.

8. Apropriação de fragmentos do texto dramático pelos alunos: Trabalho de

apropriação do texto também seria priorizado, dependendo das possibilidades de leitura

apresentada pelos alunos da escola.

Passo, a seguir, ao relato da segunda experiência.

3.2. Nós e Eles: Águia Azul e Leão Dourado roubam a cena! A experiência com o

professor no papel e com o professor-personagem na sala de aula.

A segunda experiência com o professor no papel e o professor-personagem foi

realizada na E.E.B. Lúcia do Livramento Mayvorne, com alunos da terceira série do

Ensino Fundamental. Esta escola situa-se no Morro da Caixa – Morro do Montserrat,

região central de Florianópolis e atende alunos desta comunidade, composta na sua

maioria, por população de baixa renda. O primeiro contato que tive com a escola foi

46 Os itens 7 e 8 foram incorporados a partir do apontamento das questões menos expressivas geradas pelo questionário.

77

através do acompanhamento das aulas de estágio ministradas pelos alunos na

Universidade.

Aproveitando a oportunidade, cujo contato inicial foi feito pelo estagiário, a

diretora da escola mostrou-se interessada pelo projeto e pediu que ele fosse

desenvolvido com os alunos da terceira série, que, segundo ela, ‘estavam um pouco

desmotivados’. Como já estávamos no final do semestre letivo e com possibilidades de

greves e paralisações ocorrerem, fizemos dois encontros por semana, com duas aulas

cada, durante duas semanas. As aulas foram ministradas nos dias 19, 26, 29 de

novembro e 4 de dezembro de 2007, em horário seguido (1h30min), somando um total

de 4h 30min de prática e 1h30min de avaliação.

Minha intenção foi manter o mesmo pré-texto da experiência anterior e verificar

quais as adaptações seriam necessárias para o contexto atual, sem, entretanto, mudar os

objetivos centrais: reforçar a teatralidade da proposta e explorar o professor no papel e o

professor-personagem na perspectiva de aproximar os papéis do pedagogo e do ator.

Quanto ao espaço, apesar de a escola possuir uma sala/auditório, preferi

desenvolver o trabalho na sala de aula, tentando explorar suas possibilidades e driblar as

precariedades apresentadas por este local.

Quando iniciei o planejamento, tendo como forte referência a experiência

anterior, realizada com os professores e alunos da licenciatura, no Teatro da UFSC,

minhas principais preocupações foram: incorporar a história dos participantes na criação

do contexto ficcional; entrar e sair do papel e do personagem para passar as instruções,

ou seja, deixar claro o trânsito entre o pedagogo e o ator, não ficar presa ao

planejamento nem ao texto ‘Nós e Eles’. Assim, a manutenção do pré-texto se deu com

base em improvisações das principais situações do texto e à incorporação de fragmentos

do mesmo pelo personagem do Escriba.

Quanto aos papéis que escolheria, preferencialmente, variariam em termos de

status e poderiam retornar em várias aulas, ou seja, em algum momento da trama, eles

reapareceriam. Outro diferencial seria quanto à caracterização. Procurei aprimorar a

caracterização em termos corporais e vocais e também quanto ao uso de figurinos e

objetos. Com isso, minha intenção era proporcionar o contato destes alunos com vários

aspectos envolvidos na performance teatral, ainda que com um caráter de intervenção,

pois ambos professor no papel e professor-personagem podem trazer o teatro para a

sala de aula através da sua atuação.

78

O pré-texto escolhido foi o mesmo – ‘Nós e Eles’, de David Campton – porém,

neste caso, o foco estava no ‘desejo de mudança’, que para um dos grupos significava a

busca por uma vida mais tranqüila, num lugar menos poluído, com mais qualidade de

vida. E para o outro grupo, a busca era por um lugar mais promissor, com mais

oportunidade de trabalho, desenvolvimento urbano, cultural, tecnológico.

Como disse anteriormente, este tema está presente em Florianópolis, pois por um

lado moradores de outras cidades do Brasil como São Paulo, Rio de Janeiro mudam-se

para Florianópolis por considerarem uma cidade menos poluída, menos violenta,

enquanto que os moradores do interior do Estado de Santa Catarina, por exemplo, vem

em busca de oportunidades relacionadas à oportunidade de emprego, aperfeiçoamento

profissional, oferta cultural. E por outro lado, os moradores locais sentem que estão

perdendo oportunidades com a invasão, o que provoca o sentimento de xenofobia em

relação aos que são “de fora”.

Os objetivos específicos foram:

1. Investigar como transitar entre os papéis de pedagogo e ator no contexto da sala de

aula.

2. Investigar e discutir a escolha dos personagens em termos de status, função e

caracterização dos mesmos. Neste item a diferenciação entre assumir um papel social e

um personagem voltou a ser explorado.

3. Investigar como adaptar o pré-texto ‘Nós e Eles’ ao novo contexto. (Outro enfoque,

outros procedimentos).

4. Clarificar a diferença entre as propostas de assumir um papel social ou um

personagem. Minha proposta de insistir no jogo com estas duas possibilidades –

professor no papel e professor-personagem – deve-se ao fato de perceber o potencial

que se apresenta em termos metodológicos com o personagem, e que apenas com a

experiência anterior ainda não tinha ficado absolutamente claro. Pelo contrário, a prática

revelou que o professor no papel, nos moldes ingleses já é por si um procedimento

complexo, que exige muito preparo do professor e que na medida em que é realizado,

vai esclarecendo alguns pontos e colocando outros em questão. No nosso caso, estou

colocando um ingrediente a mais para ser pensado e explorado, mas que pode

acrescentar aspectos, em se tratando do ensino do teatro - o personagem.

79

5. Investigar o envolvimento do aluno na investigação cênica e apropriação da

linguagem teatral.

Pré-texto: ‘Nós e Eles’ de David Campton.

• Personagem assumido pelo professor:

O Escriba, que batizei de Escriba Namassor.

Função: favorecia a interação com os alunos, a introdução da história e a instruções das

tarefas de maneira indireta. O Escriba está presente no texto original e teve algumas de

suas falas preservadas e outras improvisadas. Ganhou um caráter de narrador/ contador

de histórias neste processo.

• Papéis sociais assumidos pelo professor:

A Funcionária da Prefeitura – status médio, representava a instância superior – a

prefeitura – porém, sem muito poder, precisando da ajuda dos participantes. Este papel

tinha a função de introduzir o pacote de estímulos compostos (SOMERS, 1999) 47, para

ajudar a reforçar a identidade dos grupos. Em termos de caracterização, usava um

avental branco, que por sinal é utilizado pelos professores enquanto estão na sala de

aula.

A Advogada: status alto, a função principal era ajudar os grupos na divisão da terra e

levar a narrativa ao ápice do conflito que é a construção do muro para a separação da

terra e suas implicações. O retorno ao papel de status alto, com comportamento bastante

seco e autoritário, foi uma tentativa de administrar o problema da indisciplina na sala de

aula.

47 O estímulo composto é um recurso didático onde alguns objetos são oferecidos aos participantes de modo que seja tecida uma trama de relações entre os personagens, no contexto ficcional, a partir dos objetos. Segundo Somers: “A habilidade de juntar um estímulo composto parece residir no poder de criar personagens e eventos nos quais aqueles estímulos estejam envolvidos. (...) Deve haver uma tensão produtiva entre os artefatos e as informações que estes carregam” (SOMERS, 1999: 39).

80

• Estratégias utilizadas para reforçar a teatralidade da proposta e construir a

narrativa:

Fragmentos do texto dramático, fragmentos de poesia, confecção de cartazes, jogos

tradicionais e jogos teatrais, cenas congeladas, cenas com alteração de ritmo (câmera

lenta, normal, rápido), pacote de estímulos compostos, utilização de figurinos e objetos.

3.2.1 Relato da Experiência.48

Primeira aula- 19/11/07.

Objetivo: conhecer as crianças e iniciar a aproximação ao contexto ficcional.

Personagem: Escriba Namassor.

Chegamos à escola, eu, Beatriz Cabral e Laura Cascaes (ambas auxiliaram no

registro do processo), e conversamos um pouco com a diretora e com a professora da

turma. Às 10h15min entramos na sala de aula da terceira série do ensino fundamental. A

sala era grande e tínhamos aproximadamente 16 crianças. Nós nos apresentamos e eu

iniciei o trabalho pedindo que nós arrumássemos as carteiras de modo que criássemos

um espaço central onde seriam feitas as atividades.

Iniciei com uma roda de apresentação, aonde cada um iria ao centro, falaria o

nome e faria um movimento. A seguir fizemos o Jogo do Diferente: todos os

participantes são colocados no espaço. O professor inicia o jogo fazendo perguntas que

levam as pessoas a se juntarem pelas respostas iguais ou diferentes. Exemplos: Quem

nasceu em Florianópolis? Quem comeu banana no café da manhã? Quem mora com a

avó? Quem é filho único? As perguntas são feitas de acordo com o contexto das

crianças e procurando deixar claro que somos parecidos com uns em algumas coisas e

com outros em outras. Difícil ser igual ou diferente em tudo. Todos participaram

inclusive a professora da turma e a equipe que estava registrando.

48 O registro fotográfico foi realizado por Beatriz Cabral e o registro em vídeo foi realizado por Laura Cascaes.

81

Depois deste jogo, coloquei os acessórios que tinha preparado (um cordão de

TNT colorido e uma touca para a cabeça) e iniciei a história com o personagem do

Escriba Namassor:

“Eu sou o Escriba Namassor e vou contar uma história para vocês: era uma vez

dois grupos de pessoas que vinham de lugares diferentes, gostavam de coisas

diferentes, tinham jeitos diferentes, faziam coisas diferentes e queriam coisas

diferentes... Só que o lugar que elas queriam ir era o mesmo. Era um lugar que diziam

que era muito bom, então todos queriam ir pra esse lugar. Vamos investigar quem eram

estas pessoas e por quê elas queriam se mudar???”

A seguir, tirei os acessórios e perguntei a eles quem tinha estado ali e o que

havia dito. Alguns disseram que era eu mesma e outros disseram que era um homem,

dando inclusive um nome – Maracutaia Nacutaia, que eu incorporei ao que eu havia

criado - e disseram que ele ia contar uma história de dois grupos de pessoas que queriam

se mudar e iriam para outro lugar, que diziam que era muito bom.

Com isso, eu perguntei a eles se tinham visto esses dois grupos e eles

responderam que não. Então eu disse que nós teríamos a tarefa de encontrar estes dois

grupos e que eles me ajudariam nesta tarefa como detetives. Nós teríamos que descobrir

que lugar era esse, quem eram estas pessoas e por que elas queriam se mudar.

Levei algumas imagens de pessoas, tiradas de revistas atuais. Cada aluno

escolheu uma imagem, depois cada um colou sua imagem num cartaz, deu um nome

para esta pessoa e fez um balãozinho, onde deveria escrever uma fala que explicitasse o

porquê desta pessoa querer se mudar. Esta atividade foi interessante para saber o que

cada um pensava sobre a mudança e seus desejos. Alguns alunos apresentaram

dificuldade em escrever, neste caso, pediam ajuda à professora da turma e a mim.

82

Fig. 8: Crianças escolhendo suas imagens. Fig. 9: Professora auxiliando na escrita dos

cartazes.

Depois que todos terminaram um de cada vez mostrou seu cartaz, dizendo o

nome da pessoa e o porquê da mudança. Expliquei que a partir de agora eles agiriam

como se fossem esta pessoa da foto. A partir daí, de acordo com o perfil de cada pessoa,

dividimos os dois grupos, o grupo A era o grupo dos que queriam mudar para um lugar

mais tranqüilo, mais calmo, para descansar, etc., e receberam uma tira de TNT azul para

caracterizarem-se como grupo. O nome foi escolhido por eles mesmos: ‘Águia Azul’. O

grupo B era o grupo daqueles que queriam ir para um lugar mais agitado, que tivesse

mais trabalho, mais oportunidade, cidades grandes como ‘São Paulo, Rio de Janeiro e

Dalas, nos EUA’(Transcrição do vídeo). Eles receberam uma tira de TNT laranja para

se caracterizarem como grupo e também criaram o nome: ‘Leão Dourado’.

Quando os grupos estavam formados, pedi que eles escolhessem o que levariam

para a viagem. Cada componente escolheria um objeto. Neste momento, devido ao

tumulto na sala, pedi que eles congelassem e somente um leria em voz alta os objetos

escolhidos. O outro grupo realizou o mesmo procedimento. O grupo ‘Águia Azul’

escreveu: amor, coruja de barro, coelho, animais preferido, um burro pra me apóia,

paixão, união, notibuque, macaco mutante. (descrição idêntica ao original). O grupo

‘Leão Dourado’ escreveu: comida, muxila com comidas, ropa, chara (lancheira) com

comidas, comidas, muxila. (descrição idêntica ao original).

Devido à grande dificuldade dos alunos em escrever, as atividades que

envolviam a escrita se transformavam em momentos de dispersão e confusão. Apesar de

contar com a ajuda da professora da turma, não conseguíamos dar o suporte necessário

para que cada um dissesse e escrevesse aquilo que queria.

83

Após a leitura dos objetos, coloquei os acessórios/figurinos e retomei o

personagem do Escriba Namassor, que agora era o Maracutaia na Cutaia, dizendo que

neste momento nós iniciaríamos a viagem. Cada grupo, em câmera lenta, seguiria por

seu caminho. Eu ia conduzindo com algumas informações como: ‘eles estavam muito

cansados, mas eles não caíam no chão, pois eram fortes e queriam chegar ao novo

lugar’.

Fig. 10: Grupos a caminho da viagem.

A seguir, como Escriba, li o poema da mudança bem teatralmente, exagerando

na gesticulação e na entonação:

“Muda o mundo, Mudam as coisas, As pessoas, Mudo eu,

Ás vezes muda...

Muda o verbo

O tempo

O modo

Mudam as perguntas

As certezas

As crenças

Muda a confiança

A esperança... De mudar... ” (Mena Moreira) 49

49 Mena Moreira é poetiza nascida em Santos Dumont, Minas Gerais, também professora e psicopedagoga.

84

Fig. 11: Professor no personagem do Escriba.

E para encerrar, repetimos a roda de apresentação só que agora falando o nome

do personagem criado e fazendo um movimento ou gesto condizente com o

personagem. Fim da primeira aula.

Segunda aula 26/11/07

Este encontro deveria ter sido no dia 22/11/07, mas ele não aconteceu, pois a

escola cancelou todas as aulas. Não fomos avisados que não haveria aula, assim a

equipe de pesquisa compareceu normalmente.

Remarcamos para o dia 26/11/07.

Objetivo: reforçar a identidade dos personagens criados e traçar uma história coletiva

que una esses personagens.

Papel social assumido pelo professor: Funcionária da Prefeitura (status médio)

Chegamos à escola às 10h00min e, em seguida subimos para arrumar a sala

antes da entrada dos alunos. Deixamos as cadeiras em formato de moldura de modo que

o centro da sala estivesse livre. Quando as crianças chegaram, sentaram-se nas carteiras

e conversamos um pouco sobre o trabalho. Perguntei se elas se lembravam da nossa

história e elas disseram que sim. Falaram sobre os grupos que tinham sido formados.

Para facilitar a lembrança a todos, redistribuí os cartazes que eles tinham feito e

85

pedi que lessem o que tinham escrito e o nome dos personagens. Perguntei se elas

lembravam quem tinha estado lá para ajudar a contar a história. Imediatamente

disseram: ‘Maracutaia na Cutaia’. A seguir, perguntei sobre a mudança, o porquê da

mudança e os objetos que seriam levados na viagem. Todos relembraram. Enquanto

fazíamos este protocolo oral, redistribuí as fitas azuis e laranjas de modo a reconfigurar

os grupos: Águia Azul e Leão Dourado.

Já com as fitas, pedi que sentassem no chão em círculo e começamos a jogar ‘Eu

vou mudar e vou levar... (objetos que foram listados na aula passada), uma

adaptação do jogo: “Eu vou viajar pra Lua e vou levar...”, possibilitando a aproximação

com o contexto da história.

Começando pela minha direita, o grupo Águia Azul, elencou estes objetos: “Eu

iniciei levando um travesseiro; travesseiro e cobertor; travesseiro e cobertor e colchão;

travesseiro e cobertor e colchão e paz; travesseiro e cobertor e colchão e paz e um burro;

travesseiro e cobertor e colchão e paz e um burro e notebook; travesseiro e cobertor e

colchão e paz e um burro e notebook e um macaco.”

Depois fizemos para o outro lado, com o grupo Leão Dourado: “Eu iniciei

levando uma bebida; bebida e comida; bebida e comida e mochila; bebida e comida e

mochila e harmonia; bebida e comida e mochila e harmonia e roupas.”

Como os alunos apresentaram certa dificuldade para ‘engrenarem o jogo’, achei

que fazer variações tentando lembrar o nome do personagem, o desejo de mudar,

acrescido aos objetos, tiraria o interesse do grupo e provocaria dispersão. Por isso,

passei para a próxima atividade.

Como estratégia para a construção da história coletiva, seria introduzido o

pacote de estímulos compostos. Neste caso, o pacote foi introduzido pelo papel de uma

funcionária da prefeitura que foi designada para encontrar os donos de umas sacolas que

foram deixadas numa estrada da redondeza. Ela precisava da ajuda das crianças para

descobrir de quem eram as sacolas, a partir do que elas tinham dentro. Utilizamos dois

pacotes:

O pacote de número 1 foi entregue para o grupo Águia Azul e o pacote de

número 2 foi entregue para o grupo Leão Dourado;

1) Sacola de feira, dentro 1 pé de bota de homem, um pacote de lenço de papel, uma

passagem de avião usada com uma imagem de um menino dentro dobradinha, um cartão

86

com dizeres de saudade, um paninho de neném, um laço de berço velho, um cartão

telefônico, uma boneca de pano, um chapeuzinho de aniversário e pedaços de

papel/revista (uma família, um mapa de SC e um menino numa carroça), folhagens de

ervas. Trechos do texto ‘Nós e Eles’.

2) Bolsa térmica com areia de praia dentro e zíper quebrado, um fax quase apagado com

dizeres de problemas, um carimbo escrito bônus, um pano de mesa bordado, uma tira de

negativo sem fotos, um disquete, um postal de cidade grande, uma nécessaire com um

pente de homem, uma moedeira com moedas estrangeiras, uma pulseira velha e uma

chave, um saquinho de camurça com um pacotinho com um pedaço de pulseira de

relógio, pedaços de papel/revistas cidade grande/balada, um casal sério num enterro.

Trechos do texto ‘Nós e Eles’.

Assim, entrei com o papel da funcionária da prefeitura, dizendo que precisava da

ajuda deles para descobrir o que tinha naquelas sacolas, que foram achadas na rua e que

eram de um grupo de pessoas que estava viajando. Disse que a ajuda deles era

fundamental porque senão eu perderia o emprego se voltasse para a prefeitura sem o

mistério resolvido. A prefeitura não queria as digitais nas sacolas nem nos objetos, por

isso tinha mandado umas luvas para que os objetos pudessem ser tocados. Todos

vestiram as luvas e começaram a mexer nas sacolas.

Fig. 12: Professora no papel da Funcionária Fig. 13: Os objetos do pacote de estímulo composto. da Prefeitura.

Eu me detive mais ao grupo azul, pois este apresentou dificuldade para ler o que

estava escrito nos papéis que estavam dentro da sacola, além de ser o grupo com maior

quantidade de participantes e muito disperso. A professora da turma estava no outro

grupo, o que facilitou a leitura e comunicação entre eles.

87

Depois de um tempo de investigação junto às sacolas, pedi que cada grupo

dissesse para o outro o que tinha descoberto e fizesse uma imagem congelada a partir da

descoberta. O grupo Águia Azul chegou à conclusão de que uma família estava com

uma das filhas doente, bronquite, e precisava mudar para um lugar menos poluído para a

menina se curar, então todos eles iam para este lugar mais calmo e limpo e o médico

estava presente para ajudar na mudança.

O grupo Leão Dourado estava querendo diversão. Eles estavam fazendo um

piquenique com a comida que tinham levado para a viagem e falavam que queriam ir

para a balada, na praia, na Barra da Lagoa e depois voltar das férias. Eu lembrei a eles

que não era uma viagem de férias, era uma mudança. Ficou perceptível que as

características dos personagens não estavam claras para eles, muito menos a motivação

dos mesmos para a mudança.

Neste momento, eu deveria ter saído do papel, tirado o guarda pó e as luvas, e

ajudá-los como pedagoga e depois, me caracterizado novamente e retornado para saber

a resposta. No entanto, não foi isso que aconteceu. A dificuldade em manter a turma

disciplinada e ao mesmo tempo envolvida com os objetos fez com que eu acabasse

tocando as atividades sem diferenciar a atriz da pedagoga.

Pedi a eles que se mantivessem nos grupos e tentei retomar a concentração

propondo uma ritualização para a chegada ao local desejado pela mudança, que seria o

mesmo local para os dois grupos. Como num coro de pergunta e resposta perguntei o

nome dos grupos, por que se mudavam, o que cada grupo faria para sobreviver. Pedi

que combinassem um pouco e depois fizessem corporalmente a ação.

O grupo Águia Azul, fez uma loja, onde as freguesas compravam um caderno.

Depois um menino em casa e o pai tomando a tarefa do menino. Depois uma menina

ginasta e o pai ajudando-a a fazer o exercício. No outro grupo, uma menina colhia frutas

de uma árvore muito alta, juntamente com outra pessoa que colocava numa cesta, uma

varria e os três meninos pescavam peixes grandes e pesados.

88

Fig. 14: Pai ensinando a tarefa para o filho Fig. 15: Colheita no campo e pesca.

Depois da realização e apreciação das cenas, finalizei a aula pedindo que eles me

ajudassem a recolocar as carteiras no lugar, recolhi as tiras de TNT, e encerramos a aula

com uma rápida conversa: o que eles tinham achado da aula, se queriam comentar

alguma coisa que tinha sido feita.

Terceira aula 29/11/2007

Objetivo: delimitar claramente a divisão da terra, estabelecendo bem qual é a parte de

cada um nesta divisão e estabelecer o conflito gerado pela divisão da terra. Daí chegar à

construção do muro. Criar situações em cada lado do muro. Despertar a curiosidade em

cada uma das partes. Votar sobre a derrubada ou manutenção do muro.

Papel assumido pelo professor: uma advogada que vai auxiliar na divisão da terra.

(status alto)

Seqüência dramática: A advogada propõe a divisão da terra com uma corda. Se a

conclusão for que só a corda no chão não é suficiente, então ela sugere que seja feito um

muro. Coordena a arrumação do muro e diz que vai embora, para voltar uns dias depois.

Tarefa para os grupos: Cada grupo vai preparar uma cena, utilizando figurinos e

adereços. Os figurinos e adereços são relacionados com o lugar que cada grupo escolheu

na mudança. Ex. Águia Azul encontra uma mala com chapéus de palha, roupas

campestres, botinas, enquanto que Leão Dourado encontra uma mala com óculos de sol,

bonés, bolsas, casacos.

89

Depois de se caracterizarem, eles vão mostrar o que está diferente neste novo

lugar e vão dizer o que estão sentindo com a nova vida - o que está melhor e o que está

pior em relação ao lugar antigo, através de uma cena improvisada.

A questão sobre derrubar ou preservar o muro será posta quando as cenas

estiverem prontas. Se eles quiserem mostrar a cena para o outro lado e assistir a que os

outros fizeram, eles terão que propor a derrubada do muro.

A professora no papel de advogada mediará a situação, discutindo as vantagens e

desvantagens de se manter o muro ou de se derrubar o muro. Se a proposta final for por

deixar o muro, eles vão realizar a cena sem que o outro grupo veja. Se a resposta for por

derrubar o muro, cada grupo poderá olhar a cena que o outro fez e assim encerraremos o

processo. 50

Relatório da terceira aula dia 29/11/07

Às 08h25minutos iniciamos a aula. Os alunos estavam tendo aula de português e

mostraram certa relutância para começar outra atividade. Havia alguns alunos que não

estavam nas aulas anteriores e, portanto, não estavam inteirados com o processo, assim

não nos conheciam.

Com a ajuda da professora eles começaram a organizar o espaço de forma a

afastar as carteiras e sentaram-se em roda no chão. Comecei relembrando a eles passo a

passo a história. Falei dos grupos, porque cada grupo queria mudar, para onde estavam

mudando, das atividades que eles faziam: Leão Dourado - colheita, pesca, plantação e

Águia Azul - comércio, estudo e ginástica. Falei da chegada ao local onde eles teriam

que compartilhar o espaço e a conviver.

A seguir, para introduzir o jogo do dia, chamei atenção para o fato de que, em

cada lugar, cada um tem uma “toca”, um espaço, e tem que conviver com as outras

“tocas” e com as outras pessoas que ocupam estas “tocas” dentro deste mesmo espaço.

Depois destas palavras, propus o jogo do “coelhinho sai da toca”. Vários alunos já

conheciam o jogo e jogaram com entusiasmo. Fiz variações: jogar em câmera lenta,

jogar em duplas, tentando sempre ‘chamar’ para o contexto da ficção: como é a

convivência? Com quem você divide a sua toca?

50 Achei necessário descrever o planejamento desta aula, pois a realização teve muitos problemas. Para a presente discussão me pareceu importante explicitar o que foi planejado e o que realmente aconteceu.

90

Fig. 16: Cada um tem sua toca...

Enquanto chamava a atenção para isto, redistribuí as fitas laranja e azul para a

definição dos grupos. Automaticamente, eles já se dividiram nos dois grupos e

escolheram um lugar no espaço.

Neste momento entrei com o papel da advogada, autoritária e austera – roupa

preta, óculos escuros e pasta de executiva – que tinha sido contratada para amenizar os

conflitos que estavam ocorrendo na posse daquela terra e perguntei como podia

organizar a convivência entre eles, o que cada grupo queria e como estava a divisão do

espaço. Coloquei a corda no chão para tornar a divisão do espaço concreta e entreguei

uma folha que continha as primeiras tarefas.

Para o grupo Leão Dourado a tarefa foi fazer três cenas congeladas de situações

agitadas: 1) uma cena de dança e festa/balada; 2) uma cena de pressa para trabalhar; 3)

uma cena de trânsito / ônibus/ moto/ carro/ buzina.

Para o grupo Águia Azul a tarefa foi fazer três cenas congeladas de situações

tranqüilas: 1) Uma cena de ioga; 2) Uma cena de bicicleta e cavalo; 3) Uma cena de

trabalho de campo, colheita, calmaria, natureza.

Fig. 17: Professora no papel de advogada

91

Como advogada, disse que iria embora e que depois voltaria para ver como

estavam, se a coisa tinha se organizado. Retirei a capa preta e os óculos e perguntei a

eles quem tinha estado lá e o que queria. Eles prontamente disseram que era uma

advogada e que tinha vindo organizar o espaço.

Cada grupo preparou suas tarefas e a advogada voltou para ver. Depois de

mostrarem uns para os outros, a advogada perguntou como tinha sido, se estava melhor

a convivência entre eles. O grupo laranja disse que não, que o Águia Azul era muito

parado, que só queria dormir, enquanto que o azul disse que o Leão Dourado era muito

barulhento e que estava incomodando.

Como o contexto estava claro para eles, bem como as características de cada

grupo e os conflitos, propus como advogada, a criação do muro, já que somente com a

corda não tinha sido possível a convivência.

Até aqui tudo indo muito bem... Até que: surgiu o muro...!

Produzi um muro de TNT que, como um varal, foi puxado, dividindo a sala ao

meio. As crianças ficaram em tal estado de excitação com a divisão do espaço, com a

impossibilidade de ver o outro lado, que gerou um momento de total anarquia: elas

puxavam o varal de TNT, olhavam por baixo, se dependuravam e, no meio do caos,

tentei atraí-las com umas sacolas de figurino, dizendo que elas teriam a tarefa de

criarem uma cena surpresa, sem que os colegas do outro lado vissem..., mas aí sim que a

agitação foi total - pegavam os objetos, andavam de um lado para o outro, atiravam os

objetos por sobre o muro...

Fig. 18: O muro... Fig. 19: Organizando o caos depois do muro...

Para completar, a professora da turma foi chamada e teve que sair da sala

justamente nesta hora. Isto impossibilitou sua colaboração para mediar as interações do

92

outro lado do muro, uma vez que a excitação excessiva não permitiu que eu transitasse

entre os dois lados. Eu, tentando driblar a situação, estava com a roupa da advogada,

mas já tinha perdido totalmente o foco no papel. Assim como na aula anterior, não

houve distanciamento para retomar o papel da advogada no fechamento da aula.

Em função dos acontecimentos, retirei o muro, recolhi os figurinos e pedi que

todos se sentassem em suas carteiras.

Silêncio.

Iniciei uma conversa tentando chamar a atenção para o que tinha ocorrido. Falei

sobre a particularidade da aula de teatro que, apesar de exigir movimentação física e

expressão sonora, vocal, exige disciplina, colaboração, concentração, respeito às regras;

sem isso é impossível trabalhar com os figurinos, com os objetos, realizar as tarefas, as

cenas, observar os outros.

Eles ouviram e pouco a pouco começaram a falar:

Uma aluna disse que estava ‘chato’ e eu perguntei por que estava chato ou o quê

estava chato.

Ela disse: “ficar dividido.” (Transcrição do material gravado DVD).

Outro falou: “foi chato porque o muro separa e aí não dá pra ver o que os outros

estão fazendo.” (Transcrição do material gravado DVD).

Outra: “foi chato por que não foi todo mundo que participou.” (Transcrição do

material gravado DVD).

Outro: “porque não tinha objeto prá todo mundo.” (Transcrição do material

gravado DVD).

Eu disse que tinha sim, só que se um aluno pegasse três ou quatro objetos de

uma vez, não sobrava para os outros.

Como o tempo já estava se esgotando, infelizmente, desta forma conflituosa e

meio ‘pesada’ terminamos o terceiro encontro.

As respostas acima transcritas geraram muita reflexão, não decorrentes do

processo como um todo, mas em relação a esta aula em particular:

a) Em termos simbólicos emergiram estes questionamentos:

1. A resistência ao muro teria relação com o próprio significado da palavra muro?

Poderia levar a uma analogia com o fato de viverem “murados” pela sociedade?

Representaria um protesto ao muro?

93

2. A advogada, com status alto, é a própria representação do enfrentamento entre eles e

a sociedade? Ela era dura, autoritária e foi ela que propôs o muro... Será?

b) Em termos práticos foi possível observar que:

1. A presença do muro, neste processo foi um elemento complicador em termos de

encaminhamento da aula. Quando estendi o pano para dividir a sala, de um lado fiquei

eu no papel da advogada, tentando organizar e do outro lado somente os alunos, pois a

Professora teve que sair da sala. Talvez tenha faltado uma preparação para a entrada do

muro. Eu quis gerar impacto, introduzindo-o de surpresa, mas acho que não foi uma boa

opção.

2. Excesso de informação, tanto para eles quanto para mim. Os figurinos, ainda que

tivessem o sentido de ajudar na transformação física, visual, causaram alvoroço pelo

impulso de querer tocar, pegar, vestir, segurar, de algum modo possuir, contribuindo

assim para a euforia que já tinha sido gerada pelo muro. Percebi que a utilização de

objetos é arriscada. Grande quantidade de objetos colocados diante das crianças, sem

uma função muito clara, são confundidos com brinquedos. Neste caso, eles tinham a

função de caracterização dos personagens e mudança de foco em relação ao muro, além

de gerar curiosidade nas crianças, na medida em que um grupo não deveria estar vendo

os objetos do outro grupo. Não dei tempo, ou melhor, não havia tempo para que depois

da euforia a calma se instalasse e aí então algo fosse proposto.

3. Outra possibilidade de retomar o processo dramático seria, depois da conversa sobre

o ocorrido, eu ter entrado com o personagem do Escriba e reconduzido a história, dando

um fechamento e evitando a sensação de que algo tinha ficado inacabado. Mas fiquei

tão atordoada com o barulho, com a tentativa de despencar o muro, com os objetos, com

o entra e sai na sala, que preferi encerrar o processo somente com a conversa.

Aproveitei o momento de reflexão para falar da avaliação e marcá-la, junto com

a professora da turma, para o dia 3/12/2007. Quando chegamos à escola, conforme o

combinado havia conselho de classe e nós não tínhamos sido avisadas. Transferimos em

conjunto com a professora e a diretora para o dia seguinte 4/12/07.

Quarta aula - 04/12/07

94

Quando chegamos à escola, os alunos estavam no pátio sendo avisados pela

diretora que ‘o passeio que eles fariam estava adiado por causa da chuva’, ou seja, por

pouco nossa avaliação ficaria inviabilizada, pois os alunos que já tinham passado de ano

seriam dispensados e, depois daquele dia, só ficariam os da recuperação. Felizmente,

devido ao mal tempo, conseguimos realizar a avaliação.

Fig. 20: A avaliação Fig. 21: A avaliação

A proposta era guiar a avaliação através das fotos de diferentes momentos do

próprio processo. Fiz três cartazes com as fotos e alguns objetos que foram utilizados ao

longo do processo e formulei quatro questões que enfatizavam os aspectos principais

explorados. Com a observação dos cartazes e com as folhas em branco só contendo uma

foto impressa, a criança respondia a cada questão.51

51 Em anexo coloco as questões acompanhadas pelas respostas. A transcrição respeitou a grafia que foi utilizada, mantendo os eventuais erros ortográficos. Os nomes das crianças foram abreviados.

95

Fig.22: O mural de fotos de todo o processo

Os alunos 52 responderam a quatro questões que abrangiam os temas centrais

relacionados com o pré-texto ‘Nós e Eles’ e suas diferentes possibilidades:

• quanto à temática: desejo/esperança, expectativas e implicações de ‘se mudar’,

seja de um lugar para outro, de uma profissão para outra, de uma casa para

outra;

“Nossa história é sobre mudança. Mudança de um lugar calmo para um lugar agitado,

mudança de um lugar agitado para um lugar calmo, onde encontramos novos amigos,

novos vizinhos, novos lugares. Qual parte da história você gostou mais de fazer?”

• quanto aos papéis/personagens assumidos pelo professor: qual deles prendeu

mais a atenção e qual deles fez com que o aluno tivesse mais vontade de

participar;

“A professora fez 3 personagens: um escriba chamado Namassor ou Maracutaia na

Cutaia, uma funcionária da prefeitura que precisava da ajuda de vocês para descobrir

o mistério daqueles objetos que estavam na sacola e uma advogada que veio para

52 Quatorze alunos responderam às perguntas da avaliação.

96

dividir a terra no novo lugar que vocês estavam. Qual deles você prestou mais atenção?

Qual deles fez com que você tivesse mais vontade de participar da história?”

• quanto aos objetos e estratégias que foram utilizadas para a condução da

história: nome para o grupo, cor para cada grupo, objetos levados por cada grupo

na ‘mudança’;

“O início da história foi a divisão da turma em dois grupos: Águia Azul e Leão

Dourado. Vocês ganharam fitas de cores diferentes para que a gente soubesse quem

era de qual grupo. Você lembra o nome do seu grupo? Você acha que a fita ajudou a

reunir o grupo? Você lembra de algum objeto que o grupo quis levar na mudança?”

• quanto aos exercícios de técnica teatral: qual colaborou com a cena e qual foi o

mais difícil de fazer.

“Entre os exercícios de técnica teatral: cena congelada, câmera lenta, efeitos sonoros,

qual você acha que ajudou a cena a ficar melhor? E qual foi o mais difícil de fazer?”

97

98

Após a realização da avaliação, entreguei os certificados de participação e recebi

das crianças alguns desenhos que elas tinham feito para nós. Coloquei os cartazes com

as fotos nos corredores da escola e, desta forma, com a presença da professora da turma

e da Diretora da Escola, encerrei o trabalho.

3.2.2. Avaliação do processo.

Resultados obtidos através das questões de avaliação:

a) Qual parte da história sobre a mudança o aluno mais gostou de fazer:

1. Cenas: 6 respostas.

2. Mudar de um lugar calmo para um agitado e de um lugar agitado para um calmo: 4

respostas.

3. Vestir as roupas: 2 respostas.

4. Investigar os objetos do pacote de estímulos: 2 respostas.

5. Assistir: 1 resposta.

6. Dos amigos: 1 resposta.

Comentário: De acordo com as respostas das crianças, a parte do processo que

elas mais gostaram de fazer foram as cenas criadas a partir de jogos teatrais (Spolin,

2005). As improvisações foram feitas por um grupo enquanto o outro observava e o

foco estava no o que, ou seja, ‘o que eles faziam no lugar em que eles moravam antes da

mudança’, com base no princípio da fizicalização. O interessante foi a intersecção dos

jogos teatrais com o tema da narrativa, já que em ambos os casos os grupos fizeram

ações relacionadas com o contexto da ficção. Exemplos: o grupo Leão Dourado que

queria mudar para um lugar mais desenvolvido, fez uma cena de campo e pesca e o

grupo Águia Azul fez uma cena de uma família estressada, onde o pai estava ensinando

a lição de casa para o filho e de uma família que tinha uma filha com bronquite e

precisava mudar para um lugar menos poluído.

99

Assim, em segundo lugar na preferência dos alunos ficou o próprio tema. Em

nenhum momento este tema foi relacionado com a situação real dos alunos, mas a

repetição das respostas aponta para a ressonância que o tema teve para eles.

O contato com figurinos e objetos não teve muito impacto para os alunos, pois

como vimos tanto o pacote de estímulos quanto a criação dos cartazes esbarraram no

despreparo das crianças com a leitura e a escrita, prejudicando a sua realização. De um

total de 23 crianças entre 9 e 11 anos, poucas conseguiram ler e escrever sozinhas. Em

vários momentos tivemos que escrever para a criança ou escrever num papel para ela

copiar na folha de avaliação. A outra atividade com objetos foi proposta no momento do

muro, que devido ao tumulto gerado pelo excesso de informações e elementos, não foi

possível desenvolver plenamente.

b) Qual dos papéis/personagens representados pelo professor prendeu mais a atenção

dos alunos e qual deles fez com que os mesmos tivessem mais vontade de participar:

1. Advogada: 9 respostas.

2. Narrador/Escriba: 5 respostas.

3. Funcionária: 2 respostas.

Comentário: Para mim foi uma surpresa que a advogada, ríspida e autoritária fosse a

que mais tivesse chamado a atenção dos alunos e os estimulado a participar, seguida

pelo Narrador/Escriba. Este fato revelou que a ênfase na caracterização, o status alto da

mesma, e o caráter marcante, geraram mais impacto do que o Narrador/Escriba -

contador de histórias, que apesar de simpático, é uma figura mais familiar a eles – e a

Funcionária da Prefeitura, com aparência mais neutra e com um discurso de igualdade

de posições.

Aqui há duas questões a serem consideradas:

1. A questão da teatralidade relacionada à ênfase na exterioridade material, na

ostentação dos signos (CORNAGO, 2005), encontra paralelo com o universo do

carnaval, que emergiu no grupo em diversos momentos. O Morro da Caixa tem uma das

Escolas de Samba mais importantes de Florianópolis – que em 2008 foi a Campeã nos

desfiles do Carnaval – e várias atividades são desenvolvidas com as crianças desta

100

comunidade na sede da Escola de Samba. Os nomes que eles escolheram para os

grupos, por exemplo - Águia Azul e Leão Dourado – são nomes que se relacionam com

este universo. Assim, o personagem do Escriba e o papel da advogada eram os que

tinham os figurinos mais elaborados e diferenciados do cotidiano e mais próximos à

imagem do ator que permeia o imaginário dos alunos.

2. A questão do status alto da advogada. A advogada foi clara e objetiva, de

modo a organizar o espaço, fazer a narrativa evoluir. Este fato torna evidente a

dificuldade dos alunos com atividades que exijam maior autonomia - trabalho em

grupos, com resolução de problemas, emissão de opiniões em detrimento ao hábito de

‘copiar do quadro’ – e este fato fez com que a advogada fosse a preferida, pois, com seu

tom autoritário e ríspido, a mesma os colocou em uma posição de obediência e certa

passividade, dizendo o que tinham que fazer.

c) O início da história foi a divisão da turma em dois grupos: Águia Azul e Leão

Dourado. Qual a lembrança em relação ao nome do grupo, à cor do grupo, aos objetos

levados na ‘mudança’. O nome, a cor, os objetos ajudaram a definir e unir o grupo?

1. Lembranças quanto ao nome, cor e objetos do grupo: 10 lembraram; 3 confundiram o

nome e 4 não lembraram porque não estavam presentes na aula.

2. Quanto à definição e a união entre o grupo: 13 acharam que o nome, a cor o os

objetos ajudaram a definir e unir o grupo e 1 não respondeu.

Comentário: Estes aspectos foram trabalhados desde as primeiras aulas e os poucos

alunos que confundiram ou não se lembraram foram os que não estavam presentes

nestas aulas.

As perguntas relacionadas ao nome, a cor do grupo e aos objetos levados na

viagem de mudança seriam o ponto de partida para iniciar um diálogo sobre como eles

perceberam seu grupo em termos da identidade dos participantes. No entanto, o diálogo

foi inviabilizado porque as respostas foram monossilábicas e as entrevistadoras (eu e

Laura Cascaes) ficaram receosas de induzir as respostas, apontando para possíveis

relações e interações entre os grupos, a partir de ações que surgiram na cena. Na prática

eles responderam bem às atividades e tarefas propostas, de modo a concretizarem o

desenvolvimento da narrativa cênica (conduzidos pelo professor no papel ou no

101

personagem), mas a reflexão e a articulação verbal para comentar o processo não

ocorreram. É provável que isto tenha ocorrido devido à dificuldade de descrever e

interpretar as situações vivenciadas, uma vez que os alunos não demonstraram timidez

ou resistência à entrevista.

d) Entre os exercícios de técnica teatral: improvisação, cena congelada, câmera lenta,

efeitos sonoros, qual você acha que ajudou a cena a ficar melhor? E qual foi o mais

difícil de fazer?

1. Ajudou a cena a ficar melhor:

a) câmera lenta 9 respostas;

b) cena improvisada (jogo teatral): 3 respostas;

c) cena congelada: 2 respostas.

2. Considerou mais difícil de fazer:

a) Cena congelada 3 respostas;

b) Cena improvisada, câmera lenta, efeito sonoro 2 respostas respectivamente.

c) Nenhuma: 2 respostas .

Obs.: 3 respostas foram invalidadas, pois estavam em branco.

Comentário: O trabalho com as variações de ritmo dos movimentos, que eu chamava de

‘câmera lenta’ foi o mais citado. Porém, mais do que desenvolver a consciência do

corpo lento, em termos de contenção de energia, em termos de concentração da atenção,

a opção pelo trabalho em lentidão teve como objetivo controlar a turma para que eu me

fizesse ouvir e para que as atividades pudessem acontecer. O mesmo com a ‘cena

congelada’ ou a ‘ação congelada’. Assim, eles gostaram de fazer a ‘câmera lenta’ e

apontaram como maior dificuldade a ‘cena congelada’, onde há a exigência de

imobilidade total e silêncio. De qualquer forma, pode-se constatar que eles entenderam

os conceitos. Como se lembraram dos mesmos prontamente, fica evidente a aquisição

de linguagem, já que os alunos utilizaram as expressões corretamente, localizando o

momento, a situação e a parte do processo na qual elas ocorreram.

102

Notas de Reflexão

1. Professor no papel e professor-personagem - o trânsito entre o pedagogo e

o ator.

A principal dificuldade que enfrentei foi com as quebras, entrar e sair do papel.

Consegui fazer esta quebra somente no personagem do Escriba /Narrador, onde o texto

era definido e a função de narrar a história era mais próxima deles e os colocava como

ouvintes/ espectadores. O papel da Funcionária, que precisava muito da participação

deles, e que estava relacionada com o pacote de estímulos, se enfraqueceu diante da

dificuldade com a decifração dos objetos. Como seu tom era mais realista - até o

figurino era parecido com as roupas usadas pela professora da turma - acabou por se

diluir na confusão. Já a Advogada se manteve até o momento em que o muro foi

construído, dividindo a sala em dois e dificultando a comunicação entre os grupos. Para

me comunicar com um lado e com outro, na euforia em que eles estavam com a nova

ambientação, abandonei a caracterização sem evidenciar a quebra ou a saída do papel e

sem comentar este fato com os alunos.

Outro aspecto que percebi nesta experiência e que também constatei na anterior

foi o fato de que a caracterização física é muito interessante para estabelecer a quebra e

criar o código de quando se está dentro ou fora do papel, mas o uso excessivo de

figurinos e adereços dificulta, em termos práticos, o jogo de entrar e sair do papel. Se o

professor tarda muito neste trânsito, as crianças se dispersam e, depois de algumas

vezes, já sabem o que vai acontecer e não se surpreendem mais. Neste sentido, o mesmo

ocorre com o personagem.

Por outro lado, o uso de um determinado adereço pode ser a convenção criada e

acordada entre todos para estabelecer quando o professor está no papel ou personagem –

usa uma peça de figurino ou um objeto - e quando não está – retira o figurino/objeto.

Quanto ao trânsito entre o papel de professor e de ator durante o processo,

constatei sua possibilidade e eficácia, além de confirmar a opinião dos participantes da

primeira experiência de que quanto maior for a quebra, mais interessante fica para o

aluno. Neste processo, as instruções foram passadas fora do papel e do personagem, e

isso foi fundamental devido ao contexto da sala de aula, neste caso, composto por

103

crianças que não estão habituadas ao jogo do teatro. A manutenção dos papéis e do

personagem, pelo professor, colocou os alunos como espectadores o que viabilizou a

possibilidade de leitura da cena. Conforme foram se acostumando com a estratégia,

incentivados pelo professor, puderam depurar a leitura e identificar aspectos

diferenciados da linguagem teatral.

Outra adaptação que foi feita, a partir do contexto, foi a escolha pelo papel de

status alto – advogada - mesmo eu querendo trazer, para este processo, papéis de status

baixo ou médio, ampliando a possibilidade de investigar a mediação, um desafio posto

pela experiência anterior. Mas devido a pouca familiaridade dos alunos com atividades

realizadas em pequenos grupos, que exigem autonomia, tive que optar por mais um

papel de status alto, onde a mediação apresenta traços de intervenção. A intervenção

quando posta pelo personagem não significa uma atitude autoritária, uma vez que o

professor, ao deixar o personagem e retomar seu papel de pedagogo, poderá se referir à

atitude do personagem inclusive para trazer à discussão relações de poder. Os papéis de

status médio e baixo, conforme vimos no Capítulo 2 exigem maior participação dos

alunos e, neste caso, não seriam os mais recomendados.

2. Quanto ao pré-texto ‘Nós e Eles’ e sua ressonância:

Ficou evidente que a relação entre o pré-texto e o contexto leva a adaptações,

tanto em termos do foco temático a ser posto em discussão, quanto em termos de

finalização, da escolha dos papéis assumidos pelo professor, entre outros. A questão

mais evidente da utilização deste pré-texto no contexto desta escola foi a reação à

presença do muro. Na primeira experiência, relatada anteriormente, o muro só ganhou

real significado quando os participantes viram as imagens de muros reais. No processo

realizado na escola, o significado veio imediatamente, assim como uma intolerância ao

mesmo.

A relação com o universo do carnaval, tema forte na comunidade do Morro da

Caixa, foi outro elemento evidente da contextualização. Nota-se que a conexão que o

drama estabelece com o contexto real dos participantes emergiu automaticamente e foi

incorporada no processo.

104

3. Quanto à relação entre o ensino do teatro e a escola.

Em termos gerais, esta experiência teatral revelou, por um lado a precariedade

do ensino nesta escola e, por outro lado, o abandono da mesma por parte da Secretaria

Estadual de Educação – o espaço físico é mal conservado e pouco acolhedor, faltam

equipamentos básicos na secretaria, como um computador que funcione53. Porém, o

principal fator que evidenciou esta situação de precariedade foi o fato de boa parte das

crianças não estarem alfabetizadas (aos nove anos de idade), o que impedia sua

autonomia na realização das tarefas propostas. Havia uma grande necessidade de

mediação.

Com o desenrolar do trabalho, percebi que a carga horária prevista para a

realização do mesmo seria restrita, porém percebi também que, como havia um

freqüente cancelamento de aulas, pelos mais diversos motivos, seria prudente terminá-lo

dentro do prazo que eu havia acertado com a direção. Ainda que o processo se desse de

forma concentrada, vale apontar que o professor tem possibilidade de desdobrar as

atividades ao longo do semestre letivo.

Um processo de drama como este pode durar um semestre inteiro, desde que o

interesse dos alunos pelo tema e pela narrativa em desenvolvimento se mantenha. Além

disso, o caráter processual do drama não elimina a possibilidade de junção, pelo

professor, de momentos criados durante o processo, que podem ser articulados e

ensaiados para apresentação a um público. Este procedimento demanda mais tempo,

podendo estar atrelado ao programa anual do professor, onde no primeiro semestre ele

trabalha com o tema/texto da montagem através de um processo de drama e no segundo

semestre parte para a elaboração das cenas articuladas com o material criado.

Entretanto, a questão do tempo não é determinante para que a experiência

estética ocorra. É possível observar experiências intensas em curto espaço de tempo,

enquanto que trabalhos mais longos perdem seu significado no decorrer do processo. O

contrário também é possível. A qualidade de um processo não é determinada pelo seu

tempo de duração. 53 Não pude ter cópia da lista de chamada dos alunos da terceira série, porque não havia uma impressora ou um computador com acesso a internet (para enviar por email) ou uma máquina fotocopiadora que disponibilizasse uma cópia do documento.

105

A experiência com o drama realizada nesta escola me fez olhar para as questões

complexas que envolvem o ensino do teatro dentro do contexto curricular. As que mais

me chamaram a atenção foram:

1. A questão da adequação da preparação do professor de teatro para a sala de

aula: relação entre as atividades propostas, o tempo da aula e o espaço físico; número

elevado de alunos e necessidade de administrar a resistência dos que não querem fazer

as atividades; o ruído produzido pela própria dinâmica deste tipo de aula, que muitas

vezes, para quem está fora do processo, soa como barulho e bagunça.

2. A visão do teatro vigente - conceito de teatro presente no imaginário dos

alunos, da direção e, muitas vezes, dos próprios professores, que influenciados pela TV

acham que o teatro é a reprodução das cenas do cotidiano ou, ainda, reprodução dos

próprios programas televisivos.

3. Dificuldade do professor de encarar o teatro como um processo de

investigação cênica, ou seja, como trabalho e não como expressão livre.

4. Necessidade de o professor promover ensaios abertos do trabalho como uma

prática usual no processo. Esta prática, por um lado atende às expectativas da direção

quanto à realização de apresentações artísticas para serem mostradas nas ocasiões

organizadas pela instituição (festas comemorativas, mostras de artes), e por outro lado,

faz com que a atividade teatral ganhe espaço dentro da escola. Esta prática oferece ao

aluno a oportunidade de concretizar a experiência e visualizar produtos parciais do

processo.

O drama, neste sentido, apresenta-se como uma alternativa para enfrentar estas

dificuldades, na medida em que cria possibilidades estratégicas seguras para a

construção de uma narrativa textual e cênica pelas crianças. Entendo por estratégias

seguras o mecanismo de encaminhamento do trabalho onde os alunos, em duplas ou em

trios, focalizam a resolução de problemas, investigam fatos, criam hipóteses sobre o

assunto em questão.

Quando propõe o trabalho com o grupo todo, o professor realiza a mediação

assumindo papéis ou personagens, transitando entre o papel de pedagogo e ator. Na

experiência realizada, a mediação entre professor e aluno, com base nas estratégias

desta metodologia, também foi um diferencial, já que, como pudemos observar na

avaliação, os alunos estavam acostumados a ‘copiar do quadro’ os conteúdos passados

pela professora.

106

As percepções das duas experiências, que foram realizadas em condições tão

distintas, me permitiram aprofundar a compreensão da complexidade da atuação do

professor e das nuances necessárias para o trabalho com a metodologia em diferentes

contextos.

Neste sentido, a primeira experiência trouxe a voz dos professores e futuros

professores, tendo como principal contribuição a problematização de aspectos

relacionados à minha atuação como mediadora, aspectos relacionados ao pré-texto

escolhido, ao equilíbrio entre o estético e o pedagógico, entre outros. Esta discussão foi

essencial para a preparação da segunda experiência, que foi problematizada a partir da

voz do aluno. A correlação entre as duas experiências será o foco do capítulo que se

segue, encerrando a pesquisa.

107

Considerações finais

A prática com o drama, ao longo das duas experiências relatadas teve como

questão central a mediação do professor de teatro, transitando entre as funções de ator e

pedagogo durante o processo. A via utilizada para esta transição foi o procedimento

denominado professor no papel - professor assume papéis sociais- e professor-

personagem - professor assume um personagem de um texto, dramático ou não, cujas

falas do autor são preservadas. A opção por investigar estes procedimentos e a

possibilidade de professor assumir o papel de ator, dentro da instituição escolar em

parceria com os alunos, teve como pano de fundo a perspectiva do professor-artista.

Não é de hoje que o teatro se depara com a proposta de junção dos papéis do

artista ao do pedagogo. Os diretores teatrais do século passado, Stanislávski, Grotowski,

norteados por um constante desejo de renovação e superação de códigos já consagrados,

não prescindiram do aspecto ético e formativo em sua atuação, tendo sido também

pedagogos (PUPO, 2001). Desta forma, também na atualidade, encontramos artistas que

ao repensarem o papel do teatro na sociedade - os diretores Eugenio Barba, Antunes

Filho, mas também os atores Sotigui Koyaté, Yoshi Oida, Julia Varley, entre outros –

dedicam parte de seu tempo à transmissão de conhecimentos, sem que isso diminua seu

estatuto de artista, pelo contrário, solidificando-o através disso. Identifica-se nesta

iniciativa a configuração do binômio do artista-professor.

No contexto da escola o binômio se inverte – professor-artista – pois sua

formação inclui pedagogia e teatro. Entretanto, nota-se um difícil equilíbrio entre uma e

outra e, a perspectiva do professor-artista, pretende trabalhar em prol deste equilíbrio.

De qualquer maneira, a pesquisa revelou que está no próprio professor a possibilidade

de compatibilizar as duas áreas, tanto como mediador entre os artistas que vem até a

escola e os alunos, quanto como ele próprio colocando-se como artista conjuntamente

com seus alunos. Neste sentido, o conceito de ‘professor como intelectual’ de Giroux

(1999) associado ao campo das artes, norteia as possibilidades para que esta parceria se

efetive e as dicotomias sejam superadas. É o professor que tem a possibilidade de criar

espaço dentro da escola para que processos de apropriação do teatro sejam efetivados.

Dentro da presente proposta, a criação teatral se deu através da experiência com

a metodologia do drama, que, além de ter sido pouco explorada no contexto brasileiro,

108

apresenta-se como potencialmente interessante para o trabalho do teatro na escola -

estrutura em episódios, possibilidade de incorporação de procedimentos e estratégias

centrais a outras abordagens metodológicas, utilização de um tema ou texto como pré-

texto para a criação cênica, foco na contextualização do tema da ficção à realidade dos

participantes. Estes aspectos intrínsecos ao drama foram relacionados com a questão da

teatralidade, na medida em que “o que se quer é ver o tornar-se-teatro de uma ação, de

uma história, de um papel.” (GUÉNOUN, 2004:139) e, no caso do drama, isso ocorre

enquanto se constrói esta história coletivamente, junto com os alunos.

Apesar de ambas as experiências terem se caracterizado por serem processos

curtos, vale lembrar que uma experiência estética não tem tempo definido. A carga

horária reduzida em função da disponibilidade tanto da proponente como dos

participantes em ambas as experiências não invalidou a discussão, pois foram revelados

problemas e possibilidades concretas da metodologia e dos procedimentos para o ensino

do teatro no contexto da escola, para a atuação do professor como artista, no caso como

ator, dentro da sala de aula.

Assim, a partir das práticas realizadas, as principais considerações foram:

• Com relação ao papel do professor como ator no processo através da estratégia

do professor no papel e do professor-personagem, atuando como co-artista:

1. Ambos, professor no papel e professor personagem, trazem à tona a questão do

equilíbrio entre o estético e o pedagógico e a questão da mediação do professor,

enquanto transita entre os papéis de ator e pedagogo. Neste sentido, conforme aponta

Neelands (1998 apud ACKROYD, 2004) o professor tem que estar disponível para agir

como se fosse outra pessoa, mantendo o discurso deste outro alguém e interagindo com

os alunos dentro do jogo. Com o papel social, ele improvisa as falas e encontra maior

flexibilidade na composição, podendo ficar na fase que, segundo Stanislávski (1984),

seria da criação da situação e das circunstâncias propostas. Neste sentido, não há

necessariamente uma preocupação com a individualidade do papel, nem com a

caracterização físico-vocal ou indumentária, podendo fazer como O’Neill (1995 apud

ACROYD,2004) “papéis sem face”. Porém, conforme foi realizado nas práticas

relatadas, os papéis sociais também podem receber a caracterização. Se o professor

109

consegue criar, além do discurso, uma caracterização que ajude a dar corpo a essa fala

isso será ótimo, mas a caracterização material nem sempre é suficiente e necessária,

pois o professor pode trazer o papel para o imaginário do aluno sem estar caracterizado.

Utilizando-se de sua própria postura física o professor pode conseguir estabelecer quem

ele é, e a que veio. Se ele preferir caracterizar-se, diferenciando-se de sua própria

expressividade, então ele poderá incrementar o jogo ficcional e estimular os

participantes a também se arriscarem a assumir papéis e caracterizá-los. E se pensarmos

no contexto das aulas de teatro, a caracterização abre possibilidades para a criação e

confecção de figurinos e objetos.

Neste sentido, a opção pelo personagem pode contribuir sobremaneira, pois,

além de manter as falas do texto, o professor pode reforçar a caracterização,

preocupando-se com a comunicação física do discurso do personagem e trabalhar com

os elementos que Stanislávski (2000) aponta para a construção do mesmo: composição

física e vocal, questões de ritmo e composição plástica. Neste sentido, ambas as

experiências mostraram que é possível incorporar o texto do autor no processo e

provocar um estranhamento nos participantes, através de um personagem que surja com

um discurso fechado, estranho ao contexto dos alunos e diferenciado pela caracterização

que pode ter.

Assim, o professor no papel caracteriza-se como mais flexível de modo a

explorar questões como a presença do ator, prontidão para o jogo, de modo a enfrentar

as questões que surgem das relações de poder, através dos papéis, enquanto que o

professor-personagem se caracteriza pelo foco na representação de um personagem

proveniente do texto dramático, mantendo a coerência lógica do texto, as palavras

literais do autor, caracterizado física, sonora e visualmente e atrelado às ações propostas

pelo texto. Ambos são independentes e tem funções diferentes dentro do processo e este

trabalho pretendeu enfatizar a potencialidade de ambos como ferramenta de trabalho

para o professor.

Quanto à funcionalidade dos papéis, confirmei a idéia de que o status do papel

interfere na interação com o aluno. Dentre os papéis escolhidos acabei optando por

mais papéis de status alto do que médio ou baixo. Este fato tornou evidente a minha

inexperiência com a estratégia do professor no papel e com a situação de risco na qual o

professor tem que se colocar para atuar como co-artista com seus alunos. Sobre isto a

colocação de Taylor & Warner (2006) me conforta:

110

O professor que é novo nesta forma de trabalho pode achar mais fácil no

inicio adotar um papel de autoridade, através do qual o controle será,

provavelmente, mantido em suas mãos – o chefe, o expert, o oficial, o chefe

da gangue, o diretor, o capitão – todos estes papéis não estão muito longe de

serem removidos do papel normal do professor (Taylor & Warner, 2006:54,

trad. nossa). 54

Inevitavelmente, o trabalho com a estratégia do professor no papel e do

professor-personagem faz com que o professor seja levado a repensar seus

procedimentos pedagógicos. A percepção revelada no item acima está relacionada à

necessidade de mudança de paradigma, mencionada por Heathcote (1990), e que foi

discutida no Capítulo 1 deste trabalho. Esta experiência evidenciou algumas

características que eu como professora tenho: dificuldade de abandonar-me ao ‘caos’ –

mantive por boa parte do tempo o planejamento na mão, procurando segui-lo fielmente;

tendência a coordenar a atividade, o que ficou evidente pela escolha dos papéis com

status alto; tendência a mediar a cena desde fora – influência da formação que tive com

os jogos de Viola Spolin.

Estes foram pontos que pude notar como muito desafiadores para mim enquanto

professora e que são fundamentais para que o procedimento do professor no papel e do

professor-personagem se efetive e, mais ainda, para que a perspectiva do professor-

artista ou co-artista se concretize.

• Quanto às possibilidades e as vantagens/ necessidades de diferenciar os

conceitos mencionados - professor no papel e professor-personagem:

A prática apontou as possibilidades que um e outro oferecem, ainda que tenha

sido pouca a experimentação com eles, bem como a relação de independência entre eles.

Evidenciou-se que o professor no papel facilita o diálogo com os alunos na medida em

que é mais flexível em sua configuração do que o professor-personagem, que traz uma

lógica e um texto fechado. O personagem não muda seu ponto de vista durante o

processo e o papel social pode mudar de ponto de vista e de status a partir da interação.

54 The teacher who is new to this way of working may find it easier at first to adopt an authority role, through which control is likely to remain in their hands – the chief, the expert, the official, the gang boss, the warden, the captain – all of these roles are not too far removed from the normal role as teacher.

111

Assim, o professor-personagem traz uma particularidade e um conteúdo diferente em

termos de linguagem, de localidade, época, provocando um estranhamento, uma reação

que, além de funcionar como uma estratégia para a apreciação da representação em

diferentes estilos pelos alunos na própria aula - quando o personagem do Escriba cantou

a Internacional Comunista, em russo, no encerramento do processo descrito como

primeira experiência prática (Capítulo 3), o impacto ficou evidente. Este mesmo

impacto, também chamado de choque ou surpresa, contribui para a imersão e o

engajamento do aluno no processo.

• Quanto à possibilidade de reforçar a teatralidade do drama:

As fotos de ambos os processos revelaram que a teatralidade esteve presente,

assim como a manutenção do sentido espetacular – revelam o foco de atenção dos

participantes na cena, a expressão física e facial dos atores, o uso do espaço, a

plasticidade, a interação com o professor no papel ou personagem, o prazer de atuar.

Logicamente que em cada processo isto aconteceu de forma diferenciada, com

elementos distintos. O foco na questão da potencialização da teatralidade traz a presença

do observador no processo como elemento fundamental, pois de acordo com Cornago

(2005), a teatralidade é uma adjetivação que só ocorre enquanto alguém a atribui a uma

situação ou pessoa. É nesse sentido que a presença do espectador também é

fundamental, pois é através da sua recepção à obra que a dimensão da teatralidade será

evidenciada.

Conforme observamos, na proposta de Heathcote para o drama os espectadores

são internos ao próprio grupo, não como alguém de fora do processo, mas os próprios

alunos observando as improvisações realizadas pelos colegas. Ou ainda, a observação

do próprio professor quando este está no papel ou personagem. Estes procedimentos

possibilitam a leitura da cena por parte de quem observa. Não se pode desconsiderar

que, mesmo durante a investigação, o professor pode usar diferentes ambientes da

escola, que acabam trazendo espectadores distintos – atividades realizadas no pátio,

rampas, escadas, refeitórios, que podem chegar a um produto final para ser apresentado

a um público externo.

Pensando no aprendizado do teatro, este aspecto é essencial, já que envolve tanto

o fazer quanto o apreciar. Por isso, proporcionar a observação das cenas pelos alunos,

112

além da atuação nas mesmas, é, finalmente, compreender que: “o teatro não é uma

atividade, mas duas. Atividade de fazer e atividade de ver (...) simultaneamente.”

(GUÉNOUN, 2004:14)

Em ambas as experiências realizadas, os participantes tiveram a oportunidade de

trocar de posição (atuante – observador), justamente para contemplar estes dois aspectos

fundamentais para o aprendizado. Na primeira experiência, havia uma platéia

permanente (apesar de diferente a cada encontro) e na segunda experiência, os alunos

transitavam entre os papéis de atuante e observador ao longo do processo, de acordo

com a atividade proposta, e em alguns momentos todos atuavam, aos moldes de

Heathcote.

• Quanto à contextualização do texto ‘Nós e Eles’

O aspecto mais evidente da contextualização em drama é a escolha do pré-texto.

O texto ‘Nós e Eles’, como pré-texto, levou a uma resolução do conflito de forma

oposta em cada experiência. No teatro, com os alunos da universidade e os professores

da Rede Pública de Educação, o muro foi mantido como proteção para a tribo dos

ambientalistas em relações aos empreendedores, e as implicações desta manutenção só

foram percebidas quando os participantes olharam fotos de muros reais. Na escola,

situada no alto do Morro da Caixa, a presença de um muro simbólico entre os

moradores do Morro e a sociedade já faz parte da realidade das crianças, assim o muro

da ficção foi rapidamente destruído.

Este fato revela a flexibilidade do drama para incorporar os desejos,

expectativas e a realidade dos participantes, e evidencia que estes elementos emergem

concretamente na narrativa. O professor, neste caso, tem que estar atento para

incorporar estas transformações que são desencadeadas a cada nova experiência. Desta

forma, o processo de drama possibilita a leitura do contexto revelada pela própria

experiência artística.

* Quanto à relação do drama com o teatro contemporâneo.

113

As reflexões atuais sobre o teatro defendem e enfatizam a dissolução entre

drama e teatro (LEHMANN, 2007), ou seja, a cisão entre o discurso do texto e o

discurso teatral. A metodologia do drama educação, no entanto, segue a estrutura

tradicional do desenvolvimento da ação dramática – ações, personagens, conflito e

resolução do conflito – cuja base envolve a totalidade, a ilusão e a representação do

mundo quando propõe a construção de uma narrativa em grupo, mas abre, ao mesmo

tempo, a possibilidade de trabalhar com aspectos relacionados ao pós-dramático, como:

relação flexível com o texto através da opção pelo pré-texto, a presença do ator –

professor no papel – ao invés da representação – professor-personagem, o processo ao

invés do produto, a valorização de diferentes aspectos da cena nos episódios

fragmentados, exemplo: primeira sessão foco na sonoridade, segunda sessão foco na

criação plástica da cena, e assim por diante, ao invés de uma abordagem linear da

narrativa. Sobre isso, Cabral (2007) completa:

No teatro dos anos 60, o trabalho experimental enfatizava noções de presença

e proximidade, processo e transformação, e estas idéias foram filtradas no

trabalho com teatro em sala-de-aula. Mais recentemente, influências das

práticas teatrais pós-modernas também se refletiram no drama. Estas incluem

a fragmentação e distribuição de papéis entre o grande grupo, uma

abordagem não linear e descontínua ao argumento, a adaptação de temas e

textos clássicos, a diluição do espaço entre atores e espectadores, a constante

mudança de perspectivas (CABRAL, 2007:2).

O trabalho mostrou o potencial do professor-personagem, que em termos de

construção é criado aos moldes stanislavskianos, mas em termos de aparição na cena,

arriscaria dizer que se relaciona ao pós-dramático. A manutenção literal de fragmento(s)

do texto dramático, trazido pelo personagem como algo estranho ao contexto das falas

improvisadas pelos participantes, revela a possibilidade de uma teatralidade autônoma

da fala. Sérgio Carvalho utilizando-se do conceito de “teatro como instituição oral” de

Ginka Steinwachs, que configura a realidade cênica como uma intensa objetivação

poético-significativa da linguagem e o conceito de Jelinke de “superfícies lingüísticas”

contrapostas, em vez de diálogo (CARVALHO apud LEHMANN, 2007: 20), aponta

para esta autonomia.

Assim, o drama, conforme revelaram as experiências, abre possibilidades para o

diálogo entre o sistema Stanislávski, no que se refere ao estabelecimento do contexto

114

ficcional e do trabalho com os papéis e personagens pelo professor-ator, e as tendências

contemporâneas do teatro, em termos de pluralidade de elementos dissonantes que

podem surgir na articulação do processo.

* Quanto ao ensino do teatro na escola.

Mais do que as dificuldades práticas/operacionais para a realização da aula de

teatro na escola, como apontamos no capítulo anterior - adequação dos exercícios ao

espaço da sala de aula, curto tempo da aula, estado de euforia dos alunos quando saem

da carteira, ou por outro lado, desânimo dos mesmos quando se recusam a participar das

atividades - acredito que a maior tarefa que o professor-artista-intelectual tem, levando-

se em conta a proposta da pedagogia pós-crítica, é de mudar a imagem do teatro dentro

da escola. A maneira de mudar esta imagem é deixar claro que a disciplina teatro é uma

disciplina que proporciona a aquisição de conhecimento ao aluno.

Para viabilizar este conhecimento é fundamental que o professor consiga

envolver o aluno em processos de produção e recepção. O envolvimento será gerado

pela seleção de materiais e planejamento de atividades que sejam viáveis dentro das

condições de espaço e tempo presentes na escola, e atraentes para os alunos. Assim,

estas atividades, por mais que tenham que ser adaptadas a estas circunstâncias, não

podem ser negligenciadas ou barateadas.

O drama apresenta aspectos positivos evidentes para a contribuição com o

processo de ensino-aprendizado do teatro, pois é uma criação coletiva que incorpora a

voz individual e em grupo, além de incluir texto escrito e desenvolver a expressão oral e

corporal do aluno. A divisão da estrutura em episódios facilita o trabalho do professor

em termos da adaptação ao tempo da aula e possibilita que a cada aula haja uma

produção criativa que pode ser resgatada em qualquer momento do processo.

Pensando na apropriação do drama pelas aulas de teatro e levando em conta a

realidade do ensino público brasileiro, considero que as principais contribuições teórico-

práticas para as experiências realizadas nesta pesquisa foram:

1. A exploração do procedimento do professor no papel criado por Dorothy Heathcote,

que abriu possibilidade para ser desdobrado para o professor-personagem, já que o

drama está sendo realizado nas aulas de teatro. A mediação entre professor e aluno

realizada através do papel ou do personagem permite ao professor um tipo de

115

intervenção que seria impossibilitada sem os mesmos. Quando assume um papel o

professor pode ironizar situações, agir autoritariamente, usar um linguajar não usual ao

contexto da escola, para, por exemplo, contornar questões de comportamento dos

alunos. Ao sair do papel, comenta o acontecido, procurando analisá-lo criticamente com

o grupo.

2. O conceito de pré-texto criado por O’Neill, foi outra contribuição fundamental, pois

ela propõe a utilização de uma estrutura temática norteadora para a construção da

narrativa dentro dos processos de drama. O pré-texto ajuda o professor a driblar as

dificuldades, porque possibilita unir forma e conteúdo na criação, aqui no caso, da

narrativa cênica. Assim, o pré-texto funciona como um roteiro para o desenvolvimento

do trabalho, que é ao mesmo tempo seguro e aberto, além de sugerir quais os papéis e

personagens que podem ser assumidos pelo professor.

3. A tese defendida por Ackroyd de que o professor quando assume um papel está

atuando no sentido do ator sustenta a proposição do professor personagem. Ainda que

eu não tenha explorado esta modalidade suficientemente, a tese de Ackroyd me encoraja

a seguir com a proposição de trazer um personagem para o processo e, com isso,

vislumbrar um caminho para incrementar as possibilidades de aproximação dos alunos

com os elementos da linguagem teatral. Esta possibilidade está centrada no papel do

professor como ator, ou seja, ele mesmo pode viabilizar a intervenção cênica,

diminuindo sua dependência de parcerias com outros professores, com a direção ou com

os pais para que o trabalho aconteça.

Assim, finalizo a pesquisa com a certeza de que o drama apresenta-se como uma

alternativa metodológica extremamente rica para enfrentar as condições adversas do

ensino do teatro na escola e para que o professor possa, através do desenvolvimento das

atividades dramáticas, se colocar como artista no trabalho, dialogando com outras

metodologias e linguagens artísticas.

As experiências práticas apontaram que, tanto a metodologia quanto os

procedimentos do professor no papel e do professor-personagem ainda apresentam-se

como objetos para futuras pesquisas e aprofundamentos no campo teórico e prático, já

que o drama apresenta uma complexa rede de procedimentos que, aqui no Brasil, ainda

não foram suficientemente explorados.

Minha prática com o teatro e com o ensino, tanto na sala de aula na

Universidade, como no acompanhamento dos estagiários nas escolas da rede pública de

116

Florianópolis, abrirão, seguramente, novos questionamentos sobre como aproximar

teatro e educação, renovando sempre a curiosidade e o desejo de aprofundar estes

aspectos e contribuir com a pesquisa no campo da pedagogia teatral.

117

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119

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121

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VIDOR, H. B. "O papel do espectador no processo de drama educação e sua relação

com o fenômeno da teatralidade". Revista Urdimento no. 9. Florianópolis.

UDESC/CEART, 2007

122

ANEXO 1.

Questionário Drama UFSC “Nós e Eles” – 1ª Experiência abril/maio de 2007. Pontue de 1 a 5, sendo 1 a alternativa que você acha que foi a melhor explorada durante este trabalho e 5 a que passou desapercebida. A. O texto “Nós e Eles” (David Campton) foi o pré-texto para esta oficina. Nele, o autor focaliza os processos de acomodação e confronto entre recém chegados a um lugar que poderia ser qualquer lugar que conhecemos. Em sua opinião, qual aspecto desta experiência foi mais significativo? ( ) a forma como este texto permite explorar questões de identidade e diferença em grupo. ( ) o confronto entre as tribos no decorrer do processo. ( ) a ambientação criada. ( ) a definição do perfil de cada tribo. ( ) o professor como personagem assumindo um dos papéis do texto. B. Este texto focaliza a identidade e a diferença como uma questão política, mostrando o processo social de sua produção. Neste sentido, você considerou como mais importante: ( ) sua relação com o atual contexto político e social. ( ) os jogos de linguagem. ( ) a dúvida e a incerteza como ponto de partida para a intensificação da xenofobia. ( ) a relação entre identidade e diferença dentro de cada grupo e no relacionamento entre grupos. ( ) as relações de poder : quem é incluído (nós) quem é excluído (eles). C. Quanto à ambientação cênica, o que funcionou melhor foi: ( ) a sensibilização criada durante a ‘travessia à nova terra’. (1a. sessão). ( ) a exploração do espaço físico de modo a definir localidades do norte, sul, leste e oeste.(2a. sessão) ( ) a iluminação cênica pontuando o início e o fim de cada sessão. ( ) O muro criado com as caixas neutras e as pichadas, representando a separação a partir dos desejos e diferenças de cada tribo. ( ) a trilha sonora e o som do tambor tocado pelo professor- personagem marcando o ritmo dos acontecimentos e criando atmosferas. D. Professor-personagem é uma estratégia do drama, onde o professor assume um papel e interage com o grupo dentro do contexto ficcional. Neste processo, o professor assumiu o papel do Narrador, podendo assim, passar instruções e manter o fio narrativo do texto dramático. Qual aspecto desta intervenção foi mais significativo:

123

( ) a manutenção do fio narrativo. ( ) a introdução do contexto da ficção e das situações dramáticas. ( ) a interação com o grupo para identificar e enfatizar as contribuições dos participantes. ( ) o estímulo do jogo durante o jogo. ( ) a pontuação das analogias possíveis com o contexto atual. E. Quanto ao perfil das tribos e a possibilidade de posturas frente o desenvolvimento urbano e preservação do meio ambiente, considerei mais significativos: ( ) a simbolização de cada tribo por um elemento da natureza - galhos, folhas, pedras e conchas. ( ) a existência de contradições entre si, evitando um retrato estereotipado das mesmas. ( ) as características físicas / corporais que as identificavam como ‘tribo’. ( ) a linguagem e/ou discurso das tribos. ( ) expressão coletiva das idéias. F. Quanto aos conflitos gerados a cada episódio devido ao confronto entre as tribos, você aponta como os mais significativos: ( ) a incorporação de fragmentos de falas do texto. ( ) as metáforas - ‘duelo poético’, pichações, posicionamento no espaço. ( ) atmosfera criada pelos efeitos sonoros e o professor com tambor. ( ) os rituais em grupo. ( ) argumentações e contra-argumentações.

124

ANEXO 2.

Gráfico de Tabulação dos Questionários

125

126

127

ANEXO 3.

Perguntas e respostas da avaliação na escola Lúcia do Livramento Mayvorne: 1. Nossa história é sobre mudança. Mudança de um lugar calmo para um lugar agitado, mudança de um lugar agitado para um lugar calmo, onde encontramos novos amigos, novos vizinhos, novos lugares. Qual parte da história você gostou mais de fazer? TODAS (13) AS RESPOSTAS NÚMERO 1. 1. Foi quando a gente mudou de um lugar calmo para um lugar agitado. (Pamela) 1. Do lugar calmo. (Fernanda). 1. A da que a gente tinha que pesquisar... da luva. (Ketelin). 1. Os amigos. Quando a gente botou aquelas roupas. Lugar mais agitado. (Rodrigo). 1. Eu gostei quando a gente tava colhendo as frutas e os peixes para comer. (Kasminys). 1. Quando eles queriam levar coisa para viagem e estavam fazendo lanche. (Thalisson). 1. Eu gostei quando a gente tava pegando peixe. (Jonatan). 1. A parte de usar instrumento que tava na caixa. (Felipe). 1. A parte que nos vestimos de outro tipo, descobrindo o que tava dentro da mala. (Pablo). 1. Foi a parte que a gente tentamos ajudar o outro para um lado poder fazer o que quiser e o outro poder fazer agitação. (Lucas). 1. Dividir o espaço. (Richard). 1. Foi a de inventar de mudar para um lugar calmo. (Ivouclei). 1. Eu gostei de ver. (Indiamara). 1. Eu gostei quando o Guilherme mandou o filho fazer o trabalho da escola, tomar banho, comer, escovar o dente. (Kasminys). 1. Dos amigos. (Carlos). 2. A professora fez 3 personagens: um escriba chamado Namassor ou Maracutaia na Cutaia, uma funcionária da prefeitura que precisava da ajuda de vocês para descobrir o mistério daqueles objetos que estavam na sacola e uma advogada que veio para dividir a terra no novo lugar que vocês estavam. Qual deles você prestou mais atenção? Qual deles fez com que você tivesse mais vontade de participar da história? TODAS (13) AS RESPOSTAS NÚMERO DOIS: 2. Só aquele nacutaia ... (Fernanda) 2. Maracutaia na cutaia (Ketelin) 2 maracutaia na cutaia (Indiamara). 2. Maracutaia na cutaia (Jonatan). 2. Daquele que tinha que colocar luva na mão (funcionário) advogada. (Thalisson) 2. Advogada. Aquela parte que dividiu assim. (Rodrigo). 2. Foi na hora que eles colocaram a cortina. [advogada] (Pablo) 2. Advogada mandou sentar e ficar quieto. Não, não, eu gostei da que tava com a faixa [de cabelo] e com os objetos. (Kasminys). 2. A da luva. A Advogada. (Ivouclei). 2. A advogada. (Felipe). 2. Advogada. Foi o que eu estava. (Lucas). 2. Aquela advogada. (Richard). 2. A dona maracutaia mais não caia fez eu prestar mais atenção e ter mais vontade de participar da história. (Pamela) 2. Advogada. (Carlos)

128

3. O início da história foi a divisão da turma em dois grupos: Águia Azul e Leão Dourado. Vocês ganharam fitas de cores diferentes para que a gente soubesse quem era de qual grupo. Você lembra o nome do seu grupo? Você acha que a fita ajudou a reunir o grupo? Você lembra de algum objeto que o grupo quis levar na mudança? TODAS (13) AS RESPOSTAS NÚMERO 3 3. Águia Azul. / Sim./ Não lembro (Ketelin). 3. Águia Azul./ Ajudou. /Cobertor, travesseiro, comida, colchão (Indiamara). 3. Águia Azul./ Um burro pra se apoiar. Não sei, acho que eles queriam levar cavalo também. Só isso eu sei, o resto eu não sei mais nada. (Thalisson) 3. Águia Dourada./ Sim a fita ajudou. / Roupa e comida. (Kasminys). 3. Alaranjado. / Sim a fita ajudou./ Sapato. (Rodrigo). 3. Leão Dourado. / Sim./ Cobertor, colchão, comida, lençol, um cavalo. (Jonatan). 3. Leão Dourado. /Ajudou./ Não tava, não lembro. (Lucas). 3. Águia Azul. /Sim./ Roupas, sapatos, coruja. (Pablo). 3. Águia Azul./ Sim./ Burro pra me apoiar.(Felipe) 3. Águia Azul./ Ajudou. /Não lembro.(Richard) 3. Águia Azul era o nome do grupo./ A fita ajudou a reunir o grupo. /Foi um burro para eu mim apoiar, os bichos mais preferidos , uma coruja. (Pamela). 3. Terra Dourada./ Sim, ajudou./ Não lembro. (Fernanda). 3. Leão Dourado. /Ajudou./ Foi a cama, travesseiro, o cobertor, a comida, um burro para se apoiar e uma chave de carro. (Ivouclei). 3. Não lembra./ Sim./ Era roupa, comida e a cama. (Carlos). 4. Entre os exercícios de técnica teatral: cena congelada, câmera lenta, efeitos sonoros, qual você acha que ajudou a cena a ficar melhor? E qual foi o mais difícil de fazer? TODAS (13) AS RESPOSTAS NÚMERO 4. 4. Câmera lenta./ Nenhum. (Ketelin). 4. Câmera lenta. /Nenhum. (Indiamara). 4. Pescar. /Pegar negócio do pé. (Rodrigo). 4. Câmera Lenta./ Foi difícil (...) a cena congelada. (Fernanda) 4. Foi pegar, colher, plantar. /Foi o mesmo: pegar, plantar, colher. (Lucas). 4. Estátua. / Barulho. (Jonatan). 4. Foi quando a gente congelou, quando a gente fez mais barulho./ Mais difícil foi aquele de andar em câmera lenta. (Pamela) 4. Eu gostei mais do coelhinho sai da toca, com câmera lenta e sem câmera lenta. (Kasmilys). 4. Câmera lenta./ O mais rápido. (Richard). 4. Foi câmera lenta./ O mais difícil foi a cena congelada. (Pablo). 4. Câmera lenta. /Foi difícil fazer aquele trabalho no chão, que tinha a folha branca e tinha que colar. O efeito sonoro foi o mais difícil. (Thalisson). 4. Câmera Lenta foi a melhor e/ cena congelada foi a mais difícil. (Felipe). 4. A de falar./ Foi a câmera lenta. (Ivouclei). 4. Câmera lenta./ Fazer som. (Carlos).

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ANEXO4

Avaliação

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134

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136

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Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

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