extraindo energia dos Átomos tecnologias e produção … · até o início da segunda guerra...

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Sonia Castellar Enos Picazzio LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP Tecnologias e Produção em Escala Social 4 EXTRAINDO ENERGIA DOS ÁTOMOS 4.1 Pequeninos e Poderosos 4.2 Do Ar e da Água Referências

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Sonia CastellarEnos Picazzio

Licenciatura em ciências · USP/ Univesp

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4.1 Pequeninos e Poderosos4.2 Do Ar e da ÁguaReferências

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Tecnologias e Produção em Escala Social

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4.1 Pequeninos e PoderososEm 1957, o almirante Hyman Rickover, da marinha dos Estados Unidos, lançou uma pre-

visão bombástica: assim como no período antecedente de um século o mundo havia experi-

mentado uma completa modificação energética, antes de 2050 passaria por outra mudança tão

intensa e profunda. Ele partia de uma estatística básica: “Hoje, carvão, petróleo e gás natural

suprem 93 por cento da energia mundial. É uma reversão impactante em relação a 1850,

quando combustíveis fósseis supriam 5 por cento da energia, e homens e animais, 94 por cento.”

A isso associava uma projeção: os combustíveis fósseis estariam esgotados em algum momento

após o ano 2000, com certeza até o ano 2050. Também era pessimista em relação a alternativas

renováveis – em seus cálculos, ventos, luz solar e biomassas nunca forneceriam mais do que 15%

da demanda mundial projetada.

Tal posição passaria despercebida – ou relegada à lista das previsões não realizadas – se o

almirante não fosse uma das principais autoridades norte-americanos no campo da energia nu-

clear, com influência e poder suficientes para reorientar o desenho da matriz energética daquele

país e, em parte, da mundial. Saudado, em 1973, pelo presidente democrata Jimmy Carter como

“o maior engenheiro de todos os tempos”, Rickover, em 1957, era um dos principais conse-

lheiros para assuntos nucleares do presidente republicano Dwight Eisenhower. Fora responsável

pelo programa de submarinos nucleares que, em sete anos, construíra o Nautilus - o primeiro

veículo marítimo a navegar 1.400 milhas sob a calota polar sem nenhuma parada ou subida à

superfície - e, em 1986, quando da aposentadoria do almirante, permitira que 40 por cento das

grandes embarcações de guerra dos EUA fossem movidas a energia nuclear, principalmente os

submarinos e os porta-aviões.

O peso do setor militar no desenvolvimento da energia nuclear para usos civis é produto

direto da sua origem tecnológica. Até o início da Segunda Guerra Mundial, o estudo da radio-

atividade era, essencialmente, uma atividade de laboratórios de pesquisa e uma fronteira teórica

nas formulações da Física.

A química foi a primeira ciência a definir claramente, de forma funcional e empírica, o conceito e a diferenciação entre elementos químicos (átomos) e moléculas. Por sua vez, essa compreensão da estrutura molecular permitiu à química fazer grandes progressos, mesmo sem entender a estrutura interna dos átomos, ainda inacessível com as técnicas experimentais da época. A compreensão da

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estrutura interna do átomo só viria a ocorrer a partir do final do século XIX, com os experimentos de Joseph J. Thomson (descoberta do elétron, em 1887) e Ernest Rutherford (descoberta do núcleo atômico, em 1911) nos domínios da física. O modelo estabelecido por Rutherford, que lembrava o

modelo planetário, no qual um núcleo massivo e positivo apresenta os elétrons ao seu redor, exige que tais elétrons descrevam trajetórias estáveis ao redor desse núcleo, semelhante ao modelo planetário vigente1.O modelo de Rutherford apresentava algumas controvérsias. Uma delas

era a de que ele previa o átomo com um núcleo composto de prótons, portanto de partículas positivas. Mas, se o núcleo do átomo tivesse mais de um próton, haveria repulsão eletrostática (cargas de mesmo sinal) e isso comprometia a estabilidade do núcleo. Assim, Rutherford admitiu que o núcleo continha outras partículas semelhantes aos prótons, mas sem carga elétrica. Tais partículas neutras atenuariam a repulsão entre os prótons e manteria a estabilidade do núcleo. Portanto, além das forças até então conhecidas como a eletromagnética e a gravitacional, havia outra força que agiria em sentido contrário ao da força eletromagnética mantendo a coesão do núcleo. Essa força recebeu o nome de Força Nuclear Forte e seu raio de alcance é de 10-13 centímetros. Apesar de muito pequena, essa distância é expressiva no mundo quântico. A força nuclear forte é 106 vezes mais forte que a força eletromagnética e 1040 vezes mais forte que a força da gravidade. O conceito atual da força nuclear forte está baseado na interação entre glúons e quarks.Há, porém, fenômenos que ocorrem no interior do núcleo atômico que, mesmo estando relacionados com a estabilidade nuclear, precisam ser explicados por uma outra força: a força nuclear fraca, também de curto alcance. Seu raio de alcance é de apenas 10-16 centímetros. Comparada à força eletromagnética, ela é, aproximadamente, 1013 vezes mais fraca. Ela é responsável pela radioatividade beta descoberta por Marie Curie. Alguns elementos químicos emitem espontaneamente partículas de alta energia. Um núcleo radioativo torna-se instável quando contém prótons demais, ou nêutrons demais, e acaba emitindo partículas espontaneamente até atingir a estabilidade.Esse processo, conhecido por decaimento radioativo, transforma um elemento químico em outro. O tempo de

decaimento de isótopos2 varia muito, alguns decaem rapidamente, outros decaem muito lentamente. Esse decaimento é expresso pela Meia-Vida (tempo necessário para a metade dos isótopos de uma amostra se desintegrar).

A aplicação prática mais disseminada era a datação de materiais. No entanto, com o

desenvolvimento teórico, a partir da teoria da relatividade e de sua postulação da inter-relação

entre matéria e energia, assim como da física de partículas e da mecânica quântica, parte da

comunidade científica concentrou suas atenções em processos que permitissem a liberação da

energia contida nas ligações intra-atômicas.

Havia muito “poder guardado” no mundo submicroscópico dos átomos. O ambiente de

guerra, principalmente a oposição ao nazismo, levou a propostas de ação.

1 Bagnato, V.S.; Muniz. S.R. Estrutura da Matéria. Licenciatura em Ciências USP/Univesp. 2013.

2 Isótopos são variantes de um elemento químico particular.

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Em agosto de 1939, o físico Leo Szilárd, após consultas com seus colegas Edward Teller e

Eugene Wigner, redigiu uma carta, que foi assinada por Albert Einstein e enviada ao presidente

Franklin Roosevelt. Os efeitos dessa correspondência seriam, literalmente, explosivos. Um de

seus trechos mais famosos diz:

No curso dos últimos quatro meses, tornou-se provável – através do trabalho

de Joliot na França, assim como de Fermi e Szilárd na América – a possibilidade

de estabelecer uma reação nuclear em cadeia em uma grande massa de urânio, pela

qual vastas quantidades de potência e grandes quantidades de novos elementos

semelhantes ao rádio poderiam ser geradas. Atualmente, parece ser quase certo que

isso pode ser realizado no futuro imediato.

Esse novo fenômeno poderia conduzir, também, à construção de bombas, e é

concebível – ainda que bem menos certo – que bombas de novo tipo, extrema-

mente poderosas, podem assim ser fabricadas. Uma única bomba desse tipo, trans-

portada em um barco e explodida em um porto, poderia perfeitamente destruir o

porto inteiro, assim como parte do território circundante. No entanto, tais bombas

podem vir a se provar muito pesadas para transporte pelo ar.

[...]

Tenho conhecimento de que a Alemanha de fato cessou a venda de urânio das

minas checoslovacas de que se apossou. Que ela tenha praticado tal ação prévia

pode, talvez, ser compreendido a partir da informação de que o filho do subsecre-

tário de estado alemão, Von Weizsäcker, está ligado ao Instituto Kaiser Wilhelm, em

Berlim, onde parte do trabalho americano sobre urânio está atualmente sendo

reproduzido3.

A reação do governo dos EUA foi imediata, dado o potencial militar da ideia, e em outubro

daquele ano já se realizava a primeira reunião do Comitê de Aconselhamento do Urânio,

origem do Projeto Manhattan que, por sua vez, conduziria à fabricação das bombas atômicas,

empregadas contra o Japão em agosto de 1945. Abria-se, então, uma era completamente nova

em termos militares e políticos e tinha início uma corrida armamentista, principalmente entre

Estados Unidos e União Soviética, no sentido de contínua expansão e sofisticação de seus

arsenais de artefatos nucleares e dos métodos de lançamento (aviões bombardeiros e mísseis

terrestres e navais, principalmente).

3 Tradução dos autores

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O projeto de desenvolvimento das bombas nucleares tinha seu foco na máxima liberação de

energia e, portanto, na máxima intensidade das reações em cadeia estimuladas a partir da menor

quantidade (massa) possível de urânio ou plutônio concentrados. O objetivo era a dispersão

máxima de energia através de reação em cadeia descontrolada. Uma bomba nuclear é um

artefato que libera instantaneamente grande quantidade de energia proveniente de uma reação

em cadeia descontrolada.

Pensar em energia nuclear como fonte de energia utilizável, no entanto, implica o raciocínio

inverso, ou seja, gerar energia por reação em cadeia através de processo controlado, podendo

aumentar ou diminuir a quantidade de energia conforme a necessidade. Esse foi o desafio central

proposto pelo programa “Átomos para a Paz”, lançado por Eisenhower, em dezembro de 1953,

em um discurso na ONU, em que focava o uso da energia atômica como base para usinas de

geração de energia elétrica. Dada a experiência acumulada por Rickover no desenvolvimento

dos motores marítimos nucleares, coube a ele o comando tecnológico da nova iniciativa.

A solução que viria a ser adotada assemelhava-se, bastante, à dos submarinos.

Os maiores desafios de um reator nuclear são: controlar a reação em cadeia, de forma que

não se provoquem explosões (o que, em linguagem técnica, se denomina estado crítico do

reator); impedir o vazamento de radiação; e aproveitar ao máximo a energia gerada pela fissão

dos núcleos atômicos.

De onde vem a energia nuclear?

Os núcleos atômicos podem passar por dois tipos diferentes de transformação: ou grandes núcleos se dividem em núcleos menores (fissão nuclear) ou pequenos núcleos se fundem para compor um núcleo maior (fusão nuclear). Tanto no primeiro quanto no segundo processo ocorre liberação de energia, também conhecida como energia nuclear. No caso da fusão, as reações que produzem elementos químicos mais pesados que o ferro consomem energia do meio. A fissão, assim como a fusão, promove alterações na estrutura atômica da matéria, produzindo com isso a transmutação de elementos químicos. A energia liberada na fissão pode ocorrer de forma descontrolada, como no caso da explosão de uma bomba atômica, ou controlada, como no caso em que a energia nuclear é liberada gradualmente para ser utilizada, por exemplo, em usinas geradoras de eletricidade.Para que a fissão nuclear ocorra, é necessário que tenhamos um núcleo atômico pesado instável sendo bombardeado por partículas subatômicas, como os nêutrons. Isso provocará a ruptura do núcleo, que se dividirá em núcleos menores e liberará energia na forma de radiação eletromagnética (luz) e calor. Para cada núcleo “quebrado”, mais partículas subatômicas são liberadas e, consequentemente, acabam atingindo outros núcleos pesados, provocando uma reação em cadeia.

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Toda a energia liberada nesse processo pode ser usada em diversos segmento, por exemplo, na medicina, na indústria bélica e para gerar energia elétrica (Figura 4.1).

As pesquisas direcionadas à compreensão do processo de fissão nuclear permitiram o estabelecimento de uma relação estreita entre massa e energia. Foi Albert Einstein que conseguiu unificar essa ideia e demonstrar que matéria pode transformar-se em energia e vice-versa, através de sua famosa equação:

4.1

onde E é a energia de repouso associada a uma massa, m é a massa que pode ser convertida em energia e c é a velocidade da luz no vácuo, cujo valor é 300.000 km/s.

A Bomba Atômica

Nem todos os elementos químicos podem ser fissionados. Geralmente, podem aqueles que possuem um número muito grande de prótons e nêutrons no núcleo atômico. É o caso do urânio e do plutônio, por exemplo, usados nas bombas que atingiram as cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki. Mesmo entre esses elementos químicos, há isótopos que sofrem fusão com mais facilidade e geram bastante energia. Isótopos são átomos de um mesmo elemento químico, mas com diferentes números de nêutrons (mas, apropriadamente, deveríamos falar em número de massa) no núcleo. Por exemplo,

Figura 4.1: Representação de uma reação em cadeia ocasionada pelo bombardeamento de um núcleo de urânio por um nêutron. Note que, após a fissão do urânio, dois átomos menores são formados e três outros nêutrons são expelidos.

E = m × c2

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considere o elemento químico hidrogênio (símbolo 1H). Seu núcleo é composto só de um próton. Seu isótopo deutério (2H), mais raro, possui um núcleo com um próton e um nêutron, e o isótopo trítio (3H), bem mais raro, possui em seu núcleo um próton e dois nêutrons. Um núcleo com dois prótons e dois nêutrons não é mais hidrogênio, mas hélio (4He). No caso da bomba de urânio, o núcleo do isótopo 235U (com 92 prótons e 143 nêutrons) é atingido por um nêutron e se transmuta no isótopo 236U, que é altamente instável. Essa captação depende da velocidade do nêutron: se for muito baixa, o nêutron será refletido pelo núcleo; se for muito elevada, o nêutron passará pelo núcleo sem interagir. Uma vez absorvido, o núcleo se torna muito instável e se rompe em núcleos menores. A equação que descreve essa reação nuclear é a seguinte:

5.2

O isótopo instável 236U dá origem a dois novos elementos químicos (Bário-141 e Criptônio–92), além de liberar três nêutrons e uma enorme quantidade de energia. Essa energia provém da transformação de massa em energia, prevista pela fórmula de Einstein.Como no interior da bomba há grande quantidade de 236U, os nêutrons liberados pela fissão atingem novos núcleos de 236U, provocando uma reação em cadeia e a consequente liberação instantânea de energia que tipifica uma bomba. A quantidade de 235U necessária para a ocorrência dessa reação em cadeia é denominada massa crítica, e equivale a cerca de 3,5 kg.

A Fusão Nuclear

O que levou à descoberta da fusão nuclear foi um aparente enigma: o que faz as estrelas brilharem ou, em outras palavras, de onde vem a energia das estrelas? Análises de rochas terrestres e meteoritos indicavam a idade aproximada de 4,6 bilhões de anos. Essa era a idade do Sistema Solar. Nenhuma fonte de energia conhecida, incluindo a conversão da energia gravitacional em luz e calor pela contração da matéria solar, era capaz de explicar por que o Sol brilhava há tanto tempo. No início da década de 1920, Arthur Eddington sugeriu que os valores elevados de pressão e temperatura reinantes no núcleo das estrelas poderiam provocar a fusão do hidrogênio -elemento químico predominante nas estrelas, e liberar enormes quantidades de energia. Na década de 1930, os trabalhos de George Gamov, Hanz Albrecht Bethe e Carl Friedrich Von Weizäker esclareceram o processo de fusão. Hanz Bethe ganhou o Nobel em 1967, em virtude de seu artigo A produção de Energia nas Estrelas, publicado em 1939. Hoje sabemos toda a cadeia de reações de fusão que ocorrem nas estrelas, incluindo as que provocam as explosões catastróficas das grandes estrelas, conhecidas por super novas.

A Fabricação dos Elementos Químicos nas Estrelas

Os elementos químicos são fabricados por fusão nuclear nos núcleos das estrelas com liberação de enormes quantidades de energia. Portanto, trata-se de reações exotérmicas. Os núcleos mais leves são fundidos e geram núcleos mais pesados. Essencialmente, as reações nucleares ocorrem pelo seguinte esquema:• Fusão do Hidrogênio produz Hélio;• Fusão do Hélio produz Carbono, Oxigênio e Neônio;

92235 1

92236

56141 1 10

3692 3 2 10U n U Ba Kr n+ → → + + + × KJ/mol

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• Fusão de Carbono, Oxigênio e Neônio produz os demais elementos químicos até o Silício;• Fusão do Silício produz os demais elementos até o Ferro. Todos os elementos químicos entre o

hidrogênio e o ferro são produzidos nessas reações.• Para a fusão do ferro e dos elementos mais pesados, é necessário fornecer energia; portanto, são

reações endotérmicas. Para que ocorram são necessárias quantidades imensas de energia, que só se obtêm durante o colapso de grandes estrelas, produzindo uma super nova. Abaixo temos as temperaturas (em milhões de K) necessárias para as reações de fusão nuclear:

• Fusão do hidrogênio – 8.• Fusão do hélio - 100.• Fusão do carbono - 700.• Fusão do neônio - 1.400.• Fusão do oxigênio - 1.900.• Fusão do silício - 3.300. Estrelas com a massa do Sol conseguem chegar até a fusão do hélio. Estrelas com massa superior a oito vezes a massa do Sol podem chegar à fase de super nova (Figura 4.2).

Figura 4.2: Etapas da cadeia de fusão próton-próton.

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A fusão de dois prótons libera um pósitron e um neutrino, o que possibilita a transformação de um próton em um nêutron. Dos seis prótons que participam da cadeia, quatro acabam retidos no núcleo do hélio. A massa do hélio é 99,3% da massa de quatro prótons. Essa diferença de 0,7% em massa é convertida em energia. A cada segundo, o Sol converte 600 milhões de toneladas de hidrogênio em 596 milhões de toneladas de hélio e transforma 4 milhões de toneladas de matéria em energia equivalente a 40 trilhões de toneladas de TNT. Isso vem acontecendo há4,6 bilhões de anos e deverá continuar por mais outro tanto.

O controle das reações foi estabelecido pela introdução de substâncias que absorvem os

nêutrons liberados ou que reduzem sua velocidade de propagação. Na grande maioria dos

reatores, a água pura é o meio utilizado para isso, havendo também o emprego de grafite sólido

(forma alotrópica de carbono) e de água pesada (óxido de deutério), complementados por

bastões de háfnio e cádmio, eficazes na captura de nêutrons.

O vazamento perigoso de radiação é evitado por circuitos fechados de circulação de gases e

líquidos e pelo encapsulamento do reator em um escudo metálico circundado por estruturas de

concreto. Ao mesmo tempo, são adotados procedimentos para guarda ou reaproveitamento de

material radioativo utilizado no reator, que ainda são emissores de radiação.Esse material

descartado é conhecido por lixo atômico. Guardá-los corretamente é um dos grandes desafios

ecológicos. Tomemos como exemplo o césio 137, que ficou bem conhecido com o acidente

em Goiânia, em 1987. O tempo de meia-vida do césio 137 é de aproximadamente 33 anos. Para

que o seu nível de radioatividade se reduza a condições ambientais, portanto, que não seja

danoso ao ser humano e à natureza, é necessário aguardar pelo menos 10 meias-vidas,ou seja,

precisamos de cerca de três séculos para nos livrarmos do problema com o césio 137.

Recentemente, tivemos a tragédia que atingiu o Japão, provocada por um terremoto e o

subsequente tsunami, que acabou provocando o vazamento de material radioativo

com iodo 131 e césio 137 de uma fissura na parede da usina de Fukushima4.

O aproveitamento energético máximo envolve o denominado “ciclo do combustível

nuclear” (CCN). O CCN é o conjunto de etapas do processo industrial que transforma o

mineral radioativo, do momento em que é coletado no estado natural até sua utilização como

combustível numa usina nuclear. Vamos considerar o caso do urânio. O 238U é encontrado

na natureza em quantidades relevantes, mas não sofre fissão nuclear facilmente. Já o 235U tem

altíssimo poder de fissão; por isso, é usado nos reatores de fissão nuclear. O problema é o fato de

que o urânio natural é composto de 99,28% de 238U e 0,72% de 235U. Para uso pacífico, é preciso

4 Sugestão de leitura: Antônio Newton Borges (2011). O Lixo Atômico.

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enriquecer o teor de 235U de 0,72% para 3,5%. Armas nucleares exigem enriquecimento de

90%. Esse processo, denominado “enriquecimento do urânio”, é uma etapa fundamental para

dominar a tecnologia da energia nuclear.

O enriquecimento é feito através de um processo denominado separação isotópica por

difusão gasosa, que consiste em comprimir o hexafluoreto de urânio (UF6), um sólido cristalino

branco à temperatura ambiente, através de membranas porosas, utilizando ultracentrifugação.

A força centrífuga empurra as moléculas de UF6 com 238U, que são mais pesadas, para a periferia

do cilindro da centrífuga, mantendo as moléculas de UF6 com 235U, que são mais leves, na região

central do cilindro. Esse processo é repetido até se chegar à concentração desejada. No Brasil,

adota-se o método de ultracentrifugação para o enriquecimento do urânio.

O urânio enriquecido é introduzido no reator, geralmente na forma de bastões, e dá origem

à reação em cadeia com grande liberação de energia térmica. Essa energia térmica é absorvida

por água, em sistemas pressurizados, gerando vapor para movimentar baterias de turbinas que

acionam geradores elétricos. Esse processo é semelhante ao utilizado nas usinas termoelétricas

a carvão, óleo combustível ou gás natural.

Este desenho básico dos reatores nucleares revelou-se suficientemente adequado para que,

em 1957, estivesse operando a primeira usina nuclear dos Estados Unidos, em Shippingport,

Pensilvânia – o que, no ambiente da Guerra Fria, era essencial, já que a primeira utilização civil

de energia nuclear fora anunciada pela URSS em 1954, com a entrada em operação de um

reator de pequeno porte na cidade de Obninsk. Em poucos anos, os EUA atingiam a marca de

50 usinas em operação.

Os Estados Unidos seriam acompanhados, principalmente, pela União Soviética, Grã-

Bretanha e França em um grande esforço para expansão de seus parques geradores nucleares,

nas décadas subsequentes, e a capacidade instalada global iria da casa de 1 GW, em 1960, para

100GW, no final da década de 1970, e atingiria 300 GW ao final dos anos 1980.

Apesar dos altos custos de instalação e operação de usinas nucleares e da mineração e enrique-

cimento de urânio, criava-se um quadro otimista, pois o caminho nuclear reduzia a dependência

de combustíveis fósseis, cuja garantia de fornecimento estava em questionamento, e sua eficiência

energética parecia adequada para integração com peso na matriz energética mundial, princi-

palmente para países com baixa capacidade para geração hidroelétrica. Três eventos, no entanto,

viriam a se colocar como sérios alertas sobre a adoção generalizada dessa fonte de energia.

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O primeiro deles foi o acidente da usina Three Mile Island, no estado da Pensilvânia.

Às 4 horas da manhã do dia 28 de março de 1979, na unidade 2 do complexo, as bombas

que enviavam água para resfriamento do reator pararam. Em uma cadeia de eventos – que

posteriormente foi exaustivamente estudada – a aparelhagem de monitoramento também

falhou e o painel de controle passou a indicar excesso de água no sistema, o que levou os

operadores a desligar a linha de refrigeração de emergência. O reator superaqueceu, derreteu

em parte e obrigou o imediato desligamento de toda a usina, sem que se conseguisse evitar

por completo o vazamento de radiação. Instalou-se um pânico nacional e mais de um milhão

de habitantes da região foram alertados para que se preparassem para evacuação imediata.

Ao redor do mundo se desfazia uma visão benigna de que os riscos de uma usina nuclear

estavam plenamente controlados. Em mais uma terrível coincidência, acabava de estrear o

filme “Síndrome da China”, que retratava um acidente nuclear ficcional na Califórnia, sendo

acobertado por empresas e autoridades. O título se referia à hipótese de fusão completa de

um reator que “abriria um buraco até a China”.

Somente nos EUA foram cancelados os projetos ou construções de 100 novos reatores, e o

último reator a entrar em operação no país havia sido encomendado em 1976.

O segundo evento ocorreu quase cinco anos antes, em maio de 1974, através de uma men-

sagem codificada emitida pelo governo da Índia e que fora decifrada: “O Buda está sorrindo”.

Quem tivesse acesso ao código teria conhecimento do sucesso da detonação de um artefato

nuclear, a cerca de 100 km da fronteira com o Paquistão. Estava quebrado o monopólio nuclear

dos “cinco grandes” – EUA, URSS, França, Grã-Bretanha e China – e a Índia entrava no “clube

da bomba”. O programa nuclear indiano teve como berço as instalações de enriquecimento

de urânio destinado ao “uso pacífico e energético” e entrava em pauta a possibilidade concreta

de proliferação de armamentos nucleares a partir de programas civis, em uma reviravolta da

trajetória anterior, em que determinantes militares haviam aberto caminho para a geração de

energia elétrica. A reação mundial foi no sentido do estabelecimento crescente de barreiras e

regras de monitoramento dos programas de energia nuclear de cada país.

O terceiro evento ocorreu na Ucrânia, em 26 de abril de 1986. Na pequena vila de Pripyat,

a cerca de 100 km ao norte de Kiev e bem próximo da cidade de Chernobyl, estavam instalados

quatro reatores nucleares, que adotavam uma tecnologia adaptada de instalações militares,

destinadas ao uso de urânio enriquecido em nível compatível com o de armas atômicas, o

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denominado modelo RBMK5. No início da manhã, enquanto era conduzido um teste de

segurança da usina, ocorreu um súbito aumento de corrente elétrica, sucedido pela ruptura da

cápsula do reator e por uma série de explosões da linha pressurizada de vapor. Em consequência,

o moderador de nêutrons, constituído de grafite, ficou exposto ao ar e entrou em ignição. O

incêndio resultante lançou uma grande nuvem na atmosfera, carregada de partículas radioativas.

Estima-se que a radiação emitida pelo acidente equivaleu, de imediato, à de 400 bombas iguais

à de Hiroshima, que 100.000 km2 ficaram seriamente contaminados e houve significativo

incremento da radiação na atmosfera de toda a Europa, com

exceção da Península Ibérica. O choque que Three Mile Island

provocara nos Estados Unidos agora se repetia na Europa – e com

efeitos reais de muito maior intensidade. Com exceção da França,

os programas de energia nuclear foram imediatamente

interrompidos e países como Itália, Alemanha e Grã-Bretanha

lançaram programas de desativação de sua capacidade já instalada.

As preocupações quanto à segurança, civil e militar, das usinas nucleares passaram a dominar

o debate mundial sobre a modalidade energética e o que, para o almirante Rickover, se havia

mostrado um caminho eficaz para superar o cenário de “fim dos combustíveis fósseis”, como

ele prognosticara em 1957, deixava de ser uma solução global. Ainda teríamos de viver sob a

égide dos hidrocarbonetos.

4.2 Do Ar e da ÁguaFinda a Segunda Guerra Mundial, o cenário mundial de produção e consumo de combustíveis

fósseis estabilizava-se em torno de um arranjo que perduraria por quase trinta anos: o carvão

essencialmente destinado à geração termoelétrica ou ao uso doméstico e de pequenos

empreendimentos nos países em desenvolvimento e o domínio absoluto dos derivados de

petróleo na composição da matriz energética mundial, ao lado do crescente uso de usinas

hidrelétricas de grande porte, nos países e regiões cuja hidrologia se mostrava adequada para

tanto. O mapa mundial da produção petrolífera também assumia um perfil definido, concentrado

essencialmente no Oriente Médio, na região do mar Cáspio, no sudoeste dos Estados Unidos,

na Indonésia e na Venezuela, e dominado por um cartel internacional, o das “Sete Irmãs” – a

5 A sigla RBMK (Reactor Bolshoy Moshchnosty Kanalny) significa Reator de Canaletas de Alta Potência. Trata-se de um modelo de reator pressurizado, que utiliza canaletas individuais de urânio enriquecido, e usa a água ordinária como refrigerador e grafite como moderador. É um reator evoluído a partir de um modelo, cujo objetivo é a produção de plutônio a partir do urânio. A combinação do moderador de grafite e do refrigerador a água é incomum e apresenta como característica negativa principal a instabi-lidade já em níveis baixos de força.

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anglo-holandesa Shell, a britânica BP e as norte-americanas Exxon, Mobil, Chevron, Texaco e

Gulf – com presença secundária da estatal francesa CFP. Por sua vez, Exxon, Mobil e Chevron

eram descendentes diretas da Standard Oil de Rockefeller, que fora obrigada, por decisão

judicial, a se dividir em várias companhias independentes que, no entanto, mantinham estreitas

relações entre si. As atividades de transporte de petróleo e derivados, de refino e de distribuição

aos consumidores finais também eram controladas, em escala internacional, pelo mesmo grupo

de empresas, cuja presença mais visível no dia a dia eram os postos de gasolina com “bandeira”

dessas companhias, operados através de uma rede global de franquias.

A mesma guerra, no entanto, havia despertado sérias preocupações militares e geopolíticas

quanto à segurança do fornecimento e do transporte a longa distância, tanto de petróleo bruto

como de derivados. As operações do exército alemão na África do Norte e no Cáucaso, das

forças armadas japonesas no sul e sudeste da Ásia e a intensidade da guerra submarina alertavam

para a fragilidade de um modelo energético que podia ser muito abalado, de modo relativa-

mente simples, e a isso se adicionava um crescente quadro de mudanças políticas, de sentido

anticolonial e de busca de independência econômica em países do então denominado “terceiro

mundo” que, por sua vez, contavam com o apoio crescente do bloco socialista, então muito

ampliado pela articulação do leste europeu em torno da União Soviética. O quadro agravou-se

ainda mais com a intensidade do inverno de 1946, que revelou o colapso da produção de carvão

na Europa, consequência direta da guerra, e a total dependência que o continente passava a

ter,de fontes “estrangeiras” de energia térmica.

Os Estados Unidos imediatamente se lançaram na busca de soluções que pudessem reduzir

– e, se possível, eliminar – tais fragilidades e riscos e passaram a estudar, simultaneamente, três

rotas diversas e potencialmente complementares: combustíveis sintéticos, uso de gás natural e

alternativas de produção em “territórios mais amigos”.

O caminho da síntese de combustíveis líquidos, principalmente a partir de carvão, despertara

atenção por causa dos esforços de guerra da Alemanha que, não dispondo de fontes próprias de

petróleo e sem acesso às reservas soviéticas do Cáucaso e do Oriente Médio (estas sob controle

direto dos Aliados) e com os campos petrolíferos de seus próprios aliados romenos sujeitos

a contínuos bombardeios e sabotagem, passou a destilar carvão para produção de borracha,

gasolina de aviação, gasolina comum, óleo diesel e óleo combustível. Estimava-se que, em 1944,

tal produção teria atingido a casa dos 125 mil barris/dia.

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Tecnologias e Produção em Escala Social

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Essencialmente, os desdobramentos das atividades de pesquisa e desenvolvimento na

produção de combustível sintético (termo utilizado em contraposição aos combustíveis

derivados dos processos tradicionais de refino do petróleo) resultaram em três novos processos:

conversão do carvão a baixa temperatura (low temperature conversion – LTC), hidrogenação

do carvão e processo Fischer-Tropsch (Stranges, 1997). O processo LTC consistia basicamente

no craqueamento não catalítico do carvão, na ausência de ar, a cerca de 500 °C-700 °C. Apesar

de ser um dos processos tecnicamente mais simples, os rendimentos e qualidade dos produtos

não justificavam os baixos custos de capital e de operação. A hidrogenação do carvão, processo

desenvolvido pelo alemão Friedrich Bergius entre 1910 e 1925, consistia na mistura do carvão

pulverizado com um solvente adequado que, em um reator a alta pressão e a cerca de 400°C, era

hidrogenado e se decompunha nos produtos de interesse. O mais complexo dos processos, que

ficou conhecido pelo nome dos seus idealizadores -os alemães Franz Fischer e Hans Tropsch,

consistia na geração de uma mistura gasosa de hidrogênio (H2) e monóxido de carbono (CO)

que, em contato com um catalisador específico em condições adequadas de temperatura e

pressão, se convertia numa mistura de hidrocarbonetos líquidos (gasolina, querosene, gasóleo

e lubrificantes). A mistura H2 e CO(insumo da conversão catalítica) era obtida por meio da

passagem de vapor d’água sobre o carvão mineral em condições controladas. Desde então, a

mistura H2 e CO passou a ser denominada gás de síntese.

Essa nova tecnologia usa conhecimentos básicos diferentes daqueles empregados nos

processos de refino do petróleo bruto. Os processos de hidrogenação de Fischer-Tropsch têm

sua base científica no estudo da cinética química, cujo entendimento permite avanços na

configuração dos melhores catalisadores e parâmetros de processo.

Além disso, para o desenvolvimento dos catalisadores, cujas

estruturas são formadas por elementos metálicos, os grupos de

pesquisa necessitavam de conhecimentos sólidos em química

inorgânica e em ciência dos materiais6.

Os avanços mais significativos foram obtidos por Alemanha, Japão e Estados Unidos, que,

além das atividades de pesquisa e desenvolvimento, tiveram unidades-piloto e comerciais em

funcionamento. Apesar dos intensos e significativos esforços de pesquisa e desenvolvimento

nesses três novos processos de conversão de carvão em combustíveis líquidos, todos se mostravam

inviáveis do ponto de vista econômico. Os avanços experimentais e a implementação de

unidades produtivas só se justificavam pelo desenrolar da Segunda Guerra Mundial. A baixa

6DunhaM, F.B.; BoMteMpo, J.V.; alMeiDa, E.L.F. Trajetórias tecnológicas em combustíveis sintéticos: análise dos mecanismos de seleção e indução. Revista Brasileira de Inovação, v. 5, n.1, p. 99-129, 2006. http://www.spell.org.br/documentos/ver/24046/trajetorias-tecnologicas--em-combustiveis-sinteticos--analise-dos-meca-nismos-de-selecao-e-inducao.

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4 Extraindo energia dos átomos

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 5

eficiência técnica e os altos investimentos em ativos fixos não justificavam a manutenção das

unidades existentes.

Nos EUA,a realidade dos custos se fez notar: só em um exemplo, o da gasolina comum,

necessária para uma frota norte-americana de 40 milhões de automóveis, o custo do produto

sintético derivado de carvão seria de três vezes e meia o da gasolina extraída do petróleo.

O projeto foi abandonado.

A segunda alternativa examinada estava “nos ares”: quem quer que passasse por uma região

produtora de petróleo veria centenas de colunas de fogo e fumaça, que nunca se extinguiam,

produto da queima contínua de um subproduto inútil que aflorava em conjunto com o óleo.

Desde os primórdios da mineração do carvão em minas profundas já se conhecia a ocor-

rência de gases combustíveis e as seguidas explosões de minas eram sua comprovação mais

evidente. A partir do século XIX desenvolveram-se múltiplas soluções tecnológicas para seu

aproveitamento e produção, por destilação e, como já vimos, criou-se um ramo energético,

principalmente associado à iluminação e ao aquecimento urbanos. Também o transporte de gás

à distância havia sido solucionado pela adoção de gasodutos, semelhantes aos oleodutos, e até

mesmo a Standard Oil criara um truste do gás natural associado ao petróleo, em 1886. Outra

vertente de uso do gás também já fora adotada, ainda que em pequena escala: a reinjeção de

gás sob pressão, em poços que estivessem apresentando perdas na pressão interna e, com isso,

reduzindo a quantidade de petróleo recuperável. O quadro, porém, era de usos marginais e a

maior parte do volume desprendido pelos poços de petróleo era simplesmente dispersada na

atmosfera ou queimada em chaminés. Adicionalmente, os Estados Unidos tinham, também,

grandes reservas de gás natural não associado a petróleo, em formações de xisto e de leitos

carboníferos de metano inclusive.

Mais uma vez, foi uma decisão inicialmente militar que deu origem ao setor de gás natural

nos EUA, que em décadas posteriores se espalharia pelo mundo e ganharia papel geopolítico

quase tão decisivo quanto o de petróleo, tema que examinaremos mais detalhadamente à frente.

Sob influência do Secretário de Defesa e do Comitê das Forças Armadas no Congresso, a partir

de 1947 iniciou-se um grande programa nacional de construção de gasodutos e de subsídios

estatais ao gás natural e, em menos de quatro anos, o consumo de gás natural havia crescido duas

vezes e meia, economizando setecentos mil barris/dia de petróleo bruto.

Outro desenvolvimento tecnológico vital para o setor de gás ocorreria com os processos de

liquefação de gás que, por reduzir em seiscentas vezes o volume correspondente e gerando um

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Tecnologias e Produção em Escala Social

Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 6

composto não corrosivo, viabilizaram seu transporte por navios, trens e caminhões e trouxeram

para o dia a dia de milhões de famílias a figura do botijão de gás, à base de um derivado do

gás natural e do petróleo, o GLP (gás liquefeito de petróleo), mais um método prático de

distribuição e de custo acessível a uma boa fonte de energia térmica.

O terceiro caminho explorado a partir da década de 1950 foi o das águas: a busca de

petróleo – e, posteriormente, de gás natural – no subsolo de mares e lagos. Aqui foi requerido

um enorme conjunto de novas técnicas, desde previsões mais acuradas sobre o comportamento

do clima e das marés, para dimensionamento de estruturas sobre as águas, até novas técnicas de

análise geológica, perfuração sob água e desenvolvimento de ligas metálicas mais resistentes à

corrosão salina e às mais diversas tensões, resultantes das águas em movimento. A primeira ex-

periência bem-sucedida, em escala industrial, aconteceria nas costas do golfo do México, a mais

de quinze quilômetros do litoral do estado da Luisiana, em 1947. Era o marco inicial de uma

nova frente petrolífera, que resultaria em operações tão importantes como as que hoje ocorrem

no golfo do México, no Mar do Norte, nas costas africanas e do Alasca, no golfo Pérsico, nos

grandes lagos e mares interiores russos, na Venezuela caribenha e no litoral atlântico do Brasil.

ReferênciasBagnato, V.S.; Muniz. S.R. Estrutura da Matéria. Licenciatura em Ciências USP/Univesp. 2013.

Borges, A. N. (2011). O Lixo Atômico. Disponível em: <http://www.pucgoias.edu.br/ucg/

prograd/graduacao/home/secao.asp?id_secao=6091&id_unidade=43>. s.d.

DunhaM, F.B.; BoMteMpo, J.V.; alMeiDa, E.L.F. Trajetórias tecnológicas em combustíveis sintéticos:

análise dos mecanismos de seleção e indução. Revista Brasileira de Inovação, v. 5, n.1,

p. 99-129, 2006. Disponível em: <http://www.spell.org.br/documentos/ver/24046/

trajetorias-tecnologicas-em-combustiveis-sinteticos--analise-dos-mecanismos-de-selecao-e-

inducao>. Acesso em 11/2014.

Agora é a sua vez...Finalizada a leitura do texto, realize a atividades online

para verificar o seu aprendizado sobre o assunto que foi tema de estudo desta aula.