habitar o tempo real: elementos para um estudo sistemático

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    gama de produtos e serviços em tempo real altamente valorizados, a cultura deempreendedorismo tecnológico de risco bloqueia o caminho para uma críticasocial radical das denições correntes de cidade, espaço, distância, presença,nação, que se encontram hoje atualmente desestabilizadas pela transnacionali-dade e pelo ritmo sincrônico das infraestruturas de dados2. A ausência desta crí-tica, além de deixar livre o caminho para uma nova era de apropriação do espaçopúblico pelo capital nanceiro – como podemos vericar no caso atual dos ser-viço online  Uber –, congura um risco concreto de uma dramática perda de opor-tunidade de se pesquisar os aspectos superestruturais da tecnologia da infor-mação, com o propósito de criar estratégias e táticas de planejamento territorialinovadoras, voltadas ao desenvolvimento humano e seu bem-estar no planeta.

    O primeiro ponto que apresento refere-se aos porquês da redução dodebate sobre o futuro das cidades à implementação de sistemas cibernéticos,telemáticos e eletrônicos, interfaceados por internets ou intranets, como cami-nho inequívoco rumo à sustentabilidade e à qualidade de vida. Estas metas,bastante genéricas, devem ser problematizadas. Hoje, ambas as metas expri-

    mem a necessidade de se mensurar estatisticamente, por meio de indicadoresbem denidos, os critérios pelos quais se mede a qualidade da vida em umacidade e também a qualidade da sua funcionalidade. Em 2014, a InternationalStandard Organization publicou a ISO 37120:20143, estabelecendo parâmetrosde performance e avaliação para os serviços de uma cidade sustentável. Educa-ção, saúde, transporte, etc., e também grau de inovação, sustentabilidade, etc.Ora, o grau de sucesso de uma cidade não pode ser medido apenas pela eciên-cia com que gere seu cotidiano, mas com a percepção subjetiva que os cidadãostêm dela. A singularidade de uma cidade está numa tensão dinâmica entre suasfacilidades e suas inconveniências. A estratégia comercial cujo braço urbanís-

    2 O problema da classicação do tipo de infraestrutura que as redes de informação compõe é uma cons-tante. Sua função muda de acordo com a utilização que cada setor faz dele: infraestrutura digital, infra-estrutura de TI, ciberinfraestrutura, infraestrutura de mídia, infraestutura de dados e até mesmo “infra-estutura das infraestruturas”. Há algumas denições genéricas, como por exemplo a das infraestuturasde mídia: (...) são altamente automatizadas, contando com sensores e controle remoto, e que requeremtrabalho humano para sua design, instalação, manutenção e operação. A denição de infraestruturasdigitais também é ilustrativa: uma teia interconectada de sensores, atuadores, redes de comunicaçãocom e sem  o e sistemas de computadores que dão suporte para sistemas civis e ambientais . Mante-remos a denição em aberto nesse presente artigo, pois ela mesma é uma discussão em si.

    3 Cities need indicators to measure their performance. Existing indicators are often not standardized,consistent, or comparable over time or across cities.As part of a new series of International Standards being developed for a holistic and integrated appro-ach to sustainable development and resilience, this set of standardized indicators provides a uniformapproach to what is measured, and how that measurement is to be undertaken. As a list, it does notprovide a value judgement, or threshold or a target numerical value for the indicators.Conformance with this standard does not confer a status in this regard. A city which conforms to thisstandard in regards to measurement of indicators for city services and quality of life may only claimcompliance to that effect.These indicators can be used to track and monitor progress on city performance. In order to achievesustainable development, the whole city system needs to be taken into consideration. Planning for

    future needs must take into consideration current use and efciency of resources in order to betterplan for tomorrow.Disponível em < https://www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:37120:ed-1:v1:en > Acesso em: 13 de fev. 2016.

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    tico vem sendo chamado de Smart Cities parece não considerar essa condição.Estabelece um modelo genérico de cibernetização do espaço urbano – transfor-mado em uma gigante infraestutura para a expansão da IoT4 –, a despeito dodesenvolvimento histórico e das características sociais de uma dada cidade. Oauge de seu discurso social é o “empoderamento” do cidadão através de umsem número de aplicativos e serviços digitais voltados à autoadministração docotidiano, incentivando a racionalidade e a eciência no uso do tempo.

    O Brasil e o mundo 

    Nosso objetivo, contudo, não é discutir a noção de cidade inteligente – por maisproblemático que possa soar o conceito. O que salta à vista nesse momento his-tórico crucial para os futuros rumos da sociedade é o vácuo no debate públicodecorrente da ausência de protagonismo da universidade e das faculdades dearquitetura e urbanismo brasileiras. É sintoma do incipiente volume de produçãode conhecimento especíco voltado para o investigação da complexa interfacesociedade/ espaço urbano/ tecnologia da informação, especialmente no que con-

    cerne à antevisão das transformações das cidades de pequeno e médio porte, acurto e longo prazo. Uma varredura nas teses e dissertações produzidas pelasprincipais instituições de pesquisa nos últimos anos atesta este fato. Raras pes-quisas abordam a problemática das TICs no espaço urbano. Como exceção, umaboa parcela dos melhores trabalhos existentes foram realizadas no IAU de SãoCarlos, desenvolvidos no âmbito do grupo de pesquisa “Urbanização Virtual eServiços Telemáticos (e-Urb)”, fundado em 1996 e coordenado pelo professorAzael Rangel Camargo. Vale reproduzir os objetivos do grupo, atualmente inativo:

    A Temática estudada e pesquisada pelo Grupo de Pesquisa e- Urb se dá em torno

    das questões da Urbanização Virtual, dos Serviços Urbanos Telemáticos e das

    Interfaces Híbridas (Arquitetônicas – Espaço Concreto e Telemáticas – EspaçoVirtual). A Urbanização Virtual corresponde a uma série de novas situações e

    fatos sociais e culturais que estão emergindo nas Cidades, ampliando, com-

    plementando e complexicando os processos urbanos tradicionais. Tais situa-

    ções e fatos são decorrência dos impactos sobre as práticas e espaços urbanos

    e regionais, das resultantes do Processo de Convergência das Tecnologias da

    Informática, das Telecomunicações e das Mídias. Este processo foi deslanchado

    a partir das novas necessidades do modo de produção capitalista que neste

    m de século atinge o estágio que se convencionou chamar de Globalização ou

    Mundialização das relações sociais e espaciais de produção. Do ponto de vista

    Espacial, ao nível das regiões se observa a reconstituição das redes de cida-des, criando uma nova hierarquia mundial, e do ponto de vista urbano, estamos

    frente à necessidade de, por um lado, re-equipar as cidades com uma nova infra-

    estrutura para viabilizar a inserção nas novas formas de produção social, bem

    4 A Internet das Coisas, ou Internet de Todas as Coisas, é uma extrapolação do ramo da telemática(o conjunto de técnicas e serviços que associam meios de informática e de telecomunicações). Suadisponibilidade comercial está em vias de se popularizar, com a indústria preparando o lançamentode uma extensa cadeia de produtos de uso cotidiano intensivo, conectados entre si via internet. O

    autor Bruce Sterling, em The Epic Struggle of the Internet of Things , apresenta uma descrição sucintado conceito por trás do nome de mercado: “all-purpose electronic automation through digital sur-veillance by wireless broadband”.

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    como redenir e redesenhar os Serviços Urbanos, para viabilizá-los, tanto em

    vista das novas infraestruturas de Informática/Telecomunicações, como em rela-

    ção às novas práticas sociais, baseadas na inteligência.

    A proposta do grupo, em larga medida, é ainda de grande relevância para odebate que esse artigo busca estimular. No entanto apesar da pioneira investiga-ção e do diagnóstico preciso, a realidade dos anos 1990 e começo dos 2000 erasignicativamente outra, orientando as pesquisas para a compreensão do espraia-mento da inteligência no espaço urbano, bastante evidente no parágrafo nal:

    (...) Do ponto de vista Urbano Arquitetônico, estas novas práticas em torno dos

    Serviços Urbanos, requerem novos Ambientes Cognitivos e Comunicativos, que

    pelo lado dos Sistemas de Informação, estruturados a partir dos Hipermídias (dos

    quais a “ Webpage”, enquanto um hipertexto, é o mais aparente), e que pelo lado

    do Espaço arquitetônico-urbano, estão dando margem ao surgimento dos Espa-

    ços de Altas Tecnologias, dos quais o “Edifício Inteligente”, é o mais estudado (...)

    Naquele período havia um horizonte de abertura sobre as possíveis apro-priação destas tecnologias. Sua potência e ineditismo induziam as pesquisasa pensarem nas aplicações e formas de “expansão da inteligência”. Porém, odesenvolvimento tecnológico nos 20 anos seguintes tornou outra forma, aindamais pervasiva, chegando ao limites da smart dust 5, provocando-nos a pensarnão apenas nas tecnologias inteligentes, mas em uma redenição da experi-ência de estar-no-mundo. Portanto urge retormar a pesquisa de onde o e-Urbparou, revisando algumas de suas premissas originais. Pois bem, outra sig-nicativa parcela das pesquisas localizadas investigam a produção digital doprojeto de arquitetura, como design paramétrico para geração e controle de

    formas complexas, metodologias tipo BIM, fabricação digital e novas represen-tações do espaço, etc. Até onde pudemos investigar, é escassa a bibliograavoltada especcamente para o impacto das TICs nas cidades brasileiras produ-zidas pelas FAUs, embora lentamente o cenário esteja evoluindo6. A literaturadisponível é produzida em outros centros, majoritariamente Estados Unidos eEuropa. Como tal, descrevem a condição de metrópoles em estágios de desen-volvimento distintos das nossas. Já se sabe hoje que cada região apresenta

    5

     Smart Dust  ou poeira inteligente é um sistema ainda não operante composto de sistemas micro-eletromecânicos  minúsculos tais como sensores, robôs, ou outros dispositivos que podem detectar,por exemplo, a luz, a temperatura, a vibração, o magnetismo ou substâncias químicas; e geralmenteformam uma rede de computadores sem o distribuída por uma área para executar certas tarefas,principalmente as mais sensíveis.Disponível em Acesso em: 13 de Fev. 2016.

    6 Localizamos trabalhos relevantes nos programas de pós-graduação da Geograa da USP. Como asdissertações de mestrado de Alexander Sergio Evaso “O Espaço Vertiginoso” (2006), que dá cabode descrever o processo de estruturação espacial da internet. Uma notável pesquisadora, tambémadvinda da geograa é Ludmila Girardi Alves. Sua dissertação “Redes de comunicação e território: aformação e a organização socioespacial da internet no Brasil” foi vencedora do Concurso de Melhor

    Tese e Melhor Dissertação em Geograa em 2013/2014 da ANPEGE – Associação Nacional de Pes-quisa e Pós-Graduação em Geograa, além de nalista do IX Prêmio Brasileiro “Política e Planeja-mento Urbano e Regional”, na categoria dissertação de mestrado.

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    particularidades no que tange ao uso de TICs. Há obras já clássicas e muitocitadas de Castells e Saskia Sassen, cuja validade permance. Mas no que tangeà ação sobre o espaço de países em desenvolvimento, o corpo teórico que aampara é a resiliente tese do crescimento econômico seguido de distribuição derenda e desenvolvimento social, tão claramente expresso de acordo com rela-tórios sobre infraestrutura digital produzidos pelo Fórum Ecônomico Mundial7 eoutros organismos internacionais. Esse vácuo acadêmico permitiu que o debateatual no Brasil seja promovido e conduzido por representantes da indústria detecnologia da informação, levando consigo em seu esteio ideológico uma legiãode urbanistas e promotores imobiliários que, como tal, tendem a capturar o“urbano”, retirá-lo de seu contexto histórico e social, reapresentando-o incorpo-rado ao léxico corporativo. Nessa ótica, problemas antigos de uma cidade sãoconvertidos em um mercado de soluções, produtos e serviços smart  – a saber,sistemas de gestão para governança digital, sensores para monitoramento detráfego, tecnologias LED  para iluminação pública, sistema de alerta de enchen-tes, câmeras de segurança com softwares de reconhecimento facial, aplicativos

    de apoio à mobilidade urbana baseados em GPS e outros. Essa é a forma geraldo debate sobre estado-da-arte do espraiamento das TICs no espaço urbanoatualmente. A mídia, ela mesma profundamente implicada no setor de TICs, temum papel central na difusão desse ideário. Assim como nos anos 1980 muitose falou no “m das cidades” por conta das novas tecnologias e mais recen-temente no “renascimento das cidades”, também devido à chegada das novastecnologias, a atmosfera do debate é distorcida em função de interesses econô-micos, inuenciando a percepção da população e dos gestores públicos no sen-tido desejado. Na ausência de uma voz antagônica, a desinformação reina e seacaba por consolidar uma visão única de uma questão complexa, que demanda

    uma pluralidade de pontos de vista para o seu enfrentamento.Nas nações desenvolvidas, há um atrelamento muitas vezes simbiótico

    entre as tendências de mercado e a produção acadêmica8, até porque são paí-ses com projeto de desenvolvimento para horizontes de 50 a 100 anos, projetoslargamente baseados no uso intensivo de tecnologia de informação – principalmotor da economia digital9. Nos países centrais, um crescente número de novospensadores e críticos da expansão do controle técnico e social do ambiente temvindo a público, conduzindo pesquisas na área de humanidades, no esforço dearticular um corpo teórico-losóco que faça a mediação entre o ritmo aceleradodo avanço tecnológico e de sua implementação no organismo social e natural.

    O geógrafo francês Boris Beaude produz pensamento rico sobre a espacialidade

    7 WORLD ECONOMIC FORUM. Expanding Participation and Boosting Growth: The Infrastructure Needsof the Digital Economy. Digital Infrastructure Report 2015 – Genebra. World Economic Forum, 2015.

    8 Exemplar dessa simbiose é a publicação de uma pesquisa realizada em 2015 pelo Dipartimento diArchitettura e Studi Urbani do Politecnico di Milano em parceria com a Telecom Italia. Intitulada “ FromSmart City to Smart Region – Digital Services for an Internet of Places ”, o objetivo do estudo é explo-rar a relação entre TICs e planejamento urbano, expandindo o conceito de cidade inteligente para paradimensão regional.

    9 WORLD ECONOMIC FORUM .Expanding Participation and Boosting Growth: The Infrastructure Needsof the Digital Economy. Digital Infrastructure Report 2015 – Genebra. World Economic Forum, 2015.

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    da internet e seu poder de mudar a sociedade, demonstrando como internetopera em uma lógica de sincronização dos espaços e lugares10. Os media studies  californianos e novaiorquinos, bem representados nos trabalhos de Lisa Parkse Nicole Starosielski, esquadrinham o planeta e o espaço em busca dos traçosmateriais que revelem os caminhos pelos quais trafegam as mídias, produzindoteses inéditas sobre cabos de bra ótica submarinos ou até sobre o lugar dossatélites na cultura contemporânea. Também há uma série de lósofos concen-trados especicamente no problema de se viver em um ambiente saturado dedados digitais. É o caso do lósofo italiano Luciano Floridi, diretor do OxfordInternet Institute, contratado pela União Européia para coordenar uma extensapesquisa intitulada The Onlife Manifesto – Being Human in a HyperconnectedEra. O pensamento europeu analisa sua própria realidade. Suas metrópoles jáestão dotadas de um aparato urbano-digital sosticado, com a quase totalidadeda população acessando a internet de banda larga via dispositivos móveis ecom suas empresas e governos controlando os sistemas de tempo real. Mas, ea grande maioria dos lugares do mundo que apresentam uma realidade tecno-

    lógica distinta, muitas vezes sem acesso sequer a serviços básicos, como sane-amento e energia elétrica? Que pensamentos estão norteando as estratégias deimplantação de TICs de alta capacidade nestes lugares?

    Uma possível estratégia de conhecimento para o problema das TICs no Brasil 

    No Brasil são necessárias pesquisas de longo prazo, com o objetivo de pro-duzir um conhecimento efetivo sobre as potencialidades e riscos das “cidadesbaseadas em dados”. Precisamos de indicadores que nos permitam entenderas formas possíveis de utilização das TICs como instrumento de desenvolvi-mento humano. Para isso, é preciso buscar maneiras de responder questões

    primordiais: as TICs são realmente capazes de ‘modicar usos, organização eplanejamento de espaços urbanos’11? Como são as respostas à introdução dasTICs em cada camada da cidade? Em quanto tempo após a chegada de umainfraestrutura de internet uma região começa a apresentar mudanças? Comoelas se manifestam? Onde estão as inércias? A população encolhe? Cresce? Asrespostas podem nos conduzir nalmente à superação do uso de metáforasideológicas que exploram oposições  real ×  virtual, material ×   imaterial, digi- tal   ×  físico como principais categorias de análise da interação homem-máquina,cidade-máquina que caracterizam as TICs. Respostas cujas articulações entre-sinos permitam um entendimento global de toda a “recepção humana” do ciber-

    nético no espaço, assim como já estamos a perceber a natureza dos impac-tos comportamentais e psicológicos da internet sobre coletividade. Os termosde uma tal pesquisa devem ser conduzidos sobre fatos coletados da realidadeurbana local de uma dada cidade. O conhecimento produzido informa as pro-jeções ideais de aglomerações humanas expandidas pelas tecnologias da

    10 BEAUDE, Boris. Internet. Changer l’espace changer la societé. Les logiques contemporaines desynchrorisation. Paris. FYP Éditions, 2012.

    11

     MORANDI, Corinna; ROLANDO, Andrea; DI VITA, Stefano. From Smart City to Smart Region – Digi- tal Services for an Internet of Places . New York. Springer, 2016.

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    informação. A premissa fundamental é se referenciar às TICs como condiçãomaterial concreta de transporte de mídias, meio por onde uem os símbolosculturais e se regula o tempo, como veremos adiante. Paralelamente, aos fatosempiricamente recolhidos será confrontada a produção teórica de autores queinicialmente delimitaram os conceitos globais fundamentais da “era da infor-mação” – da “sociedade em rede”, da “pós-industrialização, da “era urbana”. E,nalmente, será estudado o desenvolvimento histórico das técnicas e tecnolo-gias eletrônicas: sem o conhecimento da cibernéticas, das tecnologias elétricase das tecnologias de processamento e transmissão de dados – além do contextogeopolítico e a organização do mercado que promoveu a expansão da rede dedados e comunicação por toda a superfície do planeta e também na exosfera –a compreensão do estado-da-arte de um conjunto de tecnologias de ponta comritmo de inovação incessante ca bastante limitada.

    Munidos de um entendimento total do fenômeno, poderemos formularquestões produtivas do ponto de vista da evolução das cidades, do ponto devista do habitar o mundo : que tipo de sociabilidade, ou que tipo de urbanidade

    se enseja ao se transferir todas as dimensões e a correspondentes mediaçõesdo viver na metrópole para o meio técnico? Quais os eixos possíveis de restau-ração da urbanidade e cotidianidade numa realidade em aceleração constante?Quais as propriedades inalienáveis do espaço numa era de ‘deportações eletrô-nicas’12? Existirá uma nova antropologia urbana decorrente da radical rupturacom os modos de vida que nos precederam? Haverá um sentido possível paraas aglomerações humanas que vá além da organização de uma plataforma deprodução/consumo de serviços urbano-digitais informados por um ambiente de‘connamento interativo obrigatório’13 – conforme a visão corporativa das smartcities ? E, ainda, que outras perspectivas de desenvolvimento social e urbano

    experimentais podem surgir em localidades ainda não atendidas por infraestru-turas informacionais de alta performance? Esta última colocação remete à reali-dade dominante no planeta. Segundo dados da The Broadband Commission forDigital Development da UIT14, somente no Brasil são 84 milhões de indivíduossem acesso à internet veloz, em dados de setembro de 201515. Com qual estraté-gia essa infraestrutura será levada a estes 42% da população, que são tambéma população mais pobre e não escolarizada? Podemos ensejar a criação de umplano de desenvolvimento territorial fundado no acesso à informação e à edu-cação, atualmente escamoteados pelas políticas de Inclusão Digital? Ou esta-remos reféns das estratégias comerciais que condicionam o uso de internet no

    Brasil majoritariamente para uso individual recreativo, para consumo de entre-tenimento e de redes sociais? Limitar o debate sobre os novos desdobramentosdas tecnologias da informação à expansão do serviços de “suporte logístico àvida” disponíveis online é central para a formação de mercados pela indústria.Haverá estratégias de conhecimento bloqueadas pela ideologia do mercado

    12 VIRILIO, P. O Espaço Crítico . São Paulo: editora 34,1993.

    13 VIRILIO, Paul. CIBERMUNDO. Una política suicida?  Madrid. CATEDRA, 1999.

    14 União Internacional das Telecomunicações.

    15 The Broadband Commission for Digital Development. ITU, 2015.

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    livre e da livre expressão que possam revalidar alguns dos sentidos primordiaisvislumbrados quando se realizou a convergência das tecnologias da informaçãoe comunicação? Finalmente, a pergunta cuja resposta de forma alguma podeser de viés tecnológico: na hipótese de um mundo totalmente interconectado, oque é autonomia individual e emancipação coletiva?

    É patente que a questão urbana não pertence mais a nenhum especialista,como bem nos esclarece Henri Lefevbre no seu fundamental ensaio A Revolu- ção Urbana. Ouve-se hoje aqui e ali sobre uma ciência das cidades. Pensar – eplanejar – o desenvolvimento das cidades é um projeto coletivo. Sem a reuniãodos múltiplos saberes, a fragmentação produzida pelas TICs irá se pronunciar, namedida em que atualmente ela atende majoritariamente a estratégias de mercado.A indústria busca ampliar a integração tecnológica, para melhor gerir e criar novosmercados globais. A desconexão entre os indivíduos e uma maior alienação des-tes em relação ao seu lugar, ao seu entorno imediato, é produto direto desta polí-tica comercial. As versáteis ferramentas de “empoderamento” individual, a saberos dispositivos móveis com conexão à internet, são verdadeiras “centrais dos

    acontecimentos do mundo”, cujo objetivo expresso é “conectar as pessoas”. Essesgadgets , que expandem as faculdades humanas de comunicação e controle deações remotas, são o objeto cujo uso se difundiu mais rapidamente na história dahumanidade, ícone maior do ‘individualismo de massa’16. A maciça distribuição desmartphones ‘realiza a inserção do indivíduo na infraestrutura global de telecomu-nicações’17 permitindo, via GPS, agregar função de instrumento de controle sociale data mining . Baseados na expropriação consensual de variados indicadorescomportamentais, os computadores de bolso formatam pacotes de commodities  altamente valorizados no mercado do big data – os dados pessoais de uso. Nessalógica de conexão do mundo,ironicamente cada um de nós administra os serviços

    online  que melhor lhes atende em sua logística pessoal cotidiana. Se dispensa aprosaica interação imediata com o Outro que caracterizava a vida social em tem-pos passados, esgarçando os elos sociais no entorno imediato. Esse tempo já nãomais existe, a nostalgia é improdutiva nesse contexto. Ainda há tempo para se ide-alizar novas formas de relação com a vida e cidade, onde as tais tecnologias nosauxiliem na construção de um novo estar-no-mundo?

    Aceleração da realidade

    Antes, porém, vamos retomar um ponto apresentado anteriormente: a acele-ração da realidade. O geógrafo Milton Santos em sua concisão característica,

    descreve o processo:No m do século XX e graças aos avanços da ciência, produziu-se um sistema de

    técnicas presidido pelas técnicas da informação, que passaram a exercer um papel

    de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema uma presença

    planetária. (...) Na história da humanidade é a primeira vez que tal conjunto de técni-

    cas envolve o planeta como um todo e faz sentir, instantaneamente, sua presença.

    16 VIRILIO, P. The Administration of Fear. New York: Semiotext(e), 2012. Tradução do autor.

    17

      ALLEMBY, Braden. Infrastructure in the Age of Earth Systems Engineering and Management(ESEM) . In. Digital Infrastructures: Enabling Civil and Environmental Systems through InformationTechnology. New York. Routledge, 2004.

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    Esse conjunto de técnicas inscreve no território uma infraestrutura da infor-mação, cujo relativo desconhecimento público até o início da década de 2010contribuiu sobremaneira para a construção de discursos ideológicos e apologé-ticos desatrelados da realidade técnica e geográca das TICs18. Este conjunto detécnicas, segundo Santos,

    (...) transporta uma história, cada sistema técnico representa uma época. Em

    nossa época, o que é representativo do sistemas de técnicas atual é a chegada

    da técnica da informação, por meio da cibernética, da informática, da eletrônica.

    Ela vai permitir duas grandes coisas: a primeira é que as diversas técnicas exis-

    tentes passam a se comunicar entre elas. A técnica da informação garante esse

    comércio, que antes não era possível. Por outro lado, ela tem um papel determi-

    nante sobre o uso do tempo, permitindo, em todos os lugares, a convergência

    dos momentos, assegurando a simultaneidade das ações e, por conseguinte,

    acelerando o processo histórico.

    A síntese de Milton Santos apresenta os elementos centrais de uma história

    iniciada com a descoberta do sinal elétrico e a posterior invenção do telégrafo,na primeira metade do século XIX, a história da compressão espaço-temporalatravés de tecnologias da comunicação19. No início da era da informação, o podereconômico do grupos setoriais ligados às teles, protagonistas do processo dereestruturação produtiva do capitalismo a partir da crise do petróleo nos anos197020, impulsionou a etapa nal do processo de globalização, conduzindo asociedade à apoteose da simultaneidade e instantaneidade da informação. Bus-cava-se a máxima produtividade na economia, através de uma aguda queda nocusto da mão-de-obra e nos custos de produção. Em 1988, a adoção dos moder-nos cabos de bra ótica operando na velocidade da luz possibilitou um salto na

    capacidade de transmissão de dados. A partir desse ponto há uma narrativa bas-tante descrita sobre a economia de serviços, sobre a terceirização, sobre zonasde comércio livre e desregulamentação de mercados, até que o surgimento dointernet, poucos anos após a queda do Muro de Berlim, inaugurou um novocampo de expansão do capitalismo. Nos interessa neste artigo reunir elementosque levem à compreensão de como um fenômeno-chave da experiência contem-porânea, a aceleração da realidade, é frequentemente percebido como um efeitocolateral desse processo histórico sintetizado acima, classicado como uma per-cepção subjetiva ou apenas reexo do movimento maior da tecnologia rumo àeciência total. Vericar em que medida a realidade acelerada experimentada

    18 STAROSIELSKI, Nicole. The Undersea Network. Durham & London. Duke University Press, 2015.

    19 No ano de 2015 a União Internacional das Telecomunicações completou 150 anos. “Fundada pararegular o mercado de telégrafos. Após a II Guerra Mundial a UIT tornou-se a agência da ONU espe-cializada em TICs. A UIT aloca espectros globais de rádio e órbitas de satélite, desenvolve os padrõestécnicos que garante a interconexão perfeita entre tecnologias e redes, e luta para aprimorar acessoàs TICs em comunidades desprovidas deste serviço em todo o mundo”. Disponível em < http://www.

    itu.int/> Acesso em: 13 de fev. de 2016.

    20 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede . 3a Ed. São Paulo. Editora Paz e Terra, 2000.

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    Versão preliminar. A versão nal estará disponível em http://fau.usp.br/icht2016/Atas_ICHT_2016.pdf

    pela signicativa parcela da humanidade21 imersa na cibernética22 social, envoltapela malha de telecomunicações, pela internet e pela automatização da interativi-dade é sistematicamente planejada e produzida pelo setor nanceiro e pelos con-glomerados de mídia e tecnologia. E vericar quais as possibilidades de surgiruma nova política, que regule o problema da velocidade articulada no espaço’ 23,uma política do tempo – amparada por uma economia política da velocidade24.

    Tempo Real

    Esta hipótese política, talhada com a lente fenomenológica de Paul Virilio,atenta aos transtornos na percepção humana produzidos por novas tecnolo-gias, é sustentada desde sua primeira obra, Velocidade e Política (1973), até suaprodução atual. Nela introduz o conceito de Dromologia – a ciência que estudaa velocidade. Para Virilio, a velocidade não é um fenômeno, mas a relação entrefenômenos que pode representar um limite para a ação do homem, tornandoo mundo nito e, paradoxalmente, inerte.25 ‘Segundo a teoria da relatividade,a velocidade dilata o tempo no momento em que contrai o espaço, resultando

    assim na negação da noção de dimensão física’26

    . Nos anos 1980, o autor iden-ticou nexos entre o tempo cronoscópico – um tempo transmitido, difundido,não o tempo vivido, subjetivo – e a crise das cidades:

    A história, nossa história, acaba de se chocar contra o muro do Tempo Real. É

    impossível seguir acelerando. A História alcançou sua máxima velocidade possí-

    vel. (…) este acontecimento vai nos deixar mais lentos, nos vai fazer voltar atrás.

    Essa regressão é um efeito resultante da aquisição da velocidade limite. Ainda

    21 The Broadband Commission For Digital Development. The State Of Broadband. Broadband As A

    Foundation For Sustainable Development. Genebra. ITU & UNESCO, 2015.22 Sobre a cibernética: ‘Além da teoria da transmissão de mensagens da engenharia elétrica, há umcampo mais vasto que inclui não apenas o estuda da linguagem, mas também o estudo das men-sagens como meio de dirigir a maquinaria e a sociedade, o desenvolvimento de máquinas e outrosautômatos (...) A sociedade só pode ser compreendida através de um estudo das mensagens e dasfacilidades de comunicação de que disponha; e de que, no futuro desenvolvimento dessa mensa-gens e facilidades de comunicação, as mensagens entre o homem e as máquinas, entre as máquinase o homem, e entre a máquina e a máquina, estão destinadas a desempenhar papel cada vez maisimportante. (...) O propósito da Cibernética é o de se desenvolver uma linguagem e técnicas que noscapacitem de fato, a havernos com o problema do controle e da comunicação em geral, e a descobriro repertório de técnicas e idéias adequadas para classicar-lhe as manifestações especí cas sob a

    rubrica de certos conceitos. (Wiener. Norbert. Cibernética e Sociedade. 1968)23 VIRILIO, Paul. The Administration of Fear . Los Angeles: Semiotext(e), 2012.

    24 VIRILIO, Paul. CIBERMUNDO. Una política suicida?  Madrid. CATEDRA, 1999.

    25 IDEM. “não podemos perder indenidamente a relação com o corpo, a corporeidade física, sio-lógica, e não podemos perder a relação do corpo com o mundo por culpa da teletransmissão. Creioque chegamos num limite. Penso que a implementação da velocidade da luz nos limita innitamenteo mundo. O mundo se restringe e já emerge um sentimento de encarceramento. (...) perdemos adimensão real da natureza. Assim como há poluição da natureza, há poluição da dimensão natural.É um acontecimento tão insuportável quanto perder o corpo próprio no autismo ou na esquizofre-nia. Estamos perdendo nosso corpo próprio por causa de um corpo espectral e o mundo próprio por

    causa de um mundo virtual. A questão que se coloca é: como recuperar o contato?

    26 VIRILIO, P. O Espaço Crítico. São Paulo: editora 34,1993.

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    Versão preliminar. A versão nal estará disponível em http://fau.usp.br/icht2016/Atas_ICHT_2016.pdf

    O conceito técnico de tempo real 

    Em 1968, na Fall Joint Computer Conference em San Francisco28, um pesqui-sador ligado ao Rand Institute29 apresentou o pequeno ensaio “A public phi- losophy for real time information systems” , para uma plateia ligada à entãoaventurosa indústria da computação. O sociólogo Harold Sackman fez ali a pri-meira reexão pública, de cunho teórico, sobre as graves implicações decorren-tes da virtual implementação de tecnologias de informação em tempo real nomeio social. Estes sistemas lançariam a sociedade em um estado permanentede ‘experimentação social’, em que cada indivíduo é ao mesmo tempo sujeitoe experimentador  dos sistemas de informação em tempo real. Essa realidadedemandaria mudanças no sistema educacional, para intensicar a participa-ção popular nos rumos da política. Não transformar a educação implicaria no‘eclipse da esfera pública por uma nova meritocracia tecnológica’30, desaandoas formas correntes da democracia e do sistema educacional. De acordo como sociólogo, ‘o casamento dinâmico da informação e do controle nos sistemasde tempo real é uma fusão de conhecimento e ação. E, através de ação dirigida

    em tempo real, a informação é expressa como poder’. Sua precoce percepçãodo tipo de poder que nasce desses sistemas levou-o a concluir que a únicaforma de proteger a democracia dos monopólios privados de informação seriaa criação de uma losoa pública que regulasse e distribuisse equitativamenteo poder da informação.

    O conceito de sistemas de informação em tempo real é um conceito técnicode ponta, que vem sendo implementado para ‘lidar com mudanças velozes emdiversos âmbitos da vida, provocadas pelo avanço da ciência e da tecnologia’31.Sackman classicou os sistemas em três categorias: eventos em tempo real,

    28 The Joint Computer Conferences were a series of computer conferences in the USA held undervarious names between 1951 and 1987. The conferences were the venue for presentations and papersrepresenting “cumulative work in the [computer] eld.” In 1968 in San Francisco, California  DouglasEngelbart presented “The Mother of All Demos ” presenting such then-new technologies as the compu- ter mouse, video conferencing, teleconferencing , and hypertext . Disponível em Acesso em: 13 de Fev. 2016.

    29  RAND Corporation  (former RAND Institute, formed in 1948) is an American  nonpro  t   globalpolicy  think tank originally formed by Douglas Aircraft Company   to offer research and analysis tothe United States Armed Forces . It is nanced by the U.S. government  and private endowment , cor-porations including the health care industry , universities  and private individuals. The achievements of

    RAND stem from its development of systems analysis . Important contributions are claimed in spacesystems and the United States’ space program, in computing and in arti  cial intelligence . RAND rese-archers developed many of the principles that were used to build the  Internet . RAND also contributedto the development and use of wargaming .Disponível em Acesso em: 13 de Fev. 2016.

    30  São escassas as informações biográcas sobre o sociólogo Harold Sackman. A informação queconseguimos obter é a que está disponível no site da RAND Corporation, que denota uma prolí cacarreira de pesquisa na fronteira entre a ciência da computação e questões sociais. Bibliograa de H.Sackman. Disponível em < http://www.rand.org/pubs/authors/s/sackman_harold.html> Acesso em:14 de fev. de 2016.

    31 SACKMAN, H. ‘A Public Philosophy for Real Time Information Systems ’. Fall Joint Computer Con-ference, 1968, 1491-1498.

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    Versão preliminar. A versão nal estará disponível em http://fau.usp.br/icht2016/Atas_ICHT_2016.pdf

    sistemas de informação em tempo real e ciência em tempo real. Sua argumen-tação no ensaio desenvolve-se predominantemente sobre os sistemas de infor-mação em tempo real. Segundo ele, a técnica é bem conhecida:

    (…) vigilância permanente sobre o ambiente no qual um objeto está inserido

    para permitir noticações prévias de situações críticas; identicação de proble-

    mas; regulação corretiva e controle de acordo com padrões estabelecidos de

    performance do sistema; e adaptação evolucionária do design do sistema e suas

    operações para atender a mudanças de condições. (…) O fundamental nesta

    denição é que sistemas de tempo real não são meros espectadores de seus

    próprios eventos, mas os criadores de desfechos desejáveis, pois são agentes

    ativos que moldam um ambiente parcialmente plástico de acordo com uma ima-

    gem pré-concebida.

    Este conceito técnico foi desenvolvido no nal dos anos 1950 pelos milita-res nos Estados Unidos para auxiliar vôos tripulados das forças aéreas. Logo aindústria e o sistema bancário o adotaram. Também as empresas aéreas dele

    zeram uso, para, por exemplo, estruturar sistemas de compras de bilhetesaéreos. Segundo Sackman, esses sistemas são ‘uma nova classe de instituiçãosocial, uma forma mais radicalmente poderosa e socialmente capaz de reco-nhecer e lidar com problemas especícos no momento em que eles aconteceme a tempo de modicar seus desdobramentos’32. A sua denição de ciência emtempo real é justamente uma ciência que atue diretamente sobre “eventos domundo real” – onde a ação está. Seus laboratórios e modelos abstratos têmcomo propósito contribuir para o objetivo nal de entender, modelar e contro-lar eventos no mundo real para nalidades humanas. Desse ângulo é impossí-vel encontrar argumentos para que não se adotasse maciçamente os sistemas

    de tempo real no campo social, como ocorreu quando da abertura comercial dainternet no início dos anos 1990 durante a administração Clinton. Diante de umuniverso amplo de aplicações, que, como podemos vericar, viriam a se rami-car em todos os setores da sociedade, Sackman escreve esse ensaio como umalerta, apontando para o ‘vácuo losóco nas ramicações sociais dos siste-mas de tempo real’33, ainda não ‘procurados e sistematizados pelos lósofos’.Sua proposta de losoa pública é uma continuidade da tradição de losoapragmática americana representada por Charles Peirce, William James e JohnDewey. Uma losoa pública do poder da informação, na concepção do soció-logo Sackman, deveria responder a novas formas democráticas e procedimen-

    tos relativos à organização e distribuição equitativa de informação de interessesocial. A síntese que realiza dessa losoa é ela mesma uma exortação à açãocontínua, uma ética “dinâmica” vinculada a uma

    contínua reconstrução das crenças presentes em direção ao comportamento

    futuro, com vigilante apreciação de novas consequências que levem a novas

    linhas-mestras para novas ações.

    32 Idem.

    33 Ibidem.

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    Versão preliminar. A versão nal estará disponível em http://fau.usp.br/icht2016/Atas_ICHT_2016.pdf

    Ao alertar a sociedade para a urgência em se construir uma espécie de arca-bouço constitucional que regule todo o desenvolvimento ulterior dos sistemaspor ele descritos, sua motivação principal não está no imperativo de se acom-panhar o veloz ritmo das transformações tecnológicas contemporâneas e tam-pouco na institucionalização da concentração de informação por uma elite. Naimplementação social destes sistemas e a necessidade de regras e princípiospara sua utilização estariam as maiores ameaças caso houvesse uma associa-ção prematura entre controle social e computadores. Fatalmente essa associa-ção evoluiria para um cenário de exercício de controle social em tempo real porempresas privadas. As consequências disto não poderiam ter um nome dife-rente de tirania tecnocrática. Sackman, mais cuidadoso, usa o eufemismo “ame-aça à democracia”. Apesar de tudo, o pesquisador manifesta sua esperança queessa técnica abstrata, aplicável  a qualquer conjunto de atividades, permita ocontrole humano sobre eventos de escala mundial. Tinha plena consciência deque esta conceito técnico – devidamente regulado por uma ética correspon-dente – inaugurava uma nova epistemologia, a das ciências de tempo real base-

    adas em estatística e probabilidade. Por m, são pertinentes as questões espan-tosamente atuais que trouxe para o debate em 1968, aqui reproduzidas, poistrazem os fundamentos de uma política pública ainda em construção, uma polí-tica do tempo real baseada na informação:

    Onde o domínio da informação pública termina e onde começa o domínio da

    informação privada? A utilidade da informação é uma utilidade pública genuína

    e, se sim, que tipo de commoditie  é a informação pública? A informação deve

    ser distribuída ao público com alguma espécie de medição, como gás, água e

    eletricidade, ou deve ser gratuitamente disponível como o rádio e a televisão?

    A informação pública acessível por computador deve estar disponível a todos

    como um direito humano básico garantido pelo governo e nanciado pelo contri-buinte ou a informação pública deve ser apoiada pela iniciativa privada – ou um

    criterioso equilíbrio dos dois?

    Sincronia

    O tempo real também autoriza usar o mesmo momento a partir de múltiplos

    lugares; e todos os lugares a partir de só um deles. E, em ambos os casos, de

    forma concatenada e ecaz.

    A sincronia dos lugares, a unicidade do tempo, ou convergência dos

    momentos é para Milton Santos a principal responsável pela aceleração dotempo histórico. Conforme argumenta, esse processo ainda não é homogêneopor toda o planeta – assim como ainda não o é hoje, 15 anos após a publicaçãode Por uma outra Globalização . O mundo do tempo real busca uma homogenei-zação empobrecedora e limitada, enquanto o universo do cotidiano é o mundoda heterogeneidade criadora. Com a globalização, Santos acredita que estamosmais próximos de construir uma “losoa das técnicas e das ações correla-tas”, baseada no conhecimento concreto do mundo e das particularidades doslugares, que “incluem condições físicas, naturais ou articiais e condições polí-ticas. Mesmo partindo de correntes de pensamento distintas, os autores discu-tidos neste artigo – o fenomenólogo Virilio, o pragmaticista Harold Sackman eo marxista Milton Santos – convergem na percepção da urgência de se iniciar

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    uma empresa losóca que realize o necessário “interfaceamento” do conceitocibernético de tempo real com as faculdades e capacidades humanas atuais, nolugar “vivido”. Para Santos, o mundo do tempo real impõe uma homogeneiza-ção empobrecedora e limitada, enquanto o universo do cotidiano é o mundoda heterogeneidade criadora. Sua crítica do tempo real é pela via política. ParaVirilio, o tempo real é um estado das coisas, um estado transmitido e trans-missível pela mídia e que se reporta fundamentalmente à maneira como ascoisas são percebidas, e como essas percepções agem no corpo  e por sua vezvão moldando as ações e novas percepções. Segundo o urbanista francês, aperfeita sincronização corresponde à imobilidade: nossa realidade, em perma-nente estado de urgência, ‘se tornou inabitável em milissegundos, em bilioné-simos de segundo’34. O tempo acelerado da cidade contemporânea é um fatorde desintegração social.

    A vida assim realizada por meio dessas técnicas é, pois, cada vez menos subor-

    dinada ao aleatório e cada vez mais exige dos homens comportamentos previsí-

    veis. Essa previsibilidade de comportamento assegura, de alguma maneira, uma

    visão mais racional do mundo e também dos lugares e conduz a uma organiza-ção sociotécnica do trabalho, do território e do fenômeno do poder. Daí o desen-

    cantamento progressivo do mundo.

    Retomando a questão urbana, para Virilio uma solução para a crise antro-pológica produzida pelos sistemas de tempo real hoje e no futuro passa pelareorganização do lugar da vida comum. O modelo de cidade inteligente  ‘des-localiza o trabalho e a relação com o próximo’35. É preciso ‘urbanizar o temporeal’36  sem que se desurbanize o espaço real. O espaço real constituiria umlimite para a expansão das técnicas, na medida em que o espaço ainda é o lugar

    da vivência – lugar de uma política possível de desaceleração e reconciliaçãodo homem com valores comunitários, baseados na solidariedade. Talvez sejapossível vericar uma movimentação nesse sentido, em alguns grupos urbanosempenhados em reconstruir o sentido do cotidiano, organizando sua vida emum espaço geográco menor, sem maiores deslocamentos, vivendo de recur-sos locais. Mas ninguém poderia armar que essa é uma tendência dominante.O desenvolvimento tecnológico e a ideologia que se construiu em torno da téc-nica atestam que o caminho da cibernetização do espaço, na etapa atual doprocesso de urbanização, é uma tendência irreversível. Pesquisas indicam queo ritmo de penetração da tecnologia, seja no corpo via nanotecnologia, seja no

    espaço via TICs, irá se intensicar. Qualquer posicionamento político em relaçãoà técnica exige que se conheça a dinâmica das forças que conduzem a econo-mia. A disputa pelos sentidos da cibernetização se darão no espaço real. À guisade conclusão provisória, como provocação a uma nova reexão, buscando emverdade deixar em aberto “a questão urbana e o tempo real “, ou “em que con-siste o espaço na era das TICs?” ou ainda “elementos para se pensar uma polí-

    34 VIRILIO, Paul. The Administration of Fear . Los Angeles: Semiotext(e), 2012.

    35 VIRILIO, Paul. CIBERMUNDO. Una política suicida?  Madrid. Dolmen Ediciones, 1999.

    36 Idem

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    tica espacial”, destaco dois trechos da recém-publicada pesquisa do arquiteto eteórico Mark Wigley sobre a obra do inclassicável R. Buckminster Fuller, Archi-tecture in The Age of Radio, Estes trechos abordam as relações entre espaçoe tecnologia wireless, na ocasião em que se deu a primeira comunicação viarádio entre uma embarcação e uma aeronave, em 1912. Fuller estava dentrodesta embarcação. O entusiasmo com que se saudava a nova tecnologia nosdá a medida do signicado de transpor o espaço/tempo até pouco tempo atrás.

    Crucial não era apenas a potência transformadora do rádio como comunicação

    entre dois espaços quaisquer, mas a radiação em si como a construção de um

    espaço. Uma transmissão de rádio difundida em todas as direções e capaz de

    ser simultaneamente sintonizada por inúmeras pessoas em inúmeros lugares

    cria um novo tipo de espaço invisível que pode ser ocupado. O rádio não apenas

    conecta e amplia territórios existentes. Ele redene o próprio território.

    Para Fuller (...) o rádio é simultâneamente terreno, material, equipamento, pro-

    grama e meta.

    Toda tecnologia cria seu próprio espaço.

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