harvard business review financas comportamentais 090508

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Finanças Comportamentais (Behavior Finance) Fonte: Harvard Business Review - Brasil (Maio/2008) André Delben* Você já deve ter percebido que nem tudo no mercado financeiro segue um padrão estritamente lógico e racional. Afinal como explicar que o Índice Bovespa possa cair mais de 5% em um dia para recuperar tudo no dia seguinte? Para tentar explicar parte desse comportamento esquizofrênico dos mercados, vou abordar aqui um assunto um pouco diferente, porém interessante e atual, chamado de behavioral finance, ou finanças comportamentais. Behavioral finance é um campo relativamente novo, que procura combinar análise do comportamento humano e teorias psicológicas com teorias econômicas convencionais para explicar melhor por que as pessoas muitas vezes tomam decisões financeiras de forma irracional. O assunto é bastante amplo, portanto o objetivo deste artigo é trazer uma introdução ao tema, em seus aspectos principais, divididos em duas partes: uma definição de behavioral finance e da chamada teoria do prospecto e em seguida a descrição dos principais equívocos psicológicos que costumam acontecer nos processos de julgamento dos investidores. Definição de Finanças Comportamentais e Teoria do Prospecto Antes de falar em behavioral finance, é necessário lembrar rapidamente as teorias de finanças convencionais comumente aceitas, que podem ser resumidas na Hipotése dos Mercados Eficientes (HME). A HME fundamenta-se em duas construções: a teoria da utilidade esperada e as expectativas racionais. Estas duas proposições combinadas afirmam que os indivíduos são perfeitamente racionais, conhecem e ordenam de forma lógica suas preferências, buscam maximizar a “utilidade” (ou seja, o benefício próprio) de suas escolhas e conseguem atribuir com precisão probabilidades aos eventos futuros quando submetidos a escolhas que envolvam incertezas. No modelo dos mercados eficientes, assume-se que as informações relevantes sobre os ativos são percebidas e processadas simultaneamente pelos investidores. Como estes são perfeitamentes racionais, suas decisões serão lógicas. Assim, os preços de mercado deverão refletir com exatidão o valor fundamental dos ativos, incorporando a cada momento do tempo as melhores estimativas de valor destes bens. Por outro lado, entre os modelos onde os indivíduos apresentam racionalidade limitada, o mais promissor é a chamada Teoria do Prospecto, formulada pelos psicólogos Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia em 2002, e Amos Tversky, considerados os pioneiros da linha de pesquisa conhecida como behavioral finance. O aspecto central deste modelo descritivo é a constatação de que indivíduos atribuem maior importância às perdas do que aos ganhos. Kahneman and Tversky conduziram uma série de estudos na qual os participantes faziam julgamentos entre decisões monetárias e potencial risco e ganhos. Em um destes experimentos, os participantes recebiam hipotéticos $1.000 (este valor correspondia a 1/3 da renda média do grupo social dos entrevistados). Sabendo disto, deveriam escolher uma das seguintes alternativas: Receber $500 certos 50% de chance de ganhar $1.000 e 50% de não ganhar nada A grande maioria dos entrevistados (84%) escolheu ficar com os $500 certos e evitar o risco de não ganhar nada na tentativa de ganhar mais. Numa outra

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Page 1: Harvard Business Review Financas Comportamentais 090508

Finanças Comportamentais (Behavior Finance) Fonte: Harvard Business Review - Brasil (Maio/2008) André Delben* Você já deve ter percebido que nem tudo no mercado financeiro segue um padrão estritamente lógico e racional. Afinal como explicar que o Índice Bovespa possa cair mais de 5% em um dia para recuperar tudo no dia seguinte? Para tentar explicar parte desse comportamento esquizofrênico dos mercados, vou abordar aqui um assunto um pouco diferente, porém interessante e atual, chamado de behavioral finance, ou finanças comportamentais. Behavioral finance é um campo relativamente novo, que procura combinar análise do comportamento humano e teorias psicológicas com teorias econômicas convencionais para explicar melhor por que as pessoas muitas vezes tomam decisões financeiras de forma irracional.

O assunto é bastante amplo, portanto o objetivo deste artigo é trazer uma introdução ao tema, em seus aspectos principais, divididos em duas partes: uma definição de behavioral finance e da chamada teoria do prospecto e em seguida a descrição dos principais equívocos psicológicos que costumam acontecer nos processos de julgamento dos investidores.

Definição de Finanças Comportamentais e Teoria do Prospecto

Antes de falar em behavioral finance, é necessário lembrar rapidamente as teorias de finanças convencionais comumente aceitas, que podem ser resumidas na Hipotése dos Mercados Eficientes (HME). A HME fundamenta-se em duas construções: a teoria da utilidade esperada e as expectativas racionais. Estas duas proposições combinadas afirmam que os indivíduos são perfeitamente racionais, conhecem e ordenam de forma lógica suas preferências, buscam maximizar a “utilidade” (ou seja, o benefício próprio) de suas escolhas e conseguem atribuir com precisão probabilidades aos eventos futuros quando submetidos a escolhas que envolvam incertezas. No modelo dos mercados eficientes, assume-se que as informações relevantes sobre os ativos são percebidas e processadas simultaneamente pelos investidores. Como estes são perfeitamentes racionais, suas decisões serão lógicas. Assim, os preços de mercado deverão refletir com exatidão o valor fundamental dos ativos, incorporando a cada momento do tempo as melhores estimativas de valor destes bens. Por outro lado, entre os modelos onde os indivíduos apresentam racionalidade limitada, o mais promissor é a chamada Teoria do Prospecto, formulada pelos psicólogos Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia em 2002, e Amos Tversky, considerados os pioneiros da linha de pesquisa conhecida como behavioral finance. O aspecto central deste modelo descritivo é a constatação de que indivíduos atribuem maior importância às perdas do que aos ganhos. Kahneman and Tversky conduziram uma série de estudos na qual os participantes faziam julgamentos entre decisões monetárias e potencial risco e ganhos. Em um destes experimentos, os participantes recebiam hipotéticos $1.000 (este valor correspondia a 1/3 da renda média do grupo social dos entrevistados). Sabendo disto, deveriam escolher uma das seguintes alternativas: Receber $500 certos

50% de chance de ganhar $1.000 e 50% de não ganhar nada A grande maioria dos entrevistados (84%) escolheu ficar com os $500 certos e evitar o risco de não ganhar nada na tentativa de ganhar mais. Numa outra

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situação, é colocado que os participantes ganhariam, de presente, $2.000 e agora deveriam escolher uma das seguintes alternativas: Perder $500 inevitavelmente

50% de chance de perder $1.000 e 50% de não perder nada. Aqui, a maioria dos entrevistados (69%) prefere correr o risco de perder mais, na esperança, obviamente, de não perder nada.

Conclusão: os dois experimentos são muito semelhantes, mas os resultados são opostos. Na teoria, os resultados deveriam ser parecidos, mas, na prática, quando se trata de ganhar, nossa aversão ao risco é muito maior do que quando se trata de perder. Estamos dispostos a sacrifícios maiores para tentar evitar uma perda. Para não perder, estamos até prontos a correr o risco de perder mais ainda. Em um artigo escrito para o jornal Valor Econômico, Martin Casals Iglesias cita que foi ao laborátorio de economia experimental da Fundação Getúlio Vargas. Seguiu à risca todo o procedimento feito por Kahneman e aplicou a um grupo de participantes exatamente as mesmas perguntas feitas em um outro experimento de 1992 realizado nos EUA. Foi solicitado aos estudantes que optassem entre participar de 64 jogos, nos quais os ganhos (ou perdas) dependiam de probabilidades, ou receber (ou pagar) um valor fixo e desistir de jogar. Todas as perguntas seguiram o seguinte modelo: "Suponha um jogo no qual você tem 90% de chance de ganhar zero e 10% de chance de ganhar R$ 50,00". Os participantes então deviam escolher o valor fixo a ser recebido, pelo qual desistiriam do jogo. Variavam, de uma pergunta para outra, o valor, as probabilidades e se o jogo se referia a chances de ganhos, de perdas ou a uma combinação de ambas. Os resultados do experimento foram surpreendentemente parecidos aos encontrados nos EUA, a começar pelo coeficiente de aversão a perdas que foi estimado em 2,21 para o Brasil, contra os 2,25 dos Estados Unidos, ou seja, a perda de uma unidade monetária gera desgosto que só pode ser compensado pelo ganho de 2,21 unidades para o Brasil e 2,25 para os EUA.

Como você pode ver, o ser humano é muito menos racional do que nos fazem crer as teorias tradicionais de finanças. E isso traz algumas implicações para o mundo dos investimentos que iremos abordar a seguir.

Principais Equívocos Psicológicos no Julgamento dos Investidores

Nesta parte vou descrever os principais equívocos psicológicos que costumam acontecer nos processos de julgamento dos investidores. Você, prezado leitor, vai perceber alguma familiaridade, o que é normal, pois nosso cotidiano é repleto de decisões, algumas mais simples e outras mais complexas e nem sempre a racionalidade é respeitada nesses momentos.

EXCESSO DE CONFIANÇA E OTIMISMO (OVERCONFIDENCE)

Otimismo e excesso de confiança talvez sejam os erros psicológicos mais comuns e ocorrem quando as pessoas se classificam como sendo acima da média e acham que os outros irão julgá-las melhores do que realmente são. Excesso de confiança sugere que o investidor superestima a habilidade de prever eventos futuros. Na prática, a grande maioria dos investidores não pode estar acima da média.

APOSTA ERRÔNEA (GAMBLER’S FALLACY)

Quando se trata de probabilidades, a falta de conhecimento pode levar a conclusões erradas sobre eventos. Considere uma série de 20 moedas que quando jogadas caíram todas com o lado “cara” virado para cima. Numa aposta errônea, a pessoa pode pensar que é mais provável que a próxima moeda caia com o lado “coroa”

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virado para cima. Essa linha de raciocínio representa uma compreensão inexata de probabilidade, porque a chance de uma moeda não viciada cair com o lado “cara” para cima é sempre de 50%.

Não é difícil de imaginar que, sob certas circunstâncias, investidores podem facilmente ser vítimas da aposta errônea. Por exemplo, algum investidor acredita que deve liquidar uma posição depois desta ter subido por vários dias consecutivos, pois ele não acredita que esta posição continuará subindo. Por outro lado, outro investidor pode manter a posição que vem caindo por vários dias consecutivos, pois ele acredita ser improvável uma queda ainda maior. Apenas porque um ativo vem subindo por vários dias consecutivos não significa que é menor a probabilidade de subir mais nos próximos dias.

ANCORAGEM (ANCHORING) Daniel Kahneman e Amos Tversky, (1974) conduziram um estudo no qual uma roda contendo números de 1 a 100 seria girada. Então os candidatos eram questionados se a porcentagem de países africanos membros das Nações Unidas era maior ou menor do que o número dado na roda. Em seguida os candidatos deveriam fazer uma estimativa atual desse valor. Tversky e Kahneman descobriram que esse valor aparentemente aleatório apresentado na roda mostrou grande influência sobre as respostas dadas pelos candidatos. Por exemplo, quando a roda parou no número 10, a estimativa média dada pelos candidatos foi de 25%; porém quando parou no 60, a estimativa média foi de 45%. Um número aleatório teve o efeito de âncora sobre as respostas dos candidatos, fazendo com que as estimativas se aproximassem dos números que eram apresentados na roda - embora este não tivesse nenhuma correlação com as questões.

CONTABILIDADE MENTAL (MENTAL ACCOUNTING)

Contabilidade mental diz respeito à tendência das pessoas de separar seu patrimônio em partes com finalidades individuais. Você conhece pessoas que têm uma poupança para os filhos e que usam o limite do cheque especial? Você nunca viu alguém que trata o dinheiro da restituição do imposto de renda como se fosse um prêmio, não usa essa quantia para quitar as contas diárias e reserva o valor para um gasto especial? Outro caso é alguém que se nega a retirar dinheiro de uma poupança que faz para as férias e prefere financiar o saldo do cartão de crédito. Seria mais racional ao invés de guardar o dinheiro para as férias, utilizá-lo para pagar as contas do cartão de crédito (que possui altos juros). São exemplos clássicos de contabilidade mental.

Uma maneira de evitar o mau uso da contabilidade mental é sempre lembrar que seu patrimônio deve ser analisado de forma única. O princípio da fungibilidade diz que todo o patrimônio, incluindo ativos e passivos, deve ser analisado de forma única.

TENDÊNCIA AO EXAGERO (OVERREACTION) E DISPONIBILIDADE (AVAILABITY BIAS) Uma conseqüência de envolver emoções no mercado financeiro é a tendência ao exagero frente a uma nova informação. De acordo com a Hipótese do Mercado Eficiente, uma nova informação deveria se refletir instantaneamente no preço do ativo. Boas notícias devem aumentar o preço do ativo, e este não deve cair se nenhuma nova informação for dada. A realidade, porém tende a contradizer a teoria. Às vezes, participantes do mercado financeiro agem de forma exagerada a uma nova informação, criando um efeito de supervalorização do ativo. Segundo a teoria da disponibilidade, as pessoas tendem a dar maior peso às informações mais recentes para uma tomada de decisão. Isso acontece o tempo todo no nosso dia-a-dia. Por exemplo, imagine que você viu um acidente de carro num trecho da

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rodovia que você geralmente usa para ir ao trabalho. Provavelmente você irá dirigir com mais cautela pelas próximas semanas. Embora a rodovia não tenha se tornado mais perigosa por causa do acidente, ter visto o acidente induziu a tendência ao exagero, porém em pouco tempo você voltará aos seus hábitos normais.

EFEITO MANADA (HERD BEHAVIOR)

Um dos eventos financeiros mais conhecidos é o estouro da bolha da Internet, entretanto essa não foi a primeira vez na história que um evento como esse aconteceu. Como eventos dessa natureza aconteceram e continuam a acontecer? Essa pergunta pode ser respondida através do efeito manada, que é a tendência do indivíduo em imitar as ações (sejam elas racionais ou irracionais) de um grupo maior. Individualmente, entretanto, nem todos fariam a mesma escolha. Temos a necessidade de agir em conformidade com o grupo aonde estamos inseridos (se todos estão vendendo, tendemos também a vender). Errar em companhia da maioria é menos estressante. Já conviver com as conseqüências de um erro em virtude de um posicionamento oposto ao do grupo é um constrangimento que a maioria evita. Esse é o principal combustível do efeito manada.

VIÉS DE CONFIRMAÇÃO (CONFIRMATION BIAS)

É difícil encontrar alguém que não tenha opiniões pré-concebidas. É complicado deixar de lado a primeira impressão porque as pessoas têm a tendência de filtrar seletivamente as informações e prestar mais atenção naquilo que suporta suas opiniões, ao mesmo tempo que ignora o resto. Este tipo de raciocínio seletivo é chamado de viés de confirmação. No mundo dos investimentos, esse viés sugere que é mais provável que o investidor busque informações que confirmem sua idéia inicial a respeito de um investimento ao invés de fatos que contradizam sua opinião. Como consequência, isso pode resultar em um processo de decisão errado, dada o conjunto incompleto de informações disponíveis.

VIÉS DE RETROSPECTO (HINDSIGHT BIAS)

Outra atitude comum acontece quando a pessoa acredita (depois do fato) que algum evento passado era previsível e completamente óbvio, quando na prática, esse evento não poderia ter sido previsto de maneira razoável. Muitos eventos parecem óbvios em retrospecto. Psicólogos atribuem o viés de retrospecto a nossa necessidade inata de encontrar ordem no mundo através da criação de explicações que nos levem a acreditar que os eventos são previsíveis. Por exemplo, muitas pessoas acham agora que os sinais da bolha de Internet eram óbvios. Se a formação de uma bolha fosse óbvia na época, a bolha nunca teria existido, pois os investidores teriam medo de comprar à medida que os preços subiam.

ORDENAMENTO E ESTRUTURA (FRAMING EFECTS)

Ordenamento e Estrutura ocorrem quando um processo de tomada de decisão é afetado pelo enunciado do problema ou por seu ordenamento. Isso racionalmente não deveria acontecer, pois um mesmo problema enunciado de duas maneiras distintas não poderia produzir resultados diferentes. Porém, na realidade, isso ocorre.

Um bom exemplo é um experimento de Daniel Kahneman e Amos Tversky (1981) chamado problema da “doença asiática”. Os participantes tinham que imaginar uma situação em que deviam decidir sobre a implementação de um programa de saúde pública envolvendo uma população de 600 pessoas com o objetivo de combater uma doença epidêmica. As opções se apresentavam da seguinte forma:

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Se o programa A for adotado, 200 pessoas serão salvas. Se o programa B for adotado, há um terço de chances de que 600 sejam salvas e dois terços de probabilidade de que ninguém se salve.

Computadas as respostas, verificou-se que 72% dos participantes preferiram o programa A e apenas 28% optaram pelo programa B. Em seguida, apresentou-se o problema enunciado da forma abaixo para um outro grupo de pessoas.

Se o programa C for adotado, 400 pessoas morrerão. Se o programa D for adotado, há um terço de chances que ninguém morra e dois terços de probabilidade de que 600 pessoas venham a falecer.

Neste caso, apenas 22% preferiram o programa C, tendo a maioria optado pelo programa D. O fato é que A e C são idênticos, B e D também. Quando o problema era enunciado de forma a salvar vidas, as pessoas eram conservadoras, preferiam garantir vidas salvas. Quando se falava em perder vidas, os indivíduos se mostravam propensos a risco, preferindo arriscar e tentar evitar a perdas de vidas.

Como conclusão, podemos nos perguntar se esses estudos irão ajudar os investidores a obter uma maior rentabilidade nos mercados. Na prática, porém, poucos investidores utilizam os princípios comportamentais para descobrir os melhores ativos nos quais investir. O impacto de pesquisas sobre behavioral finance ainda é maior na área acadêmica do que na gestão de recursos.

* Andre Delben Silva, completou o MBA na Harvard Business School em 2003 e é responsável pela gestão na Advisor Asset Management

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