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UNESP

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE MARLIA Faculdade de Filosofia e Cincias Programa de Ps-Graduao em Educao

ANDRA RIZZO DOS SANTOS BOETTGER GIARDINETTO

EDUCAO DO ALUNO COM AUTISMO: UM ESTUDO CIRCUNSTANCIADO DA EXPERINCIA ESCOLAR INCLUSIVA E AS CONTRIBUIES DO CURRCULO FUNCIONAL NATURAL

Marlia 2009

ANDRA RIZZO DOS SANTOS BOETTGER GIARDINETTO

EDUCAO DO ALUNO COM AUTISMO: UM ESTUDO CIRCUNSTANCIADO DA EXPERINCIA ESCOLAR INCLUSIVA E AS CONTRIBUIES DO CURRCULO FUNCIONAL NATURAL.

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Filosofia e Cincias da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marlia, como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Doutora em Educao. rea de concentrao: Ensino na Educao Brasileira Linha de pesquisa: Educao Especial no Brasil. Orientadora: Profa. Dra. Rita de Cssia Tibrio Arajo

Marlia 2009

Ficha catalogrfica elaborada pelo Servio Tcnico de Biblioteca e Documentao UNESP Campus de Marlia.

G435e

Giardinetto, Andra Rizzo dos Santos Boettger. Educao do aluno com autismo: um estudo circunstanciado da experincia escolar inclusiva e as contribuies do currculo funcional natural / Andra Rizzo dos Santos Boettger Giardinetto Marlia, 2009. 193 f. ; 30 cm. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Filosofia e Cincias, Universidade Estadual Paulista, 2009. Bibliografia: f. 149-162. Orientador: Profa. Dra. Rita de Cssia Tibrio Arajo. 1. Autismo. 2. Educao inclusiva. 3. Educao especial. I. Autor. II. Ttulo. CDD 371.9

ANDRA RIZZO DOS SANTOS BOETTGER GIARDINETTO

EDUCAO DO ALUNO COM AUTISMO: UM ESTUDO CIRCUNSTANCIADO DA EXPERINCIA ESCOLAR INCLUSIVA E AS CONTRIBUIES DO CURRCULO FUNCIONAL NATURAL.

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Filosofia e Cincias da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marlia, como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Doutora em Educao. rea de concentrao: Ensino na Educao Brasileira Linha de pesquisa: Educao Especial no Brasil.

BANCA EXAMINADORA

______________________________ Orientador: Profa. Dra. Rita de Cssia Tibrio Arajo. UNESP, Marlia. ______________________________ 2 Examinadora: Profa. Dra. Olga Maria P. R. Rodrigues. UNESP, Bauru. _______________________________ 4 Examinadora: Profa. Dra. Dbora Deliberato. UNESP, Marlia. _______________________________ 2 Membro Suplente: Profa. Dra. Cludia Maria Simes Martinez. UFSCar, So Carlos.

_______________________________ 1 Examinadora: Profa. Dra. Maria Amlia Almeida. UFSCar, So Carlos. _______________________________ 3 Examinador: Prof. Dr. Sadao Omote. UNESP, Marlia. _______________________________ 1 Membro Suplente: Profa. Dra. Thelma Simes Matsukura. UFSCar, So Carlos. ________________________________ 3 Membro Suplente: Profa. Dra. Ligia Maria Presumido Braccialli. UNESP, Marlia.

Data da Defesa: 22 de maio de 2009.

Aos meus amores Jos Roberto e Catarina.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todas as pessoas que fizeram com que este trabalho se tornasse uma realidade possvel. A meu marido Jos Roberto, com todo seu amor, apoio e incentivo durante todos esses anos, torcendo por meu sucesso profissional. A minha filha Catarina, que apesar de to pequena compreendeu minhas ausncias, mas no abriu mo de adormecer todas as noites a meu lado. Agradeo tambm a meus pais, Maria Jos e Ciclio, que sempre me apoiaram e me ajudaram, realizando muitas tarefas as quais eu deveria realizar e no pude. Ao meu pai em particular, por ter sido muitas vezes companheiro de viagens e tambm por ter conduzido e acompanhado a neta em inmeras atividades. s minhas irms Adriana e Ariana que tambm se fizeram presentes no incio deste trabalho. minha tia Neusa, a qual eu no poderia deixar de agradecer, pois, mesmo de longe sempre torceu por meu sucesso profissional. Gostaria de agradecer tambm ao meu amigo Nilson, companheiro de viagens semanais, por seu incentivo e suas palavras valiosas. Agradeo tambm por sua compreenso nos momentos difceis de certos acontecimentos ocorridos devido ao meu extremo cansao. Agradeo a minha orientadora Rita, que me deu a oportunidade de realizar este trabalho e que mesmo com muitas tarefas a realizar, sempre atendeu s minhas solicitaes. A todas as minhas alunas, orientadas e em orientao, agradeo pela compreenso durante todo o processo de realizao deste trabalho. Gostaria de agradecer aos alunos deste estudo e a seus professores, que permitiram que este trabalho se concretizasse. Tambm gostaria de agradecer a agncia de fomento CAPES, que me ofereceu auxlio durante a elaborao dessa Tese. E por fim, gostaria de agradecer a Deus por minha vida, e por ter me dar foras e determinao para seguir sempre em frente.

Obrigado!

Soy una persona con habilidades diferentes Soy una persona Una persona con sueos Una persona con metas por lograr Una persona que quiere tener xito en el trabajo elegido Una persona que quiere amar y ser amada Una persona que quiere ser aceptada y tener amigos Una persona que quiere ser valorada por las contribuciones que hago Una persona que quiere oportunidades Para ser independiente, productivo y feliz en la vida. Tambin soy una persona con habilidades diferentes... Una persona que desea las mismas cosas que t en la vida No quiero depender de nadie No quiero que tomen decisiones por mi No quiero que me compadezcan o traten diferente. ...Slo quiero que me den oportunidades para aprender ...y demostrar lo que puedo hacer. (Judith M. LeBlanc)

RESUMO O autismo vem sendo estudado pela cincia h dcadas, mas ainda objeto de muitos questionamentos. Em relao questo educacional pesquisas tm sido realizadas com o intuito de identificar, descrever e avaliar alguns programas de interveno precoces existentes para atender alunos com autismo. No mbito da questo educacional inclusiva desses alunos nas escolas regulares de ensino, constatam-se poucos estudos na rea. Sendo assim, esta pesquisa teve por objetivo realizar uma anlise circunstanciada dos contextos da experincia escolar inclusiva de alunos com autismo e identificar as possibilidades de contribuio do programa Currculo Funcional Natural (CFN) como meio auxiliar na participao destes alunos em sala de aula comum. Participaram desta pesquisa um professor especialista de uma escola especial que adota o programa CFN na educao de alunos com autismo; quatro professoras das escolas pblicas municipais e particulares responsveis por classes comuns e seus alunos com autismo matriculados no ensino regular. Desses alunos, um com 4 anos e 8 meses e outro com 5 anos estavam matriculados na educao infantil de duas escolas pblicas municipais; um aluno com 6 anos estava matriculado na educao infantil de uma escola particular e um aluno com 12 anos estava matriculado no 5 ano do ensino fundamental em outra escola particular, sendo que este, alm de autismo apresentava a Sndrome do X-Frgil. Os quatro alunos frequentavam concomitantemente escolas de educao especial, sendo que os alunos de 6 e 12 anos tinham como proposta educacional na escola de educao especial o CFN. A pesquisa foi realizada em duas cidades de mdio porte do interior paulista denominadas de cidade A e cidade B. A coleta de dados com os professores e alunos foi realizada no perodo de maio a novembro de 2007, e constou da aplicao de entrevistas semi-estruturadas aos professores e observaes diretas por meio de filmagens das atividades realizadas pelos alunos com autismo nas escolas regulares. As observaes diretas se basearam em um protocolo de anlise eco-comportamental que descreve e avalia a relao comportamento do aluno, ecologia da sala de aula e comportamento do professor. Foram analisadas 11 filmagens com durao total de 19 horas e 10 minutos de gravao. No foi encontrada diferena significativa nos resultados obtidos entre o comportamento dos alunos das escolas pblicas municipais que no receberam o apoio do CFN e o comportamento do aluno de 6 anos da escola regular particular que recebeu apoio do CFN. Para o aluno de 12 anos a anlise foi realizada separadamente devido a discrepncia entre idade e ano escolar em relao aos outros alunos. Os resultados sugeriram uma resposta positiva das professoras da educao infantil do ensino regular no processo inclusivo dos alunos com autismo, mostrando que a incluso desses alunos possvel, e que muitos aspectos do CFN se assemelhavam aos trabalhados realizados na educao infantil, sendo mais necessrio as orientaes deste programa nas sries mais avanadas, onde as demandas curriculares se diferenciam das demandas da educao infantil. Palavras-chave: Autismo. Educao inclusiva. Educao especial.

ABSTRACT The autism has been studying by the science for decades, but it still is a matter of questioning. Referring to the educational matter, some researches are being made with the goal of identifying, describing and evaluating some previous intervention existing programs for working with students with autism. On the inclusive educational point of theses students in regular teaching schools, a few studies on the area have been found. This way, this research had as its goal, the performance of a context detailed analysis of the inclusive educational experience of the students with autism and identifying the possibilities of contributing for the Functional Natural Curriculum (CFN) program, as an auxiliary mean on the participation of these students in regular classrooms. A specialist teacher of a regular school which uses the CFN program on the students with autism, four teachers of the public schools, responsible for regular classes and their autistic students enrolled in regular schools took part of this research. Among these students, one of 4 years-old and 8 months and another with 5 years-old were enrolled on children schools of two public schools; one student of 6 years-old was enrolled on a private school and a student of 12 years-old was enrolled on the 5th grade of the elementary school of another private school, as this one, had the X-Fragile Syndrome, apart from the autism. The four students attended special schools for students with intellectual disabilities, at the same time, as the students of 6 and 12 years-old had the CFN as an educational proposal in schools for students with special educational needs. The research was performed in two cities of average size in the countryside of the state of So Paulo called A city and B city. The data collection with the teachers and students was performed in the period of May and November of 2007, and used the application of semi-structured interviews on the teachers and direct observations, through the filming of the activities made by the students with autism in regular schools. The direct observations were based on the eco-behavioral analysis protocol which describes and evaluate the relationship between student behavior, the classroom ecology and the teacher behavior. 11 filmings were analyzed with total duration of 19 hours and 10 minutes of recording. There was not significant difference in the obtained results between the students behavior of the students which didnt the support of the CFN of public schools and the 6 year-old student of regular private school. The 12 year-old student was analyzed separately, due to the difference of age and school grade in relation to the others. So, the final result was a positive answer of the regular kinder teachers in the insertion process of the autistic students, showing that their insertion on the community is possible, and, it was identified several CFN. aspects, similar to the works performed on the kinder grade, which showed to be more necessary the guidance of this program for more advanced levels, where the curriculum demand is different from the childrens demand. Key-words: Autism. Inclusive education. Special education.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Mapeamento das escolas pblicas municipais, estaduais e particulares do municpio Cidade A ............................................................ Quadro 2 - Caracterizao dos 4 alunos participantes da pesquisa ............. Quadro 3 - Caracterizao dos 5 professores participantes da pesquisa ..... 164 61 64

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Porcentagem do tempo observado nas diferentes variveis da categoria atividade para os 3 alunos ............................................................ Figura 2 Porcentagem do tempo observado nas diferentes variveis da categoria grupo instrucional para os 3 alunos .............................................. Figura 3 Porcentagem do tempo observado nas diferentes variveis da categoria comportamento do professor para os 3 alunos ............................. Figura 4 Porcentagem do tempo observado nas diferentes variveis da categoria objetivo do professor para os 3 alunos ......................................... Figura 5 Porcentagem do tempo observado nas diferentes variveis da categoria comportamento do aluno para os 3 alunos ................................... 112 112 112 112 112

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Distribuio dos 8 alunos em escolas de ensino regular na cidade A ........................................................................................................ Tabela 2 - Descrio detalhada das filmagens dos 4 participantes do estudo ............................................................................................................ Tabela 3 - ndice de concordncia entre a pesquisadora e a observadora durante as observaes referentes as categoria do protocolo MS-CISSAR com os 4 participantes nas 4 escolas comuns............................................... Tabela 4 - Mapeamento geral dos alunos com autismo da cidade A no ano de 2007.......................................................................................................... Tabela 5 - Porcentagem mdia de ocorrncia das variveis do Protocolo MS-CISSAR na interao professor/aluno para a aluna 1, no total de intervalo de tempo observado........................................................................ Tabela 6 - Porcentagem mdia de ocorrncia das variveis do Protocolo MS-CISSAR na interao professor/aluno para o aluno 2, no total de intervalo de tempo observado........................................................................ Tabela 7 - Porcentagem mdia de ocorrncia das variveis do Protocolo MS-CISSAR na interao professor/aluno para o aluno 3, no total de intervalo de tempo observado........................................................................ Tabela 8 - Porcentagem mdia de ocorrncia das variveis do Protocolo MS-CISSAR na interao professor/aluno para o aluno 4, no total de intervalo de tempo observado ....................................................................... Tabela 9 - Porcentagem mdia de ocorrncia das variveis do protocolo MS-CISSAR considerando os 3 alunos participantes, A1, A2 e A3............... 111 104 100 96 92 85 83 79 165

SUMRIO

1 INTRODUO ............................................................................................. 1.1 Autismo e Mtodos Educacionais ............................................................. 1.2 O programa Currculo Funcional Natural ................................................... 1.3 Educao Especial e Educao Inclusiva ................................................. 1.4 Educao Inclusiva no Brasil ..................................................................... 1.4.1 O Autismo no processo inclusivo ...........................................................

15 18 24 31 36 43

2 OBJETIVOS .................................................................................................

53

3 MTODO ..................................................................................................... 3.1 Participantes .............................................................................................. 3.2 Local e caracterizao contextualizada dos participantes ........................ 3.2.1 Cidade A ................................................................................................. 3.2.2 Cidade B ................................................................................................ 3.2.3 Caracterizao contextualizada dos participantes ................................. 3.3 Material ...................................................................................................... 3.4 Instrumentos .............................................................................................. 3.4.1 Descrio dos instrumentos ................................................................... 3.4.1.1 Ficha de Identificao com informaes das escolas de ensino regular e dos alunos......................................................................................... 3.4.1.2 Roteiro de entrevista semi-estruturada para o professor especialista. 3.4.1.3 Roteiro de entrevista semi-estruturada com os professores da rede municipal e escolas particulares ...................................................................... 3.4.1.4 Code for Instructional Structure and Student Academic Response Mainstream Version (MS-CISSAR) 3.4.1.5 Protocolo para o registro das filmagens............................................... 3.5 Procedimentos .......................................................................................... 3.5.1 Procedimentos de coleta de dados ........................................................ 3.5.1.1 Reunio com as dirigentes das escolas............................................... 3.5.1.2 Aplicao da entrevista semi-estruturada com os professores............

54 54 55 56 58 60 65 65 66

66 66

67

67 72 72 72 73 73

3.5.1.3 Observao dos alunos nas escolas.................................................... 3.5.1.4 Registro dos dados coletados.............................................................. 3.5.2 Procedimentos para anlise dos dados ................................................. 3.6 ndice de Fidedignidade interobservadores ...............................................

74 77 80 80

4 RESULTADOS E DISCUSSO .................................................................... 4.1 Informaes gerais sobre o levantamento da amostra estudada............... 4.2 Anlise da participao dos alunos com autismo nas atividades escolares, tendo como base os dados do protocolo MS-CISSAR................... 4.2.1 Anlise Individual .................................................................................... 4.2.2 Anlise Comparativa do Comportamento observado dos alunos 1

84 84

90 91

(EMEI A), 2 (EMEI B) e 3 (Escola Particular 1) ............................................... 110 4.3 Anlise do relato da experincia dos professores das escolas comuns com os alunos com autismo e o suporte recebido da educao especial....... 116 4.3.1 Primeiro bloco de questes .................................................................... 116 4.3.2 Segundo bloco de questes ................................................................... 124 4.4 O Currculo Funcional Natural e o processo inclusivo dos alunos com autismo segundo relatos do professor especialista.......................................... 135

5 CONSIDERAES FINAIS ......................................................................... 140

REFERNCIAS ............................................................................................... 149

APNDICES .................................................................................................... 163 APNDICE A Quadro 1 - Mapeamento das escolas pblicas municipais, estaduais e particulares do municpio Cidade A........................................... 164 APNDICE B Tabela 1 - Distribuio dos 8 alunos em escolas de ensino regular na cidade A ......................................................................................... 165 APNDICE C - Solicitao de Autorizao para realizar a pesquisa nas escolas comuns ............................................................................................... 166 APNDICE D Termo de Consentimento Livre e esclarecido do Aluno......... 167 APNDICE E Termo de Consentimento Livre e esclarecido do Professor... 168 APNDICE F Escola Viktor Frankl ............................................................... 169

APNDICE G - Escola da Arte do Museu ...................................................... 174 APNDICE H Ficha de Identificao com informaes da escola ............... 177 APNDICE I - Ficha de Identificao com informaes do aluno ................... 178 APNDICE J Roteiro de entrevista semi-estruturada com o professor especialista ...................................................................................................... 179 APNDICE K Roteiro de entrevista semi-estruturada com os professores das escolas municipais e particulares ............................................................. 181 APNDICE L Protocolo para Registro de filmagem ..................................... 184 APNDICE M Atividades escolares da aluna 1 ........................................... 185 APNDICE N Atividades escolares do aluno 2 ........................................... 186

APNDICE O Atividades escolares do aluno 3 ............................................ 187 APNDICE P Atividades escolares do aluno 4 ............................................ 188 ANEXOS .......................................................................................................... 190 ANEXO A Parecer do Comit de tica ......................................................... 191 ANEXO B Protocolo MS-CISSAR ................................................................ 193

15 1 INTRODUO

O tema da educao inclusiva tem despertado no meio educacional questionamento, principalmente pela transformao de um sistema educacional excludente e segregatrio, que perdurou por vrias dcadas, para um sistema educacional inclusivo, que se comprometa a responder s necessidades educacionais dos alunos com deficincia, garantindo, alm do acesso e a permanncia desses alunos nas escolas regulares, um ensino de qualidade. A questo que o fato de a criana estar na sala de aula regular no dispensa os recursos e tecnologias desenvolvidas pela Educao Especial, que esto disponveis. Estes podem e devem ser utilizados como condio integradora e facilitadora do processo de ensino-aprendizagem desses alunos. Desta forma, acredita-se que Educao Especial e Educao Inclusiva podem caminhar juntas e, assim, construir uma efetiva prtica de incluso escolar. Partindo deste princpio, este trabalho teve por objetivos realizar uma anlise circunstanciada dos contextos da experincia escolar inclusiva de alunos com autismo e identificar as contribuies do programa Currculo Funcional Natural no processo educacional inclusivo dos alunos com autismo nas escolas da rede regular de ensino. Assim, as questes levantadas, nesta pesquisa, foram: Como ocorre a experincia escolar inclusiva dos alunos com autismo nas escolas regulares de ensino? Como a Educao Especial atravs do programa Currculo Funcional Natural participa dessa experincia inclusiva?

16 Diante desses questionamentos, a elaborao deste trabalho foi composta em cinco partes, a saber: a Introduo (que se constitui de 4 itens), os Objetivos, o Mtodo, os Resultados e Discusso e as Consideraes Finais. A Introduo constituda por 4 itens, assim especificada: No primeiro item, denominado Autismo e Mtodos Educacionais, ser realizado um breve resgate terico sobre a conceituao de autismo, desde a poca de Leo Kanner (1943), at os dias atuais, com as mais fortes evidncias sobre as causas do autismo. Tambm sero apontados alguns tratamentos educacionais utilizados com crianas com este distrbio na rea da educao especial. No segundo item, denominado O programa Currculo Funcional Natural, sero descritos, em detalhes, alguns aspectos do programa Currculo Funcional Natural, utilizado para a educao de crianas com autismo, e que faz parte deste estudo, como um programa capaz de auxiliar o processo de incluso dessas crianas em escolas regulares de ensino. J no terceiro item, Educao Especial e Educao Inclusiva, ser apresentado um breve panorama histrico da educao especial at o momento atual, com suas perspectivas atuais e as implicaes da educao inclusiva. O quarto item traz a evoluo da Educao Inclusiva no Brasil, com um apanhado geral de algumas leis e declaraes que fundamentam o incio da Educao Inclusiva dos deficientes nas escolas regulares de ensino. Esse item apresenta estudos de alguns autores que versam sobre a questo inclusiva dos alunos com autismo, nas escolas comuns, e sobre a participao desses alunos no processo inclusivo.

17 Na segunda parte do estudo ser apresentado os Objetivos e, na terceira, encontra-se o Mtodo utilizado para se alcanar os objetivos propostos, com a descrio dos instrumentos, procedimentos, anlises dos dados e ndice de fidedignidade interobservadores obtidos no estudo. A quarta parte traz os Resultados e Discusso, apresentados em 4 tpicos, a saber: 4.1) informaes gerais sobre o levantamento da amostra estudada, tendo como base a anlise dos dados referente s escolas com matrculas de alunos com autismo.; 4.2) anlise da participao dos alunos com autismo nas atividades escolares, tendo como base os dados do protocolo MSCISSAR; 4.3) anlise do relato da experincia dos professores das escolas comuns com os alunos com autismo e o suporte recebido da educao especial; 4.4) o Currculo Funcional Natural e o processo inclusivo dos alunos com autismo segundo relatos do professor especialista. Na quinta e ltima parte do trabalho, sero apresentadas as Consideraes Finais.

18 1.1 Autismo e Mtodos Educacionais

O autismo, caracterizado como um distrbio invasivo do desenvolvimento vem sendo estudado pela cincia h dcadas, mas ainda objeto de muitas divergncias e questionamentos, principalmente pela diversidade de caractersticas que apresenta. O Autismo Infantil foi relatado, pela primeira vez, por Leo Kanner, em 1943, quando descreveu um grupo de 11 crianas que apresentavam um quadro clnico semelhante, no qual o principal distrbio era a incapacidade de se relacionar com as outras pessoas (GAUDERER, 1993). Inicialmente, Kanner descreveu o autismo sob o nome de Distrbios Autsticos do Contato Afetivo, um quadro que ele caracterizou por autismo extremo, obsessividade, estereotipias e ecolalia (SCHWARTZMAN, 1995). Em 1949, Kanner comea a se referir ao quadro como Autismo Infantil Precoce, descrevendo-o a partir de: a) uma dificuldade profunda no contato com as outras pessoas; b) um desejo obsessivo de preservar as coisas e as situaes; c) uma ligao especial com os objetos e d) uma dificuldade no contato e na comunicao interpessoal. Em 1976, Ritvo e Ornitz apresentaram estudos que viriam mudar a concepo sobre o autismo. Introduziram s caractersticas j identificadas do referido distrbio, os problemas de desenvolvimento, afirmando que as crianas com autismo so possuidoras de dficits cognitivos, mudando radicalmente os conceitos existentes na poca, baseados nas teorias psicognicas. Seu diagnstico diferencial j se referia s doenas especficas que poderiam ocorrer em associao com o autismo, ressaltando que a sndrome autstica seria decorrente de uma patologia especfica do Sistema Nervoso Central. Comeam, ento, a ser esmiuadas as

19 reas clnicas, neurolgicas, bioqumicas e genticas, numa tentativa de integrlas (SCHWARTZMAN, 1995). Tambm na dcada de 70, Lorna Wing realizou um estudo epidemiolgico que permitiu concluir que todas as crianas diagnosticadas com autismo apresentavam uma trade de caractersticas muito especficas, de incapacidades: a) na interao social com as outras pessoas; b) na comunicao verbal e no-verbal e, c) nas atividades ldicas e imaginativas. A estes trs sintomas deu-se o nome de Trade de Lorna Wing (MARQUES, 1998, p.8). Lorna Wing, no final da dcada de 70, tambm props a expresso Espectrum ou Continuum de Desordens Autsticas, para designar dficits qualitativos na denominada trade de comportamentos (BOSA, 2002). Hoje, o autismo considerado como uma sndrome comportamental com etiologias mltiplas em consequncia de um distrbio de desenvolvimento, sendo caracterizado por um dficit da interao social visualizado pela inabilidade em relacionar-se com o outro, usualmente combinado com o dficit de linguagem e alterao do comportamento (GILLBERG, 1990). O Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, 2002, p. 99) classifica o Transtorno Autista como um dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, caracterizando-o por presena de um desenvolvimento

comprometido ou acentuadamente anormal da interao social e da comunicao e um repertrio muito restrito de atividades e interesses. O DSM-IV-TR (2002), descreve o autismo como tendo incio antes dos trs anos de vida, sendo predominante no sexo masculino, em uma proporo de 3:1 ou 4:1 e decorrente de vrias condies pr, peri e ps-natais.

20 Atualmente, sua prevalncia chega a ndices de 2-5 para cada 10.000 habitantes (CHAKRABARTI; FOMBONNE, 2005). Segundo a Associao Brasileira de Autismo, apesar de no haver dados estatsticos de estudos epidemiolgicos, calcula-se que existam aproximadamente 600 mil pessoas afetadas pela sndrome do autismo, considerando somente a forma tpica da sndrome (BOSA; CALLIAS, 2000). O autismo tambm pode estar associado a uma doena neurolgica ou a outras condies mdicas tais como: Esclerose Tuberosa, Sndrome de Down, Sndrome do X-Frgil. Segundo Gadia, Tuchman e Rotta (2004, p. 86) o diagnstico de uma condio mdica ou neurolgica associada em um indivduo autista define os sintomas clnicos em nvel neurobiolgico, mas no exclui o diagnstico de autismo, que definido em um nvel comportamental. Ainda para esses autores, a partir da descrio de Kanner, inmeros aportes quanto epidemiologia, classificao e reconhecimento do autismo tm contribudo de forma significativa para a compreenso dos aspectos biolgicos dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004, p.84). Pesquisadores como Gupta e State (2006, p. 30) apontam que o autismo e os transtornos do espectro do autismo (TEA) possuem as mais fortes evidncias de terem bases genticas e se mostram confiantes quanto aos achados, pois acreditam que essas recentes descobertas na rea oferecem a perspectiva de amplos caminhos para um avano real na descoberta da possvel causa do autismo e dos Transtornos do Espectro do Autismo. De acordo com Klin (2006), os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (a atual nomenclatura adotada pelo DSM-IV-TR Transtorno Global do

Desenvolvimento) so os que apresentam maior carga gentica entre os transtornos

21 de desenvolvimento, com riscos de recorrncia entre familiares da ordem de 2 a 15% se for adotada uma definio mais ampla de critrio diagnstico. (KLIN, 2006, p.3). Esse autor ainda considera que esse grupo de condies est entre os transtornos de desenvolvimento mais comuns, afetando aproximadamente 1 em cada 200 indivduos. Ainda sobre os estudos a respeito do autismo, pesquisadores como Amaral e Water (2006 apud Wallis 2006, p. 4), acham que h uma variedade de diferentes autismos, cada um dos quais tem uma causa diferente e genes diferentes envolvidos." Segundo Wallis (2006, p. 4), Na realidade, a maioria dos pesquisadores acredita que o autismo aparece a partir da combinao de vulnerabilidades genticas e causas ambientais. Klin (2006, p.10) aponta que

Avanos na gentica, neurobiologia e neuroimagem esto ampliando conjuntamente nossa compreenso sobre a natureza dessas condies e sobre a formao do crebro social em indivduos com essas caractersticas. Junto com esta nova onda de estudos prospectivos sobre o autismo, na qual irmos sob risco de desenvolver a condio so acompanhados desde o nascimento, uma nova perspectiva da neurocincia social sobre a patognese e a psicobiologia dos fatores est surgindo. Este esforo provavelmente ir elucidar os mistrios da etiologia e da patognese dessas condies. A transio do foco das pesquisas para tratamentos mais eficazes, seno a preveno, ir provavelmente acontecer.

Diante do exposto acima, observa-se que, da mesma forma que diversas so as pesquisas que tentam descobrir a causa do autismo, variados tambm so os tratamentos para estes indivduos. Segundo Gargiulo (2003), pais e indivduos com autismo so expostos a uma variedade de tratamentos que prometem uma melhora drstica ou a cura para suas crianas. Diante disso, os pais acabam, muitas vezes, sem saber quais melhores tratamentos escolher para seus filhos, pois os

22 tratamentos variam de medicamentosos, dietas alimentares, terapias alternativas e tratamentos educacionais. Como apontam Windholz (1995) e Wing (1971), os mtodos educacionais para as crianas autistas ficavam em segundo plano, vindo a ser considerados como tratamento complementar recentemente. Sabe-se que as dificuldades apresentadas por essas crianas afetam suas habilidades para se comunicar com adultos e pares e para se engajar nas atividades escolares. Mas, apesar de apresentarem comprometimento no desenvolvimento e na aprendizagem, h um consenso geral, como aponta Rivire (1995), de que o tratamento mais efetivo para crianas com autismo a educao. Ainda segundo esse autor, os objetivos educacionais no se diferem das outras crianas e devem desenvolver ao mximo suas possibilidades e competncias, favorecer um equilbrio pessoal o mais harmonioso possvel, fomentar o bem estar emocional e aproximar as crianas autistas do mundo humano de relaes significativas. (RIVIRE, 1995, p. 286). At poucas dcadas atrs, as discusses sobre a educabilidade das crianas com autismo eram realizadas no contexto da educao especial, com muitos programas educacionais sendo desenvolvidos para ensinar determinadas

habilidades, padres de comportamentos e treino do uso da linguagem para estas crianas, tentando, assim, reduzir ou amenizar as dificuldades apresentadas. Esses programas so desenvolvidos em Centros e Institutos, tais como: a) Douglass Developmental Disabilities Center (HARRIS, et al. 1990; HANDLEMAN; HARRIS, 1994); b) Health Sciences Center (ROGERS, et al. 1986; ROGERS; DILALLA, 1991; ROGERS; LEWIS, 1989); c) LEAP - Learning ExperiencesAn Alternative Program for Preschoolers and Parents (HOYSON; JAMIESON; STRAIN, 1984; STRAIN;

23 CORDISO, 1994); d) May Institute (ANDERSON et al. 1987; ANDERSON; CAMPBELL; CANON, 1994); e) Princeton Child Development Institute (FENSKE, et al. 1985; MCCLANNAHAN; KRANTZ, 1994) e, f) Walden Preschool (MCGEE; DALY; JACOBS, 1994). Tem-se tambm os programas TEACCH Education of Autistic and Communication-Handcapped Treatment and Children (LORD;

SCHOPLER, 1994) e, o Young Autism Program (LOVAAS, 1987; LOVAAS; SMITH; MCEACHIN, 1989; MCEACHIN; SMITH-TRISTRAM; LOVAAS, 1993). Todos esses programas tm como objetivo, incluir a criana em ambientes de ensino regular oferecendo oportunidades de interaes sociais com pares sem autismo (GIARDINETTO, 2005, p. 7). Alguns programas so capazes de melhorar o desenvolvimento cognitivo, social, motor, de linguagem [...] havendo uma melhora na aprendizagem, com cerca de 50% das crianas conseguindo ser includas em salas de aula regular aps a interveno (DAWSON; OSTERLING, 1997, p. 314). Neste sentido, muitas pesquisas foram desenvolvidas para identificar, descrever e avaliar os programas existentes para essas crianas (DAWSON; OSTERLING, 1997; JORDAN; JONES, 1999; OLLEY; REEVE, 1997; ROGERS, 1996; SNELL, 1993), chegando-se a um resultado positivo para todos eles em relao melhora no desenvolvimento das crianas com autismo. No Brasil, alguns profissionais que trabalham com crianas com autismo em algumas instituies e/ou clnicas, tambm utilizam programas especficos na educao dessas crianas, como por exemplo, o programa TEACCH (SCHOPLER, 1997), que um programa altamente estruturado, o qual combina diferentes materiais visuais para aperfeioar a linguagem, o aprendizado e reduzir comportamentos inapropriados; o programa Currculo Funcional Natural (LEBLANC, 1992), que prope objetivos educacionais com nfase em ensinar algo que seja til

24 na realidade imediata do estudante ou que lhe seja til em um futuro no muito distante, tornando o ambiente de ensino e os procedimentos os mais prximos possveis do que ocorre no mundo real, dentre outros. Dentre esses programas, o Currculo Funcional Natural foi selecionado neste estudo com o intuito de identificar aspectos de um programa especial como facilitadores do processo inclusivo de alunos com autismo. A escolha do C.F.N. se deu pela organizao de um programa educacional que seja til, que valorize as tarefas de interesse do aluno, mostrando a ele a importncia de suas aes, o contexto em que necessrio aprender determinadas tarefas e habilidades necessrias para uma participao efetiva no mbito educacional, social e familiar, tendo como consequncia o processo inclusivo no ensino regular, uma vez que promove situaes de ensino mais interativo (CUCCOVIA, 2000, 2003;

GIARDINETTO, 2005; LEBLANC, 1991; MIURA, 2008; SUPLINO, 2005).

1.2 O programa Currculo Funcional Natural

Um programa educacional utilizado na educao de alunos com autismo em escolas de educao especial, e que constitui parte desta pesquisa na discusso sobre o apoio da educao especial, no favorecimento da incluso escolar desses alunos, na rede regular de ensino, o programa Currculo Funcional Natural. Inicialmente, ser realizada uma breve descrio desse programa, contendo sua histria e origem, sua filosofia, principais objetivos e algumas estratgias educacionais. Para tal, procurou-se ater s publicaes de seus prprios autores e de autores que trabalham com esse programa no Brasil. Desta forma, o objetivo deste tpico destacar os princpios bsicos do programa C.F.N. para,

25 posteriormente, poder identificar as possibilidades de sua contribuio para a participao de crianas com autismo em sala de aula comum.

1.2.1 Histrico

O Currculo Funcional Natural se baseou, historicamente, na anlise funcional do comportamento, que implica uma anlise e avaliao entre todas as interaes ambientais e comportamentais (LEBLANC, 1998). Na dcada de 70, Bijou e Baer definiram um currculo funcional para crianas pr-escolares e propuseram que ele deveria incluir trs componentes bsicos, quais foram:

a) estabelecer metas de comportamentos que fossem relevantes ao desenvolvimento das crianas dentro de seu ambiente (decidindo quais comportamentos reforar e quais diminuir para que as crianas se desenvolvessem otimamente dentro de seu ambiente); b) ajustar as condies e procedimentos de ensino para favorecer uma tima aprendizagem (decidindo que tcnicas utilizar para realizar as mudanas de comportamentos e aprendizagem de novas habilidades); c) avaliar constantemente a efetividade destes procedimentos (por meio da avaliao do comportamento durante o processo de ensino) (LEBLANC, 1998, p.1).

Assim LeBlanc, Etzel e Domash (1978) descreveram, em seu estudo sobre currculo funcional para crianas pr-escolares, que para a educao dessas crianas era necessrio ensinar a elas habilidades que as levassem a funcionar da melhor forma possvel dentro de seu ambiente, com criatividade e independncia. Os autores ainda afirmaram que, para isto acontecer, as crianas precisariam ter habilidades e conhecimentos pertinentes para atuarem efetivamente em seu ambiente e que um currculo funcional poderia ser planejado para desenvolver tais habilidades e conhecimentos.

26 Desta forma, entre os anos de 1985 e 1990 Judith LeBlanc iniciou uma parceria entre o Centro Ann Sullivan do Peru (CASP) e o Shiefelbusch Institute for Research in Life Span Studies da Universidade do Kansas, com a finalidade de desenvolver um modelo internacional de cooperao, estabelecendo o Currculo Funcional na Amrica Latina, sendo este um exemplo para os outros pases do mundo. Iniciou-se, ento, um programa de educao intensiva com os profissionais do CASP para implantar os componentes bsicos do currculo funcional a serem utilizados com crianas e adultos com retardo mental severo, autismo e problemas de conduta (LEBLANC, 1998). Para LeBlanc (1990), a educao deveria ser funcional e proporcionar habilidades que as pessoas pudessem utilizar durante toda a vida e a aprendizagem deveria ser reforadora, divertida e causar o menor nmero de erros. A autora ainda aponta que, para conseguir atingir este pressuposto, deve-se examinar criticamente o currculo e os procedimentos de ensino e averiguar o que ocorre realmente no ambiente educacional. Inicialmente, os objetivos do currculo funcional no estavam voltados a um grupo especfico de pessoas, ele foi se expandindo e generalizado para poder ser utilizado como base curricular na educao de qualquer pessoa. Assim, um currculo ideal, segundo LeBlanc (1992, p. 2) deveria incluir:

1.- Descries da filosofia de ensino, com os procedimentos que deveriam ser ensinados; 2.- Descries de como os objetivos so escolhidos para cada aluno, relacionando diretamente as necessidades imediatas e futuras do meio ambiente do aluno; 3.- Descries dos procedimentos de ensino que tenham sido experimentalmente demonstrados para ensinar com sucesso aos alunos com as habilidades e estilos de aprendizagem identificados;

274.- Descries das atividades e do meio ambiente nos quais o aluno aprender e, como estas atividades e meio esto relacionados ao ambiente presente e futuro do aluno; 5.- Descries dos procedimentos de avaliao que so suficientemente sensveis para monitorar o progresso educativo do aluno, para determinar se os programas de ensino so eficazes ou devem ser mudados.

LeBlanc (2002), ainda, aponta que a implementao de um programa que considere as necessidades e habilidades dos alunos possvel, pois, atualmente, os pesquisadores possuem o conhecimento de estudos sobre aprendizagem que levam aos melhores procedimentos de ensino os quais garantem que todos os alunos aprendam, independente de suas limitaes fsicas ou mentais. Para a implementao de um programa individualizado, necessrio considerar, segundo a autora: o desejo de pais e professores para melhorar os mtodos de ensino para que os alunos aprendam rapidamente e com sucesso; professores e pais decididos a mudar como a aprendizagem vinha sendo realizada atravs dos anos; alguma educao bsica sobre tcnicas de ensino que resultem em aprendizagem com sucesso e, mudanas frequentes dos procedimentos de educao, se o aluno no aprende. medida que o currculo foi se desenvolvendo, procedimentos de ensino para serem usados de maneira natural no ensino de habilidades tambm foram sendo delineados tais como:1) orientaes filosficas, tais como tratar a pessoa especial como se trata qualquer outra pessoa e mostrar ao aluno que o professor um amigo; 2) ensinar nos ambientes naturais onde o comportamento ir ocorrer [...]; 3) fazer da aprendizagem uma experincia divertida e no enfadonha, motivando o aluno a se envolver no processo de aprendizagem; 4) usar procedimentos que tenham mostrado dar bons resultados, tais como dar ao aluno o tempo suficiente para responder, reduzindo o nmero de instrues dadas, modelando o comportamento desejado, redirecionando a conduta inapropriada, etc (LEBLANC, 1998, p. 2).

28 Ainda em 1990, LeBlanc introduziu o termo Ensino funcional natural, para favorecer a generalizao e a manuteno das habilidades aprendidas pelos alunos com autismo e com retardo severo. Koegel, Koegel e Parks (1995) afirmavam que, para as pessoas com autismo se integrarem na comunidade, diversos tipos de generalizao deveriam ocorrer como generalizao nos diferentes ambientes, com diferentes pessoas e a generalizao do comportamento. Nesta mesma dcada, LeBlanc, Schroeder e Mayo (1997) introduziram o conceito de um currculo para toda a vida (A Life-Span Approach in Education and treatment of persons with Autism), que priorizava a qualidade de vida dos alunos e suas famlias, desde a infncia, passando pela adolescncia, vida adulta e velhice. Previam, tambm, um servio de transio para apoiar e acompanhar as mudanas e os ajustes educacionais, nos diferentes ambientes sociais, durante as diferentes fases do desenvolvimento do aluno. Portanto, este programa no enfocava o indivduo com autismo isoladamente, mas sim no contexto familiar, escolar e comunitrio. Falvey (1986, p. 4) tambm apontou que o currculo para alunos com severas incapacidades deveria ser funcional, apropriado para a idade cronolgica e que refletisse as fases de transio. Corrobora tambm com esta posio Cardoso (1997, p. 49) quando afirma que um currculo apropriado deve ter como ponto de referncia sempre o aluno, dizendo que O currculo ser, portanto, apropriado idade cronolgica do aluno, respeitando-o. Pois mesmo que tenha uma idade mental bastante inferior, um adolescente sabe que no criana, mas um adolescente. Assim, um currculo elaborado para desenvolver as potencialidades mximas das pessoas portadoras de necessidades educacionais especiais deveria ser um

29 conjunto de objetivos a ensinar e procedimentos de como ensinar, ser funcional, natural, divertido e elaborado para causar o menor nmero de erros possveis. Tambm deveriam ser voltados aquisio de habilidades pr-acadmicas e acadmicas, que fossem teis para a vida das pessoas com deficincias e autismo, nos ambientes, social e cultural em que vivem (LEBLANC, 1992, 1998). Desta forma, a palavra FUNCIONAL significa que necessrio que as habilidades a serem ensinadas tenham uma funo para a vida da pessoa, que ela aprenda o que necessrio para ter xito e ser aceitvel em seu meio como qualquer outra pessoa. A palavra NATURAL refere-se aos procedimentos de ensino usados no Currculo Funcional Natural, dando nfase para que o ambiente de ensino e os procedimentos utilizados sejam o mais prximo possvel ao que ocorre no mundo real. J o vocbulo DIVERTIDO refere-se ao engajamento tanto do professor quanto do aluno, sendo que ambos devem sentir prazer nas atividades desenvolvidas. Por sua vez, a expresso CAUSAR O MENOR NMERO DE ERROS significa que o professor dever facilitar o processo de aprendizagem, antecipando as possibilidades de erros e impedindo, na medida do possvel, que eles ocorram, pois, na medida em que os alunos acertam, sentem-se mais confiantes para avanar. De acordo com o modelo do Currculo Funcional Natural desenvolvido no CASP, os programas educativos so desenvolvidos para todas as idades, desde o nascimento at a idade adulta, comeando com a educao precoce (para crianas de 0 a 2 anos); educao pr-escolar (crianas de 3 a 5 anos); educao escolar (crianas e jovens de 6 a 13 anos); educao vocacional (a partir de 14 anos);

30 emprego com apoio (a partir de 18 anos) e incluso (de 3 a 18 anos). Os programas educativos dos alunos seguem uma lista de objetivos e de habilidades individualizadas, sendo que os objetivos traados para cada um deles so ensinados em atividades grupais apropriadas para todos os seus integrantes (MAYO; LEBLANC; OYAMA, 2008). O Centro Ann Sullivan do Peru (CASP) inclui pessoas com habilidades diferentes, nas diversas esferas sociais, como na casa, na comunidade, na escola e no ambiente de trabalho. O programa abrange indivduos de 3 a 18 anos e iniciou com a introduo de um aluno em escola regular no ano de 1982. No incio dos anos 90, o CASP comeou a desenvolver um programa modelo de incluso escolar com o objetivo de preparar o aluno para os programas das escolas regulares de ensino, com apoio da escola especial. Atualmente, so cerca de 50 alunos includos em 25 escolas regulares no Peru. Essas escolas trabalham em parceria com o CASP para fazer possvel a incluso de alunos com habilidades diferentes nas escolas pblicas. No Peru, o programa de incluso escolar tem como objetivo preparar o aluno para a escola regular, prestando apoio para o aluno, para o professor e para os pais (MAYO; LEBLANC; OYAMA, 2008). De acordo com Miura (2008, p.155)

O desenvolvimento de um Currculo Funcional Natural (CFN) para pessoas com necessidades educacionais especiais fundamenta-se numa filosofia de educao que determina a forma e o contedo de um currculo adequado s caractersticas individuais. Requer uma metodologia instrucional que enfatiza a aplicao do conhecimento e habilidades em contexto real.

Sendo assim, Suplino (2005) afirma que o Currculo Funcional Natural composto por esta filosofia que norteia as prticas educacionais, objetivos e

31 procedimentos de ensino, facilita ao aluno a apropriao do que ensinado. Trata-se de um ensino que oferece oportunidades naturais para os alunos aprenderem o que importante para torn-los mais independentes, produtivos, felizes e competentes, em diversos contextos da vida em comunidade, como o vocacional, acadmico, recreativo, esportivo, familiar e de auto-cuidados (MIURA, 2008). Assim, o programa CFN pode trazer benefcios aos alunos com autismo e auxiliar no processo de incluso, pois ajuda a identificar os objetivos educacionais de cada aluno e a aplicao destes no contexto educacional inclusivo. Atualmente, existem programas educacionais que seguem o Modelo do Currculo Funcional Natural do CASP em outros pases, como: o Centro LeBlancMayo, em Granada na Espanha; o Centro Famlias Ann Sullivan, tambm em Granada, Espanha; o Centro Ann Sullivan da Guatemala, na Guatemala; e, no Brasil, esses programas so desenvolvidos no Centro Ann Sullivan do Brasil, em Ribeiro Preto/SP e no Centro Ann Sullivan do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro (MAYO; LEBLANC; OYAMA, 2008).

1.3 Educao Especial e Educao Inclusiva

A histria da Educao Especial remonta Idade Antiga e foi fruto da necessidade de modificao de um processo histrico social, com uma trajetria marcada por extermnios, abandonos, segregao, excluso e indiferena queles que eram considerados diferentes. Sobre esta questo, Omote (2008, p. 17) aponta que as mais variadas diferenas receberam os mais variados diversos tratamentos, no decorrer dos milnios.

32 Karagiannis, Stainback e Stainback (1999), ao discorrerem sobre os arranjos do passado para as pessoas com deficincia, afirmam que as decises do passado eram tomadas no intuito de excluir as crianas e os adultos do convvio social, por serem consideradas uma ameaa sociedade e, nesse sentido, precisariam ser controlados. Os autores ainda apontam que esses controles surgiam em pocas de grandes mudanas sociais, como a mudana ocorrida no final do sculo XIX e incio do sculo XX, na sociedade americana, que deixava de ser agrcola para se tornar um modelo industrial, e com isso, necessitava de mo de obra especializada. Assim, as escolas tiveram um papel fundamental, a de serem as criadoras de uma fora de trabalho alfabetizada e disciplinada. (KARAGIANNIS; STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 28). Neste sentido, a presena de indivduos com deficincia seria um obstculo aos objetivos educacionais da poca em que,

Os alunos com deficincia eram encarados como obstculos para o funcionamento tranqilo das escolas e das salas de aula, pois careceriam de habilidades para enfrentar as exigncias acadmicas e disciplinares. Achava-se que sua presena prejudicaria a aprendizagem dos outros alunos ou que at mesmo teria uma influncia moral subversiva. Escolas e instituies especiais foram estabelecidas para atender s necessidades de aprendizagem dos alunos com deficincia e para garantir que essas influncias subversivas fossem controladas. (KARAGIANNIS; STAINBACK; STAINBACK, 1999, p.28).

Com o passar dos anos, projetos polticos foram sendo desenvolvidos em prol desta populao, podendo-se acompanhar um perodo de luta em relao conscientizao dos direitos dessas pessoas, os quais consistiam na participao de todos nos diversos contextos sociais de forma igualitria. A evoluo histrica da humanidade, segundo Omote (2008), aponta que o aperfeioamento da vida coletiva levou diversificao do tratamento do diferente

33 pela sociedade humana, que vem se tornando progressivamente inclusiva. Neste sentido, observam-se mudanas fundamentais nas sociedades, principalmente em relao escolarizao e incluso das pessoas deficientes. No Brasil, o processo de escolarizao dos alunos com deficincia no foi diferente do que ocorreu no resto do mundo. Os alunos eram segregados em instituies, separados de sua famlia e da sociedade, seja para fins de tratamento, proteo ou processo educacional. A partir do sculo XX, com a obrigatoriedade da educao bsica, surgem classes especiais nas escolas regulares para receber alunos que no conseguiam acompanhar o ritmo de aprendizagem normal (MANZOLI, 2008), mas a partir da dcada de 60, deste mesmo sculo, que comea uma forte mobilizao em vrios pases em prol da integrao dos alunos com deficincia nas escolas regulares. Assim, a dcada de 60, segundo Aranha (2001, p.11) tornou-se

marcante na promoo de mudanas no padro de relao das sociedades com a pessoa com deficincia. Considerando que o paradigma tradicional de institucionalizao tinha demonstrado seu fracasso na busca de restaurao de funcionamento normal do indivduo no contexto das relaes interpessoais, na sua integrao na sociedade e na sua produtividade no trabalho e no estudo, iniciou-se no mundo ocidental o movimento pela desinstitucionalizao, baseado na ideologia da normalizao, como uma nova tentativa para integrar a pessoa com deficincia na sociedade.

Surge, ento, na dcada de 70, do sculo XX, a filosofia de normalizao e integrao escolar, que, por meio de legislao, em vrios pases, determinou o acesso de indivduos com necessidades educacionais especiais educao em escolas comuns, evitando, assim, os ambientes institucionais restritivos (MENDES, 2002).

34 Neste novo panorama mundial, as crianas com deficincia iam sendo lentamente integradas nas classes comuns, mas elas ainda no eram consideradas membros pertencentes a esses ambientes de ensino comum (MENDES, 2006). Embora esta concepo tenha trazido grandes contribuies na forma de se pensar a educao de pessoas com deficincia, ela ainda no garantia o direito de acesso e de liberdade para que essas pessoas pudessem transitar no meio social e educacional a que pertenciam, pois, algumas barreiras, tanto arquitetnicas quanto educacionais, ainda estavam presentes. Foi a partir das ltimas dcadas do sculo passado, que a tendncia da Educao Especial mudou em funo de novas demandas e expectativas sociais. Polticas pblicas comearam a entrar em vigor para garantir a todos os alunos acesso escolaridade regular, em salas de aulas comuns (GLAT; PLETSCH; FONTES, 2007; ROSSI; CARVALHO, 2007). Comea a surgir, ento, um novo paradigma, o da incluso. Segundo Mendes (2008) ateno especial tem que ser dada ao se falar em mudana de paradigma, pois, segundo a autora, preocupante a propaganda de que a educao inclusiva j chegou s escolas e s salas de aula, e as afirmaes de que est ocorrendo uma mudana de paradigma, como se isso fosse um fenmeno simples, envolvendo apenas a unio de crianas com e sem deficincias num mesmo espao e a mudana na retrica. (MENDES, 2008, p. 92). Ainda segundo essa mesma autora, a idia de inserir crianas com deficincia na escola comum no nova, pois j estava presente no movimento pela integrao escolar e mantida na perspectiva da educao inclusiva. (MENDES, 2001, p.15). Corrobora com esse pensamento Aranha (2001, p.19, grifo do autor), quando, ao falar de incluso e integrao, afirma que A incluso parte do mesmo pressuposto da

35 integrao, que o direito da pessoa com deficincia ter igualdade de acesso ao espao comum da vida em sociedade. Diz, ainda, que

A incluso social, portanto, no processo que diga respeito somente pessoa com deficincia, mas sim a todos os cidados. No haver incluso da pessoa com deficincia enquanto a sociedade no for inclusiva, ou seja, realmente democrtica, onde todos possam igualmente se manifestar nas diferentes instncias de debate e de tomada de decises da sociedade, tendo disponvel o suporte que for necessrio para viabilizar essa participao. (ARANHA, 2001, p. 20-21).

Esta viso se constitui ponto fundamental no processo inclusivo, pois se comea a pensar em um movimento bi-direcional onde todos os envolvidos, indivduos com deficincia e sociedade, se esforam para assegurar o valor social da igualdade. Omote (1999), ao falar em incluso, aponta que existem trs pontos fundamentais no conceito de incluso, quais sejam: que a incluso deve ser tratada como atitude, uma postura filosfica e no um fim em si mesmo; deve implicar uma profunda transformao na escola, para poder oferecer ensino de qualidade a todos os estudantes e deve ser tratada como um imperativo moral, em busca de uma sociedade justa, com oportunidades igualitrias a todos os cidados,

independentemente de seus atributos, comportamentos ou afiliao grupal. E, ainda, aponta que uma das grandes conquistas da educao inclusiva que,

para transformar em realidade o ideal de que os deficientes possam estar plenamente integrados nas suas respectivas comunidades, com seus direitos integralmente respeitados, no suficiente buscar capacitao deles. Junto com isso, devem ser realizadas aes para tornar a comunidade inteira acessvel [...]. Significa no mais adequar apenas o deficiente s exigncias da sociedade, porm, acima de tudo, construir uma sociedade inclusiva capaz de atender s necessidades de todas as pessoas. (OMOTE, 2008, p. 24).

36 1.4 Educao Inclusiva no Brasil

A discusso sobre a incluso de crianas com deficincia nas escolas regulares de ensino muito se intensificou, nas ltimas dcadas no Brasil, sendo esta discusso realizada tanto na literatura por pesquisadores da rea, quanto em polticas nacionais e internacionais de Educao. O Brasil, como outros pases, encontra-se amparado por documentos legais, que, nos ltimos anos, comearam a contemplar o direito incluso de pessoas deficientes nos mbitos da educao, da sade, do trabalho e da assistncia. No mbito educacional, foi garantido o direito as pessoas com deficincia educao, preferencialmente junto com os demais alunos na rede regular de ensino (Constituio Federal Brasileira, BRASIL, 1988; Lei n 8.069, BRASIL, 1990). A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988) garante que: O dever do Estado com a educao ser efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino (Art. 208, III). Segundo Aranha (2004), essa lei se constituiu em um grande avano para o reconhecimento e garantia ao direito educao deste segmento populacional. Dois anos mais tarde, foi disposto na Lei Federal n 8.069 (BRASIL, 1990), o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), sendo, este, o primeiro documento a assegurar proteo e direito s crianas e adolescentes. Em seu Art. 53, dispe que, A criana e o adolescente tm direito educao, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, [...], assegurando-lhes igualdade e condies para o acesso e permanncia na escola (BRASIL, 1990, I) e continua em seu Art. 54, inciso III, que dever do Estado assegurar criana e ao adolescente

37 atendimento educacional e especializado aos portadores de deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino. (BRASIL, 1990, I). Observa-se que os documentos enfatizam a palavra preferencialmente, relacionando-a a educao dos alunos com deficincia nas escolas da rede regular. Assim, no fica claro, segundo Mendes (2002), se a criana com necessidade especial deve ser matriculada obrigatoriamente na classe comum, quando a legislao garante que essas pessoas devem ter atendimento educacional, preferencialmente na rede regular de ensino. Em 1990, o Brasil concordou com a Declarao produzida na Conferncia Mundial de Educao para Todos, realizada na Tailndia, que acentuou a necessidade de um mtodo de ensino centrado na criana, visando ao sucesso educativo de todas, se comprometendo, portanto, a construir um sistema educacional inclusivo com qualidade para todos. Mas a discusso sobre a educao de crianas com deficincia se intensificou, mesmo, a partir de 1994, com a Declarao de Salamanca sobre princpios, polticas e prticas na rea das necessidades educativas especiais, produzida na Conferncia Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, realizada em Salamanca Espanha (UNESCO, 1994). Os representantes de 92 pases e 25 organizaes internacionais, reunidos na Conferncia, reafirmam com este documento, no item 1:

O nosso compromisso em prol da Educao para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgncia de garantir a educao para as crianas, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no quadro do sistema regular de educao, e sancionamos, tambm por este meio, o Enquadramento da Aco na rea das Necessidades Educativas Especiais, de modo a que os governos e as organizaes sejam guiados pelo esprito das suas propostas e recomendaes. (UNESCO, 1994, p.viii).

38 No item 2, cinco so os princpios orientadores e as principais diretrizes direcionadas Educao Inclusiva apresentados na Declarao de Salamanca:

cada criana tem o direito fundamental educao e deve ter a oportunidade de conseguir e manter um nvel aceitvel de aprendizagem; cada criana tem caractersticas, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe so prprias; os sistemas de educao devem ser planeados e os programas educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas caractersticas e necessidades; as crianas e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso s escolas regulares, que a elas se devem adequar atravs duma pedagogia centrada na criana, capaz de ir ao encontro destas necessidades; as escolas regulares, seguindo esta orientao inclusiva, constituem os meios mais eficazes para combater as atitudes discriminatrias, criando comunidades abertas e solidrias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educao para todos; alm disso, proporcionam uma educao adequada maioria das crianas e promovem a eficincia, numa ptima relao custoqualidade, de todo o sistema educativo. (UNESCO, 1994, p. viii-ix).

No item 3, apelam a todos os governos, incitando-os a:

conceder a maior prioridade, atravs das medidas de polticas e atravs das medidas oramentrias, ao desenvolvimento dos respectivos sistemas educativos, de modo a que possam incluir todas as crianas, independente das diferenas ou dificuldades individuais; adoptar como matria de lei ou poltica, o princpio da educao inclusiva, admitindo todas as crianas nas escolas regulares, a no ser que haja razo que obriguem a proceder de outro modo; desenvolver projectos demonstrativos e encorajar o intercmbio com pases que tm experincia com escolas inclusivas; estabelecer mecanismos de planeamento, superviso e avaliao educacional para crianas e adultos com necessidades educativas especiais, de modo descentralizado e participativo; encorajar e facilitar a participao dos pais, comunidades e organizaes de pessoas com deficincia no planeamento e na tomada de decises sobre os servios na rea das necessidades educativas especiais; invistir um maior esforo na identificao e nas estratgias de interveno precoce, assim como nos aspectos vocacionais da educao inclusiva; garantir que, no contexto de uma mudana sistmica, os programas de formao de professores, tanto a nvel inicial como

39em-servio, incluam as respostas s necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas. (UNESCO, 1994, p. ix-x).

A Declarao, ainda em seus itens 4. e 5., pede para a comunidade internacional, aos governos, s organizaes internacionais (OIT; OMS; UNESCO; UNICEF), que trabalhem em conjunto levando ao conhecimento da comunidade mundial, uma proposta integrada sobre as necessidades educativas especiais. Com base neste documento v-se, ento, intensificada a proposta de se realizar uma educao inclusiva que atenda s necessidades de todos seus alunos, com a elaborao de polticas nacionais, estaduais e municipais de educao que efetivem este processo, em cada pas, cidade e municpio, desenvolvendo este sistema de ensino de acordo com as necessidades de seus cidados, oferecendo apoio e preparo a toda comunidade escolar, famlia e sociedade.

A partir da Declarao de Salamanca, no Brasil, as polticas pblicas na rea educacional se intensificaram, com a implementao de leis, decretos e diretrizes nacionais, no intuito de assegurar legalmente o direito de crianas e jovens com deficincia a frequentarem as escolas da rede regular de ensino como: a Poltica Nacional de Educao Especial (Brasil,1994); a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional 9394/96 (Brasil, 1996); os Parmetros Curriculares Nacionais (Brasil,1999); o Plano Nacional de Educao (Brasil, 2001); as Diretrizes Curriculares para Formao de Professores da Educao Bsica (Resoluo 01/02 do CNE/CP) e, recentemente, o Decreto n 6.571/2008, que dispe sobre o atendimento educacional especializado.

40 Assim, a Poltica Nacional de Educao Especial (Brasil, 1994) e a Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96 (BRASIL, 1996) oficializaram os preceitos sobre Educao Inclusiva no Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases LDB (1996), em seu Artigo 58, entende a educao especial como uma modalidade de educao escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com necessidades especiais e continua, em seu pargrafo 1, dizendo que, quando necessrio, sero oferecidos servios de apoio especializado na escola regular para atender s peculiaridades da clientela de educao especial. No Artigo 59, os incisos I e III enfatizam que os sistemas de ensino asseguraro currculos, mtodos, tcnicas, recursos adaptativos e organizaes especficas para atender s necessidades dos educandos e, que, os professores tero especializao adequada, em nvel mdio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integrao desses educandos nas classes comuns. Recentemente, em 2008, foi lanada a Poltica Nacional de Educao Especial, na perspectiva da Educao Inclusiva, com aprovao do Decreto n 6.571, de 17 de setembro de 2008, que dispe sobre o Atendimento Educacional Especializado. Em seu Art. 1, o Decreto diz que

A Unio prestar apoio tcnico e financeiro aos sistemas pblicos de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, na forma deste Decreto, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos alunos com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotao, matriculados na rede pblica de ensino regular (BRASIL, 2008).

41 Sobre o Atendimento Educacional Especializado, o mesmo Decreto ainda dispe, nos pargrafos 1 e 2, do Art. 1, que o Atendimento Educacional Especializado considerado

o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedaggicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar formao dos alunos no ensino regular. O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta pedaggica da escola, envolver a participao da famlia e ser realizado em articulao com as demais polticas pblicas. (BRASIL, 2008).

Em seu Art. 2, os incisos de I a IV apresentam os objetivos do Atendimento Educacional Especializado, sendo eles;

I - prover condies de acesso, participao e aprendizagem no ensino regular aos alunos referidos no art. 1; II - garantir a transversalidade das aes da educao especial no ensino regular; III - fomentar o desenvolvimento de recursos didticos e pedaggicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; IV - assegurar condies para a continuidade de estudos nos demais nveis de ensino. (BRASIL, 2008).

No Art. 3, apresenta que o Ministrio da Educao prestar apoio tcnico e financeiro s seguintes aes voltadas oferta do Atendimento Educacional Especializado

I - implantao de salas de recursos multifuncionais; II - formao continuada de professores para o atendimento educacional especializado; III - formao de gestores, educadores e demais profissionais da escola para a educao inclusiva; IV - adequao arquitetnica de prdios escolares para acessibilidade; V - elaborao, produo e distribuio de recursos educacionais para a acessibilidade; VI - estruturao de ncleos de acessibilidade nas instituies federais de educao superior. (BRASIL, 2008).

42 Diante desses documentos, no se pode negar os avanos da legislao brasileira na defesa dos direitos educacionais das crianas e jovens com deficincia. Mas, apesar desses avanos, cuidados tm que ser tomados quanto efetivao desta poltica educacional inclusiva, pois, segundo alguns autores, necessria uma investigao na prtica de como concretiz-la, com reflexes crticas, que busquem a construo de ambientes inclusivos em toda a sociedade, sendo, para isso, necessrio um projeto compartilhado por todos os setores sociais (famlia, escola, rgos pblicos, populao em geral) (ARANHA, 2004; AROZ; DENARI, 2008; LEITE; OLIVEIRA; ARANHA, 2006; OMOTE, 2008; SILVA; PEREIRA; ARANHA, 2008).

Aranha (2004) ainda aponta que as transformaes na forma de pensar e agir nas prticas sociais no ocorre de um dia para o outro, ou apenas por determinao de decretos e decises polticas, mas favorecem que se revelem as necessidades e dificuldades, criando-se espaos para reflexes e debates para promover as mudanas desejadas.

No se pode pensar que a Educao Inclusiva significa uma ruptura com a Educao Especial. Na verdade, o que ocorre um processo de transformao das concepes tericas e prticas da Educao Especial que, no decorrer dos anos, vm acompanhando os movimentos sociais e polticos pelos direitos das pessoas com deficincia e das minorias excludas (GLAT; FONTES; PLETSCH, 2006).

preciso analisar se o ensino inclusivo oferece condies de aprendizagem satisfatria para todos os alunos nas classes comuns, independentemente de suas dificuldades, necessidades especiais ou do grau de comprometimento que possuam.

43 A Educao Especial pode e deve com os seus servios especializados, colaborar com a Educao Regular, quando necessrio. Essa nova vertente colaborativa que comea a se instaurar parece ser um modelo promissor para a escolarizao de crianas com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino, pois consiste em uma parceria entre os professores de Educao Regular e os professores de Educao Especial, na qual um educador comum e um educador especial dividem a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar os procedimentos de ensino a um grupo heterogneo de estudantes (FERREIRA et al. 2007). Segundo Glat ( 2005, p.36),

a Educao Especial, que por muito tempo configurou-se como um sistema paralelo de ensino, vem redimensionando o seu papel, antes restrito ao atendimento direto dos educandos com necessidades especiais, para atuar, prioritariamente como suporte escola regular no recebimento deste alunado.

1.4.1 O Autismo no processo inclusivo

Na rea educacional, muito se tem pesquisado sobre programas educacionais especficos para alunos com autismo, mas ainda so poucos os estudos voltados questo educacional inclusiva desses alunos em escolas regulares de ensino. At algum tempo atrs, a insero de alunos com distrbio severo de comportamento, como o autismo, em escolas regulares de ensino, garantindo-lhes o ensino de atividades pedaggicas, parecia ser uma tarefa impossvel. Todavia, esse grupo de alunos tambm tem seu direito garantido legalmente; tem direito educao e incluso escolar, por meio de suporte especializado como: classe

44 especial, sala de recursos, professores de apoio ou outras que se fizerem necessrias (BRASIL, 2002). Na dcada de 90, o autismo passou a integrar a categoria de portadores de Condutas Tpicas na Poltica Nacional de Educao Especial do MEC, elaborada pela Secretaria de Educao Especial, apresentando a seguinte designao:

manifestaes de comportamentos tpicos de portadores de sndromes e quadros psicolgicos, neurolgicos ou psiquitricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuzos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado. (MEC/SEESP, 1994, p. 14).

Atualmente, existem alunos com autismo frequentando, em sua maioria, escolas especiais ou classes especiais de condutas tpicas, dentro das escolas regulares. H umas poucas iniciativas de incluso desses alunos em classes comuns. Neste ltimo caso, a incluso tem sido efetivada sob quatro condies: 1) o aluno frequenta a classe regular todos os dias, durante o tempo total da aula; 2) o aluno frequenta a classe regular todos os dias, em horrio parcial; 3) o aluno frequenta a classe regular algumas vezes na semana, durante o tempo total da aula e 4) o aluno frequenta a classe regular algumas vezes na semana, em horrio parcial (SUPLINO, 2005). Ainda segundo essa mesma autora, praticamente, na totalidade dos casos, tais alunos fazem uso de recursos especializados de apoio como escolas de educao especial, fonoaudiologia, dietas especiais, terapia ocupacional, entre outros.

A tendncia atual da Educao Especial, expressa nas polticas pblicas, mostra que o atendimento s pessoas com necessidades especiais vem sendo

45 ampliado para garantir a todo aluno acesso s salas de aulas comuns. Trata-se de uma concepo na qual a Educao Especial compreendida na condio de complemento na transversalidade que permeia todos os nveis de ensino, tornando disponveis recursos educacionais e estratgias de apoio ao aluno, de modo a proporcionar-lhe diferentes alternativas de atendimento, de acordo com as necessidades de cada um. Essa poltica pressupe, alm de complementar o ensino escolar, que se garanta o reconhecimento e atendimento das peculiaridades de cada pessoa, e, dentre elas, as que so acometidas pelo espectro de autismo. (ROSSI; CARVALHO, 2007).

Desta forma, considerar crianas com autismo elegveis para a escola considerar que so capazes de aprender, desenvolverem-se e relacionarem-se com os demais, enfim, viver o dia-a-dia da escola. O desafio est para alm de mantlas nas salas de aula: ele reside em mant-las com qualidade de trabalho realizado. (SUPLINO, 2005, p.16). Cardoso (1997, p.62) j afirmava que Mesmo alunos muitas vezes considerados inelegveis podem aprender a participar da rotina escolar!, pois esta aprendizagem se faz da prpria experincia da participao na rotina escolar, sendo utilizados os elementos metodolgicos adequados. Nesta mesma direo, Glat e Blanco (2007, p. 17) apontam que o objetivo da proposta de uma educao inclusiva est na possibilidade de ingresso e permanncia do aluno na escola com sucesso acadmico e que isso s poder ocorrer, a partir da ateno s suas peculiaridades de aprendizagem e desenvolvimento. (p. 18). Percebe-se, portanto, que h um consenso entre os pesquisadores que trabalham com a Educao Especial e a Educao Inclusiva sobre a necessidade de

46 garantia, no s de acesso do aluno com deficincia na escola regular, mas de permanncia com qualidade do ensino oferecido. No que se refere questo do acesso dos alunos com deficincias nas escolas regulares, foram divulgados os resultados do Censo Escolar da Educao Bsica de 2008, que apontam um crescimento significativo nas matrculas da educao especial nas classes comuns do ensino regular. O ndice de matriculados passou de 46,8% do total de alunos com deficincia, em 2007, para 54%, no ano de 2008, estando em classes comuns 375.772 estudantes com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotao (MEC, 2008). Os alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento fazem parte da realidade escolar e, mesmo apresentando limitaes no desenvolvimento das diversas atividades espontneas, interaes sociais e nos contatos afetivos interpessoais, neste contexto escolar que surge a possibilidade de construo pedaggica e das relaes subjacentes a essas circunstncias. (GARCIA JNIOR, 2008, p.117). Ainda segundo Garcia Junior (2008, p.122), a incluso como uma estratgia pode ir alm de apenas socializao e significar um processo de aprendizagem satisfatrio, onde se aposta nos indivduos com suas singularidades. Assim, observa-se que os ambientes pr-escolares inclusivos podem oferecer experincias variadas e enriquecedoras para alunos com autismo, permitindo sua participao em todas as atividades do cotidiano escolar, que incluem o brincar, a interao social, as atividades pr-acadmicas e as acadmicas. Segundo Zillmer (2003, p.30), esta fase de extrema importncia, pois na medida em que esses contedos vo sendo desenvolvidos e aprendidos por esses alunos, torna-se

47 possvel a entrada de outros contedos como o da alfabetizao, da matemtica etc... Nesta mesma linha de pensamento, Fernades et al. (2007, p.170) acredita que crianas e jovens autistas tendo suas necessidades especiais atendidas, tero condies de desenvolvimento escolar e social e podero se beneficiar muitssimo de espaos inclusivos para que esta aprendizagem acontea! Assim, a educao de crianas com autismo apresenta um desafio no s para a escola, mas para a sociedade como um todo. Examinar as questes referentes escolarizao desses alunos demanda da escola transformaes, adaptaes e uma adequada valorizao de seu corpo docente (ALVES, 2005; LIRA, 2004; TEZZARI; BAPTISTA, 2002).

Estudos sobre a questo da incluso de alunos com autismo no Brasil

Estudos que versam sobre a questo da educao inclusiva de alunos com autismo no Brasil esto se intensificando nos ltimos anos, dentre eles, alguns esto voltados para as concepes e representaes sociais dos professores da escola comum acerca do processo inclusivo dos alunos com autismo e de suas prticas pedaggicas no espao escolar (ALVES, 2005; LAGO, 2007; MARTINS, 2007; MELO, 2004; SERRA, 2004; SUPLINO, 2007). Outros estudos esto diretamente relacionados escolarizao e ao desenvolvimento das habilidades dos alunos com autismo nas escolas regulares (BRAGA, 2002; CAMARGO, 2007; GOMES, 2008; PEREIRA, 2003; VASQUES, 2003). A seguir ser realizada uma breve descrio de alguns desses estudos, por estarem diretamente relacionados a essa pesquisa.

48 O estudo de Alves (2005) objetivou investigar as Representaes Sociais dos Professores de escolas da rede pblica estadual, da cidade de Santa Maria/RS, acerca da incluso de alunos com autismo e psicose, buscando refletir sobre a prtica pedaggica desenvolvida nessas escolas e os efeitos destas representaes sobre o processo de incluso destes alunos. A pesquisa terica desenvolveu-se em torno de dois eixos: as Representaes Sociais, sua histria e sua fonte e a escolarizao dos alunos com autismo e psicose. Participaram dessa pesquisa oito professores do ensino fundamental das escolas da rede pblica estadual, localizadas no permetro urbano de Santa Maria, que possuam alunos com diagnstico de autismo e psicose includos em suas turmas. Em mapeamento realizado sobre as escolas pblicas municipais e estaduais da cidade de Santa Maria, para identificar alunos com autismo e psicose includos nas escolas comuns, a pesquisadora encontrou dentre as 40 escolas estaduais, apenas oito com alunos com autismo ou psicose includos, totalizando dez alunos, sendo seis com psicose e quatro com autismo. Dentre as 86 escolas municipais, apenas uma possui aluno matriculado no ensino fundamental, mas o professor no participou da pesquisa, pois o aluno no frequentava a escola. Entrevistas semi-estruturadas, com questes voltadas para a identificao das preocupaes, das dificuldades, das carncias, das expectativas e das representaes dos professores sobre a incluso de alunos com autismo e psicose, foram aplicadas aos oito professores participantes do estudo. Os resultados encontrados pela pesquisadora, demonstraram que os professores apresentavam, alm de um desconhecimento sobre as particularidades do autismo e da psicose, um despreparo para trabalhar com a incluso desses alunos. Ao final do estudo, a pesquisadora prope criar um espao de escuta e interlocues aos professores participantes do estudo.

49 Martins (2007) conduziu um estudo semelhante ao de Alves (2005) nas escolas pblicas estaduais, de 1 a 6 srie do ensino fundamental, do Distrito Federal. A pesquisadora analisou e discutiu as concepes de professores regentes de classes inclusivas de alunos com autismo e a influncia dessas concepes em suas prticas pedaggicas. Foram participantes dessa pesquisa 23 professores regentes de classes inclusivas de seis escolas pblicas estaduais, que tinham alunos com autismo includos. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas, que investigaram a concepo dos professores sobre a incluso escolar, causas e caractersticas do autismo, benefcios, facilidades e dificuldades encontradas pelos alunos com autismo no processo de incluso escolar, a opinio dos professores acerca de sua formao em relao incluso de alunos autistas e os recursos e adaptaes que os professores utilizavam em sua prtica pedaggica na escolarizao desses alunos nas classes inclusivas. Os resultados desse estudo indicaram que as concepes e prticas dos professores sobre a incluso escolar dos alunos com autismo eram limitadas e restritivas, enfocando os aspectos ligados socializao e a democratizao do ensino. Os resultados tambm demonstraram que a concepo dos professores sobre autismo perpetua a idia de que eles vivem em um mundo parte, isolados da realidade; e os dados relativos s facilidades e dificuldades no processo de incluso desses alunos estavam ligados, sobretudo, s suas caractersticas comportamentais e cognitivas. A maioria dos professores entrevistados usava adaptaes curriculares. Ao final do estudo, a pesquisadora prope a educao teraputica como atendimento educacional aos alunos com autismo includos no ensino regular e um espao de escuta e interlocues aos professores.

50 Lago (2007) realizou um estudo cujo objetivo foi investigar como o professor do ensino regular, que possua aluno com caracterstica de autismo includo em sua sala de aula, construa estratgias para sua ao pedaggica para facilitar a incluso deste aluno, favorecendo sua aprendizagem e interao com a turma. O critrio para que professores e alunos com caractersticas de autismo participassem do estudo, foi estabelecido considerando os alunos que estivessem passando por um processo de incluso bem sucedida, no sentido de o aluno estar bem adaptado rotina escolar e se beneficiando do processo de ensinoaprendizagem. Outro critrio de incluso dos participantes da pesquisa foi o de os alunos com caractersticas de autismo no terem frequentado nenhuma outra escola anteriormente, seja regular ou de educao especial. Esse dado era fornecido pela escola e pelo professor do aluno, pois, segundo suposies da pesquisadora, se o aluno estivesse aprendendo, segundo concepes de sua professora, ento esta poderia estar elaborando estratgias de trabalho que contribuam para o sucesso da incluso de seu aluno. Assim, essa pesquisa foi desenvolvida atravs de dois estudos de caso, sendo cada estudo constitudo pelo professor-referncia, sua turma e o aluno com caracterstica de autismo, denominado de aluno-foco pela pesquisadora. A pesquisa foi realizada em duas escolas da rede pblica municipal da cidade de Porto Alegre no ano de 2006. Para a coleta de dados, a pesquisadora utilizou observaes do cotidiano da sala de aula e de outros espaos escolares, onde registrava os dados em um dirio de campo, e entrevistas semi-estruturadas com os professores e equipe de apoio da escola (professor de educao especial da sala de recurso e estagiria de pedagogia, que ficava na sala de aula com o alunofoco). As entrevistas semi-estruturadas versavam sobre questes voltadas para incluso, aprendizagem da criana com autismo e constituio de estratgias

51 utilizadas na sala de aula. No primeiro estudo de caso, dessa pesquisa, participaram a professora-referncia e o aluno-foco, que possua 10 anos, estava no 4 ano do ensino fundamental, frequentava, no perodo inverso escola, a Sala de Integrao e Recurso (SIR) com professora especialista, e estava nesta escola desde os 7 anos de idade. No segundo estudo de caso, participaram a professorareferncia e a aluna-foco, que possua 8 anos, estava na 1 srie e tambm frequentava a SIR. A aluna frequentava a escola regular desde maro de 2006. Os resultados dessa pesquisa demonstraram que as duas professoras tm uma concepo inclusiva, pois acreditam que a escola precisa se adaptar s necessidades dos alunos, manifestando preocupao em conhecer as

particularidades dos alunos com caractersticas de autismo e estavam dispostas a aprender na relao com o aluno quais suas reais necessidades, buscando, assim, a eficcia de suas aes. Desta forma, as concluses dessa pesquisa indicaram que as professoras constituam suas estratgias de trabalho a partir da relao que mantinham com os alunos; e que suas estratgias se caracterizavam,

principalmente, pela flexibilidade no planejamento e na execuo das atividades, que eram pautadas segundo os interesses e facilidades do aluno com autismo, visando a incentivar sua participao e interao com os colegas. Ainda sobre a escolarizao de alunos com autismo, cita-se o estudo de Camargo (2007) em que a pesquisadora teve como objeto de investigao dois estudos, sendo que o primeiro apresentou uma reviso crtica da literatura a respeito do conceito de competncia social, autismo e incluso; e o segundo estudo investigou o perfil de competncia social de uma criana pr-escolar com autismo comparado ao de uma criana com desenvolvimento tpico, da mesma idade e sexo. Tambm foi investigada a influncia do contexto escolar, ptio e sala de aula, no

52 perfil de competncia social de ambas as crianas. Ser realizado o detalhamento do segundo estudo, por este indicar diretamente o processo de escolarizao do aluno autista na escola regular. Participaram do segundo estudo um aluno com autismo, de 3 anos e 6 meses e um aluno com desenvolvimento tpico, de 4 anos e 4 meses, que frequentavam a mesma sala de aula de uma escola da rede de ensino privado, na cidade de Porto Alegre/RS. Os dois alunos permaneciam na escola o perodo integral. Para a coleta de dados, foi utilizada a verso adaptada da Escala Q-sort de Competncia Social e os resultados demonstraram haver semelhanas e diferenas no perfil de interao dos dois alunos. O perfil de Competncia Social do aluno com desenvolvimento tpico praticamente no apresentou variao entre os contextos da sala de aula e do ptio. J a criana com autismo apresentou uma frequncia maior de comportamentos de sociabilidade/cooperao e assero social ao participar de atividades em grupo, ser solicitado pelos colegas, aceitar sugestes e pedidos dos outros, e menor frequncia de agresso e desorganizao no ptio. Diante desses estudos, nota-se que o interesse pelo processo inclusivo de alunos com autismo vem crescendo principalmente nesta ltima dcada, embora ainda em fase inicial. Neste sentido, a elaborao do presente estudo se apresenta como uma contribuio investigao de como ocorre a experincia escolar inclusiva dos alunos com autismo nas escolas regulares de ensino e como a Educao Especial participa dessa experincia inclusiva.

53 2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Realizar uma anlise circunstanciada dos contextos da experincia escolar inclusiva de alunos com autismo e identificar as possibilidades de contribuio do programa Currculo Funcional Natural no processo educacional inclusivo dos alunos com autismo nas escolas da rede regular de ensino.

2.2 Objetivos Especficos

a) analisar, a participao dos alunos com autismo nas atividades escolares por meio dos dados do protocolo MS-CISSAR;

b) analisar como se d a prtica pedaggica dos professores das escolas regulares de ensino com os alunos com autismo e o suporte recebido da educao especial, na perspectiva dos professores das escolas comuns;

c) analisar, em que medida, o programa Currculo Funcional Natural pode favorecer a incluso escolar de crianas com autismo na perspectiva do professor especialista.

54 3 MTODO

A presente pesquisa foi submetida ao Comit de tica em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Cincias da Universidade Estadual Paulista Campus de Marlia, de acordo com a Resoluo 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos, e foi aprovada na reunio de 21/05/2008, conforme parecer nmero 1483/2008 (Anexo A). Sendo os objetivos desta pesquisa a anlise circunstanciada dos contextos da experincia escolar inclusiva de alunos com autismo e a identificao das possveis contribuies do programa Currculo Funcional Natural no processo educacional inclusivo dos alunos com autismo nas escolas da rede regular de ensino, foi realizado um delineamento metodolgico que trouxesse informaes de cunho descritivo e qualitativo, permitindo, assim, abranger, de forma ampla, o universo relacional a que o estudo se prope.

3.1 Participantes

Participaram deste estudo quatro alunos com autismo, regularmente matriculados em classes comuns do ensino regular e cinco professores.

Quanto participao dos alunos, os critrios de incluso foram: Registro do diagnstico de autismo constando da documentao escolar;

55 Composio de parte da amostra por aluno(s) com experincia escolar, na forma combinada classe comum de escola de ensino regular com escola de educao especial que adota o programa Currculo Funcional Natural.

Quanto participao dos professores, os critrios de incluso foram: Professor responsvel pela classe comum do ensino regular, na qual se encontra matriculado o aluno participante; Composio de parte da amostra por professor de escola de educao especial que adota o programa Currculo Funcional Natural e que tenha sob seus cuidados, nesse mesmo ambiente de ensino, o aluno participante. Informaes a respeito das caractersticas dos participantes sero

apresentadas de maneira contextualizada, no decorrer da apresentao dos locais de coleta de dados, visto que englobam esc