filos platyhelminthes, nematoda e rotifera · 56 vida e meio ambiente diversidade e evolução de...

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TÓPICO Sônia Godoy Bueno Carvalho Lopes Fanly Fungyi Chow Ho FILOS PLATYHELMINTHES, NEMATODA E ROTIFERA 3 LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP 3.1 Filo Platyhelminthes: Introdução 3.2 Filo Platyhelminthes: Plano corpóreo básico 3.3 Filo Platyhelminthes: Classe Turbellaria 3.4 Filo Platyhelminthes: Classe Trematoda 3.5 Filo Platyhelminthes: Classe Cestoda 3.6 Filo Nematoda 3.7 Nematódeos parasitas: Ascaris lumbricoides (lombriga) 3.8 Nematódeos parasitas: Ancylostoma duodenale e Necator americanus 3.9 Nematódeos parasitas: Ancylostoma braziliensis 3.10 Nematódeos parasitas: Wuchereria bancrofti (filária) 3.11 Nematódeos parasitas: Oxyurus vermicularis e Enterobius vermicularis 3.12 Filo Rotifera

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TÓPI

CO

Sônia Godoy Bueno Carvalho LopesFanly Fungyi Chow Ho

FILOS PLATYHELMINTHES, NEMATODA E ROTIFERA 3

Licenciatura em ciências · USP/ Univesp

3.1 Filo Platyhelminthes: Introdução 3.2 Filo Platyhelminthes: Plano corpóreo básico3.3 Filo Platyhelminthes: Classe Turbellaria3.4 Filo Platyhelminthes: Classe Trematoda 3.5 Filo Platyhelminthes: Classe Cestoda3.6 Filo Nematoda3.7 Nematódeos parasitas: Ascaris lumbricoides (lombriga)3.8 Nematódeos parasitas: Ancylostoma duodenale e Necator americanus3.9 Nematódeos parasitas: Ancylostoma braziliensis3.10 Nematódeos parasitas: Wuchereria bancrofti (filária) 3.11 Nematódeos parasitas: Oxyurus vermicularis e Enterobius vermicularis3.12 Filo Rotifera

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3.1 Filo Platyhelminthes: Introdução O filo Platyhelminthes (do grego platýs, chato + helminthos, verme) inclui cerca de 20.000

espécies de animais vermiformes, cujo corpo é frequentemente achatado dorsoventralmente.

O filo está dividido em quatro classes: Turbellaria (turbelários), Trematoda (trematódeos),

Monogenea (monogêneos) e Cestoda (cestoides).

A maioria dos platelmintos da classe Turbellaria é de vida livre, como as planárias, mas as

demais classes reúnem apenas parasitas. A classe Monogenea reúne, em sua maioria, parasitas de

brânquias e superfícies externas de peixes (são, assim, ectoparasitas) e não há representantes

que parasitem a espécie humana. Não nos deteremos no estudo dessa classe de platelminto

parasita, mas, sim, nas outras duas que incluem importantes parasitas humanos.

Os turbelários de vida livre são, na maioria, marinhos e bentônicos, mas há muitas espécies de água

doce, bem como aquelas que vivem em lugares úmidos no ambiente terrestre. O tamanho pode variar

desde menos de 1 mm até cerca de 60 cm de comprimento em platelmintos de vida livre.

Entre os platelmintos parasitas há, entretanto, representantes que podem atingir vários metros

de comprimento. Muitos platelmintos são parasitas de seres humanos e de animais domésticos;

certas espécies são responsáveis por algumas das parasitoses humanas mais graves.

3.2 Filo Platyhelminthes: Plano corpóreo básicoOs platelmintos são animais com simetria bilateral, triblásticos e acelomados. Em Turbellaria,

a epiderme é geralmente celular, ciliada e contém células glandulares (secretoras de muco ou

substâncias adesivas) e terminações nervosas sensoriais (Figura 3.1). Uma membrana basal

está presente sob a epiderme. Abaixo da membrana basal, há células musculares organizadas em

camadas (Figura 3.1); a mais externa contém músculos circulares; a mediana, músculos

diagonais e a mais interna, músculos longitudinais. Um parênquima de origem mesodér-

mica ocupa todo o espaço entre a parede do corpo e os órgãos internos (Figura 3.1). O corpo

dos platelmintos é, portanto, maciço, não havendo cavidade corpórea além daquela do tubo

digestivo. Fibras musculares dorsoventrais cruzam o parênquima. A existência de musculatura

verdadeira e com feixes orientados em diversas direções propicia diversidade de movimentos

maior do que a verificada nos cnidários.

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Com exceção dos cestoides, o sistema digestório inclui a boca, a faringe e o intestino

(Figura 3.2 e 3.6), ou seja, o tubo digestivo é incompleto (ou de fundo cego). Nos turbelá-

rios, a faringe é geralmente protraível e situa-se dentro de uma cavidade em forma de bainha

(Figura 3.2). O intestino pode estar organizado em ramos principais subdivididos em divertícu-

los, os quais aumentam a superfície para

a digestão e absorção, bem como com-

põem um meio de distribuir os produ-

tos da digestão na ausência de um

sistema circulatório. Por exemplo, nas

planárias de água doce, o intestino divi-

de-se em três ramos principais - um

anterior e dois posteriores, todos com

várias outras ramificações (Figura 3.2).

Para se alimentar, a planária everte a

faringe e a insere na presa; glândulas

faríngeas secretam enzimas, que iniciam

a digestão fora do corpo. O conteúdo

parcialmente digerido é então sugado pela faringe. A digestão continua extracelularmente no

intestino a partir de enzimas adicionais secretadas pelas células glandulares intestinais. Partículas do

alimento parcialmente digerido são, então, fagocitadas por células do intestino e a digestão se

completa intracelularmente. O alimento não digerido é expelido pela faringe.

Em trematódeos, a faringe geralmente não é extensível. A boca está rodeada por uma ventosa

oral muscular, empregada na fixação do parasita e no transporte do alimento à boca (Figura 3.6).

Enzimas do intestino podem ser expelidas para iniciar a digestão fora do corpo; tecidos e fluidos

Figura 3.1: Seção transversal de uma planária na altura da faringe / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al., 2004

Figura 3.2: Anatomia de uma planária. A. Sistemas reprodutor e osmorregulador. B. Sistemas digestório e nervoso. C. Extensão da faringe. / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al., 2004

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do hospedeiro são, então, sugados pela faringe muscular, que os conduz a dois cecos intestinais

(Figura 3.6). A digestão é parcialmente extracelular, sendo finalizada intracelularmente.

Cestoides não apresentam tubo digestivo (Figura 3.8) e todos os nutrientes devem ser

captados através do tegumento, o que provavelmente ocorre por pinocitose e por difusão.

Nos platelmintos, não há estruturas especializadas para trocas de gases ou circulação. As trocas

gasosas ocorrem pela superfície da parede corpórea, sendo os gases difundidos pelos tecidos do

corpo. Os nutrientes são distribuídos pelo tubo digestivo ramificado e por difusão. Todos esses

processos são facilitados pela forma do corpo, que é achatado dorsoventralmente e mantém as

distâncias de difusão pequenas. Os platelmintos parasitas podem apresentar metabolismo ana-

eróbio, sendo capazes de sobreviver em áreas internas do hospedeiro desprovidas de oxigênio.

O sistema osmorregulador dos platelmintos é composto pelos protonefrídios (Figura 3.2). Cabe

aqui uma explanação da estrutura básica de um protonefrídio antes de prosseguirmos. Um protone-

frídio (Figura 3.3) é basicamente um túbulo ciliado, que se abre para o exterior pelo nefridióporo;

esse túbulo é fechado na base por uma célula terminal flagelada. Essa célula pode ter somente um

flagelo, como é o caso dos solenócitos, ou vários flagelos, como nas células-flama ou bulbos-flama

(os platelmintos possuem protonefrídios com células-flama). O batimento dos flagelos drena fluidos

do parênquima para o túbulo do protonefrídio, criando uma diferença de pressão, que arrasta fluidos

corpóreos através da lâmina basal e da célula terminal para dentro do túbulo (Figura 3.3). Esse pro-

cesso é chamado ultrafiltração e transporta excretas e outras substâncias para dentro do protonefrídio

(Figura 3.3). No interior do túbulo, esse ultrafiltrado (ou urina primária) é modificado a partir da

reabsorção de alguns íons e moléculas importantes (p.ex., aminoácidos, açúcares, água) antes de ser

eliminado pelo nefridióporo como urina final (Figura 3.3). Na maioria dos platelmintos, entretanto,

grande parte da excreção dos resíduos metabólicos nitrogenados é efetuada, através da própria parede

do corpo, por difusão. Os protonefrídios, nesse caso, são principalmente estruturas de osmorregulação

(regulação do teor de água e sais no corpo).

Figura 3.3: Estrutura de um protonefrídio gene-ralizado. / Fonte: Cepa; baseado em Ruppert, Fox, & Barnes, 2005

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Embora haja alguma variação entre os grupos de platelmintos, o sistema nervoso é, geralmente,

composto pelo gânglio cerebral bem desenvolvido e por cordões nervosos longitudinais

conectados por comissuras transversais, formando um padrão semelhante a uma escada de

cordas (Figura 3.2). Ocelos (manchas fotossensíveis) estão presentes em muitos turbelários

(Figura 3.2). Células mecano e quimiorreceptoras são abundantes sobre a superfície do corpo

dos turbelários, mas há geralmente uma concentração destes na região cefálica. Nas planárias de

água doce, por exemplo, os órgãos sensoriais estão concentrados em expansões laterais da cabeça

denominadas aurículas (Figura 3.2). A ventosa oral dos trematódeos e o órgão de fixação (ou

escólex) dos cestoides também apresentam concentração de células sensoriais.

A reprodução pode ser assexuada ou

sexuada. Nos turbelários de água doce

e terrestres, a fissão transversal é um

tipo comum de reprodução assexuada.

Nesse caso, após a divisão, cada metade

regenera as partes perdidas. A habilidade

de regeneração das planárias é surpre-

endente, e diversos experimentos foram

conduzidos com o objetivo de entender

esse complexo e enigmático mecanismo regenerativo. Outros platelmintos, como trematódeos

e cestoides, também podem apresentar reprodução assexuada.

Os platelmintos são monoicos e, geralmente, apresentam fecundação cruzada mútua.

O sistema reprodutor é, em geral, muito complexo e diverso, e não vamos nos prender à sua

descrição. Nos turbelários, os ovos fecundados podem ser depositados em casulos sob rochas

ou plantas (Figura 3.4). O desenvolvimento é em geral direto, os embriões emergindo

como jovens semelhantes aos adultos. Em alguns turbelários marinhos, entretanto, há um

estágio larval livre-natante. Como veremos, trematódeos e cestoides podem apresentar fase

larval e ter mais de um hospedeiro no ciclo de vida.

3.3 Filo Platyhelminthes: Classe TurbellariaA maioria dos turbelários é de vida livre, apesar de existirem formas comensais e formas

parasitas. Há turbelários marinhos, de água doce e terrestres (Figura 3.5). Os turbelários

Figura 3.4: Cópula, postura de ovos e eclosão em planárias de água doce./ Fonte: Cepa; baseado em Brusca & Brusca, 2007

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marinhos são geralmente bentônicos, habitando fundos arenosos e lodosos, ou vivendo sob

rochas ou sobre algas; alguns são pelágicos. Os turbelários de água doce vivem nos bentos de

riachos, lagos e poças. Os terrestres dependem de lugares úmidos e, ao longo do dia, permane-

cem escondidos sob troncos e folhas; à noite, saem para se alimentar.

A maioria dos turbelários é rastejante e combina movimentos musculares e atividade ciliar para

se locomover. Os cílios batem sobre um

rastro de muco secretado pelas glândulas da

epiderme, movendo o animal para frente;

esse movimento é auxiliado por ondas

musculares rítmicas. As formas aquáticas

de maior porte e as terrestres deslocam-se

por ondulações musculares semelhantes

ao rastejamento de um caramujo.

A boca localiza-se, geralmente, no

lado ventral e a forma do intestino é um dos caracteres utilizados para distinguir as ordens da

classe. Por exemplo, turbelários da ordem Polycladida têm um intestino com muitas ramifica-

ções, enquanto Tricladida apresenta um intestino com três ramos.

3.4 Filo Platyhelminthes: Classe Trematoda Todos os trematódeos são parasitas,

sendo os adultos majoritariamente pa-

rasitas de vertebrados. A forma do corpo

é geralmente foliácea (Figura 3.6). Há

uma série de adaptações para a vida

parasitária, inclusive órgãos de adesão,

como ventosas e ganchos (Figura 3.6),

e aumento da capacidade reprodutiva.

Entretanto, o plano corpóreo básico

continua essencialmente o mesmo, con-

tendo sistema digestório (um tanto reduzido e com a boca localizada anteriormente), excretor,

nervoso e reprodutor (Figura 3.6). Um parênquima de preenchimento e músculos semelhantes

Figura 3.5: Classe Turbellaria. A. Planária marinha (Pseudobiceros evelinae; cerca de 2 cm de comprimento). B. Planária terrestre (cerca de 4cm de comprimento). / Fonte: A. foto de Alvaro Migotto - Cifonauta (http://cifonau-ta.cebimar.usp.br/photo/9877/); B. Cepa.

Figura 3.6: Anatomia de um trematódeo. / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al., 2007

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aos dos turbelários também estão presentes. Órgãos sensoriais são, entretanto, menos desenvol-

vidos, sendo mais uma característica associada ao parasitismo.

Entre os Trematoda, há parasitas que causam algumas das parasitoses humanas mais graves,

como é o caso do Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose ou esquistossomíase

(Figura 3.7). Esses trematódeos dependem de dois hospedeiros para completar o ciclo de vida:

um hospedeiro intermediário, que é um molusco do grupo dos planorbídeos, e um hospedei-

ro definitivo (ou final), no caso, o ser humano. Por definição, hospedeiro final é aquele onde

ocorre a reprodução sexuada do parasita.

Schistosoma mansoni difere de outros trematódeos por ser dioico e apresentar dimorfismo

sexual: machos são mais largos e possuem um sulco ventral, que envolve a fêmea durante a cópula,

a qual ocorre nos vasos do mesentério do

intestino humano. Os ovos são passados

para o intestino humano e misturam-se

às fezes, sendo liberados juntamente

com elas. Na ausência de saneamento

básico, podem contaminar riachos, lagos

ou lagoas. Larvas ciliadas chamadas mi-

racídios eclodem dos ovos e nadam na

coluna d'água. Encontrando o hospedei-

ro intermediário, no caso, o caramujo

planorbídeo do gênero Biomphalaria,

os miracídios penetram ativamente no

corpo do molusco. Nele, desenvolvem-se

em esporocistos, que produzem novas

gerações de esporocistos por reprodu-

ção assexuada. Esporocistos dão origem

a cercárias. Nesse processo assexuado,

cada miracídio pode originar até 100.000

cercárias. As cercárias deixam o caramujo

e nadam livremente na água. Se entrarem

em contato com a pele do ser humano (p.ex., que esteja nadando ou caminhando em uma lagoa

ou corpo d'água contaminado), penetram ativamente no corpo da pessoa. As cercárias alcançam o

sistema circulatório de seu hospedeiro humano e diferenciam-se em jovens. Os jovens passam

Figura 3.7: Ciclo de vida de Schistosoma mansoni, um trematódeo parasita do sangue humano. / Fonte: Cepa; baseado em Brusca & Brusca, 2007

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por um período de desenvolvimento nos vasos do fígado antes de migrarem para os vasos do me-

sentério do intestino, onde, como adultos, copulam e formam os ovos. Os ovos são passados para

o intestino e misturam-se às fezes humanas. Esses ovos são então liberados juntamente com as fezes

e, sem saneamento básico, podem contaminar riachos, lagos ou lagoas, reiniciando o ciclo do parasita.

Entre os efeitos da esquistossomose, os mais graves são lesões no fígado, intestino e outros

órgãos. Pode haver inchaço do fígado e baço, daí o nome popular de “barriga d’água”. As

medidas profiláticas principais envolvem ações de saneamento básico, controle da população

dos caramujos e tratamento dos doentes.

3.5 Filo Platyhelminthes: Classe Cestoda Os organismos da classe Cestoda - as tênias, que são todas parasitas, diferem dos outros platel-

mintos em vários aspectos. Primeiramente, não há tubo digestivo, sendo os nutrientes obtidos apenas

por pinocitose e por absorção através do tegumento. Este apresenta uma série de mecanismos que

não somente facilitam a absorção de nutrientes, mas conferem proteção contra substâncias produzi-

das pelo hospedeiro (p.ex., inibidores de enzimas digestivas).

A região anterior do corpo é constituída por um escólex, que possui estruturas de fixação,

tais como ganchos e ventosas (Figura 3.8). Seus corpos longos e achatados sofrem estrobila-

ção, um processo de crescimento contínuo que dá origem às proglótides características das

tênias (Figura 3.8 e 3.9). Na região imediatamente posterior ao escólex, localiza-se a chamada

zona germinativa, onde são formadas as novas proglótides, as quais amadurecem à medida

que se distanciam do escólex em direção posterior. Portanto, proglótides mais jovens estão mais

próximas do escólex e as mais maduras, na extremidade posterior. O conjunto das proglótides

é denominado estróbilo. Cada proglótide abriga ambos os sistemas reprodutores masculino e

feminino. A maioria dos cestoides requer dois hospedeiros: o intermediário sendo geralmen-

te um invertebrado, e o definitivo, frequentemente um vertebrado. Uma proglótide pode ser

fertilizada por outra do mesmo estróbilo ou a partir de um estróbilo distinto. Os embriões

acumulam-se no útero, que pode expandir-se imensamente devido à enorme quantidade de

ovos. Os embriões encapsulados podem ser liberados pelo poro uterino ou, alternativamente,

a proglótide inteira pode ser eliminada com seus embriões. Há um grande investimento de

energia e massa corpórea na reprodução dos cestoides (veja a Figura 3.8, por exemplo).

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Há diversas espécies de tênias que parasitam o ser humano. Vamos nos deter na análise de apenas

uma delas: Taenia saginata. Essa espécie, na verdade, apresenta ciclo de vida muito semelhante ao

de Taenia solium, ambas diferindo apenas no hospedeiro intermediário. No caso de T. saginata, o

hospedeiro intermediário é o gado bovino e em T. solium, o porco. O nome popular “soli-

tária” advém do fato de, geralmente, apenas um indivíduo estar presente no corpo do hospedeiro.

O gado ingere larvas encapsuladas de T. saginata, que eclodem no intestino desse hospe-

deiro intermediário (Figura 3.9). Essas larvas, chamadas oncosferas ou hexacantas, são

capazes de perfurar a parede do intestino utilizando ganchos, passando então para os vasos

sanguíneos ou linfáticos. Alcançam a musculatura estriada, onde se instalam, formando

cistos denominados cisticercos (Figura 3.9). O cisticerco desenvolve um escólex, que per-

manece invertido. A transferência para o hospedeiro definitivo (o ser humano) ocorre a

partir da ingestão de carne bovina crua ou mal cozida (Figura 3.9). No intestino, o escólex

sofre evaginação e ancora-se à mucosa intestinal (Figura 3.9). Inicia-se, então, a estrobilação

a partir do escólex, que começa a formar as proglótides (Figura 3.9). Ocorre autofecun-

dação e, subsequentemente, acúmulo de ovos no útero de cada proglótide. As fezes humanas

contaminadas com ovos ou com proglótides repletas de ovos (proglótides gravídicas) são

eliminadas, podendo contaminar o meio e reiniciar o ciclo (Figura 3.9).

As principais medidas profiláticas envolvem ações de saneamento básico, inspeção regular da

carne bovina (ou de porco) em abatedouros e açougues, cozimento completo da carne antes da

ingestão e tratamento dos doentes.

Figura 3.8: Anatomia de um cestoide. A. uma proglótide madura de Taenia solium. B. Escólex de T. solium / Fonte: Cepa; baseado em Brusca & Brusca, 2007

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Apesar dos ciclos serem parecidos, a Taenia solium pode ser muito mais perigosa que a T.

saginata, pois, nesse caso, os cisticercos podem se desenvolver também nos seres humanos. Isso

significa que, se os ovos forem ingeridos por uma pessoa, ela passa a atuar como hospedeira

intermediária do verme. Os cisticercos podem alojar-se em diversos tecidos do corpo

(p.ex., olhos, cérebro, coração), causando a cisticercose, que pode ser fatal.

3.6 Filo NematodaSão conhecidas, aproximadamente, 25.000 espécies do filo Nematoda (do grego nēma, fio), mas

estima-se que a diversidade real do grupo seja muito superior, provavelmente maior que um milhão

de espécies. Nematódeos são organismos em geral muito abundantes em habitats marinhos, límnicos

ou terrestres. Há formas de vida livre e formas parasitas de espécies animais e vegetais. Praticamente

todas as espécies de vertebrados e muitas de invertebrados são hospedeiras de ao menos uma espécie

de nematódeo parasita. A infestação por nematódeos em seres humanos, animais domésticos e co-

lheitas torna o filo Nematoda um dos mais importantes grupos de metazoários parasitas.

Figura 3.9: Ciclo de vida de Taenia saginata, a tênia da carne bovina. / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al., 2004

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O corpo dos nematódeos é cilíndrico e sua superfície externa é coberta por uma cutícula

acelular secretada pela epiderme (Figura 3.10). A cutícula é organizada em camadas e compos-

ta por colágeno, sendo renovada nos estágios iniciais do ciclo de vida por meio de processos

de muda. Nesse processo, uma nova cutícula é secretada e a mais antiga se desprende, sendo

descartada. A presença de muda é compartilhada com os artrópodes e é uma das sinapomorfias

de Ecdysozoa, clado que inclui Nematoda e Arthropoda, como já comentado anteriormente.

A epiderme é geralmente sincicial, isto é, seus núcleos não são separados uns dos outros

pelas membranas celulares. Além disso, a epiderme apresenta quatro espessamentos ou cordões

epidérmicos (Figura 3.10). Os cordões dorsal e ventral abrigam os cordões nervosos

longitudinais; os laterais contêm os canais excretores (Figura 3.10). Abaixo da epiderme,

há uma camada de músculos longitudinais organizados em quatro quadrantes (Figura 3.10).

Esses músculos conectam-se aos cordões nervosos por processos mioplasmáticos, que são

extensões das próprias células musculares (Figura 3.10). Essa configuração é muito rara no

Reino Metazoa, pois na maioria dos animais ocorre o inverso: as conexões neuromusculares

são feitas por neurônios, ou seja, são os processos nervosos que se estendem para o músculo.

Nematódeos não possuem musculatura circular, nem células ciliadas ou flageladas. Nem mesmo

os espermatozoides possuem flagelo, apresentando movimento ameboide.

Figura 3;10: Anatomia de um nematódeo fêmea (Ascaris). A. Vista lateral dos órgãos internos. B. Corte transver-sal. C. Detalhe da parede do corpo. / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al., 2004

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Nematódeos são animais blastocelomados. O blastoceloma preenchido por fluido

(Figura 3.10) funciona como um esqueleto hidrostático. O esqueleto hidrostático, comum

em vários invertebrados que possuem cavidades corpóreas amplas, fornece sustentação por

meio da transmissão da força da contração muscular para o

fluido interno, que é incompressível. Por exemplo, quando o

músculo de uma região do corpo se contrai, cria-se uma pressão

hidrostática no fluido contido na cavidade corporal; essa pressão

é transmitida em todas as direções pelo fluido, modificando o

corpo. Como veremos em outro tópico desta disciplina, geral-

mente, os músculos estão organizados antagonicamente, isto é,

músculos antagônicos efetuam movimentos em direções opos-

tas; esse mecanismo, associado ao esqueleto hidrostático, permi-

te uma série de movimentos e tipos de locomoção. Entretanto,

nos nematódeos os músculos circulares estão ausentes e não

há musculatura que se antagonize aos músculos longitudi-

nais. A cutícula, neste caso, supre em parte essa função. Por

exemplo, quando há contração de músculos longitudinais de

um lado do corpo, há compressão da cutícula nesse lado (Figura

3.11). Além disso, a força dessa mesma contração é transmitida

pelo fluido do blastoceloma para o outro lado da cutícula, esti-

rando-a (Figura 3.11). A compressão e estiramento da cutícula

funcionam como antagonistas para a musculatura; quando esta

relaxa, a cutícula volta para a posição inicial. Esse padrão de

locomoção, típico dos nematódeos, produz flexões dorsoven-

trais características em forma de chicote (Figura 3.11); a loco-

moção efetiva depende de contato com o substrato, para que o animal possa se impulsionar

(Figura 3.11). A ausência da musculatura circular, entretanto, impossibilita alguns tipos de

locomoção, como a escavação peristáltica, descrita em outro tópico.

O tubo digestivo é completo e consiste de uma boca, faringe muscular, glândulas faríngeas,

intestino, reto e ânus (Figura 3.10). A faringe é revestida internamente por cutícula e é capaz de

sugar o alimento a partir da contração rápida de seus músculos. A digestão inicial é extracelular a

partir das enzimas secretadas pelas glândulas faríngeas e pelo epitélio do intestino; a digestão final

Figura 3.11: Locomoção por flexão dorsoventral em um nematódeo de vida livre. / Fonte: Cepa; baseado em Brusca & Brusca, 2007

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ocorre intracelularmente. Não há estruturas especializadas para circulação ou trocas gasosas. Os

nutrientes absorvidos são distribuídos pelo corpo por difusão a partir do fluido do blastoceloma,

o que é facilitado pelos movimentos do corpo. As trocas gasosas ocorrem através da superfície

corpórea, sendo também os gases respiratórios distribuídos por difusão a partir do blastoceloma.

A excreção ocorre principalmente através da parede do trato digestivo. A função osmorregu-

ladora é desempenhada por estruturas exclusivas dos nematódeos: as renetes, células excretoras

que se abrem em um poro comum situado próximo à boca (Figura 3.12).

As renetes estão comumente associadas a um sistema de túbulos coleto-

res em forma de H (Figura 3.12), cujos canais excretores se localizam

internamente aos cordões epidérmicos laterais (Figura 3.10). O sistema

nervoso é constituído por um anel nervoso ao redor da faringe, de onde

partem quatro cordões nervosos longitudinais: um ventral (sensorial e

motor), um dorsal (motor) e dois laterais (sensoriais) menos desenvolvidos.

Os cordões nervosos estendem-se em direção posterior através dos cor-

dões epidérmicos (Figura 3.10). Papilas e cerdas sensoriais estão presentes

na região anterior do corpo.

A maioria dos Nematoda é dioica e apresenta dimorfismo sexual,

sendo os machos geralmente menores que as fêmeas e eles apresentam uma

curvatura posterior característica (Figura 3.13). Além disso, os machos

possuem uma cloaca que recebe as aberturas do intestino e do siste-

ma reprodutor. Da cloaca emerge um par de espículas copulatórias,

que são inseridas no gonóporo feminino durante a cópula. A fertiliza-

ção é interna, sendo os ovos incubados no útero feminino até a postura.

Subsequentemente à embriogênese, eclode um verme juvenil, cujo cres-

cimento é acompanhado por mudas da cutícula. São ao todo quatro fases

juvenis separadas por troca da cutícula; adultos não apresentam mudas.

Os juvenis são comumente chamados larvas na literatura. A fase inicial

do ciclo de vida de alguns nematódeos parasitas pode ser de vida livre;

nos casos em que há mais de um hospedeiro no ciclo de vida, os juvenis

geralmente parasitam um hospedeiro intermediário.

Um fato curioso nos nematódeos é a ocorrência da eutelia, isto é, constância

de células e de núcleos, não havendo divisão celular mitótica após a embriogê-

nese, e o crescimento subsequente ocorre por aumento das células existentes.

Figura 3.12: Morfologia das células excretoras (renetes) e do sistema de túbulos coletores em forma de H. / Fonte: Cepa; baseado em Brusca & Brusca, 2007

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3.7 Nematódeos parasitas: Ascaris lumbricoides (lombriga)

Ascaris lumbricoides, popularmente conhecida como lombriga (Figura 3.13), é um dos

parasitas mais comuns dos seres humanos e causador da ascaridíase, que afeta centenas de

milhões de pessoas em todo o mundo. Os vermes adultos, que podem chegar a 50 cm de

comprimento, vivem e se reproduzem no intestino humano. Os ovos são eliminados pelo

poro genital das fêmeas, que podem produzir diariamente 200.000 ovos, os quais se misturam

às fezes do hospedeiro. Quando eliminadas, as fezes podem contaminar o meio; os ovos per-

manecem viáveis por muito tempo. A ingestão de alimentos ou água contaminados por esses

ovos é a via de transmissão. Se ingeridos, os ovos eclodem no intestino; os jovens diminutos

perfuram a parede intestinal, atingindo veias ou vasos linfáticos. Dessa forma, são conduzidos

pela circulação até os pulmões, onde perfuram os alvéolos e sobem pelos brônquios até atin-

gir a faringe, onde são novamente deglutidos. Ao atingirem o intestino, os jovens dão origem

aos adultos, que se alimentam do conteúdo intestinal. Os sintomas incluem cólicas intestinais

e náusea (pela presença dos adultos no intestino) e bronquite e pneumonia (resultantes da

migração dos jovens pelos brônquios e pulmões). As medidas profiláticas básicas são: sanea-

mento básico; lavagem adequada dos alimentos; tratar a água com cloro ou fervê-la antes da

ingestão; e tratamento das pessoas infectadas.

Figura 3.13: Macho e fêmea de Ascaris. Na lombriga, parasita do intestino humano, o macho é menor que a fêmea e tem a região posterior do corpo em forma de gancho. Tem cerca de 40 cm de comprimento. / Fonte: Thinkstock

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3.8 Nematódeos parasitas: Ancylostoma duodenale e Necator americanus

Ancylostoma duodenale e Necator americanus são os vermes causadores da ancilostomose, também

conhecida por amarelão. Os adultos são pequenos (cerca de 15 mm) e vivem no intestino humano,

onde se reproduzem. Estruturas cortantes presentes na região da boca do verme causam lesões à

mucosa intestinal e permitem ao verme sugar o sangue do hospedeiro. Os ovos eliminados pelas

fêmeas são misturados às fezes do hospedeiro, que contaminam o meio. Os jovens diminutos eclodem

desses ovos e permanecem vivos no solo úmido, de onde podem penetrar a pele humana, atingindo

a corrente sanguínea. Dessa forma, são conduzidos pelo sangue até o pulmão, onde perfuram os

alvéolos e sobem para os brônquios até atingir a faringe e serem deglutidos. No intestino, os jovens

dão origem aos adultos e reiniciam o ciclo. O principal sintoma é a anemia pela perda de sangue

(o que, geralmente, causa palidez, daí o nome “amarelão”). Em crianças, a ancilostomose pode ser

bastante grave e afetar o desenvolvimento físico e mental. Outros sintomas incluem irritação da pele

na região da penetração dos jovens, bem como problemas pulmonares causados pela migração dos

jovens pelos pulmões. As medidas profiláticas básicas são: saneamento básico; evitar contato da pele

com solos contaminados por esses parasitas; e tratamento das pessoas infectadas.

3.9 Nematódeos parasitas: Ancylostoma braziliensis

Ancylostoma braziliensis é a espécie causadora do bicho-geográfico ou larva migrans. Os adul-

tos vivem no intestino de cães e gatos. Após serem liberados pelas fêmeas, os ovos misturam-se

com as fezes do hospedeiro, o qual, ao defecar, contamina o meio. Dos ovos eclodem jovens

diminutos, que permanecem vivos no solo. Se entrarem em contato com a pele do cão ou do

gato, os jovens podem penetrá-la e reiniciar o ciclo no intestino do hospedeiro, originando os

adultos. Caso penetrem a pele humana, os jovens passam a se deslocar dentro dela, causando

irritação e coceira intensas, especialmente à noite. Nesse caso, o ciclo não se completa, pois não

há formação de adultos. A migração dos jovens dentro da pele produz linhas sinuosas averme-

lhadas e visíveis a olho nu, por isso o nome “bicho-geográfico”. Entre as medidas profiláticas,

a principal é evitar a presença de cães e gatos em praias ou tanques de areia, bem como evitar

contato da pele com solo ou areia contaminados por esses parasitas.

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3.10 Nematódeos parasitas: Wuchereria bancrofti (filária)

Os adultos de Wuchereria bancrofti, causadores da filariose, vivem nos vasos linfáticos huma-

nos. Os ovos dão origem a microfilárias, que migram para a circulação sanguínea. Quando

mosquitos hematófagos do gênero Culex picam pessoas infectadas, eles ingerem as microfilárias.

Estas últimas desenvolvem-se dentro do corpo do mosquito, que é o hospedeiro intermediário

desse parasita. As microfilárias modificam-se então para formas infecciosas, que podem penetrar

novamente um hospedeiro humano no momento da picada do mosquito. Os sintomas incluem

inchaço causado pela obstrução dos vasos linfáticos. Casos mais graves levam à elefantíase, um

enorme inchaço das partes afetadas (pernas, braços, escroto ou mamas). As medidas profiláticas

envolvem o controle da população do mosquito vetor, o uso de repelentes e telas para evitar a

entrada dos mosquitos nas casas, bem como o tratamento dos doentes.

3.11 Nematódeos parasitas: Oxyurus vermicularis e Enterobius vermicularis

A oxiurose ou enterobiose é causada pelos nematódeos Oxyurus vermicularis e Enterobius

vermicularis. Os adultos vivem no intestino humano; os ovos podem ser eliminados pelas fezes

ou a fêmea pode migrar para o ânus e depositá-los na região perianal. Esse processo ocorre à

noite e pode causar intenso prurido; ao coçar o local, as mãos são contaminadas com os ovos.

Ao colocar a mão na boca, o hospedeiro acaba ingerindo os ovos, que chegam ao intestino e

reiniciam o ciclo. A ingestão dos ovos pode ocorrer também por meio de alimentos contamina-

dos. As medidas profiláticas básicas são: higiene das mãos e da região anal em pessoas infectadas;

troca diária dos lençóis e da roupa íntima, que devem ser fervidos e/ou lavados separadamente

das demais roupas da casa, de forma a evitar a reinfecção; e tratamento das pessoas infectadas.

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3.12 Filo RotiferaO filo Rotifera (do latim rota, roda + fera, possuir) compreende animais microscópicos, ge-

ralmente muito abundantes na água doce. Embora a maioria das espécies ocorra em ambientes

dulciaquícolas, algumas são marinhas e outras ocorrem também em habitats terrestres, como

em solo úmido ou no filme d'água que recobre musgos. Rotíferos podem ser livre-natantes,

rastejantes ou sésseis; há formas solitárias e coloniais. O nome do grupo deve-se a uma coroa

de cílios localizada em sua cabeça que, ao bater, se assemelha a um par de rodas girando. Há,

aproximadamente, 2.000 espécies de rotíferos, a maioria delas muito pequena, variando de

poucos micrômetros a poucos milímetros de comprimento.

O corpo de um rotífero está dividido em uma cabeça, um tronco e um pé (Figura 3.14).

A cabeça porta a corona (Figura 3.14), uma coroa ciliada, cujos cílios atuam na loco-

moção e na alimentação. A boca situa-se ventralmente à corona. O tronco, que contém

os órgãos viscerais, pode ser alongado ou saculiforme. O pé é mais estreito que o tronco

e geralmente possui um ou até quatro artelhos (Figura 3.14), bem como glândulas

adesivas para fixação temporária ao substrato.

Muitos rotíferos apresentam uma cutícula secretada sobre a epiderme, a qual é sincicial.

Geralmente, ocorre eutelia, isto é, constância de células e de núcleos, não havendo divisão ce-

lular mitótica após a embriogênese. Por exemplo, no caso da epiderme dos rotíferos, o número

de núcleos é constante para cada espécie (entre 900 e 1.000 núcleos). Dentro da epiderme, há

uma camada fibrosa denominada lâmina esquelética, que pode ser bastante espessa e formar

uma lórica. A lórica está frequentemente dividida em placas ou anéis (Figura 3.14). Abaixo

da epiderme sincicial, há faixas de músculos longitudinais e circulares.

Rotíferos são animais pseudocelomados (ou blastocelomados) e com tubo digestivo completo.

O blastoceloma é amplo, preenchido por fluido e contém os órgãos internos. Geralmente, a

alimentação ocorre pela captação de partículas para a boca por meio do batimento dos cílios da

corona. A faringe está modificada como um mástax (Figura 3.14), composto por estruturas rí-

gidas e em forma de mandíbula denominadas trofos. Associados a uma porção muscular, os trofos

trituram o alimento, ou podem estar modificados para perfurar presas, como ocorre em espécies

predadoras. Glândulas salivares e gástricas secretam enzimas para uma digestão extracelular.

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O sistema excretor consiste em um par de protonefrí-

dios, que se conectam a uma bexiga comum (Figura 3.14).

A bexiga, o intestino e os ovidutos se esvaziam em uma

cloaca (Figura 3.14). Não há estruturas especializadas para

trocas gasosas ou circulação; as trocas gasosas ocorrem pela

superfície do corpo e a circulação pelo próprio fluido do

blastoceloma por difusão. O sistema nervoso compreende

um gânglio cerebral (Figura 3.14), situado dorsalmente

ao mástax, e de um par de nervos longitudinais principais.

A região anterior do corpo concentra grande variedade de

órgãos sensoriais, como ocelos (Figura 3.14), cerdas e papi-

las sensoriais, poros ciliados e antenas.

Alguns rotíferos podem suportar condições ambientais

extremas, permanecendo dormentes por longos períodos.

Esses estágios de dormência metabólica são muito tolerantes a

diversos estresses ambientais. Experimentalmente, os estágios

dormentes dos rotíferos sobreviveram a temperaturas extremas

(desde -200 °C a 150 °C) ou à completa dessecação.

Rotíferos são dioicos. Os machos são, geralmente, me-

nores que as fêmeas e estão presentes na população apenas durante poucas semanas do ano.

Em algumas espécies, aparentemente não há machos e as fêmeas reproduzem-se partenoge-

neticamente. Em outras espécies, as fêmeas produzem ovos haploides, que, após a fecundação,

se desenvolvem em machos ou fêmeas diploides. Algumas espécies de água doce apresentam

ciclos de vida bastante complexos que não serão discutidos aqui.

Figura 3.14: Anatomia de um rotífero. / Fonte: Cepa; baseado em Hickman et al. 2004

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Fechamento do TópicoComo vimos, o filo Platyhelminthes compreende animais com simetria bilateral, tri-

blásticos e acelomados. O terceiro folheto germinativo - o mesoderma - está presente e

origina o parênquima, o qual ocupa todo o espaço entre a parede do corpo e os órgãos

internos. Além disso, vimos que os platelmintos estão em um grau de complexidade es-

trutural superior ao dos cnidários: os tecidos estão organizados em órgãos bem definidos

e complexos, alguns deles até associados em um sistema (p.ex., reprodutor). O filo está

dividido em quatro classes: Turbellaria, Trematoda, Monogenea e Cestoda. A maioria dos

turbelários é de vida livre, mas as demais classes são inteiramente parasitas e apresentam

modificações associadas a esse modo de vida. Uma estrutura muito importante apresen-

tada neste capítulo é o protonefrídio, um órgão excretor presente em animais geralmente

pequenos e desprovidos de celoma e/ou de vasos sanguíneos.

O filo Nematoda reúne animais pseudocelomados (ou blastocelomados). O blastoce-

loma preenchido por fluido atua nesses animais como um esqueleto hidrostático empre-

gado na locomoção, embora esta seja limitada pela ausência de uma musculatura circular.

Diferentemente dos cnidários e platelmintos, os nematódeos possuem um tubo digestivo

completo, contendo um ânus. Praticamente todas as espécies de vertebrados e muitas de

invertebrados e de plantas são hospedeiras de um nematódeo parasita. Os de vida livre

podem ser animais muito abundantes em habitats marinhos, límnicos ou terrestres.

Rotíferos são animais blastocelomados pequenos, principalmente de água doce. Esses

organismos contêm uma corona ciliada, que cria correntes de água para alimentação e lo-

comoção. O tubo digestivo é completo. A boca conduz ao mástax, uma faringe modificada

e equipada com mandíbulas rígidas.

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