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Fidalgo, Antonio. Logica Comunicação

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  • 5/23/2018 Fidalgo, Antonio. Logica Comunica o

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    Antnio Fidalgo

    Semitica:A Lgica da Comunicao

    Universidade da Beira Interior1998

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    ndice

    Introduo 7

    I A origem lgica da semiticacontempornea 21

    1 Bolzano, Frege e Husserl 251.1 Bolzano e a importncia dos signos para a lgica 26

    1.2 Frege e a distino entre significado e referncia . 30

    1.3 Husserl ou da aritmtica fenomenologia . . . . 35

    2 Peirce e o Pragmatismo como Lgica da Abduo 49

    II Lingustica e Semitica 63

    3 A lingustica de Saussure e a ideia de Semiologia 65

    4 A Pansemiotizao de Barthes 83

    4.1 A funo-signo e o alargamento semiolgico emBarthes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

    4.2 Os mltiplos nveis de significao. A conotaoe a denotao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

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    III A lgica da comunicao 91

    5 Os Campos da Semitica: Sintaxe, Semntica e Prag-mtica 935.1 A semiose em Morris e o princpio da diviso da

    semitica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

    6 Os Actos de Fala.A Linguagem como Aco 105

    7 A Pragmtica Universal de Jrgen Habermas 1097.1 A lgica dos enunciados . . . . . . . . . . . . . 1097.2 A dupla estrutura da fala . . . . . . . . . . . . . 1147.3 As consequncias dos actos de fala para a semntica1167.4 Modos de comunicao . . . . . . . . . . . . . . 1167.5 O fundamento racional da fora ilocucional . . . 1207.6 Um modelo de comunicao lingustica . . . . . 123

    Bibliografia 125

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    Srie Estudos em ComunicaoDireco: Antnio Fidalgo

    Covilh, 1998Depsito Legal N.o 120606/98ISBN 972-9209-58-8

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    Introduo

    1. Uma cincia recente para uma temtica antiga

    A semitica uma cincia do sculo XX, mais precisamente dosmeados do sculo. Saussure afirma no incio do sculo que aindano existe uma cincia cujo objectivo fosse o estudo da vida dossignos no seio da vida social. Mas reivindica o direito existnciade tal cincia, "que estudaria em que consistem os signos, que leisos regem", e prope desde logo o nome de semiologia (do grego

    semeion, "sinal") para a designar1. Em 1956 no ensaio "O Mito,Hoje", includo em Mitologias, Roland Barthes constata que "asemiologia postulada por Saussure h uns quarenta anos aindano est constituda2".

    Segundo Georges Mounin3 a concepo saussureana de se-miologia a de uma semiologia da comunicao, contraposta semiologia da significao de Barthes s na dcada de sessentaviria a ganhar corpo com a obra de Buyssens4 e Prieto5. O prprioBuyssens escreve na introduo sua obra que "a histria da semi-ologia no longa. Antes de Saussure, encontram-se, sobretudo

    entre os lgicos, observaes gerais referentes aos signos ou aos1Ferdinand de Saussure, Curso de Lingustica Geral, Lisboa: Publicaes

    Dom Quixote, 1986, p. 44.2Roland Barthes,Mitologias, Lisboa: Edies 70, 1988, p. 183.3Georges Mounin,Introduction la Smiologie, Paris: ditions de Minuit,

    1970, pp. 11-15.4Eric Buyssens, Semiologia e Comunicao Lingustica, So Paulo: Edi-

    tora Cultrix, s.d.5Luis Prieto,Mensagens e Sinais, So Paulo: Editora Cultrix, 1973 (1966).

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    smbolos. (...) Desde Saussure at Segunda Guerra Mundial, shouve um ensaio de semiologia que ultrapassasse as banalidadesencontrveis em qualquer obra a respeito da linguagem, a saberLe paralllisme logico-gramaticalde Charles Serrus6".

    Tambm Charles Sanders Peirce (1839-1914), para quem asemitica era, enquanto doutrina formal dos signos, apenas umoutro nome da cincia da lgica7, e que a par de Saussure con-siderado um dos pais da semitica contempornea8, apresenta-se como pioneiro da nova cincia9. Mas apesar dos esforos dePeirce na sistematizao da nova cincia, em 1938 Charles Mor-ris declara que apesar de "os signos nunca terem sido estudadosto intensamente, por tantas pessoas de tantos pontos de vista,(...) ainda falta uma estrutura terica, simples nas suas linhas ge-rais, mas suficientemente compreensiva para abranger os resulta-dos obtidos de diferentes pontos de vista e uni-los num todo con-sistente10". O seu intento , da, esboar a novel cincia, a teoriados signos ou semitica; traar-lhe fragmentariamente os contor-

    nos, pois que uma apresentao cabal seria altura impossvel emparte devido ao incipiente desenvolvimento da mesma.

    Pode-se ento dizer "que existe desde o princpio do sculo aproposta de uma teoria geral dos signos11"e que essa proposta sevem realizando desde meados do sculo. Esta realizao tornou-se visvel no s ao nvel das publicaes, mas tambm ao nveldas instituies necessrias identificao de uma cincia. Como

    6Ibidem, p. 22-23.7Charles Sanders Peirce, Semitica, So Paulo: Editora Perspectiva, 1977,

    p. 45, Em seu sentido geral, a lgica , como acredito ter mostrado, apenas

    um outro nome para semitica, a quase-necessria, ou formal, doutrina dossignos.8Cf Adriano Duarte Rodrigues, Introduo Semitica, Lisboa: Presena,

    1991, p. 76.9Cf Joseph Brent, Charles Sanders Peirce. A Life, Bloomington: Indiana

    University Press, pp. 322-326.10Charles Morris, Foundations of the Theory of Signs, The University of

    Chicago Press, 1970 (1938).11Pierre Guiraud,A Semiologia, Lisboa: Presena, p. 9.

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    escreve Jrgen Trabant "s se pode considerar que uma disci-plina12 cientfica tem existncia oficial quando se dota a si mesmade insgnias institucionais como uma associao ou um jornal ouquando existem j institutos cientficos com o nome dessa disci-plina." Ora segundo este mesmo autor, a semitica dispe desdeos finais dos anos sessenta dessas instituies: em 1969 foi cri-ada a International Association for Semiotic Studies e iniciou-sea publicao do respectivo rgo cientficoSemiotica(Haia).

    Enfim, para algum se dar conta de quo recente a semiticabasta abrir um qualquer dos manuais universitrios da disciplinade semitica. A aparece invariavelmente a semitica como cria-o cientfica do sculo XX.

    A temtica estudada pela semitica, porm, no recente. Oestudo dos signos to antigo como o prprio pensamento filos-fico. Efectivamente no outra a tese a retirar dos estudos deErnst Cassirer na sua Filosofia das Formas Simblicas, nomea-damente quando mostra que a questo da linguagem, e concomi-

    tantemente a dos signos, to antiga como a questo do ser13.Testemunho dessa antiguidade claramente o dilogo Crtilo dePlato14. A questo sofista da exactido dos nomes, retomada apropsito da relao entre nomes e coisas: essa relao natural,ditada pela natureza do ser e da lngua, ou meramente convenci-onal? A posio de Crtilo, a de uma correspondncia entre aspalavras e os entes, ironicamente destruda por Scrates. Mastambm a tese defendida pelo opositor de Crtilo, Hermgenes, ade que essa relao fruto da arbitrariedade, no obtm o assen-timento de Scrates. Pelo contrrio, embora no haja uma rela-

    12Jrgen Trabant, Elementos de Semitica, Lisboa: Presena, 1980 (1976),p. 10.

    13Ernst Cassirer,Philosophie der symbolischen Formen, I Vol. Die Sprache,Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1988 (1923), p. 55. "Diephilosophische Frage nach dem Ursprung und dem Wesen der Sprache ist imGrunde so alt, wie die Frage nach dem Wesen und Ursprung des Seins."Sobreesta questo cifrar todo o 1o cap. "Das Sprachproblem in der Geschichte derPhilosophie".

    14Platon,Cratyle, Paris: Les Belles Lettres, 1969.

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    o similar directa entre a coisa e nome, h uma relao mediatamais profunda. No processo dialctico do conhecimento, a pala-vra constitui como que um veculo para se alcanar o contedosignificativo dos ideias puras15. Esta concepo do funo dialc-tica da linguagem desenvolvida por Plato na Stima Carta16. Aapontam-se quatro nveis de conhecimento do objecto: o nome, adefinio, a imagem e a cincia. Plato d o exemplo do crculo.Sobe-se dialecticamente at ao conhecimento da sua essncia, pri-meiro mediante a nomeao, segundo atravs da definio, isto ,explicando o significado pelo nome ao determin-lo como a fi-gura que tem as extremidades a uma distncia perfeitamente igualdo centro, terceiro pela imagem, seja pelo desenho que se traana areia e que se apaga, seja pela forma que se molda num torno.Nenhuma destas formas de conhecimento alcana o verdadeiraessncia do crculo, pois que se situam no mbito do devir e nodo ser. Mas s mediante elas se chega ao quarto nvel do co-nhecimento, cincia17. O verdadeiro saber no com efeito de

    natureza simblica, mas s simbolicamente se acede a esse saber.Por seu lado, Tzvetan Todorov, ao estudar a origem da semi-

    tica ocidental18, vai ao ponto de chamar a Agostinho de Hiponao primeiro semitico. Todorov considera que as consideraes deSto Agostinho sobre os signos so os primeiros estudos a obede-cer aos dois critrios que em seu ver delimitam a semitica. Emprimeiro lugar, os estudos de Sto Agostinho tm claramente pro-

    15Cassirer, ibidem, "Im Aufbau und im Stufengang des dialektischen Wis-sens behlt das Wort einen ihm eigentmlichen Platz und Wert. Die flieendenGrenzen, die jederzeit blo relative Festigkeit des Wortgehaltes wird fr den

    Dialektiker zum Ansporn, um sich, im Gegensatz und im Kampf mit ihm, zurForderung der absoluten Festigkeit des Bedeutungsgehalts der reinen Begriffezu erheben."p. 62.

    16Plato,Cartas, Lisboa: Estampa, 1980, pp. 74-79.17Cassirer,ibidem, "Das Wissen vom Gegenstand und dieser selbst erscheint

    demnach ebensowohl als etwas, was diese drei Stufen berschreitet, wie alsetwas, was sie in sich befat als deren Transzendenz und deren Synthese."pp.63-64.

    18Tzvetan Todorov,Teorias do Smbolo, Lisboa: Edies 70, 1979 (1977).

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    psitos cognitivos; o objectivo de Sto Agostinho nesse campo oconhecimento e no a beleza potica ou a pura especulao. Emsegundo lugar, Sto Agostinho estuda os signos em geral e no ape-nas os signos lingusticos. Ora Sto Agostinho, como nota Todo-rov, no inventou a semitica, ele fundamentalmente preocupa-seem compilar as teorias j existentes, sobretudo as doutrinas dosesticos sobre os signos19.

    Sto Agostinho fornece vez duas definies de signo que, naopinio de Todorov20, contemplam o plano semntico e o comu-nicacional. A primeira definio de signo assenta na sua funodesignativa ou representativa: "Um signo o que se mostra a simesmo ao sentido, e que, para alm de si, mostra ainda algumacoisa ao esprito."(De Dialectica). Ao apresentar-se directamenteaos sentidos, o signo oferece mais que a sua presena, ele apre-senta ao esprito algo que est ausente aos sentidos. O que carac-teriza pois o signo a mediao representativa ou designativa quefaz de um terceiro.

    A esta dimenso semntica do signo junta Agostinho a di-menso comunicacional. "A palavra o signo de uma coisa quepode ser compreendida pelo auditor quando proferida pelo lo-cutor". A introduo da dimenso comunicacional na anlise sg-nica constitui, segundo Todorov, uma novidade da incurso agos-tiniana nos domnios semiticos. Essa dimenso no se encontranem em Aristteles nem nos esticos. Mas justamente a introdu-o da dimenso comunicacional que leva Agostinho a uma an-lise sobre o signo diferente e mais complexa que a dos esticos.Os esticos dividiam o signo em trs elementos: o significado,

    o significante e o objecto21

    . Sto Agostinho apura agora quatro19Todorov, ibidemp.18. Sobre a influncia da doutrina sgnica dos esticos

    sobre Sto Agostinho veja-se Tilman Borsche, "Zeichentheorie im bergangvon den Stoikern zu Augustin"in Allgemeine Zeitschrift fr Philosophie 19/2,1994, pp. 41-52.

    20Todorov,ibidem, veja-se o captulo "A sntese augustiniana"pp. 33-54.21A exposio mais importante da teoria estica a de Sextus Empiricus:

    "Os esticos dizem que h trs coisas ligadas: o signifi-cado, o significante e oobjecto. Destas coisas, o significante o som, por exemplo Dion; o signifi-

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    elementos constituintes do signo: a palavra (verbum), o exprim-vel (dicibilis), a expresso (dictio) e a coisa (res). Estabelecendouma correspondncia com a terminologia estica verifica-se queem Agostinho parece existirem dois termos,verbumedictio, paradesignar o significante.

    A explicao avanada por Todorov22, que a anlise agosti-niana faz a distino entre o sentido do processo de comunicaoe o do processo de significao. Um o sentido vivido, o sen-tido que o locutor transmite ao ouvinte; esse o sentido dizvel.A dictio, por seu lado, aponta para o mero sentido semntico oureferente23. Todorov sugere, portanto, que dictio no se encontratanto ao nvel do significante como do significado.

    Obviamente no se trata de fazer aqui uma exposio deta-lhada da "semitica agostiniana", para isso haveria que ir s fontese no nos quedarmos pela exposio de Todorov; o que importaaqui salientar , isso sim, a antiguidade da temtica semitica e,simultaneamente, a profundidade de alguns estudos antigos so-

    bre essa matria. Outros exemplos de investigaes semiticasencontram-se tambm em pensadores medievais, renascentistas emodernos24. Na filosofia portuguesa mereceriam ateno parti-

    cado a prpria coisa que revelada e que ns entendemos como subsistindoem dependncia do nosso pensamento, mas que os brbaros no compreendem,embora sejam capazes de ouvir a palavra pronunciada; enquanto o objecto oque existe no exterior: por exemplo, Dion em pessoa. Duas destas coisas socorpreas: o som e o objecto, e a outra incorprea, a entidade que sig-nificada, o dizvel, que verdadeiro ou falso."(Contra os Matemticos, VIII,11-12) citado em Todorov, ibidem, p. 18.

    22Todorov,ibidem, p. 35.

    23"Dizvel ser vivido tanto por aquele que fala como por aquele que ouve.Dictio, pelo contrrio, um sentido que funciona, no entre os interlocutores,mas entre o som e a coisa; aquilo que a plavra significa, independentementede quem a usa."Todorov,ibidem.

    24No faltam obras recentes a reduzir a semitica contempornea a sim-ples repeties de teorias simblicas medievais e renacentistas. Assim, porexemplo, John Deely, Introducing Semiotics, Bloomington: Indiana UniversityPress, 1982, (traduzido em portugus, Introduo Semitica, Fundao Ca-louste Gulbenkian, 1995) que, no dizer de Helmut Pape, Einleitung in Charles

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    cular as Summulae Logicales de Pedro Hispano, o Tratactus deSignisde Joo de So Toms e asInstitutiones Dialecticaede Pe-dro da Fonseca.

    Se a temtica semitica to antiga como o pensamento filo-sfico e se ao longo dos sculos ela tem sido investigada por vezescom bastante profundidade, ento com certeza pertinente a ques-to sobre a justeza da reivindicao, atrs referida, do estabeleci-mento contemporneo da semitica enquanto cincia. Constituemos estudos semiticos no sculo XX mais do que uma continuaodos estudos efectuados nos sculos passados? Onde e em qu re-side a novidade que legitima a fundao da semitica qua cinciano sculo XX?

    So dois os factores que, a meu ver, demarcam os estudossemiticos contemporneos face aos antigos e, simultaneamente,instituem a semitica como cincia. O primeiro factor a defi-nio do lugar dos estudos semiticos no contexto dos estudoscientficos: a semitica enquadrada epistemologicamente. An-

    teriormente as investigaes semiticas integravam-se em contex-tos to diversos como os da teoria do conhecimento, da lgica, daontologia, da esttica ou da teologia. No tinham uma autonomiacientfica. Ora o que caracteriza, por exemplo, a fundao saussu-reana da semiologia , antes de mais, o estabelecimento exacto damesma no conjunto das cincias. A semiologia a cincia geraldos signos que se integraria na psicologia social e, consequente-mente, na psicologia geral; na semiologia integrar-se-ia por suavez a lingustica enquanto cincia especfica dos signos lingus-ticos. A semiologia fica assim delimitada a montante e a jusante

    na rvore das cincias. O facto de o enquadramento psicolgicoda semiologia por Saussure no colher, nem to pouco nas suasprprias investigaes lingusticas, no constitui uma objeco novidade que representa esse enquadramento epistemolgico.

    Peirce Semiotische Schriften, Frankfurt: Suhrkamp, 1986, acaba por afirmarque tudo aquilo que a semitica moderna procura j se encontra no filsoforenascentista John Poinsot (o portugus Joo de So Toms!), desboberto porele prprio Deely.

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    A mesma preocupao de fixar epistemologicamente a semiticaencontra-se na escola americana. Ao encarar a semitica comocincia do signos, Peirce concebe-a como a cincia geral que, maneira da mathesis universalis leibniziana, engloba todas asoutras cincias25. A semitica uma fisiologia das formas cons-titutivas de todo o pensamento que procura sobretudo elaborarenquanto gramtica especulativa uma teoria fenomenolgica dossignos26. Tambm Morris, ao estabelecer em 1938 os fundamen-tos de uma teoria dos signos, tem como preocupao primeira,demarcar o lugar da semitica no conjunto das cincias. Alis oj referido trabalho de Morris constitui o segundo subsdio para aEnciclopdia da Cincia Unificada27. Morris determina logo nasprimeiras pginas o lugar da semitica: "A semitica tem uma du-pla relao com as cincias: ela simultaneamente uma cinciaentre as cincias e um instrumento das cincias.(...) uma cin-cia coordenada com as outras cincias, estudando as coisas ou aspropriedades das coisas na sua funo de servir se signos e tam-

    bm o instrumento de todas as cincias, na medida em que cadacincia faz uso e exprime os seus resultados em termos de sig-nos28". Na esteira de Peirce, Morris apresenta, assim, a semitica

    25Veja-se a passagem frequentemente citada de uma carta de Peirce a LadyWelby em que lhe afirma que desde que teve, por volta dos doze ou treze anos,o primeiro contacto com a lgica "nunca mais foi capaz de estudar o quer quefosse matemtica, moral, metafsica, gravitao, termodinmica, fontica,economia, histria das cincias, homens e mulheres, vinho, metrologia senocomo estudo de semitica". (carta de Dezembro de 1908, Semiotic and Signi-fics. The Correspondence between Charles S.Peirce and Victoria Lady Welby,Bloomington: Indiana University Press, 1977, pp. 85-86.

    26Veja-se o texto de 1903 "Syllabus of Certain Topics of Logic", que consti-tui o manuscrito mais extenso sobre a temtica e cujo primeiro captulo trata doesboo de uma classificao das cincias. O texto integral encontrava-se at hpouco tempo publicado apenas em alemo, Phnomen und Logik der Zeichen,Frankfurt; Suhrkamp, 1993, pp.39-44.

    27O ttulo completo no original Foundations of the Unity of Science.Toward an International Encyclopedia of Unified Science, Chicago: The Uni-versity of Chicago Press.

    28Ibidem, p.2.

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    enquanto cincia geral dos signos como organon da meta-cincia(a cincia da cincia) "na medida em que cada cincia faz uso eexprime os seus resultados em termos de signos". Morris serve-seda argu-mentao de Carnap exposta em "Empirismo Cientfico",que constitura o 1o volume da Enciclopdia, para fundamentara reivindicao da semitica a organon da cincia. Carnap argu-mentara ser possvel incluir sem excepo o estudo da cincia noestudo da linguagem da cincia dado o estudo dessa linguagemimplicar no s o estudo da sua estrutura formal (sintaxe), mastambm a sua relao com os objectos designados (semntica) ecom as pessoas que a fazem. Morris acrescenta ento que "umestudo da linguagem da cincia tem de usar signos referindo-sea signos e que cabe semitica fornecer os signos relevantes eos princpios para levar a cabo esse estudo. A semitica forneceuma linguagem geral aplicvel a qualquer espcie de linguagemou signo, e, assim, aplicvel linguagem da cincia e aos sig-nos especficos que so usados na cincia29". alis nesta senda

    da compreenso da semitica como verdadeira cincia primeira (aprima philosophia cartesiana), que Morris remete muitas das pro-blemticas filosfico-epistemolgicas para a semitica30. Morrisvai mesmo ao ponto de reduzir a lgica, a matemtica e a lingus-tica semitica. O lugar da semitica no conjunto das cincias ,assim, claramente o primeiro, no sentido aristotlico ou cartesianode primeira cincia.

    O outro factor importante na instituio contempornea da se-

    29Ibidem, p.3. bem patente aqui a concepo da semitica como mathesisuniversalis. Significativamente, Morris inicia o seu trabalho com uma citao

    de Leibniz: "nemo autem vereri debet ne cahracterum contemplatio nos a rebusabducat, imo contra ad intima rerum ducet".

    30"Doutrinas to venerveis como a das categorias, a dos trans-cendentais, ea dos predicveis so incurses primitivas nos domnios semiticos e deveriamser clarificados pelos desenvol-vi-mentos posteriores. Vale a pena recuperar einterpretar as controvrsias helensticas sobre os signos de advertncia e os in-dicativos, e as teroias medievais da inteno, imposio e suposio. A histriada lingustica, retrica, lgica, empirismo, e cincias experimentais fornecemum rico material suplementar."ibidem, p. 55.

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    mitica foi indubitavelmente a sua sistematizao. Hoje a semi-tica como qualquer cincia estabelecida subdivide-se em discipli-nas. A diviso mais corrente justamente a avanada por Morris:sintaxe, semntica e pragmtica. Se, por um lado, estas subdis-ciplinas tendem cada vez mais a autonomizar-se e mesmo a en-trar pelos campos das disciplinas vizinhas, mostrando a fluidezdas fronteiras cientficas, por outro, nunca as relaes entre os di-ferentes campos semiticos foram cientificamente tratadas comoacontece hoje. Os sculos passados forneceram excelentes anli-ses sintcticas e semnticas, mas s no sculo XX as relaes en-tre os campos sintctico e semntico foram cientificamente tema-tizadas. Quanto ao campo pragmtico, ainda que de certo modotematizado na retrica clssica, s no nosso tempo viu reconhe-cida a sua crucial importncia para toda a semitica.

    A sistematizao da semitica enquanto acto cientfico acom-panhada obviamente por uma compendiao escolar da mesma.Os manuais de semitica, as obras de introduo, multiplicam-se.

    A semitica estabeleceu-se definitivamente como disciplina curri-cular de diversos cursos superiores. Esta a imagem mais visvelda sistematizao da semitica e que, last but not least, a justificacomo cincia do sculo XX, apesar da sua tradio milenar31.

    2. Semitica e semiologia: Dois nomes paraduas tradies

    No raros so os autores que identificam objectivamente semi-

    tica e semiologia32. Oriundos do mesmo timo grego semeion,os dois termos, o primeiro mais utilizado pelos anglo-saxnicos e

    31Esta tradio reconhecida pelo prprio Morris ao lanar os fundamentosda semitica enquanto cincia: "A semitica tem uma longa tradio, e seme-lhana de todas as outras cincias deveria manter viva a sua histria."ibidem,p. 55.

    32Por exemplo, Naves,La Semiologia, Madrid: Editorial Sintesis, 1989, p.7,Guiraud, ibidem, p.9.

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    o segundo pelos europeus, sobretudo pela escola francesa, desig-nam a cincia dos signos. No entanto, autores h que vislumbramna diferena terminolgica diferenas objectivas. As diferenasentre semiologia e semitica tm sido tematizadas sobretudo noconfronto entre os respectivos fundadores contemporneos: Saus-sure e Peirce. Prado Coelho33 faz uma sntese dessas diferenas.A primeira reside logo no ponto de partida. "Saussure parte doacto smico entendido como facto social que estabelece, atravsdo circuito da fala, uma relao entre dois indivduos. Peirce,por seu lado, parte da ideia da semiosis concebida como uma l-gica do funcionamento do signo cuja compreenso apenas exigea interveno de uma personagem: o intrprete34."Associada diferena do ponto de partida est a diferena relativamente aoslimites das respectivas cincias dos signos. Ao partir do factosocial Saussure enquadra a semiologia dentro de uma psicologiasocial. "Isto significa, em primeiro lugar, que a semitica saus-sureana tem limites, e, depois, que existem objectos exteriores

    semitica, isto , no semiotizveis. (...) A perspectiva de Peirce outra: tudo integrvel no espao ilimitado da semiosis; donde, asemitica peirceana no tem limites35."A terceira diferena, e tal-vez a mais importante, reside nas diferentes concepes de signo."Saussure concebe o signo como uma entidade psquica com duasfaces, em que significante e significado se condicionam mutua-mente. Em Peirce, o signo fundamentalmente um processo demediao, e abre, portanto, para uma dimenso de infinitude36."

    Com efeito, a diferente concepo de signo que, segundoJeanne Martinet 37, distingue a semitica americana da semiolo-

    gia europeia. A semitica americana tende a ver apenas no signouma identidade de face nica, ao passo que a semiologia estuda

    33Eduardo Prado Coelho, Os Universos da Crtica, Lisboa: Edies 70,1987, pp. 501-505.

    34Ibidem, p. 502.35Ibidem, p. 503.36Ibidem, p. 503.37Jeanne Martinet, Chaves para a Semiologia, Lisboa: D.Quixote, 1983

    (1974), p.159-160.

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    os sistemas de unidades de duas faces. Na esteira de Saussure,os semilogos europeus entendem por signo a entidade signifi-cante/significado, em que qualquer significante por mais com-plexo ou mediato que seja tem sempre como correlato ltimo umsignificado. Em contrapartida, os semiticos americanos conce-bem o signo apenas como significante que remete sempre para umoutro significante numa cadeia sgnica interminvel.

    H inegavelmente diferenas entre a semiologia enquanto tra-dio da semitica europeia contempornea e a semitica enquantotradio da semitica anglo-saxnica contempornea38. UmbertoEco fala mesmo de tericos da primeira gerao e tericos da se-gunda gerao . "Os tericos da primeira gerao partem de Saus-sure e defendem uma lingustica da frase e do cdigo. Os tericosda segunda gerao39 partem de Peirce e caracterizam-se pela ca-pacidade de articularem um estudo da lngua como sistema estru-turado que precede as actualizaes discursivas e um estudo dosdiscursos e dos textos como produtos de uma lngua j falada40".

    As diferenas objectivas entre semiologia e semitica assen-tam em duas tradies diferentes: a tradio lingustica e a tradi-o filosfica. Esta a posio defendida por Jrgen Trabant41.Enquanto os trabalhos semiolgicos que se inserem na tradio

    38Cf Adriano Duarte Rodrigues, Introduo Semitica, Lisboa: Presena,1991, captulos 4 e 9.

    39Umberto Eco,Lector in fabula, Lumen: Barcelona, 1981, citado por PradoCoelho, ibidem, p. 502.

    40Prado Coelho,ibidem.41"Os trabalhos que consideramos actualmente integrados no campo da Se-

    mitica relevam de duas tradies cientficas diferentes. A primeira a Filoso-

    fia: desde os tempos de Plato e Aristteles, passando pelos esticos, por StoAgostinho, pela escolstica, por Locke, Leibniz, Wolff, Lambert, Hegel, Bol-zano, e at aos nossos dias, com Frege, Wittgenstein, Husserl, Carnap e Morris para citar apenas alguns nomes que a reflexo filosfica incide sobre ossignos e, especialmente sobre os signos lingusticos.

    A outra origem da Semitica a Lingustica europeia moderna, que, comotodas as disciplinas cientficas actuais, tem as suas razes na filosofia, mas setornou mais ou menos independente da Semitica filosfica devido acodo fundador da Lingustica europeia moderna; Ferdinand de Saussure, e, com

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    de Saussure consistem numa aplicao analgica dos processos eprincpios da Lingustica a outros domnios da cultura42, a semi-tica filosfica praticada pelos anglo-saxnicos, ao estudar o papelda linguagem no conhecimento e, em consequncia, ao abordaro problema de uma linguagem das cincias , visa sobretudo ela-borar uma teoria geral da linguagem enquanto parte integrante deuma teoria do conhecimento.

    Ao carcter emprico da investigao semiolgica, ope-se oformalismo analtico da teoria semitica.

    As tradies diferentes da semitica no pem todavia emcausa a sua unidade. No existe uma semiologia a par de uma se-mitica. Com contributos importantes e decisivos, nomeadamenteos provenientes da filosofia de Wittgenstein e da teoria dos ac-tos de fala, a semitica filosfica influenciou determinantemente alingustica e tem vindo a afirmar-se como o paradigma semitico. generalizao efectiva do termo semitica corresponde tambma absoro da semiologia lingustica pela semitica filosfica. De

    qualquer modo, necessrio que a semitica contempornea te-nha sempre presente a sua dupla origem: a lgico-filosfica e alingustica.

    os trabalhos de Jakobson, Trubetzkoy e Hjelmslev, abriu caminho a diversosramos de investigao semitica."Jrgen Trabant, ibidem, pp. 13-14.

    42Ver Brent,ibidem, p. 326.

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    Parte I

    A origem lgica da semitica

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    Introduo

    As fronteiras entre a semitica, a lgica, a filosofia analtica, a fi-losofia da linguagem, a filosofia dos signos (Zeichenphilosophie)no so fceis de traar. Em todas estas disciplinas encontramosquestes comuns e muitas vezes mesmo difcil encontrar dife-renas na maneira como as abordam. Questes de sintaxe e desemntica, por exemplo, so comuns a todas elas e no existemcritrios definidos para atribuir esta ou aquela anlise sintcticaou semntica a determinada disciplina.

    Contributos decisivos da filosofia do sculo XX, como sejamas filosofias de Wittgenstein, o positivismo lgico e a "ordinarylanguage philosophy", as investigaes lgicas de Tarski e Car-nap, tanto no mbito da sintaxe como da semntica, a teoria dosactos de fala de Austin e Searle, e outros, reflectem-se nas disci-plinas citadas e nenhuma destas disciplinas pode reivindicar parasi a exclusividade de tais contributos.

    Mais do que campos bem delimitados defrontamo-nos aquicom acentos, perspectivas, estratgias, provenincias diferentes. talvez um mesmo campo atravessado por pistas que se cruzam,

    que seguem por vezes o mesmo percurso e depois se separam, quecaminham em paralelo, mas influenciando-se umas s outras.

    Se quisermos encontrar uma identidade deste campo, e o mes-mo dizer, apurar o factor comum a todas as disciplinas enunci-adas, poderamos apontar a crena e a preocupao de clarificaro pensamento atravs dos meios em que esse pensamento se pro-cessa e se exprime.

    Restritamente, quer isto dizer que o pensamento s pode ser

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    analisado em termos de linguagem. Trata-se antes de mais da su-perao das filosofias da conscincia (Descartes, Kant, Husserl)que buscavam na imanncia do vivido a verdade das ideias. Ainteleco geral das diferentes corren-tes do pensamento contem-porneo a de que a objectividade cientfica tem de assentar napositividade da lngua. A lngua o meio em que surge e se de-senvolve todo o pensamento e fora do qual pura e simplesmenteno h pensamento. Nisto reside o celebrado "linguistic turn"dafilosofia recente. Mais precisamente ainda, diremos que a estru-tura do pensamento s acessvel atravs da anlise da estruturada frase e da lngua.

    Em termos mais latos, o pensamento entendido como umprocesso simblico. No se trata apenas de tematizar as lnguaspositivas em que o pensamento efectivamente se concretiza, mastambm de analisar os elementos e os processos simblicos reaise possveis.

    Estudar uma disciplina que radica na crena apontada, exige a

    clarificao desse enraizamento e ao mesmo tempo que se consi-derem as disciplinas adjacentes tambm radicadas nesse campo.No caso da semitica, tal como se realiza em Charles SandersPeirce, no h dvida que a melhor via para a determinar o m-bito, o objecto, a inteno e o mtodo, averiguar as suas relaescom a lgica.

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    Captulo 1

    Bolzano, Frege e Husserl

    Peirce um lgico. No obstante a diversidade dos seus escritos,Peirce compreendia-se a si mesmo como um lgico e o cerne doseu labor intelectual est indubitavelmente nas suas investigaeslgicas. Apesar disso, na maior parte das apresen-taes do seu

    pensamento, toma-se Peirce como ponto de partida do pragma-tismo americano e como um dos pais da semitica contemporneasem o relacionar com a tradio lgica em que se insere. Sabe-mos que efectivamente Peirce se considerava como pioneiro nosseus estudos e que a admitir precursores esses eram o Aristteleslgico, no o metafsico ou o fsico, e Leibniz.1 Mas quem olharpara a obra de Peirce de um ponto de vista histrico e no sim-plesmente imanente, verificar que ela tem pontos comuns comcorrentes filosficas europeias da poca, nomeadamente com ascorrentes iniciadas por Frege e Husserl. Alis, convm lembrarque Peirce dominava o alemo e se correspondia com cientistasalemes, nomeada-mente com o lgico Gerhard Schrder.

    Gottlob Frege geralmente considerado o pai da filosofia ana-ltica e Edmund Husserl o grande iniciador do movimento fe-nomenolgico. Um e outro desenvolveram a sua obra partindo deconsideraes lgicas. A proximidade temtica entre eles e Peirce inquestionvel. A introduo do nome de Bolzano justifica-se

    1Ver Brent,ibidem. p. 326.

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    pelo seu importante papel na lgica do sculo XIX e pela influn-cia exercida sobre a semitica de Husserl. Contudo, a razo prin-cipal para citar os nomes de Bolzano, Frege e Husserl, reside natese comum a todos eles de que as ideias no so nada de psico-lgico e de que, portanto, a anlise do pensamento s possvelmediante uma anlise da linguagem.2

    1.1 Bolzano e a importncia dos signospara a lgica

    Por trs vezes aborda Bolzano na Wissenschaftslehrea temticados signos. A primeira vez logo no primeiro volume (52) eincide sobre a questo se as representaes so ou no signosdos objectos representados. A Bolzano esclarece que o termosigno tem dois significados e que nenhum deles permite afirmarque uma representao seja o signo do objecto representado. Por

    signo pode i) entender-se qualquer objecto de que nos servimospara atravs da sua representao despertar uma outra representa-o associada primeira ou ento ii) uma caracterstica ou quali-dade que, ao darmo-nos conta dela, nos leva a inferir uma outraquali-dade ou uma outra coisa. No primeiro caso signo significaum objecto, no segundo uma qualidade ou caracterstica de umobjecto.

    Mas no terceiro volume daWissenschaftslehreque Bolzanoanalisa mais profundamente o conceito de signo e salienta o papeldos signos no pensamento lgico. A Bolzano trata dos signos

    uma vez a propsito da "assinalao das nossas representaes"32"Ist der von Bolzano und anschliessend von Frege, Meinong und Hus-

    serl vollzogene Anfangsschritt, durch den die Gedanken aus der Innenwelt derBewusstseinserlebnisse verstossen werden, erst einmal getan, ist der zweiteSchritt die Auffassung, wonach die Gedanken durch die Sprache nicht nurbertragen, sondern erzeugt werden praktisch kaum zu vermeiden."MicahelDummet, Ursprnge der analytischen Philosophie, Frankfurt: Suhrkamp, p.37.

    3"285. Bezeichnung unserer Vorstellungen", pp.67-78.

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    e outra vez relativamente associao das nossas representaesfeita propositadamente com signos e aos benefcios de uma talassociao 4 e s caractersticas desses signos 5 .

    Quanto assinalao das representaes, Bolzano funda-mentana unidade do esprito a possibilidade de suscitar certas represen-taes, em si difceis de representar, mediante outras representa-es mais fceis de ter que esto associadas s primeiras. nestecontexto que Bolzano volta a definir signo como um "objecto deque nos servimos com o objectivo de mediante a sua representa-o despertarmos num ser pensante uma outra representao as-sociada a ela"6 . O significado do signo a representao assina-lada ou o objecto dessa representao7 . Bolzano faz a distinoentre significado e sentido do signo. O significado de um signodistingue-se do sentido, na medida em que o significado do signo apenas aquela representao que ele se propunha despertar enormalmente desperta e nenhuma outra. O sentido do signo, pelocontrrio, representao que visamos num caso particular. por

    esta razo que algum pode usar um signo num sentido oposto aoseu significado real.

    Bolzano apresenta aqui j uma classificao dos signos: i)signos gerais se determinados objectos so utilizados por todosos homens para assinalar as mesmas representaes; ii) signosnaturais se a sua assinalao de certas representaes reside nanatureza do homem; iii) signos ocasionais se essa assinalao re-side numa circunstncia particular; iv) signos arbitrrios se essaassinalao no tem outro fundamento alm da vontade de ser

    4"334. Verknpfung unserer Vorstellungen mit zweckmssigen Zeichen.

    Vorteile dieser Verknpfung", pp. 355-358.5Cf 335-344, pp. 358-377.6"Ein Gegenstand, dessen wir uns zu einem solchen Zwecke bedienen, d.h.

    durch dessen Vorstellung wir eine andere in einem denkenden Wesen mit ihrverknpfte Vorstellung erneuert wissen wollen, heisst uns ein Zeichen."p. 67.

    7Bolzano no faz a diferena entre representao assinalada e o objecto darepresentao assinalada. Aos dois chama significado do signo. Mas bvioque se tratam de coisas diferentes. A confuso surge dada a definio de signose basear no conceito de representao.

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    pensante; v) signos simples aqueles que no so compostos poroutros com assinalaes prprias; vi) signos compostos quandose compem de signos com significados prprios; vii) signos un-vocos e signos equvocos; viii) signos com significados prpriose signos com significados imprprios; ix) signos directos e signosindirectos.

    Quanto concatenao das representaes mediante signos,Bolzano considera que tal se trata de um mtodo extremamenteimportante na obteno de ideias claras e na construo de umpensamento rigoroso 8 . As vantagens desse mtodo so vrias.Primeiro, atravs da simples atribuio de um signo adequado auma representao acontece frequentemente que sendo ela umarepresentao obscura se transforma numa representao clara.Segundo, nos casos em que por comodidade nos servimos dos sig-nos em vez das representaes podemos sempre passar do signopara a representao assinalada e obtermos desse modo a desejadaclareza. Terceiro, s atravs da associao das nossas representa-

    es a signos possvel conseguir um domnio completo sobreelas, nomeadamente suscit-las sempre que quisermos. que muito mais fcil ter uma representao do signo enquanto objectosensvel do que a respectiva representao assinalada. Os sig-nos permitem um acesso mais fcil e cmodo s representaes.Quarto, ao produzirmos os signos (sons, figuras, etc.), ganhamosuma destreza tal nos processos fisiolgicos da sua produo quesempre que repetimos estes processos a representao do signosurge de novo. Quinto, sobretudo a fixao de representaescomplexas extremamente facilitada com a utilizao de signos

    simples. Caso no existisse o signo como factor de ligao, fa-cilmente nos escapariam este ou aquele componente da represen-tao. Sexto, se os signos forem objectos duradoiros do mundoexterior, por exemplo figuras, caracteres, e os produzirmos real-mente no nos quedando pela sua representao, como quandoescrevemos os nossos pensamentos, ento ficamos em condiode reproduzir estes pensamentos sempre que quisermos, sujeit-

    8Cifrar 334.

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    los a novo exame, e retirar deles novas inferncias. deste modoque asseguramos os juzos feitos, possibilitamos a reflexo sobreeles e prosseguimos na descoberta de novas verdades. Tornando-se as cadeias de inferncia cada vez mais extensas e ficando asnovas concluses cada vez mais distantes das premissas iniciais,seria impossvel ret-las na memria. S com a ajuda da fixaopor escrito dessas cadeias podemos prolong-las mais e mais. S-timo, mediante a escrita podemos obter uma viso de conjunto dasverdades j obtidas sobre determinado objecto e desse modo apu-rar novas verdades. Oitavo, mesmo uma associao arbitrria econtingente de signos pode originar novas representaes e assimlevar-nos a novas verdades. Nono, ao fixarmos os nossos pen-samentos atravs de signos compreensveis a outros, ficamos emcondies de sujeitar os nossos juzos e as suas razes ao examede outras pessoas.

    A estas vantagens, que se cingem utilizao dos signos pelapessoa e para si prpria, e apenas em vista descoberta de novas

    verdades, haveria a juntar as inmeras vantagens decorrentes dacomunicao das ideias entre as pessoas.

    As caractersticas que os signos devem possuir de modo a ser-virem de instrumento reflexo prpria so segundo Brentano asseguintes 9 : i) os signos tm de ser objectos sensveis; ii) fceisde representar em qualquer lado; iii) tem de haver uma relao es-treita entre a representao do signo e a representao assinalada;iv) no provocarem a confuso com outras representaes prxi-mas. Quanto s propriedades que os signos devem ter de modoa preservar os nossos pensamentos elas so 10: i) os signos tm

    de ter uma durao suficiente; ii) serem facilmente reconhecidosem toda a parte; iii) nunca possurem vrios significados fceisde confundir; iv) e no serem semelhantes a outros signos queexprimem representaes diferentes.

    Os contributos de Bolzano para a semitica no residem, comose v, numa tematizao prpria da problemtica semitica. Bol-

    9Cifrar 335-338.10Cifrar 339-342.

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    zano no desenvolvestrictu sensuuma lgica dos signos. Para eleo estudo dos signos mais do que um captulo da doutrina da cin-cia, constitui uma propedutica dessa disciplina 11. Os mritos deBolzano esto, primeiro, no facto de salientar de um modo muitoclaro a importncia dos signos para a lgica e de, desse modo, as-sociar intimamente o estudo da lgica ao estudo dos signos, e emsegundo lugar, no rigor das anlises dos signos acima referidas.Esse rigor tornou-se modelar para os pensadores que neste campose lhe seguiram.

    1.2 Frege e a distino entre significado ereferncia

    O lugar de destaque que Gottlob Frege ocupa na histria da l-gica hoje incontestvel. A sua teoria dedutiva ou clculo con-siderada a "maior realizao alguma vez alcanada na histria da

    lgica"12.Alm disso, no s apresentou a ideia de que a matemtica

    se inclui na lgica, como mostrou em pormenor como que algica se desenvolve na aritmtica. Mas a importncia de Fregeno se limita lgica, ela estende-se a toda a filosofia. A filosofiaque hoje se apelida, no muito correctamente, de anglo-saxnica,a filosofia analtica e a filosofia da linguagem, considera Fregecomo um dos seus fundadores13. Frege poderia ser, com efeito,um grande lgico, sem ser um grande filsofo. Porm, as con-sequncias que os seus trabalhos lgicos tiveram na filosofia em

    geral foram to vastas e profundas e o seu mtodo de anlise e11"jene Regeln, nach denen wir bei der Bezeichnung unserer Vorstellun-

    gen fr den Zweck des eigenen Nachdenkens vorzugehen haben, in der Lehrevom wissenschaftlichen Vortrage schon als bekannt vorausgesetzt werden ms-sen."334.

    12Ver William Kneale e Martha Kneale,O Desenvolvimento da Lgica, Lis-boa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1972, p. 441.

    13Sobre este item cifrar Michael Dummet, Ursprnge der analytischen Phi-losophie, Frankfurt: Suhrkamp, pp. 11-39.

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    de exposio foi de tal modo exemplar para as outras disciplinasfilosficas que considerado justamente um dos maiores filsofoscontemporneos.

    De capital importncia para a lgica e para toda a filo-sofiado sculo XX sem dvida o artigo de Frege de 1892 sobre osignificado e a referncia. Gnther Patzig considera este artigocomo uma das fontes principais da semntica moderna 14. Neledistingue Frege com extrema clareza as dimenses referencial esignificativa dos signos 15 .

    O ponto de partida de Frege est na questo sobre a igual-dade. a igualdade uma relao de objectos ou uma relao denomes ou signos de objectos? Frege defende que a igualdade uma relao de signos. Ele argumenta do seguinte modo: as pro-posies "a = a"e "a = b"possuem valores cognitivos diferentes;enquanto a primeira , em linguagem kantiana, um juzo analticoque nada de novo nos ensina, a segunda representa bastas vezesuma importante ampli-ao do conhecimento. A descoberta de

    que o mesmo sol, e no um novo, que cada manh nasce cons-titui um dos conhecimentos de maior alcance na astronomia. Orase a igualdade fosse uma relao entre objectos isto , entreaquilo que "a"e "b"se referem ento "a = a"e "a = b"no seriamproposies diferentes. que nesse caso, apenas se afirmaria arelao de igualdade de um objecto consigo mesmo. Mas issono nos traria um novo conhecimento. Aqui h que introduzir umnovo elemento. Para alm da referncia deve-se considerar o sig-nificado do nome ou do signo. O significado consiste na formacomo o objecto dado. A mais valia cognitiva da proposio

    "a = b"relativamente a "a = a"reside justamente em "a"e "b"sereferirem de modo diferente ao mesmo objecto. Tm significa-dos diferentes e uma mesma referncia. "A estrela da manh"no

    14"In diesem Aufsatz [Sinn und Bedeutung] darf man eine der wichtigstenhistorischen Quellen der modernen Semantik sehen."Gnther Patzig na intro-duo a Gottlob Frege, Funktion, Begriff, Bedeutung. Fnf logische Studien,(org. G.Patzig), Goettingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1980, (p.4).

    15Utiliza-se aqui a edio referida na nota anterior deste artigo de Frege.

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    significa o mesmo que "a estrela da noite"mas ambas as expres-ses referem o mesmo objecto. Por estrela da manh entende-se(significa-se) o ltimo astro a desaparecer do cu com a aurora, aopasso que por estrela da noite entende-se o primeiro astro a apa-recer no firmamento ao entardecer. Num e noutro caso designa-seo planeta Vnus.

    O significado de um nome ou signo apreendido por quemconhece a lngua ou o conjunto dos signos em que esse signo seenquadra. Normalmente um signo tem um significado e a essesignificado corresponde uma referncia. O mesmo significado ea correspondente referncia tm em diferentes lnguas diferentesexpresses.

    Nem sempre a um significado corresponde uma referncia. Aexpresso "o corpo mais afastado da Terra"tem certamente umsignificado, mas questionvel se ela refere algum objecto.

    Frege sublinha enfaticamente que o significado no uma re-presentao subjectiva. O significado objectivo. A representa-

    o que uma pessoa faz de um objecto a representao dessapessoa e diferente das representaes que outras pessoas tm domesmo objecto. A representao de uma rvore, por exemplo, va-ria de pessoa para pessoa, e isso torna-se bem patente quando lhespedimos para desenhar uma rvore. Cada uma far um desenhodiferente. O significado de rvore, em contrapartida, comum atodos aqueles que o apreendem.

    Mas a distino entre significado e referncia no se restringeaos nomes prprios, entendendo-se aqui por nomes prprios quais-quer designaes como sejam "Aristteles", "o professor de Ale-

    xandre o Grande", "4", "2+2". Segundo Frege, tambm as propo-sies tm um significado e uma referncia. O significado de umaproposio o pensamento ou a ideia que ela exprime. Admi-tindo que uma proposio tem uma referncia, a substituio deum seu elemento por um outro com a mesma referncia, no alte-rar a referncia da proposio. No entanto, o sentido poder sermuito diferente. As proposies "a estrela da manh um planetailuminado pelo sol"e "a estrela da noite um planeta iluminado

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    pelo sol"exprimem ideias diferentes de tal modo que algum podeaceitar uma e negar a outra. Em termos de referncia nada, porm,se modificou. Se a ideia expressa pela proposio constitui o seusignificado, ento qual a sua referncia? A questo importantena medida em que em muitas frases com significado o sujeito notem referncia. A frase "Ulisses aportou a taca enquanto estavaa dormir" certamente uma proposio com significado, emborano se possa garantir que Ulisses tenha uma referncia. Alis,tenha ou no tenha "Ulisses"uma referncia, o significado da pro-posio no se altera. A questo ainda mais evidente na frase"Um crculo quadrado uma impossibilidade geomtrica". "Cr-culo quadrado"no designa manifestamente nada, mas a frase cheia de significado. Tem aqui cabimento perguntar se uma pro-posio no ter apenas significado. Frege responde que se assimfosse, isto , que se uma proposio tivesse apenas significado,ento no faria sentido investigar a referncia de um dos seus ele-mentos, pois que bastaria o significado desse elemento. Ora o que

    efectivamente se passa, que em regra preocupamo-nos com sa-ber se um elemento da frase tem ou no referncia. Sendo assim,ento teremos de admitir que tambm as proposies tm refern-cia. Ademais o valor do pensamento expresso na proposio de-pende da referncia dos seus elementos. Esse valor justamenteo valor de verdade da proposio.

    Quando se trata de fico mitolgica ou literria o nosso inte-resse prende-se exclusivamente ao significado das proposies. irrelevante se os nomes prprios integrantes nas proposies tmou no referncia. Porm, quando no se trata de fico, ento

    a questo referencial dos elementos da proposio fundamentalpara aquilatar da verdade da proposio. justamente no respec-tivo valor de verdade que Frege v a referncia de uma proposi-o. Valor de verdade de uma proposio significa to somenteo facto dessa proposio ser verdadeira ou falsa. No havendooutros valores de verdade que a verdade e a falsidade, conclui-seque toda e qualquer proposio tem como referncia ou o verda-

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    deiro ou o falso. Todas as proposies verdadeiras tm a mesmareferncia, o verdadeiro, e todas as falsas o falso.

    O que ficou dito aplica-se s proposies principais, que po-dem ser consideradas tambm como nomes prprios, como desig-naes da verdade ou da falsidade. Quanto s proposies acess-rias o caso diferente. Considerem-se as proposies integrantescomeadas por "que". Nestes casos h que distinguir entre re-ferncia directa e indirecta. Quando algum se quer referir aosignificado das palavras e no aos objectos por estas designados,ento essa referncia indirecta. Assim, quando uma pessoa citaem discurso directo as palavras de uma outra pessoa, as prpriaspalavras referem-se s palavras do outro e s estas ltimas quetm a referncia habitual. A referncia directa consiste, portanto,nos objectos designados, a indirecta no significado habitual daspalavras ou dos signos. As frases integrantes tm uma refernciaindirecta, isto , a sua referncia coincide com o seu sentido ha-bitual e no com o respectivo valor de verdade. assim que o di-

    ferente valor de verdade das proposies acessrias no modificao valor de verdade da proposio principal no exemplos seguin-tes: "Coprnico julgava que as rbitas dos planetas eram circu-lares"e "Coprnico julgava que a iluso do movimento solar eraprovocada pelo movimento real da terra". Ambas as proposiescitadas so verdadeiras, embora no primeiro caso a referncia di-recta da proposio acessria seja falsa. S que no se trata aquide avaliar se o juzo de Coprnico estava correcto ou errado, massim se efectivamente ele julgava isso. A questo no se prende,portanto com a referncia, mas com o sentido da frase. Por isso

    mesmo, a primeira proposio to verdadeira como a segunda.A importncia das investigaes de Frege sobre o significadoe a referncia para a semntica em particular e para a semiticaem geral reside em pela primeira vez se associar a questo da ver-dade questo do significado. As teorias clssicas da verdadecomo correspondncia partiam do significado como algo dado partida. No questionavam o significado da proposio cuja ver-dade cabia investigar, ou melhor, julgavam que era possvel inqui-

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    rir o significado de uma proposio independentemente de sabero que que a tornava verdadeira ou falsa. Ora o mrito de Fregeconsiste justamente em ter mostrado que impossvel apreender osignificado de uma frase sem reconhecer as condies da sua ver-dade. S em conjunto possvel explicar as noes de verdade esignificado, justamente enquanto elementos de uma mesma teoria16.

    1.3 Husserl ou da aritmtica fenomeno-logia

    i) O pequeno tratado de Husserl sobre semitica, a lgica dos si-nais, data de 1890 e insere-se no conjunto de estudos de Husserlsobre a fundamentao da aritmtica, em que sobressai a obraFi-losofia da Aritmtica. Investigaes Lgicas e Psicolgicas17 de1891. Da que fosse publicado na obra completa de Husserl como

    um complemento Filosofia da Aritmtica: Husserliana XII, pp.340-373. A citada Filosofia da Aritmticade 1891 retoma e de-senvolve a tese da habilitao acadmica "Sobre o conceito do n-mero. Anlises psicolgicas"18 de 1887. A inteno declarada deHusserl, neste perodo, a de, por um lado, levar a cabo "uma an-lise dos conceitos fundamentais da aritmtica"e, por outro, proce-der a "uma explicao lgica dos seus mtodos simblicos"19.

    ii) Husserl declara numa nota de rodap da Filosofia da Arit-mticadever ao seu mestre Franz Brentano a inteleco da suma

    importncia das representaes imprprias ou simblicas para a16Sobre este tema cifrar o cap. 3 "Wahrheit und Bedeutung"da obra referida

    de Michael Dummet.17Philosophie der Arithmetik. Logische und Psychologische Unter-

    suchungen. Husserliana (Hua) XII, pp. 1-283.18"ber den Begriff der Zahl. Psychologische Analysen", tambm publicada

    como complemento em Hua XII, pp. 289-33919Hua XII, p.287.

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    vida psquica 20. Tambm aqui como em outros aspectos a in-fluncia de Brentano sobre Husserl decisiva. No foi sem razoque Husserl lhe dedicou "com profundo agradecimento"aFiloso-fia da Aritmtica. Ser bom, por conseguinte, apresentar, aindaque em traos algo largos, alguns tpicos do labor filosfico deBrentano que mais tocam a questo das representaes simbli-cas.

    Brentano distinguiu-se na Histria da Filosofia sobretudo peladistino entre a psicologia gentica e a psicologia descritiva. En-quanto a psicologia gentica se ocupa da gnese dos fenmenospsquicos, averiguando as suas causas e estudando os seus efeitos,a psicologia descritiva procura dar-se conta antes de mais da natu-reza e estrutura desses mesmos fenmenos. A primeira visa expli-car causalmente, a partir de hipteses, a vida psquica, mas essaexplicao s possvel aps uma exacta descrio, pela segunda,dos fenmenos a explicar. A psicologia descritiva tem como ta-refa clarificar intuitivamente os conceitos utilizados na explicao

    psicolgica, da que assuma uma funo fundante relativamente psicologia gentica. Brentano introduz na psicologia a mximaque Gustav Robert Kirchhoff e Ernst Mach aplicaram na mec-nica, a saber, eliminar todos os conceitos no obtidos descritiva-mente numa experincia directa.

    A distino de Brentano vai sobretudo contra a psicologia as-sociativa, a corrente psicolgica dominante no sculo XIX. Naesteira de Johann Friedrich Herbart, a psicologia associativa con-cebia a vida psquica como um mecanismo cego das representa-es 21. O que se passava ao nvel do consciente era explicado

    20"Auf den Unterschied zwischen "eigentlichen"und "uneigent-lichen"oder"symbolischen"Vorstellungen hat Fr. Brentano in seinen Universittsvorlesun-gen von jeher den grten Nachdruck gelegt. Ihm verdanke ich das tiefereVerstndnis der eminenten Bedeutung des uneingentlichen Vorstellens fr un-ser ganzes psychisches Leben, welche vor ihm, soweit ich sehen kann, niemandvoll erfat hat."Hua XII, p. 193.

    21Sobre este assunto, ver em Antnio Fidalgo, O Realismo da Fenomenolo-gia de Munique, Braga, 1991, o cap. "O Mecanismo Associativo da Alma",pp. 47-63.

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    por processos psquicos inconscientes. Ora o recurso sistemtico,feito pela psicologia associativa, ao inconsciente abria a porta arbitrariedade total na medida em que se tratavam de processosinverificveis, de puras hipteses congeminadas sem o menor fun-damento objectivo. Ou seja, como as explicaes psquicas eramremetidas para o inconsciente, no havia qualquer forma de apurara sua objectividade. Brentano pe fim aos desmandos da psico-logia associativa que, na nsia de aplicar o modelo mecanicista alma tal como a fsica newtoniana o aplicava ao universo22, nose coibia de compreender as representaes como peas de ummecanismo que se empurravam, condicionavam e obstruam nomesmo espao psquico.

    O mtodo descritivo de Brentano possibilitava quebrar o mo-nismo tpico da psicologia associativa. Consistia esse monismoem admitir unicamente contedos da conscincia. As sensaes,as representaes, os sentimentos, no seriam mais que o seu con-tedo. Assim, por exemplo, na audio de um som, o som ouvido

    seria o nico dado da conscincia. Da audio propriamente dita,isto , do acto psquico, no haveria qualquer experincia. Osdados directos da conscincia reduzir-se-iam aos contedos ps-quicos. As actividades da conscincia, o sentir, percepcionar, etc.,seriam to s produtos segundos da reflexo causal sobre os da-dos imediatos 23. Brentano mostra que h uma conscincia indi-recta das actividades psquicas. Na sua obra capital, Psicologiado Ponto de Vista Emprico, de 1874, considera impossvel umaobservao directa dos fenmenos psquicos: "quem quisesse ob-servar a ira que nele arde, depararia com ela j fria e o objecto da

    22"Neben die Mechanik der ueren Natur tritt die Mechanik der Seele. VonHerbart rhmten seine Schler, er habe mehr geleistet als Newton mit seinerMechanik des Himmels, da die Seele soviel hher stehe und komplizierter seials die Krperwelt."Michael Landmann, Philosophische Anthropologie, Ber-lim: Gruyter, 19825, p.105.

    23Cf. Fidalgo, "Pfnders Weg vom Monismus zur Phnomenologie"in KarlSchuhmann, Categories of Counsciousness. The Descriptive Psychology of

    Alexander Pfnder, Dordrecht, Nijhoff.

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    observao teria desaparecido"24 , mas defende que a percepointerna se exerce "em oblquo". No por uma deduo hipotticaque chegamos s actividades psquicas, como afirmavam os her-bartianos, mas sim pela experincia. Nas lies de Brentano de1888 a 1890 25 , surge uma passagem sobre as representaes quefazem as vezes de outras (stellvertretende Vorstellungen). Bren-tano chama a ateno para o facto de certas representaes assina-larem outras apesar de serem diferentes. assim que, ao vermosde cima o tampo de uma mesa redonda, dizemos que a mesa redonda e de no mudarmos de juzo quando a vemos de lado.A relao entre as duas representaes, pela qual uma assinala aoutra, designa-a Brentano de convertibilidade. O que cabe a umarepresentao cabe outra e o que se associa a uma associa-sefrequentemente outra. Em suma, Brentano abre com o mtododescritivo todo um novo campo anlise psicolgica. H muitomais fenmenos psquicos para ver e descrever do que a psicolo-gia associativa alguma vez julgou.

    Os discpulos de Brentano aplicaram, com xito assinalvel, onovo mtodo a campos muito diversos de investigao. Refiram-se os trabalhos de Anton Marty na filosofia da lingua-gem, os deCarl Stump na psicologia emprica, os de Alexius Meinong naontologia, os de Christian von Ehrenfels na morfologia, os de Ka-simir Twardowski na lgica e os de Husserl na fenomenologia.

    iii) Do mesmo ano do tratado de Husserl sobre semitica datao estudo pioneiro de Christian von Ehrenfels sobre a morfologia(teoria daGestalt)26 . Ora possvel traar um certo paralelismo

    entre as qualidades morfolgicas de Ehrenfels e as representaessimblicas de Husserl e, desse modo, situar melhor o tratado deHusserl sobre semitica na escola brentanista. Alis num estudo

    24Brentano, Psychologie vom empirischen Standpunkt, Hamburgo: Meiner,p.41.

    25Brentano,Deskriptive Psychologie, Hamburgo: Meiner, 1982, pp. 67-69.26Ehrenfels, "ber Gestaltqualitten"in Vierteljahrschrift fr wissenschaf-

    tliche Philosophie14, pp. 249-292.

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    de 1893 "Intuio e Representao"27, Husserl aborda a mesmaproblemtica do artigo de Ehrenfels: como possvel perceber aunidade de um contedo complexo como o caso da melodia, seo que dado imediatamente conscincia so intuies de dife-rentes sons. Tanto em Ehrenfels como em Husserl a questo , nofundo, acerca das representaes indirectas.

    Com as qualidades morfolgicas, Ehrenfels tenta responder pergunta sobre se a "melodia"consiste numa simples associa-o de elementos ou se em algo novo face a estes, que acompa-nha efectivamente essa associao, mas, no entanto, dela distinta.Dito de outra maneira, uma melodia composta den sons, ouvidapor um indivduo, representa algo mais que os mesmos sons nou-vidos singularmente por n indivduos? Ou ento, o todo igual soma das suas partes ou mais que essa soma? Ehrenfels nega oatomismo psquico que apenas admite a existncia de elementos.As qualidades morfolgicas so o elemento novo que se junta aoselementos singulares para que um todo seja possvel. Ehrenfels

    utiliza como argumento o facto da transposio meldica ou fi-gural para demonstrar que o todo no pode reduzir-se soma dassuas partes. Uma melodia, cantada numa tonalidade, pode con-ter sons (notas) completamente diferentes quando cantada numaoutra tonalidade. No entanto, permanece a mesma melodia, etodos os ouvintes reconhecero a sua identidade. Os elementosalteraram-se, mas o todo meldico permaneceu o mesmo. A con-cluso irrefutvel que a melodia algo diferente da soma dossons singulares em que se baseia 28. Mas Ehrenfels no limita ombito das qualidades morfolgicas aos elementos discretos de

    um complexo, como o caso dos sons da melodia, ele estende-otambm aos elementos contnuos, como o caso dos pontos deuma linha ou de um plano ou ainda dos momentos de um perodotemporal. A apreenso de um todo no ocorre sem a apreenso

    27Publicados em Hua XXII, Aufstze und Rezensionen(1890-1910)28"Hieraus geht unwiderleglich hervor, da die Melodie oder Tongestalt

    etwas Anderes ist, als die Summe der einzelnen Tne, auf welchen sie sichaufbaut."Ehrenfels, ibidem, p. 259.

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    das partes, mas no se reduz a ela. Daqui se extrai a seguinte de-finio: "Por qualidades morfolgicas entendem-se os contedosrepresentativos positivos que esto ligados existncia de com-plexos representativos na conscincia, que, por seu lado consis-tem em elementos separveis"29.

    Partindo das investigaes de Ehrenfels sobre as qualidadesmorfolgicas, Meinong introduz a noo de contedos fundados30. Estes so contedos psquicos que tm outros contedos, oscontedos fundantes, por base. Os contedos fundados esto de-pendentes dos fundantes, ao passo que estes so independentes.Deste modo, representaes fundadas e representaes indepen-dentes constituem uma disjuno completa, isto , todas as repre-sentaes ou so fundadas ou fundantes. Todas as complexes etodas as relaes so representaes fundadas. Fundadas nomea-damente nos seus elementos ou relata, mas - e isto que importaacentuar! - representaes conscientes e distintas, e no proces-sos inconscientes como defendia a psicologia associativa. Assim,

    por exemplo, representar as relaes de diferena ou de analogiaentre umx e umy, ou qualquer outra relao entre eles, significajustamente representar algo para alm dexe y. Algo que no seinfere, mas que se constata.

    So estas investigaes sobre contedos fundados que estarona origem da ontologia meinonguiana, da clebre teoria dos ob-jectos ou objectologia (Gegenstandstheorie). A noo crucial deobjectos de ordem superior, por exemplo, radica na de contedos

    29"Unter Gestaltqualitten verstehen wir solche positive Vorstellungsi-nhalte, welche an das Vorhanden-sein von Vorstel-lungs-komplexen im

    Bewutsein gebunden sind, die ihrerseits aus von einander trennbaren (d.h.ohne einander vorstellbaren) Elementen bestehen."ibidem, p. 262.

    30Meinong, "Zur Psychologie der Komplexionen und Relationen"em Zeits-chrift fr Psychologie und Physiologie der Sinnesorgane2, 1891, pp. 245-265.

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    fundados 31.

    iv) Tambm Husserl se ocupa altura das representaes queso mediadas por outras. As representaes simblicas ou im-prprias, tal como as define logo no incio da segunda parte daFilosofia da Aritmtica, so representaes atravs de signos 32.Quer isto dizer que toda a representao cujo contedo no fordirectamente dado conscincia uma representao indirecta ecomo tal simblica 33. s representaes simblicas ou impr-prias opem-se as prprias, a saber, aquelas em que o contedo dado imediatamente, como aquilo que ele . Da fachada exte-rior de uma casa, por exemplo, temos uma representao prpriaquando realmente a vemos. Mas j se trata de uma representaosimblica se algum nos der a caracterstica indirecta da casa aoindic-la como a casa da esquina de tal e tal rua. Neste caso ocontedo dado claramente por uma caracterstica que o marca eo distingue de todos os outros contedos.

    Husserl afirma que na descrio de um objecto h sempre atendncia para substituir a representao prpria, que por vezestambm designa por representao real (wirklich), pela represen-tao simblica 34. que as caractersticas da representao sim-blica permitem o reconhecimento posterior do objecto, podendo,desse modo, os juzos feitos na base das representaes simbli-cas ser aplicados ao prprio objecto. Por exemplo, afirmar que

    31Cf. Meinong, "ber Gegenstnde hherer Ordnung un deren Ver-hltniszur inneren Wahrnehmung"emZeitschrift fr Psychologie und Physiologie derSinnesorgane 21, 1899, pp. 182-272, e ber Gegenstandstheorie. Untersu-

    chungen zur Gegenstandstheorie und Psychologie, Leipzig: Barth, 1904.32"EinesymbolischeoderuneigentlicheVorstellung ist, wie schon der Namebesagt, eine Vorstellung durch Zeichen."Hua XII, p. 193.

    33"Ist uns ein Inhalt nicht direkt gegeben als das, was er ist, sondern nurindirekt durch Zeichen, die ihm eindeutig charakterisieren, dann haben wirvon ihm statt einer eigen-tlichen eine symbolische Vorstellung."ibidem.

    34"Jede Beschreibung eines anschaulichen Objekts hat die Tendenz, die wir-kliche Vorstellung desselben durch eine stell-vertretende Zeichen-vorstellungzu ersetzen."ibidem, p. 194.

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    um edifcio est muito bem situado um juzo que assenta nacaracterizao simblica do edifcio.

    Mas no s os objectos da intuio sensvel podem ser re-presentados simbolicamente; a simbolizao estende-se tambma conceitos abstractos e gerais. Uma determinada cor, por exem-plo o vermelho, pode ser impropriamente representada como acor a que correspondem tantas e tantas milhes de vibraes doter por segundo. Do mesmo modo, um tringulo, entendido pro-priamente como a figura geomtrica fechada, delimitada por trsrectas, pode ser representada impropriamente por qualquer outradeterminao que lhe seja exclusiva, por exemplo, como a figuracujos ngulos somados perfazem a soma de dois ngulos rectos.

    A aritmtica no opera com conceitos prprios de nmeros,isto , as operaes aritmticas no se realizam com os nmerosrealmente prprios ou sobre eles. Na primeira parte daFilosofiada AritmticaHusserl mostra como falsa a doutrina que reduztoda a aritmtica a operaes reais com os prprios nmeros, por-

    tanto adio e diviso enquanto nicas aces reais com esobre os nmeros, doutrina que entende as operaes aritmticassuperiores como simples especializaes: a multiplicao comouma adio especial e a potenciao como uma multiplicao es-pecial.

    Tal doutrina ignora "o facto fundamental de que todas as re-presentaes de nmeros que possumos para alm dos primeirosda srie numrica so simblicos e que s podem ser simblicos;um facto que determina por completo o carcter, o sentido e a fi-nalidade da aritmtica"35. S um intelecto divino poderia ter uma

    representao prpria de todos os nmeros e bem assim das ope-raes que com eles se pudessem realizar. Deus no necessita damatemtica. o homem, ser finito, que precisa da aritmtica pararepresentar qualquer conjunto que ultrapasse uma dzia de ele-mentos. Por essa razo, Husserl contrape expresso "o Deusmatemtico"de Gau a de "o homem matemtico"36.

    35Hua XII, p. 190.36Hua XII, p. 192.

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    Porm, aqui coloca-se a questo com que Husserl encerra ocaptulo X daFilosofia da Aritmticae com que iniciaipsis ver-biso tratado "Sobre a Lgica dos Signos": "Mas como possvelfalar de conceitos que propriamente no temos, e como que no absurdo que sobre esses conceitos se funde a mais segura de to-das as cincias, a aritmtica?"37. A resposta que Husserl comeapor dar sucinta: "Se bem que os conceitos no nos sejam da-dos de modo prprio, so-no de modo simblico"38. Pelos vistosHusserl no ficou satisfeito com a brevidade desta resposta dadanaFilosofia da Aritmtica. No seu jeito muito prprio de aclararqualquer questo menos clara mediante anlises mais aprofunda-das, Husserl retoma no estudo de 1890 sobre semitica a mesmaquesto em busca de uma resposta mais cabal.

    De notar, desde logo, na anlise com que Husserl procura aresponder questo a afirmao inicial de que se trata de umareflexo do mbito da lgica. O objectivo assim responder lo-gicamente e no psicologicamente questo. Para isso Husserl

    tenta esclarecer primeiro o conceito de signo. Efectivamente serepresentaes imprprias ou simblicas apenas significam repre-sentaes mediadas por signos, ento o primeiro passo a dar cla-rificar o termo "signo".

    v) Apesar de Husserl declarar que a palavra signo, como aquia define, deve ser tomada no sentido mais amplo que possvelconceber, isso no o isenta de determinar esse sentido. A exten-so do significado do termo no deve equivaler a um significadoimpreciso. Assim, Husserl ao dizer que signo de uma coisa

    tudo aquilo que a distingue, que adequada a diferenci-la deoutras, e pelo qual somos capazes de a reconhecer de novo, co-mea por salientar o carcter relacional de signo. "O conceitode signo justamente um conceito de relao: ele aponta paraum assinalado"39. Ora precisamente a partir da natureza rela-

    37Hua XII, p. 192 e Hua XII, p. 340.38HUA XII, p. 192.39Cf. [341].

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    cional de signo que Husserl procede a uma distino dos signosque grosso modo segue a de Bolzano. Aqui importa chamar aateno para as distines mais importantes, nomeadamente paraas distines entre signos que assinalam, mas no caracterizam,e outros que caracterizam, mas no assinalam, e para a distinoentre signos formais e materiais. Husserl comea por dividir ossignos em signos exteriores e signos conceptuais. Os primeirosnada tm a ver com o conceito especial do assinalado, com o seucontedo ou com as suas qualidades especficas. Neste caso, ossignos limitam-se a assinalar o objecto, sem darem qualquer infor-mao acerca da natureza do assinalado. Exemplo desta classe designos so os nomes prprios. Em contrapartida, os signos con-ceptuais caracterizam o assinalado, na medida em que dependemdo conceito especial deste. Os signos conceptuais tanto podemser caractersticas interiores como exteriores. As caractersticasinteriores so determinaes que esto includas como contedosparciais na representao do contedo assinalado; as exteriores

    so determinaes relativas que caracterizam o contedo como ofundamento de certas relaes nele baseadas.

    Uma distino crucial entre os signos feita por Husserl e comconsequncias importantssimas na teoria do juzo a distinoentre signos formais e signos materiais. Esta distino vem cla-rificar a natureza relacional do juzo. Muitas vezes confundem-se no juzo duas distines completamente diferentes: a distinoentre contedo do juzo e acto do juzo, por um lado, e a entre fun-damentos da relao e relao, por outro. Confundia-se a formado acto judicativo com a forma da relao. Na velha explicao

    do juzo como uma relao ou conexo de representaes subjazindubitavelmente esta confuso. A razo de ser principal destaconfuso est no facto de a largussima maioria dos nossos juzosincidir sobre relaes, e da se identificar o ajuizar com o relaci-onar. Entretanto no se procedia com a necessria consequnciae atribuam-se elementos da relao ora forma ora ao contedo.No juzo "Deus justo"atribua-se "Deus"e "justo" matria; nojuzo "Todos os homens so mortais"o "todos"(como em geral os

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    sinais de quantidade) forma, na opinio de que a quantidaderespeitava ao modo de ajuizar.

    Husserl, seguindo a doutrina de Brentano, considera que ojuzo no uma relao entre um sujeito e um predicado, isto , apredicao de um sujeito, mas sim uma afirmao ou negao deum estado de coisas. Esta concepo de juzo permite demarcarmuito claramente o mbito do contedo do juzo e nele distinguira matria e a forma. A matria representada por nomes, e aforma por expresses sincategoremticas, sejam elas simples oucompostas. Os nomes servem, e essa a sua especial funo, paradesignar os contedos absolutos, os fundamentos da relao. Emcontrapartida, as expresses sincategoremticas tm a funo deexprimir a relao entre os elementos absolutos do pensamento.Do ponto de vista do juzo singular, pertence forma, por exem-plo na frase, tudo aquilo que exprime a relao judicada, e ao con-tedo tudo aquilo que aqui fundamento da relao. Se um destesfor composto, ento pertence matria, relativamente a esta com-

    posio, o elemento da ligao, e forma o modo da ligao. Noraciocnio, as premissas e a concluso constituem a matria e asua disposio, na medida em que for caracterstica da relaodas frases, a forma. S em segunda linha que a forma das frasessingulares e em terceira linha a forma das suas matrias pertence forma do raciocnio, na medida em que processo e contedo daactividade inferencial so tambm condicionados por elas.

    vi) Husserl concebe os signos como um instrumento impres-cindvel ao pensamento e cincia. So os signos que tornam

    possvel o desenvolvimento psquico. Eles so autnticas ferra-mentas necessrias s operaes superiores lgicas. "Sem a pos-sibilidade de signos caractersticos exteriores e permanentes en-quanto apoios da nossa memria, sem a possibilidade de repre-sentaes simblicas substitutas de representaes prprias, maisabstractas, e mais difceis de distinguir e de manejar, ou mesmo derepresentaes que nos so de todo interditas enquanto prprias,no haveria qualquer vida espiritual superior, para j no falar de

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    cincia. Os smbolos so o maior meio de ajuda natural com queultrapassamos os limites estreitos da nossa vida psquica, com quepodemos tornar inofensivas, pelo menos at um certo grau, estasimperfeies essenciais do nosso intelecto. Por desvios peculia-res, poupando actos superiores do pensamento, capacitam o es-prito humano a realizaes que directamente, com um trabalhognosiolgico prprio, nunca poderia alcanar. Os smbolos ser-vem a economia do trabalho intelectual tal como as ferramentase as mquinas servem o trabalho mecnico. Com a simples mo,o melhor desenhador no traar to bem um crculo como umrapaz de escola com o compasso. O homem mais inexperiente emais fraco produzir com uma mquina (desde que a saiba mane-jar) incomparavelmente mais que o mais experiente e mais fortesem ela. E o mesmo se passa no campo intelectual. Tirem-se aomaior gnio as ferramentas dos smbolos e ele tornar-se- menoscapaz que a pessoa mais limitada. Hoje em dia uma criana queaprendeu a fazer contas est mais capacitada que na antiguidade

    os maiores matemticos. Problemas que para eles eram de difcilcompreenso e de todo insolveis resolve-os hoje um principi-ante sem grande dificuldade e sem qualquer mrito especial. Eassim como as ferramentas, em crescente complexificao at smquinas mais maravilhosas, constituem uma srie gradativa quereflecte o progresso da humanidade no trabalho mecnico, assimtambm acontece com os smbolos relativamente ao trabalho in-telectual. Com a aplicao consciente dos smbolos o intelectohumano eleva-se a um novo nvel, a um nvel verdadeiramentehumano. E o progresso do desenvolvimento intelectual corre pa-

    ralelo a um progresso na cincia dos smbolos. O fantstico de-senvolvimento das cincias da natureza e a tcnica nelas fundadaconstituem sobretudo a glria e o orgulho dos ltimos sculos.Mas no menor ttulo de glria parece merecer, com efeito, essenotvel sistema de smbolos, ainda no esclarecido, a que aquelasdevem imenso, e sem o qual tanto teoria como prtica ficariamcompletamente desamparadas: o sistema da aritmtica geral, a

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    mais admirvel das mquinas espirituais que j alguma vez apa-receram."40.

    40Hua XII, p. 349.

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    Captulo 2

    Peirce e o Pragmatismo comoLgica da Abduo

    a) A mxima pragmatista e a clareza de ideias

    1. No h dvida que pragmatismo se tornou um termo bas-tante equvoco. O prprio Peirce deu-se conta da equivocidadeque o termo assumira desde que o criara, e em 1905 abandonou-o em troca do termo pragmaticismo, um termo "suficientementefeio para o livrar dos ladres de crianas". Mas se nessa altura, otermo se havia tornado um equvoco, hoje quase que se pode falarde um abastardamento do seu significado.

    sobretudo no mbito da poltica que hoje se emprega o termopragmtico ou pragmatista. Um poltico pragmtico aquele queage de um modo prtico, movido pelas exigncias do momento,

    sem quaisquer preocupaes de ordem ideolgica. No h dvidaque este significado comporta um elemento positivo. A um po-ltico pragmtico atribui-se capacidade de iniciativa e de aco.Ele interessa-se mais pela resoluo concreta dos problemas doque pela investigao das suas causas ou da anlise terica dosmesmos. A validade de uma teoria consiste, ento, apenas numaadequao prtica. Pragmatismo significa positivamente, nestesentido, a percepo lcida dos problemas e a capacidade prtica

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    de os resolver sem preocupaes de ordem terica. O significadonegativo de pragmatismo est no imediatismo e na falta de refe-rncias tericas. O poltico pragmtico opta por solues prticasque sero, na maioria das vezes, solues imediatistas, a curtoprazo. No se preocupa com os custos que tais solues possamacarretar. Falta-lhe uma cuidadosa ponderao dos efeitos secun-drios, mas inevitveis, do seu agir. Por outro lado, pragmatismoneste sentido tambm significa por vezes a completa ausncia deprincpios de aco e, simultaneamente, a cegueira tica no agir.

    2. Mas qual o significado originrio que C. S. Peirce atribuiuao termo "pragmatismo"? Esse significado pode encontrar-se noartigo de Peirce "Como tornar as nossas ideias claras"de 1878 1. Opragmatismo tal como transparece da mxima pragmatista formu-lada a por Peirce sobretudo um mtodo lgico de clarificaodas ideias. O significado originrio de pragmatismo de naturezalgica.

    Peirce comea por pr em causa as noes cartesianas de cla-reza e distino. Segundo Peirce, na tradio lgica, iniciada porDescartes, clareza significa a capacidade de reconhecer uma ideiaem qualquer circunstncia que ela ocorra e nunca a confundir comnenhuma outra. Contra tal ideia de clareza levanta Peirce duasobjeces. Em primeiro lugar, isso representaria uma capacidadesobre-humana. Com efeito, quem poderia reconhecer uma ideiaem todos os contextos e em todas as formas em que ela surgisse,no duvidando nunca da sua identidade? Identificar uma ideia emcircunstncias diversas no tarefa fcil, e identific-la em todas

    as suas formas com certeza tarefa que implicaria "uma fora euma clareza to prodigiosas do intelecto como se encontram ra-ramente neste mundo". Em segundo lugar, esse reconhecimentono seria mais do que uma familiaridade com a ideia em causa.Neste caso, porm, teramos um sentimento subjectivo sem qual-

    1O termo pragmatismo ainda no aparece neste artigo. Alis ele no seencontra nos primeiros escritos de Peirce. Trata-se pois do seu significadoavant la lettre.

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    quer valor lgico. A clareza de uma ideia no pode resumir-se auma impresso. Por seu lado, a noo de distino, introduzidapara colmatar as deficincias desta concepo de clareza, exigeque todos os elementos de uma ideia sejam claros. A distinode uma ideia significaria, portanto, a possibilidade de a definir emtermos abstractos. A crtica capital de Peirce noo cartesianade clareza e distino a de que no permitem decidir entre umaideia que parece clara e uma outra que o . H homens que pare-cendo estar esclarecidos e determinados defendem opinies con-trrias sobre princpios fundamentais. Algum pode estar muitoconvencido da clareza de uma ideia que no o .

    Como assegurarmo-nos ento objectivamente da clareza deuma ideia? aqui que Peirce introduz a engenharia do pensa-mento moderno. Alis, as invectivas de Peirce contra a lgicatradicional so precisamente a de ter ignorado ao longo de maisum sculo a revoluo ocorrida no pensamento cientfico e, porconseguinte, no ter retirado da as devidas lies.

    Peirce apresenta o pensamento como um sistema de ideiascuja nica funo a produo da crena. Que devemos entenderaqui por sistema de ideias? Antes de mais, h que distinguir en-tre dois tipos de elementos da conscincia: aqueles de que temosimediatamente conscincia e aqueles de que temos mediatamenteconscincia. Uma melodia um bom exemplo destes dois tiposde elementos. Os sons que a compem so ouvidos directamente.Cada som uma nota e dele temos conscincia (ouvimo-lo) numdeterminado momento, separadamente dos sons que ouvi-mos an-tes e dos sons que ouviremos depois. Em contrapartida, a melodia

    um elemento mediato conscincia, mediado pelos sons que acompem. Tal como a melodia, tambm o pensamento uma ac-o que tem comeo, meio e fim, e consiste na congruncia dasucesso de sensaes que passam pela mente. Nas palavras dePeirce, "o pensamento a linha de uma melodia atravs da su-cesso das nossas sensaes". Dizer, portanto, que o pensamento um sistema de ideias significa dizer que o pensamento umasucesso ordenada de ideias. A ordem da sucesso ou a unidade

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    do sistema reside na sua funo. A funo do pensamento uni-camente a de produzir a crena. A crena, por seu lado, o apa-ziguamento da dvida. Mas, ao sossegar a irritao da dvida, acrena "implica a determinao na nossa natureza de uma regrade aco, ou, numa palavra, de um hbito". Quer isto dizer quecom a crena acaba a hesitao de como agirmos ou proceder-mos. Um exemplo poder esclarecer como que a crena umaregra de aco. Se encontro uma pessoa que no me inteira-mente desconhecida, mas que de momento no identifico, comeoa interrogar-me sobre quem ser, de onde a conheo. Essa pessoacumprimenta-me e no consigo lembrar-me de quem se trata. Nosei que hei-de dizer-lhe, e isso perturba-me. De repente, consigoidentificar a pessoa. Da em diante todas as minhas aces, a ma-neira como me dirijo a essa pessoa e os assuntos que com elapoderei abordar so determinados por esse reconhecimento. Emtermos peirceanos, uma crena que sossegou a minha dvida eque constitui agora a base das minhas.

    A essncia da crena a criao de um hbito; e diferentescrenas distinguem-se pelos diferentes modos de aco a que doorigem. com estas palavras que Peirce inicia o pargrafo 398,um dos mais importantes do seu ensaio. Vejamos a primeira parteda afirmao de Peirce: "a essncia da crena a criao de umhbito". Se eu julgar que determinado objecto um garfo, en-to servir-me-ei dele para levar boca certos alimentos slidos.A crena de que esse objecto um garfo condiciona as acesque farei com ele. O hbito no mais do que o conjunto detodas essas aces, tanto reais como possveis. Porm, para um

    chins de uma aldeia remota do interior da China, que se servenormalmente de pauzinhos para levar boca os alimentos sli-dos, e que encontra um "garfo"perdido por um viajante ocidental,a sua crena acerca desse objecto pode ser completamente dife-rente. Pode julgar, por exemplo, que se trata de um ancinho parapequenos vasos de flores. Nesse caso, a sua crena consistir emservir-se dele para tratar a terra dos seus vasos. Vimos atrs queas crenas determinam a aco. Mas a mesma crena determina

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    as mesmas aces. Se as crenas se alteram tambm as aces sealteram. por isso que o hbito constitui a identidade da crena.

    A segunda parte da afirmao de Peirce, isto , de que "dife-rentes crenas se distinguem pelos diferentes modos de aco aque do origem", decorre da primeira. Enquanto identidade dacrena, o hbito de aco o critrio para avaliar da diferena en-tre crenas. No teria pois qualquer sentido afirmar uma diferenade crenas cujos resultados de aco no s efectivamente, mastambm possivelmente fossem os mesmos. O que decide en-to da identidade ou da diversidade das crenas no so meraspalavras, mas sim aces empiricamente verificveis, j que osreferidos resultados de aco so resultados sensveis 2 .

    Para ilustrar o seu mtodo de tornar as ideias claras, Peircefaz no pargrafo 401 uma incurso pelos domnios da f catlicarelativamente ao mistrio da Eucaristia. Os catlicos acreditamque na celebrao eucarstica tem lugar a transubstanciao dopo e do vinho no corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. A

    sua f