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47 ANO VI / Nº 10 Paulo Roberto Rodrigues Teixeira FOTO: RICARDO SIQUEIRA “No arrecife, a setecentos e cinqüenta metros da barra do Potengi, ilhado nas marés altas, iniciara-se a construção do Forte na manhã do dia dos Santos Reis Magos, 6 de janeiro de 1598. Os cronistas coloniais dizem Fortaleza dos Reis por causa do onomástico e o nome ficou, popular e vivo, Reis Magos ou Santos Reis.” Frei Vicente do Salvador Forte dos Reis Magos representa um marco na história das fortificações da orla marítima do Bra- sil. É uma das mais importantes, belas e suges- tivas, e a mais bem edificada no litoral brasileiro. Sua história começa com a resposta das coroas portuguesa e espanhola em face da ameaça externa, prin- cipalmente pelos corsários franceses que traficavam o pau- Brasil, determinando a construção de um forte e de uma colônia na sua periferia. A construção, cujo projeto foi do arquiteto Padre Gaspar Samperes, deu-se em 1598, porém a edificação atual foi projetada pelo Engenheiro-mor Francisco Farias de Mesquita, em 1614. A beleza da construção está regis- trada no livro Descrição das capitanias , de Adriano Verdonk (1630) que assim se expressou: “Este forte é o melhor que existe em toda a costa do Brasil, pois é muito sólido e belo.” A edificação da colônia deu início após a conclu- são do forte. Deram o nome de Natal, porque, no dia em que se comemorava o nascimento de Jesus, entrara a es- quadra portuguesa na barra do Rio Grande do Norte. Nas páginas que seguem, mostraremos a história e os aspectos curiosos que giram em torno do Forte, tor- nando-o uma das maiores atrações turísticas para os que visitam a cidade de Natal. O

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Page 1: FOTO: RICARDO SIQUEIRA Paulo Roberto Rodrigues … · Sua história começa com a resposta das coroas ... No final do século XVI, ... cisco de Souza, a organização de

47ANO VI / Nº 10

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Paulo Roberto Rodrigues Teixeira

FOTO: RICARDO SIQUEIRA

“No arrecife, a setecentos e cinqüenta metros da barra do Potengi, ilhado nas marés altas, iniciara-se a

construção do Forte na manhã do dia dos Santos Reis Magos, 6 de janeiro de 1598. Os cronistas coloniais dizem

Fortaleza dos Reis por causa do onomástico e o nome ficou, popular e vivo, Reis Magos ou Santos Reis.”

Frei Vicente do Salvador

Forte dos Reis Magos representa um marco na

história das fortificações da orla marítima do Bra-

sil. É uma das mais importantes, belas e suges-

tivas, e a mais bem edificada no litoral brasileiro.

Sua história começa com a resposta das coroas

portuguesa e espanhola em face da ameaça externa, prin-

cipalmente pelos corsários franceses que traficavam o pau-

Brasil, determinando a construção de um forte e de uma

colônia na sua periferia.

A construção, cujo projeto foi do arquiteto Padre

Gaspar Samperes, deu-se em 1598, porém a edificação

atual foi projetada pelo Engenheiro-mor Francisco Farias

de Mesquita, em 1614. A beleza da construção está regis-

trada no livro Descrição das capitanias, de Adriano Verdonk

(1630) que assim se expressou: “Este forte é o melhor que

existe em toda a costa do Brasil, pois é muito sólido e belo.”

A edificação da colônia deu início após a conclu-

são do forte. Deram o nome de Natal, porque, no dia em

que se comemorava o nascimento de Jesus, entrara a es-

quadra portuguesa na barra do Rio Grande do Norte.

Nas páginas que seguem, mostraremos a história e

os aspectos curiosos que giram em torno do Forte, tor-

nando-o uma das maiores atrações turísticas para os

que visitam a cidade de Natal.

O

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História

No final do século XVI, os franceses haviam-se reti-

rado do sul e se estabeleceram nas terras do Rio Grande

do Norte, mesclando-se às populações nativas, instigan-

do-as contra os portugueses. Ocorriam, com freqüência,

ataques dos piratas franceses, que traficavam madeira,

aliados aos índios potiguares, que habitavam na região.

Em 1597, no período da união das coroas portugue-

sa e espanhola, foi determinado, por intermédio do Go-

vernador-Geral do Brasil, D. Fran-

cisco de Souza, a organização de

uma expedição para expulsar os

franceses. Seria também edificada

uma fortificação na barra do Rio

Potengi, e, posteriormente, fun-

dar-se-ia uma cidade nas suas pro-

ximidades. Coube ao Capitão-mor

da Paraíba, Feliciano Coelho, e ao

governador de Pernambuco seguir

para o Rio Grande do Norte, ali

estabelecer uma colônia e cons-

truir um forte. Manoel de Masca-

renhas Homem, capitão-mor de

Pernambuco seguiu com 12 em-

barcações pelo mar, enquanto Fe-

liciano Coelho de Carvalho e Jerônimo de Albuquerque

conduziram 350 homens, 900 índios e escravos por terra.

Atacados pela varíola, tiveram que retrair, morrendo

muitos pelo caminho.

A construção deu início no dia 6 de janeiro de 1598,

na praia, em pau-a-pique, com varas e barreado com lama

do mangue. O projeto de construção foi confiado ao jesu-

íta e arquiteto Padre Gaspar de Samperes, que exercera a

profissão de engenheiro na Espanha. Mascarenhas Ho-

mem lançou a pedra fundamental, e a partir daí ninguém

parou. O material foi chegando,

as pedras que vinham de Lisboa

lastreando os navios eram guar-

dadas, acumulava-se cal, e os im-

plementos imprescindíveis eram

providenciados.

As obras foram intensifica-

das, trabalhava-se por turnos,

sem que os serviços sofressem in-

terrupções. Foi concluída a 24

de junho.

Acabada a construção, Mas-

carenhas entregou a obra a Jerô-

nimo de Albuquerque. O forte,

“Este forte é o melhor que existe em toda costado Brasil, pois é muito sólido e belo.”

Adriano Verdonk (1630)

A edificação dacidade de Natal foi

iniciada após aconclusão do forte.

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ainda que precário, era dotado de uma guarnição de ho-

mens, artilharia, munições e mantimentos, colocando-o

em condições de cumprir a missão de defender a área.

Em seguida, Mascarenhas partiu para as cercanias

do forte, onde deu início à edificação da cidade que rece-

beria o nome de Natal, porque no dia em que entrou a

armada portuguesa na barra do Rio Grande do Norte,

comemorava-se o nascimento de Jesus. Manuel Mas-

carenhas Homem é, por isso, considerado o fundador

da cidade.

Em 1614, Francisco Farias da Mesquita, engenhei-

ro-mor do Brasil, projetou as suas instalações atuais,

em virtude da precária conservação em que se encon-

trava o forte. O Governador D. Diogo de Meneses con-

tratou o novo projeto. A edificação mantém-se conser-

vada até os dias atuais.

Especialistas italianos atuaram no projeto pondo

em prática novas técnicas para a construção de fortifi-

cações, o que viria a nortear as novas instalações de de-

fesa da colônia. A fortaleza não possuía os já vigentes

O acesso ao forte. Construção recente,com a extensão de 1km.

Em 1614, Francisco Frias da Mesquita,engenheiro-mor do Brasil, projetou asinstalações atuais. Na foto, o paiol.

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baluartes triangulares. A sua muralha envolvente seria

quase um retângulo de 50m por 100m, cujos lados se-

riam quebrados fazendo ângulos reentrantes na maior

dimensão e um ângulo saliente na face que olha para o

mar. Na face oposta, havia a entrada defendida por dois

“orelhões”, espécie de baluarte provido de um só flanco.

Este modelo projetado é qualificado como um dos mais

belos exemplares de fortificações remanescentes do pe-

ríodo colonial, constituindo exemplo de fortificação iso-

lada na imensidão de um litoral praticamente abando-

nado, defendendo apenas a povoação de Natal. O seu

papel era mais político, simbolizando a presença luso-

espanhola no imenso litoral.

A fortaleza por muitas vezes defendeu-se brava-

mente, mantendo a integridade territorial da Colônia.

Entretanto, em dezembro de 1633, a pequena guarni-

ção não resistiu ao poderio da invasão holandesa, com

aproximadamente 2.000 homens embarcados em 16

Visão panorâmica doúltimo piso, destacando-seo paiol de munições.

FOTO: RICARDO SIQUEIRA

O xadrezO xadrez

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navios. A partir daí passou a chamar-se “Castelo Keulen”.

Assim permaneceu a fortaleza sob o domínio dos ho-

landeses durante 21 anos. Em janeiro de 1654, com a

expulsão dos invasores, o forte foi recuperado e os por-

tugueses assumiram o comando e retomaram a deno-

minação anterior – Fortaleza dos Reis Magos.

Nela residiram vários capitães-mores e também

estiveram presentes grandes vultos da nossa história,

desde os colonizadores, os invasores, destacando-se

Maurício de Nassau e Franz Post, o pintor do Castelo

Keulen, até os mais legítimos e primeiros heróis da na-

ção, como Felipe Camarão.

Nas suas prisões, estiveram prisioneiros heróis e

mártires como o índio Jaguarari, no período da inva-

são holandesa, e André de Albuquerque Maranhão, lí-

der do Movimento Republicano de 1817, na Capitania

do Rio Grande.

Foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histó-

rico e Artístico Nacional (IPHAN) em 15 de janeiro de

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Salas internas

A entrada da casa doComandante

Visão panorâmica do último piso

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cruz com inscrições em português, latim e árabe,

que os portugueses passaram a usar como prova de

suas descobertas e símbolos de sua fé.

O Marco de Touros é uma pedra calcária de

granulação fina, provavelmente de mármore por-

tuguês ou lioz, medindo 1,20m de altura; 0,20m

de espessura, 0,30m de largura; 1,05m de contor-

no. Na parte superior, contém a cruz da Ordem de

Cristo em relevo. Logo abaixo, escudo de Portu-

gal e cinco escudetes em aspas com cinco quinas,

sem as bordaduras dos castelos.

Ele foi colocado em 1501, na praia de Touros,

no litoral norte do estado. É o mais antigo marco

português no Brasil. O Marco de Touros é também cul-

tuado pela comunidade de Cauã, como se fosse santo, e

o chamam até de “Santo Cruzeiro”. O culto ao Marco

surgiu em decorrência da falta de conhecimento das ca-

racterísticas da pedra e das inscrições nela contidas,

como, por exemplo, a cruz que representa o símbolo da

Ordem de Cristo. Esses fatores levaram a comunidade a

crer que o Marco era realmente divino, vindo direta-

mente de Deus para eles. Os habitantes dessa comunida-

1949, sendo integrado ao Patrimônio Cultural da Fun-

dação José Augusto, por Decreto governamental de 20

de setembro de 1965.

Marco de Touros

O Marco de Touros é um precioso acervo que se en-

contra em uma das salas do forte e é também considerado

símbolo da posse portuguesa. Os marcos eram chamados

também “padrões de pedra”.

Quando os portugueses, na sua política expansio-

nista, chegavam às terras descobertas, deixavam o mar-

co, oficializando a tomada de posse de territórios que

descobriam como sendo exclusivamente de Portugal. Eram

colunas de pedra, de altura variável, encimadas por uma

Alameda lateral da Praça das Armas

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de acreditavam que tirar algumas lascas de pe-

dra do Marco de Touros para fazer chás não se

constituía como uma agressão e sim como uma

cura para suas doenças.

A comunidade, mesmo na sua ignorân-

cia e pela sua obsessão religiosa, contribuiu

para que o avanço do mar não viesse a destruir

o precioso acervo – que foi o primeiro monu-

mento histórico do Brasil português – pois, a

cada avanço do mar, o Marco era deslocado

do alvo das ondas.

Atualmente, encontra-se nas dependên-

cias da fortaleza. Foi retirado da comunidade,

em 1976, pelo IPHAN no Rio Grande do Nor-

te. Na praia de Touros, existe uma réplica do

Marco, que mantém a tradição, os mitos, a

crença do povo e reforça a idéia de que a ação

religiosa dos habitantes preservou um patri-

mônio que, de outra forma, teria sido destruído.

FOTO: RICARDO SIQUEIRA

Canhões coloniais apontando em direções diferentes.A sentinela observava da guarita.

Ângulo da Praça dasArmas. Os dois pisos dãoacesso a diversasinstalações internas.

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Forte dos Reis MagosFonte de inspiração

Pela beleza da sua construção e pri-

vilegiada localização junto ao mar, pró-

ximo ao verde dos manguesais, tem des-

pertado inúmeros poetas, escritores e

pintores para divulgá-lo com suas cria-

ções artísticas.

No seu livro de poesias, Lira de Poti,

Antonio Soares escreve:

No abandono, sem armas no paiol,

O Forte – lutador de eras passadas –

Vê desfilar, das vagas no lençol,

O pacato cortejo das jangadas

Em segredo conserva o poema antigo

Das guerras holandesas, das batalhas

Sustentadas com o batavo inimigo

Em 1969, o artista plástico Newton

Navarro retrata um capítulo da história

em sua tela, hoje exposta no Banco do

Rio Grande do Norte.

O escritor Hélio Galvão contempla-

nos com o seu precioso livro Histórias da

Fortaleza da Barra do Rio Grande, onde

minunciosamente transmite aos leitores

dados precisos para pesquisa.

Estes e outros personagens contri-

buíram para que a história do forte per-

manecesse viva até o dia de hoje.

Encerramento

Encerramos a nossa reportagem,

destacando a grandiosidade dos homens

que deram parte das suas vidas para cons-

truir o forte. O tempo era curto, por im-

No acesso ao Forte, a beleza das águas azuladas,acumuladas durante o período da maré alta.

Visão panorâmica da entrada do Forte

Portão de entrada

FOTO

: RIC

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SIQ

UEIR

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posição da Coroa portuguesa, e, em que pesem os reve-

ses que encontraram, mesmo assim, concluíram a obra

em seis meses, permitindo que os portugueses estives-

sem em condições de defender a área contra o invasor.

De lá para cá, o forte foi restaurado em 1614, usando

técnicas inovadoras que o tornaram um modelo de fortifi-

cação litorânea para a defesa da Colônia. Até hoje o forte

permanece com o mesmo projeto, impressionando a

todos que o conhecem pela beleza da sua arquitetura,

como fez referência Rafael Moreira, historiador portu-

Vista do forte, destacando-se a cidadede Natal, ao fundo.

A munição do paiol (acima) alimentavaos canhões coloniais.

Newton Navarro, 1969,parte central do tríptico aóleo no Banco doRio Grande do Norte.

Newton Navarro, 1969,parte central do tríptico aóleo no Banco doRio Grande do Norte.

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Paulo Roberto Rodrigues Teixeira – Coronel de Infantaria e Estado-Maior, é

natural do Rio de Janeiro. Tem o curso de Estado-Maior e da Escola Superior de Guerra.

Atualmente é assessor da FUNCEB e redator-chefe da revista DaCultura.

guês, em 1995, dizendo: “A Fortaleza dos Reis Magos é a

mais bela fortificação quinhentista do litoral brasileiro.”

Durante o período do domínio holandês, mudou

de nome, passando a chamar-se “Castelo Keulen”. Após

21 anos, quando foram expulsos do Brasil, a fortifica-

ção revertia ao domínio português e retomava a sua

primitiva denominação – Forte dos Reis Magos, que

representa um dos mais expressivos marcos históricos

do Brasil.

Tombado pelo IPHAN no ano de 1949, atualmen-

te a Fundação José Augusto tem o encargo de adminis-

trar e manter a sua conservação e está desenvolvendo

um projeto museográfico de revitalização do forte, que

trará grandes benefícios para garantir e preservar a

memória cultural do Rio Grande do Norte.

“A Fortaleza dos Reis Magos é a mais bela fortificaçãoquinhentista do litoral brasileiro.”

Rafael Moreira

Apontando parao inimigo.