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ESTUDO PARA AVALIAR A ALIMENTAÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR ATRAVÉS DE MÉDIAS DO CONSUMO FAMILIAR* Rosa Nilda MAZZILLI ** RSPU-B/232 MAZZILLI, R. N. — Estudo para avaliar a alimentação do pré-escolar através de médias do consumo familiar. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 8:375-89, 1974. RESUMO: Foi verificada a possibilidade de avaliar a ingestão alimentar do pré-escolar, através de médias do consumo familiar obtidas por dois processos. Foi utilizada na pesquisa uma amostra de 54 famílias e 85 pré-escolares de 2|—7 anos de idade, pertencentes a duas cidades paulistas. Os pré-escolares foram divididos em dois grupos, segundo o número de crianças por adulto na família. Para o levantamento dos dados referentes ao consumo alimentar da família e individual do pré-escolar, durante 24. horas, foi utilizado o método da pesagem direta dos alimentos combinado com o recordatório. Os resultados da ingestão individual do pré-escolar e das médias obtidas foram comparados na respectiva família. Ficou evidenciado que é necessária a realização do inquérito individual para avaliar a ingestão real de nutrientes do pré-escolar. Para estudos de grupos populacionais, entretanto, possibilidade de se utilizar a média por "equivalente criança" (ME) de proteínas totais e a média por pessoa (MF) de cálcio na estimativa do consumo desses nutrientes dos pré-esco- lares, qualquer que seja a composição familiar. Para os demais nutrientes os resultados sugerem a utilização da média por pessoa ou da média por "equiva- lente-criança", segundo a maior ou menor concentração de adultos na família. UNITERMOS: Inquérito alimentar*; Pré-escolar*; Consumo de alimentos (método de avaliação) *. * Resumo da dissertação apresentada no Departamento de Nutrição da Faculdade de Saú- de Pública da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de "Mestre em Saúde Pública" ** Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP — Brasil 1. INTRODUÇÃO Nos países em desenvolvimento, a des- nutrição constitui ainda grave problema de saúde pública, atingindo os grupos vul- neráveis, em particular os pré-escolares. A desnutrição é problema de causas múltiplas, entre as quais merecem desta- que as que se encontram intimamente re- lacionadas com a disponibilidade dos ali- mentos, a renda familiar determinando o poder aquisitivo, o desconhecimento do valor dos alimentos e os hábitos e tabus alimentares, causas estas que incidem di- retamente sobre o consumo alimentar das famílias. A influência desses fatores po- derá ser maior sobre a criança, a partir do momento em que o leite materno não for suficiente para atender suas necessidades de crescimento e de desen-

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ESTUDO PARA AVALIAR A ALIMENTAÇÃO DO PRÉ-ESCOLARATRAVÉS DE MÉDIAS DO CONSUMO FAMILIAR*

Rosa Nilda MAZZILLI **

RSPU-B/232

MAZZILLI, R. N. — Estudo para avaliar a alimentação do pré-escolar atravésde médias do consumo familiar. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 8:375-89, 1974.

RESUMO: Foi verificada a possibilidade de avaliar a ingestão alimentar dopré-escolar, através de médias do consumo familiar obtidas por dois processos.Foi utilizada na pesquisa uma amostra de 54 famí l ias e 85 pré-escolares de2|—7 anos de idade, pertencentes a duas cidades paulistas. Os pré-escolaresforam divididos em dois grupos, segundo o número de crianças por adulto nafamíl ia. Para o levantamento dos dados referentes ao consumo alimentar dafamília e individual do pré-escolar, durante 24. horas, foi utilizado o métododa pesagem direta dos alimentos combinado com o recordatório. Os resultadosda ingestão individual do pré-escolar e das médias obtidas foram comparadosna respectiva família. Ficou evidenciado que é necessária a realização doinquérito individual para avaliar a ingestão real de nutrientes do pré-escolar.Para estudos de grupos populacionais, entretanto, há possibilidade de se utilizara média por "equivalente criança" (ME) de proteínas totais e a média porpessoa (MF) de cálcio na estimativa do consumo desses nutrientes dos pré-esco-lares, qualquer que seja a composição familiar. Para os demais nutrientes osresultados sugerem a utilização da média por pessoa ou da média por "equiva-lente-criança", segundo a maior ou menor concentração de adultos na família.

UNITERMOS: Inquérito alimentar*; Pré-escolar*; Consumo de alimentos(método de avaliação) *.

* Resumo da dissertação apresentada no Departamento de Nutrição da Faculdade de Saú-de Pública da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de "Mestre em SaúdePública"

** Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo,715 — São Paulo, SP — Brasil

1. I N T R O D U Ç Ã O

Nos países em desenvolvimento, a des-nutrição constitui ainda grave problemade saúde pública, atingindo os grupos vul-neráveis, em particular os pré-escolares.

A desnutrição é problema de causasmúltiplas, entre as quais merecem desta-que as que se encontram intimamente re-lacionadas com a disponibilidade dos ali-mentos, a renda familiar determinando o

poder aquisitivo, o desconhecimento dovalor dos alimentos e os hábitos e tabusalimentares, causas estas que incidem di-retamente sobre o consumo alimentar dasfamílias. A influência desses fatores po-derá ser maior sobre a criança, a partirdo momento em que o leite materno jánão for suficiente para atender suasnecessidades de crescimento e de desen-

volvimento ou, ainda, quando ela se vêprivada desse alimento, recebendo em seulugar uma alimentação inadequada. Atendência cada vez maior para o desma-me precoce 1, 15, 20, 22 pode ser outro fa-tor importante no desencadeamento dadesnutrição.

Na maioria dos países tropicais a mánutrição está estreitamente relacionadacom o período de desmame. Entretanto,BALDO 2, em pesquisa sobre a má nutri-ção protéico-calórica no distrito de SãoPaulo (1971), não observou essa associa-ção, verificando maior prevalência de mánutrição entre as crianças de 4 a 5 anosde idade.

A desnutrição na infância não se re-flete somente no crescimento físico e ma-turação óssea da criança, mas poderá re-percutir também no seu desenvolvimentomental 1, 6, 7, 19.

É necessário investigar a importânciade cada uma dessas causas determinantesdo problema nutricional de uma comuni-dade e assim estabelecer prioridades, afim de que os programas preventivos dadesnutrição infantil e de promoção dasaúde em geral atendam às necessidadesreais daquela população.

O conhecimento da disponibilidade dosrecursos locais, especialmente no que serefere aos alimentos regionais, e o dospadrões culturais constituem aspectos pre-ponderantes para a solução do problemada desnutrição. Sentimos a importânciado conhecimento dessas informações, emsituações experimentais vividas no campo.

Tivemos oportunidade de observar,através de levantamentos sobre consumoe hábitos alimentares * em comunidadesdo Vale do Ribeira, que nessa região exis-te o peixe em abundância e, entretanto,essa fonte de proteína animal não é apro-veitada adequadamente. Entre os fatoresque interferem no baixo consumo dessealimento está o tabu alimentar impedindo,

por exemplo, a ingestão do peixe pelascrianças que tanto se beneficiariam dessaproteína de alto valor biológico.

Os responsáveis pela execução dos pro-gramas, de posse dessas informações, esta-rão mais capacitados para proporem asmedidas que serão melhor aceitas pelasmães no sentido de orientação corretapara alimentar os filhos, sem onerar oorçamento destinado à compra de ali-mentos.

Nos últimos vinte anos, os problemasnutricionais têm sido objeto de maior preo-cupação, o que se evidencia pela intensi-ficação das pesquisas em todo o mundo,A maior parte desses estudos tem inves-tigado o consumo familiar e os hábitosalimentares, sem, entretanto, informar adistribuição dos alimentos entre os com-ponentes da família 8, 12.

É importante o conhecimento do con-sumo alimentar individual de pré-escola-res ou de elementos de outros grupos vul-neráveis, pois, é através desse conhecimen-to que saberemos se estão sendo atendi-dos seus requerimentos nutricionais. Emrelação ao consumo alimentar do pré-esco-lar, por fatores sociais e culturais ou porpreferência individual, a criança pode es-tar recebendo alimentação insuficiente einadequada para atender a demanda deseu crescimento e desenvolvimento5, 8,

12, 15.

As pesquisas sobre consumo individualsão menos freqüentes do que aquelas rea-lizadas em nível familiar, pelos problemasque se apresentam para sua execução, exi-gindo pessoal melhor treinado e maiorinvestimento financeiro. Ainda, quandose trate de investigar o consumo alimentarde pré-escolares, FLORES et al.9, 10 reco-mendam que seja realizado também o es-tudo concomitante do consumo familiar.Talvez, seja essa a razão pela qual naliteratura encontra-se escassa referência arespeito de investigações sobre o consu-

* Inquéritos alimentares em 1968/1969, realizado pelo Departamento de Nutrição da Faculdadede Saúde Pública da USP — dados inéditos.

mo alimentar individual de pré-escolarese, principalmente, comparando-o com amédia familiar, visando conhecer as dife-renças entre a ingestão de alimentos dacriança e dos demais elementos da família.

FLORES et al.9, estudando a dieta dafamília e do pré-escolar em três comuni-dades indígenas da Guatemala, durantequatro anos consecutivos, verificaram quea ingestão média de nutrientes entre ascrianças apresentou diferenças muito pe-quenas, não só para as três localidades,como também de ano para ano, com ex-ceção das vitaminas A e C. Quando aingestão alimentar da criança foi compa-rada com o consumo médio por pessoana respectiva família, constataram que elarecebia, aproximadamente, 50% daquelevalor para todos os nutrientes estudados.Esses resultados foram considerados bai-xos pelos autores, memo quando a inges-tão média na família era adequada.

A necessidade de informações sobre oconsumo alimentar do pré-escolar e asdificuldades para sua obtenção, sugeriu-nos o presente estudo, que investiga apossibilidade de se utilizar a média porpessoa e/ou a média por "equivalente-criança", obtidas através do consumo ali-

mentar da família, como estimativa daingestão da criança. Acreditamos, assim,poder contribuir para melhorar o conhe-cimento do padrão alimentar do pré-esco-lar, grupo vulnerável de difícil acesso e,por essa razão, pouco atingido pelos pro-gramas de assistência alimentar. SegundoKEVANY 13 o pré-escolar faz parte de umgrupo "esquecido no planejamento eco-nômico nacional pela contribuição apa-rentemente escassa como força produtivada nação". É preciso lembrar que essapopulação menor de 5 anos de hoje, cujaproporção chega a cerca de 18% nasregiões em desenvolvimento13, dentro dealguns anos será a força produtora ativado país.

É evidente que o conhecimento da in-gestão alimentar desse grupo etário, atra-vés do consumo familiar, será informação

valiosa no planejamento de programas desuplementação alimentar, uma vez que en-volve menor investimento de recursos hu-manos e financeiros do que aqueles exigi-dos para o inquérito individual.

Atualmente, com a implantação dosCentros de Educação e Alimentação doPré-escolar (CEAPE)11, na cidade de SãoPaulo e no interior do Estado — progra-ma destinado a prestar assistência e edu-cação alimentar aos pré-escolares, con-tando com a participação ativa da mãe— será de fundamental importância oconhecimento da ingestão de nutrientesdesse grupo etário para que aquele pos-sa atender às reais necessidades nutriti-vas da criança.

1.1. Objetivo

O objetivo proposto foi verificar a pos-sibilidade de utilização da média por pes-soa ou da média por "equivalente-crian-ça" do consumo alimentar da família, pa-ra estimar a ingestão individual do pré-escolar, nos inquéritos alimentares de ní-vel familiar.

2 . M E T O D O L O G I A

2.1. Descrição da área

O levantamento foi realizado em amos-tra da população das cidades paulistas deGetulina e Mirante do Paranapanema, per-tencentes às 7.a e 10.a Regiões Adminis-trativas da Secretaria de Economia e Pla-nejamento do Estado de São Paulo, res-pectivamente 17, 18.

Essas comunidades foram as escolhidas,em 1972, para a realização do inquéritoalimentar que se destina, primordialmen-te, ao treinamento dos alunos do Curso deGraduação de Nutricionistas da Faculda-de de Saúde Pública da Universidade deSão Paulo.

A economia das comunidades estudadasé essencialmente agro-pecuária, sendo seus

principais produtos agrícolas o amendoim,feijão, milho, café e algodão. A pecuáriaestá representada, principalmente, pelogado de corte e, em menor escala, pelasaves e suínos.

2 .2 . Amostra

Nos municípios de Getulina e de Mi-rante do Paranapanema havia, em junhode 1972, respectivamente, 835 e 1015 fa-mílias, perfazendo um total de 1850 *.Tomando cada município como um estra-to, destas 1850 foi sorteada uma amostracasual estratificada com partilha igualcomposta de 168 famílias. Destas, foramexcluídas aquelas famílias que não tinhamcrianças de 2 |— 7 anos, restando 54famílias que contavam com crianças nes-se grupo etário, num total de 85 pré-esco-lares. Desta forma, a nossa amostra re-presenta uma sub-amostra da que foi uti-lizada para o inquérito alimentar. A dis-tribuição dessas famílias, segundo o nú-mero de crianças por família está na Ta-bela 1.

Apresentando as famílias em estudo,composição muito variada quanto à pro-porção entre o número de pré-escolares eo de adultos, julgamos de interesse divi-dir as 85 crianças amostradas em doisgrupos, segundo a relação criança/adul-to **, para verificar se o número de adul-tos na família poderia influir sobre asmédias por pessoa e por "equivalente-cri-ança", quando comparadas com o con-sumo individual do pré-escolar.

Para determinar o valor da relaçãocriança/adulto, correspondente a cada fa-mília, considerou-se como criança todosos elementos de 0 |— 7 anos de idade ecomo adulto, os elementos de 7 anos emais da família.

Para a divisão dos pré-escolares em 2grupos, considerou-se a distribuição defreqüência das 85 crianças, conforme ovalor da relação criança/adulto na famí-lia, apresentada na Tabela 2.

Determinando-se a mediana da distri-buição encontrou-se o valor Md = 0,44

* Da relação destas famílias foram excluídas aquelas cujos componentes participavam derefeições em bares, bem como aquelas residentes em hotéis e pensões.

** A relação criança/adulto, na famíl ia , significa o total de crianças para o total de adultos nafamília.

(correspondente a uma criança/2 1/4 adul-tos), o qual foi adotado como valor divi-sório para a formação dos 2 grupos das85 crianças. Assim procedendo, ficaramno grupo 1 todas as crianças, cujas famí-lias tiveram a relação criança/adulto <

0,50; e, no grupo 2, aquelas em cujas fa-mílias essa relação foi 0,50.

Distribuindo-se as 85 crianças perten-centes às 54 famílias, de acordo com arelação criança/adulto na família à qualpertenciam, obtivemos a Tabela 3.

2.3. Método

Para se atingir o objetivo proposto fo-ram utilizadas a média por pessoa e a mé-dia por "equivalente-criança", bem como aingestão individual do pré-escolar, obti-das através de levantamento dos dadosreferentes à quantidade dos alimentos in-geridos por crianças de 2 |— 7 anos deidade e respectivas famílias.

Empregou-se, na coleta dos dados, ométodo da pesagem direta combinado como recordatório, em entrevista com a mãeou a pessoa responsável pelo preparo edistribuição dos alimentos na família.

Cada família foi visitada durante doisdias consecutivos para se conhecer o con-sumo alimentar de 24 horas. As quanti-dades dos alimentos foram obtidas porpesagem direta e estimativa das medidascaseiras, registrando-se, simultaneamente,o consumo da família e da criança.

Os dados foram coletados por alunos do3.° ano do Curso de Graduação de Nutri-cionistas, no período de 9 a 22 de outubrode 1972, durante o inquérito alimentarem nível familiar, já referido. Esses alu-nos foram submetidos a treinamento espe-cial, visando padronizar a entrevista e oregistro das informações. Nessa ocasiãotomaram conhecimento do objetivo da in-vestigação e foram alertados sobre a im-portância da precisão e fidedignidade dosdados a serem obtidos. Durante o levan-tamento houve supervisão direta e contí-nua dos agentes de campo, sendo reali-zadas reuniões diárias para dirimir aseventuais dúvidas surgidas nas entrevis-tas ou no registro das informações.

Para o cálculo da ingestão de nutrien-tes da família e da criança foi utilizadaa Tabela de Composição Química dosAlimentos 21. Os dados obtidos foram co-dificados no Centro de Computação Ele-trônica da Universidade de São Paulo.

Para alcançarmos o nosso objetivo, alémdo consumo individual da criança (CR),obtivemos dois tipos de média, baseadosno consumo alimentar da família: a mé-dia por pessoa e a média por "equiva-lente-criança". A média por pessoa (MF)é o resultado da divisão da quantidade to-tal de cada alimento consumido na famí-lia pelo número de seus componentes, le-vando-se em conta a presença dos mes-mos às refeições do dia, bem como o va-lor atribuído a cada refeição 16. A médiapor "equivalente-criança" (ME) é o re-sultado da divisão da quantidade total decada alimento consumido na família pelasoma de seus componentes familiares emtermos de "equivalente-criança", conside-rando-se a presença dos mesmos às refei-ções do dia e o valor de cada refeição.Adotamos como "equivalente-criança" osvalores de 1/2 a uma unidade, dependen-do da idade do pré-escolar investigado, se-gundo os dados apresentados na Tabela4. Para a elaboração desta Tabela, FLORESet al. * basearam-se nos requerimentos nu-tricionais da FAO (Food Agriculture Orga-nization) estabelecidos para o "homem e amulher de referência", considerando, "emparte as necessidades fisiológicas do indiví-

duo". Assim, atribuindo-se os valores cor-respondentes aos elementos de cada família,determinamos a soma dos "equivalentes-criança" da família. Dividindo-se a quan-

tidade total de alimentos consumidos na fa-mília pela soma dos "equivalentes-crian-ça" obtivemos a ingestão alimentar dacriança. Utilizando a Tabela de Compo-sição Química dos Alimentos 21 chegamos àME ou à MF de calorias e de nutrientesde cada pré-escolar.

2.4. Material

2.4.1. Balanças: Para a pesagem dosalimentos foram usados dois tipos de ba-lanças:

1. pesa-cartas, adaptado para pesos dealimentos, capacidade máxima 500 ge divisões de 10/10 g;

2. doméstico, com mola, capacidade má-xima 2 kg e divisões de 50/50 g.

2.4.2. Medida volumétrica: Para ob-ter o volume das medidas e utensílios ca-seiros, empregamos a medida volumétrica,de plástico, capacidade de 1.000 ml egraduação de 50/50 ml.

* Comunicação pessoal.

2.4.3. Formulário: Para o registrodos dados sobre o consumo alimentar dafamília e da criança, utilizou-se formulá-rio apropriado.

2.5. Tratamento estatístico

Para a análise estatística dos resultadosforam considerados dois grupos:

Grupo 1: constituído pela totalidade decrianças de 2 |— 7 anos de idade e per-tencentes a famílias onde, para cadacriança, o número de adultos é maior que2 (relação criança/adulto < 0.50).

Grupo 2: constituído pela totalidade decrianças de 2 |— 7 anos de idade e per-tencentes a famílias onde, para cada cri-ança, o número de adultos é igual ou me-nor que 2 (relação criança/adulto0,50).

Para atender ao objetivo do trabalhocompararam-se os resultados das médiaspor pessoa e por "equivalente-criança"com o consumo individual da criança, re-ferentes a calorias e seis nutrientes: pro-teínas (totais e de origem animal), cálcio,vitaminas A, B1, B2 e C. Nesse sentido,foram realizados testes de significância, decomparação entre médias de duas popu-lações correlatas3. Tentou-se, ainda, ve-rificar a existência de uma relação entrea média por pessoa na família e o con-sumo individual da criança, estudando-seas correlações entre essas variáveis e otipo de regressão, descrevendo a relaçãoentre as mesmas. Para tanto, foram rea-lizados testes dos coeficientes de correla-ção 14 e testes de linearidade e de horizon-talidade 4.

3. RESULTADOS E COMENTÁRIOS

Os resultados do consumo individual(CR) e das médias por pessoa (MF) epor "equivalente-criança" (ME), referen-tes à amostra dos grupos 1 e 2, são apre-sentados nas Tabelas 5 e 6.

4.1. Testes de significância

Para cada criança temos os valores decalorias e de nutrientes avaliados pelostrês métodos.

Para verificar qual das duas médias(MF ou ME) pode ser utilizada na ava-liação do consumo individual (CR) dacriança, realizamos a primeira série detestes de significância de comparação en-tre médias de duas populações correlatas.

Para ambos os grupos, testou-se a hi-pótese de que a totalidade dos valoresque representam a diferença absoluta en-tre ME e o CR e entre a MF e o CR têma mesma média, contra a hipótese alter-nativa de que a primeira diferença |ME-CR| tem média menor do que a segun-

da| MF-CR|.

Os resultados dos testes de significâ-ncia mostraram que, em média, o erro se-

rá menor quando se utilizar a ME paraa avaliação do consumo de calorias e deproteínas totais da criança, independen-temente da concentração de adultos nafamília. Entretanto, para os demais nu-trientes estudados, com exceção da vitami-na B1 do grupo 1, pode-se concluir que,em média, o erro será o mesmo, qualquerque seja o processo (ME ou MF) usadona avaliação do consumo de nutrientes decrianças desse grupo etário.

Para completar nosso estudo procuramossaber, primeiramente, se a ME pode serconsiderada equivalente ao CR de calo-rias e de nutrientes da criança. Comessa finalidade realizamos a segunda sé-rie de testes de significância, de compa-ração entre médias de duas populaçõescorrelatas. Portanto, para as calorias epara cada um dos nutrientes foi testada,para os grupos 1 e 2, a hipótese de que adistribuição dos valores da ME e a dis-tribuição dos valores do CR têm médiasiguais, contra a hipótese alternativa deque essas médias sejam diferentes.

Pelos resultados dos testes aplicados,chegou-se à conclusão que há possibili-dade de se utilizar:

— a ME de calorias, de proteína animale de vitaminas A e C, para avaliar oCR médio desses nutrientes no grupode pré-escolares, em cujas famílias ha-via mais de 2 adultos para cada crian-ça (relação criança/adulto < 0,50) ;

— a MF das vitaminas A e C na avalia-ção do CR médio para esses nutrien-tes, em cujas famílias havia 2 ou me-nos adultos para cada criança (relaçãocriança/adulto 0,50) ;

— a ME de proteínas totais e de vitami-na B1, independentemente da compo-sição familiar;

— a MF de cálcio, independentemente dacomposição familiar.

Ao analisarmos conjuntamente os da-dos obtidos nos testes de significância apli-cados para verificar qual o tipo de mé-dia do consumo alimentar (ME ou MF)está mais próximo do consumo real (CR)da criança e ou se a média por "equiva-lente-criança" pode ser considerada com-parável ao CR, fomos levados a aceitarque a média das médias por "equivalen-te-criança" (ME) de proteínas totais po-de ser considerada igual à média do con-sumo real (CR) de proteínas totais, parao grupo etário de 2 |— 7 anos.

Pelo exposto, verificamos que não éaconselhável o emprego da ME na ava-liação do CR de proteínas totais nos estu-dos em que há necessidade de se conhe-cer, com maior precisão, o consumo indi-vidual nesse grupo etário. Entretanto, pa-ra os estudos populacionais a ME podeser utilizada para avaliar o CR médio deproteínas totais de pré-escolares.

Não sendo recomendável nenhum tipode média do consumo alimentar da fa-mília para avaliar a ingestão individualde nutrientes do pré-escolar, tentamos en-contrar uma relação através da qual, co-nhecendo-se a média por pessoa na fa-mília (MF), nos fosse possível estimar oconsumo individual da criança dentro darespectiva família. Demos preferência àMF por ser a média obtida por metodo-

logia já padronizada, internacionalmenterecomendada e usada para a apuração dosinquéritos alimentares, permitindo a com-parabilidade dos resultados de levanta-mentos nas diferentes áreas ou regiões. AME já foi obtida empregando-se os da-dos da Tabela 4, propostos pelos autorespara complementação das informações nosinquéritos individuais e não é utilizadahabitualmente para avaliar a ingestão to-tal de nutrientes. Nesse aspecto, nossoobjetivo foi encontrar uma metodologiade mais fácil aplicação, utilizando dadosdos quais já se tem disponibilidade.

A relação que nos propusemos encon-trar seria dada por uma expressão queexigiu a aplicação de uma série de testes,com determinada seqüência. Primeira-mente, realizamos o teste do coeficiente decorrelação entre as duas variáveis (CR eMF) para os grupos 1 e 2. Os resultadosdo teste permitiram aceitar a correlaçãoentre a MF e o CR de todos os nutrien-tes, com exceção da proteína animal emambos os grupos e da vitamina C, nogrupo 2.

A seguir, para os Nutrientes cuja cor-relação foi aceita, procurou-se uma ex-pressão relacionando as variáveis MF eCR. Inicialmente foi estimada a reta deregressão da variável CR na variável MF.Testou-se a linearidade, a qual foi aceitaapenas para cálcio e vitaminas B1 e B2

do grupo 1. Para estes nutrientes, nessegrupo, aplicou-se o teste de horizontalida-de, o qual não foi aceito para nenhumdeles, obtendo-se a reta de regressão esti-mada e as expressões dos limites do inter-valo de confiança de 95% para o valorde CR correspondente a um valor de MF.Obtivemos, ainda, o intervalo de confian-ça na previsão de um valor de CR paraa MF igual ao valor médio das MF daamostra nos grupos 1 e 2.

Para os nutrientes em que não se acei-tou a linearidade da regressão do CR emMF, foi aplicado um teste de regressão afim de se verificar se aceitaríamos umacurva exponencial que descrevesse a re-

lação entre essas duas variáveis. Tal hi-pótese foi também rejeitada para todos oscasos.

Nos casos para os quais foi aceita alinearidade dessa regressão, cálcio e vi-taminas B1 e B2 do grupo 1, ainda assim,verificamos, com uma confiança de 95%,que o intervalo para a estimativa do CRdada a MF foi muito grande. Uma am-plitude tão elevada do intervalo não re-comenda a sua aplicação na estimativado consumo individual do pré-escolar.

Revendo a literatura a respeito do con-sumo alimentar individual da criança, re-lacionando-o com a ingestão média nafamília, não encontramos nenhum estudoque nos permitisse comparação com osnossos resultados. Estudo semelhante aeste, aplicando teste de coeficiente de cor-relação, foi realizado por FLORES et al.10

em uma área rural da Guatemala, masempregando a porcentagem de adequaçãodos nutrientes da família e da criança,enquanto nós utilizamos o consumo dosmesmos.

Acreditamos que os resultados por nósencontrados estejam influenciados pelagrande variabilidade do tipo de alimen-tação dado às crianças, uma vez que ogrupo etário investigado abrangeu cincofaixas de idade, isto é, pré-escolares de2 |— 7 anos.

Analisando os formulários observamosque aquelas famílias que podiam adquiriralimentos mais apropriados para as crian-ças, como o leite e as frutas, destinavamestes a 1 ou 2 crianças mais novas, mes-mo que na família houvesse outros pré-escolares para os quais os alimentos men-

cionados são de importância fundamental.Em outras famílias, mesmo as crianças deum ano não recebiam o leite, tendo ali-mentação igual à dos adultos. Nesses ca-sos, o baixo poder aquisitivo determinouo tipo de alimentação da criança, emboraa mãe estivesse consciente das necessida-des alimentares de seus filhos. Assim ve-rificamos que, conforme a possibilidadeeconômica da família, a alimentação dascrianças de 2 e 3 anos, de modo geral,

recebia maior atenção por parte da mãedo que a alimentação daquelas em ida-des superiores, fato esse também observa-do por BALDO 2. Desta forma, podemosatribuir a essas observações a falta decorrelação entre o CR e a MF para pro-teína animal nos dois grupos e vitaminaC, no grupo 2, por serem as frutas e oleite os maiores veiculadores desses nu-trientes na alimentação da criança.

A análise dos resultados evidencia as-pectos a serem esclarecidos, o que somen-te será possível através da repetição depesquisas semelhantes, utilizando amos-tras maiores, estratificadas segundo a com-posição familiar e as diferentes faixas deidade desse grupo etário.

Sugerimos que em investigações comoesta, as entrevistas para a coleta de infor-mações sejam realizadas no mesmo dia,isto é, duas visitas diárias para a obten-ção do consumo alimentar de 24 horasdas crianças. Assim, essas informações se-rão obtidas na hora da refeição ou logoapós, o que propiciará maior veracidadedos dados, principalmente nas famílias quecontam com mais de um pré-escolar.

4. C O N C L U S Õ E S

Do estudo para avaliar o consumo ali-mentar individual de crianças de 2 |— 7anos de idade, através de dois processosde obtenção de média na família, chega-mos às seguintes conclusões:

1 — Para estudos populacionais há pos-sibilidade de se usar a média por "equi-valente-criança" (ME) na estimativa doconsumo médio de proteínas totais de pré-escolares, qualquer que seja a composi-

ção familiar.2 — A ingestão real de nutrientes do

pré-escolar deve ser avaliada através deinquérito individual.

3 — Para investigações em grupo dapopulação é possível estimar o consumomédio de calorias e de vitamina C, atra-vés da média por "equivalente-criança",para a faixa etária de 2 |— 7 anos, quan-

do a relação criança/adulto for < 0,50.Para os pré-escolares, cuja relação crian-ça/adulto for 0,50, é possível avaliaro consumo médio de proteína animal e devitamina A, através da ME.

4 — Para estudos populacionais, hápossibilidades de se avaliar o consumomédio das vitaminas A e C, através daMF, quando a relação criança/adulto for

0,50.5 — A utilização da ME de proteínas

para avaliar a ingestão do grupo de 2 |— 7

anos de idade, baseada no consumo fa-miliar, fornecerá informações úteis no pla-nejamento de programas adequados de su-plementação proteica aos pré-escolares.

6 — É necessária a realização de outraspesquisas semelhantes para se conhecerem,com maior profundidade, as característi-cas que envolvem as diferenças alimenta-res entre os pré-escolares, abrangendotambém, se possível, os de um ano, massubdivididos em faixas etárias de ano emano, até 5 anos de idade.

RSPU-B/232

MAZZILLI, R. N. — [A study to avaluate the feeding of the preschool childthrough the family average intake.] Rev. Saúde públ., S. Paulo, 8:375-89,1974.

SUMMARY: The possibility of evaluating the feeding of the preschoolchild by measuring the family intake averages obtained by two processes washere studied. A sample of 54 families and 85 preschool children aged 2 to 7years belonging to two cities of the State of S. Paulo was used. The childrenwere divided into two groups, according to the child/adult relationship in eachfamily. The dietary data refering to the children and families were obtainedby applying the record dietary method combined with the recall method during24 hours. The results of the individual intake of the preschool children andthe mean family intake obtained were compared within each family. It wasshown that in order to discover the preschool individual intake of nutrientsit is necessary to carry out individual dietary surveys. However, for populationgroup studies it is possible to use the average per "equivalent-child" for totalproteins and calcium, whatever the family composition. As regards the othernutrients the results suggest the utilization of the family mean or the "equi-valent-child", according to the family composition.

UNITERMS: Food*; Preschool children*; School Health*.

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Recebido para publicação em 9/9 /1974.Aprovado para publicação em 4/10 /1974