esperando deus

69
1

Upload: teatro-kaos

Post on 24-Jul-2016

241 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Esperando deus

1

Page 2: Esperando deus

2

Gênero pós-existencialista

Linguagem estética simbólica Registro Interpretativo expressionista Clownesco Hipernaturalista Naturalista Personagens pozzo Estragon Vladimir Lucky

Espaço arena, não há separação entre atores e espectadores. Cenário atemporal, desértico, duas árvores estilizadas. Elásticos e balões moldam as suas formas. Pelo espaços folhas secas Espalhadas pelo chão. Os balões estão recheados com infinitos Objetos. Além de quê, dois personagens, vladi e estra e toda a plateia Ativa, fazem parte indissolúvel do cenário. Não se pode considerar o Espaço cênico sem esses elementos.

Luz são utilizadas as luzes das quatros estações do ano Sonoplastia sons e ruídos da natureza, tendo como base o tic-tac Dum relógio, intercalados com uma canção triste mexicana. Interpretação o trabalho de ator tem como base, uma linguagem Clownesca, sem no entanto cair na convenção das leis que regem as Ortodoxas regras do clown mais do que qualquer coisa, o que nos Remete ao clownesco é a

estética e a linguagem corporal, já o seu Estado psicológico seria de um hipernaturalismo levado ao extremo nos seus sentimentos. O trabalho assim, adquire em momentos da obra Uma estética e um registro próximos do que

convencionamos chamar De expressionista. Contra-cena ator / espectador (direta / passiva) não há conflito Direto entre os personagens, toda a contra-cena passa pelos olhos Do público incauto, cada elemento que passivamente assiste é um elo De ligação entre as relações

surgidas na cena, deslocando Sensivelmente o olhar do público já não tão passivamente cético. Tema a imobilidade do ser perdido nos tempos de muralhas virtuais Que travam nossos movimentos impedindo-nos de avançar no caminho Que não se mantém estático em nossas muralhas feudais.

Algumas considerações sobre Esperando dEUS A espera, a interminável espera. O acomodar-se. A espera que

os nossos problemas, os nossos sonhos, as nossas felicidades, as nossas inquietações, sejam resolvidas por outrem.

Um deus, talvez um político, talvez um papa, talvez um outro qualquer, desde que não sejamos nós próprios. Os

sonhos infantis, traçados com a vida das nossas abstrações mais lúcidas. A vida, dura e escaldante do nosso mundo

metrópole. O medo que nos rodeia, nos imobiliza. A indignação com o momento presente. A constante manifestação

inconformista que nos mantém na espera absoluta da mudança fatal. Tão desejada, tão reclamada, mas que a nossa

coragem limitada, obriga-nos a gritar pelos cantos, como velhos rabugentos, que nos seus guetos escuros, vociferam

contra toda a humanidade, mas não são capazes de abrir a braguilha de suas calças, e que acabam urinando em

suas pernas esqueléticas, esquecidas e deformes. O desejo que nos move é a vontade da mudança, de bater nossas

asas, de olhar nos olhos da criança na rua e dizer-lhe que não é bem assim, que nem tudo está perdido, que as

bestas que nos trazem a infelicidade perene, são coisas que passam. Talvez poder dizer, quem sabe, que podemos

cambiar nossos ares, talvez Transmutarmos em criaturas felizes, talvez. Talvez tentar sempre. Não desistir no meio

do caminho. Levar o caminho pra frente, mesmo que seja somente com a barriga. Mas caminhar, não parar, não

sentar. Correr atrás dos sonhos perdidos. É isso não parar, correr exaustivamente atrás de nossos sonhos perdidos

num passado recente.

Pozzo é o senhor todo poderoso dos limites que a sua vista permitem ver. Adquiriu tamanho poder com o sacrifício

dos desavisados. Juntou em suas mãos, todo o poder do conhecimento humano. Mitificou dogmas, e descobriu,

depois de séculos de estudos e pesquisas infindáveis, o segredo fragilizado da raça humana. Reunido de

conhecimento e auto determinação, traçou seu destino. Teve de ser cruel e impiedoso consigo mesmo, pois só assim

o poderia ser com outras criaturas também. Seu poder é tão grande que não conseguimos ter uma visão totalitária

de sua força, pressentimos apenas que ela anda por aí, interferindo em nossos caminhos, dificultando o nosso viver.

O poder camuflante das suas forças, confundem-nos a todo o instante.

Alguns objetos que marcam a presença de Pozzo Não há- O que marca sua presença é sua autodeterminação,

sua eloquência, sua retórica e, principalmente seu poder de manipulação.

Lucky é prisioneiro de Pozzo. Apesar do seu grande poder sobre as forças da natureza e de outras naturezas

desconhecidas do nosso neandertal raciocínio, ele nada pode fazer contra os desmandos de Pozzo. Seu poder sobre

a esfera humana, limita-se a realizar sonhos impossíveis. Sua função é simples zelar pelo bom funcionamento do

cosmo e, fazer com que as forças que o equilibram, choquem-se somente o permitido nas normas da lei quântica.

Tarefa devo dizer desde já, sensivelmente ingrata. De todas as funções que rotineiramente desempenha, a que mais

Page 3: Esperando deus

3

lhe desagrada é interferir diretamente na esfera humana. Tarefa que num passado remoto, dava-lhe grande

satisfação. Naqueles tempos, suas intervenções causavam-lhe frequentemente um orgulho supremo. Hoje a

amargura toca-lhe a alma cada vez que sua presença se faz necessária, no mundo dos mortais. Pois ultimamente,

exaustivamente, seu trabalho se reduz a podar sonhos impossíveis. Ele nada pode fazer. Seu poder sempre esteve

na posse de outrem. Para que ele se manifeste a nosso favor, temos que querer, que tomar posse do desejo de

realiza-lo. Lucky pelo seu lado, está aí, sempre esteve, aguarda ansiosamente que nos levantemos e o libertemos

da prisão que nós imputamos a ele e a nós próprios.

Alguns objetos que marcam a presença de Lucky Mala- na mala encontra-se toda a essência de sua alquimia

mágica. É ali que ele guarda as poções que transformam dias em noites, a bela brisa duma tarde de verão em tufões

castastróficos e mortais. Guarda também a essência da vida e de toda a eternidade, forças que estão concentradas

nos sonhos que flutuam sobre nossas cabeças. É dentro da mala que estão os poderes secretos que equilibram o

universo, e que são liberadas segundo os nossos desejos e, principalmente segundo nossas vontades, ou melhor

dizendo força de vontade, atitude.

Correntes- São as forças que o prende aos desmandos de Pozzo. Ele não tem permissão superior para arrebentá-

las, se quisesse poderia. Mas somos nós, com um ínfimo esforço que devemos arrebentá-las. Escada- É o seu

preferido, dentre todos os seus equipamentos de trabalho. Do alto da pequena escada, ele pode apreciar toda a sua

obra. Contemplá-la. Mas também, antagonicamente, representa seu maior sofrimento, pois dali, do alto dos seus

limites, pode mirar também, o sofrimento e o caos que assolam seus domínios. Cada momento no alto, é um misto

de dor, pela impossibilidade de interferir, misturado com a alegria contagiante pela possibilidade do movimento que

se acena a todo o momento, e que ele pacientemente espera.

Tranças/guizos/elásticos- Vestígios do tempo em que ele, como nós, tinha seus sonhos também. A diferença é

que todos os seus sonhos foram realizados, e agora seu sonho impossível, é conseguir administrar seus sonhos

realizados, nós.

Vladi e estra estão eternamente sentados em suas caixas a espera. Como sempre aguardam calmamente e

tediosamente a chegada de deus, que com certeza, acham eles; modificará suas vidas. A vida toda eles nunca

souberam fazer outra coisa a não ser esperar por deus. Já não sabem exatamente quanto tempo esperam. Mas

esperam. Enfadonhamente aguardam. O que lhes dá força para está exaustiva espera é a fé. Adquirida por tradição,

a muitas e muitas gerações. Acreditam eles que a raiz de seus problemas, será exterminada no momento em que

encontrarem com seu deus. Apesar de todos os dias falhados, eles, apesar do aparente desgosto, mantém-se firmes

no propósito de não arredar pé do local que determinaram como sendo o do encontro. Mesmo que seus sonhos

infantis, pela imobilidade de seus atos, pouco a pouco comecem a desaparecer, como que absorvidos por um força

obscura qualquer, eles persistem na imobilidade fatal.

Alguns objetos que marcam a presença de Vladi e Estra Tigelas e batedores de ovos- São instrumentos

passatempo, que aliviam a inércia da espera estática eleita por eles.

Elásticos presos a balões- Representam o caminhos de seus sonhos. É através desses elásticos que seus sonhos

abstratos, frutificam-se na árvore da vida, que é sustentada pelas suas abstrações irreais.

Elásticos presos ao público- É a ligação ao mundo real. Faz-lhes lembrar a todo o instante que estão presos ao

mundo palpável do homem. Que podem tanto manipular, como serem manipulados pelos seus iguais. O

entendimento desse processo é que determina a movimentação ou a estagnação de seus sonhos.

Signo presentes em todos os personagens/objetos de cena/cenário Códigos de barra- Determinam a identificação massificada-codificada do mundo contemporâneo, onde cada coisa, cada produto, cada gênero da espécie animal, está qualificado de acordo com suas características e padrões. Essas, determinadas por forças desconhecidas, que catalogam-nos como matérias inorgânicas que servem ao bel-prazer de criaturas desconhecidas

e onipotentes.

Descrição/croquis/cenografia/figurino

Cenografia

Atemporal, desértico, duas árvores estilizadas. Elásticos e balões moldam as suas formas. Pelo espaço folhas secas

espalhadas pelo chão. Os balões estão recheados com infinitos objetos. Além de quê, dois personagens, vladi e estra

Page 4: Esperando deus

4

e toda a plateia ativa, fazem parte indissolúvel do cenário. Não se pode considerar o espaço cênico sem esses

elementos.

Arquitetura cênica

100 mts barras alumínio 36 mts plástico transparente 500 balões várias cores 300 mts elástico branco 100 guizos

Variados objetos miniatura

Adereços de cena

Page 5: Esperando deus

5

Pozzo: 01 binóculo 10 charutos 01 mapa territorial 01 caderno negro de anotação 02 lápis Variadas medalhas de

honra/mérito/coragem forjadas 01 patinho de pelúcia 01 corrente metálica 20 mts 01 óculos cego 01 bengala cego

01 b.i. cego 01 caixinha moedas cego 01 mordaça branca 01 isqueiro zippo 01 garrafa vinho do porto 60 coxas de

frango assado 01 banquinho negro

Lucky: 01 mala de viagem 30 balões coloridos (preservativos) Muitas folhas secas Muitas pétalas várias cores 1

kilo neve (esferovite) 01 tesoura de jardinagem

Estra/Vladi: 01 batedor de ovos 01 tigela metálica 01 dicionário de bolso

Objetos de cena

01 escadote 01 poltrona (pozzo) 17 caixas de cerveja (vladi/estra, pozzo, público ativo)

Figurinos

Page 6: Esperando deus

6

Pozzo: 01 avental branco cod.barra nº 0000000007 01 sobretudo negro 01 cachecol vermelho 01 par meias

compridas vermelhas 01 bota da tropa 01 capacete negro

Lucky: 01 avental branco cod.barra nº 00000000000 01 par meias compridas amarelas 01 cachecol amarelo 01

bota da tropa

Vladi/estra: 02 aventais branco cod.barra nºs 6285916037 – 0475836129 02 botas da tropa 02 cachecóis listrados

branco/negro 02 pares meias compridas listradas branco/negro

Público ativo (14): 14 aventais branco cod.barra de 00000000001 até 6725472023

Caracterização

10 potes Base branca 05 potes Base vermelha 05 potes Base preta 10 Lápis olho preto 10 Lápis olho vermelho 05

pincéis

Pozzo: rosto branco 01 nariz clown negro olhos vermelhos pupilas olhos negros em volta boca negra cabelo

vermelho

Lucky: rosto branco 01 nariz clown vermelho olhos brancos pupilas olhos negro em volta boca vermelha cabelo

amarelo

Page 7: Esperando deus

7

vladi/estra: rosto branco 02 narizes clown branco olhos azúis pupilas olhos negros em volta boca negra cabelo

branco

Público ativo: 14 narizes clown branco

Page 8: Esperando deus

8

Dramaturgia

Esperando deus

(recriaçãoa partir de Esperando godot de Samuel Beckett)

cena 1

unidade 1 – espera

sub-unidade 1

Page 9: Esperando deus

9

começa afinal...

O público aguarda o início do espetáculo numa sala contígua ao espaço da representação. Enquanto esperam,

distraem-se vendo uma exposição de fotos, cujo o tema são narizes de clowns e balões coloridos. Na sala ouve-se

música clássica enérgica. Lucky vestindo um pijama branco, tipo camisola de enfermo, com uma numeração no

peito, nos moldes dos presidiários, calçando botas da tropa, preso pelos pés a uma corrente, que está presa a um

pequeno escadote de ferro, recepciona o público que chega. Tem um ar cansado, não um cansaço físico, mas um

cansaço emocional, espiritual. Nos seus olhos pairam a tristeza e a indignação. Ele é muito velho, apesar de ainda

ostentar uma bela cabeleira amarela. Suas rugas e seu andar retardado denunciam a imensidão vivida. Seus

movimentos são lentos e ritmados. Tem entre os olhos lânguidos e a boca carmim, um grande nariz vermelho.

unidade 2 - mudança

sub-unidade 1

Lucky convida um a um dos espectadores, a seguí-lo ao espaço da representação. Pelo caminho, o público passa

por um túnel formado por balões coloridos. No final do túnel, um grande espelho. Do lado direito do espelho,

pendurados na parede, camisolões de enfermos, com códigos de barra no peito. Do lado esquerdo, narizes de

clowns. Lucky veste cada pessoa com um nariz de clown e um camisolão de enfermo. Depois de vestido, a pessoa

mira-se no espelho e adentra o espaço da representação. A medida que as pessoas vão adentrando o espaço, Lucky

as conduz a seus respectivos lugares. Por uma razão qualquer, tem ele o péssimo hábito de separar as pessoas que

chegam acompanhadas ou em grupos, colocando-as em lugares opostos e conflitantes. Depois de todos estarem

instalados confortavelmente em suas caixas plásticas de cerveja, Lucky amarra seus pés e mãos a elásticos que

convergem para dois pontos no centro do espaço.

sub-unidade 2

lucky sobe no escadote que encontra-se ao fundo entre vladi e estra e adormece em pé.

unidade 3 – universo ficcional

sub-unidade 1

No espaço ouve-se ao fundo, música festiva de aldeia do final da idade média. As luzes apagam-se, o espaço é

invadido pelo som ensurdecedor de um relógio despertando. As luzes acendem-se, o despertador cessa. A cena

agora é invadida por sons de pássaros no acasalamento e ao fundo o tic-tac de um relógio. No teto balões de várias

cores e tamanhos dão forma a uma arvore estilizada.

Neste primeiro momento da representação o registro interpretativo dos atores segue uma linha hipernaturalista

levando à sua musicalidade física contaminações da linguagem expressionista. O elemento que marca essa

característica é o peso da inércia que os personagens carregam em seus ombros e que eternamente na espera do

nada deixam transparecer nas suas atuações os sentimentos de dor e de perda que determinam o eterno tempo da

contínua espera.

sub-unidade 2

lucky desperta. mira o seu território e reconhece seus objetos.

cena 2

unidade 1 - despertar

sub-unidade 1

Page 10: Esperando deus

10

Estragon e Vladimir, estão dormindo. Eles estão amarrados com elásticos ao público ativo. vestem a mesma roupa

que Lucky, com uma pequena diferença, seus camisolões têm uma numeração. São tão velhos quanto Lucky. Estão

sentados em caixas plásticas de cerveja e presos por elásticos ao público e aos balões por suas tranças longas e

brancas. Nas extremidades dos elásticos, guizos prateados. Carregam entre as pernas, tigelas e batedores de ovos.

acordam assustados com o barulho ensurdecedor do relógio, seus movimentos são lentos e fluídos. miram estáticos

o infinito, seus olhares estão distantes e suas expressões estão carregadas de aborrecimento. Seus narizes são

brancos e enormes

sub-unidade 2

Pozzo dorme pesadamente, veste a mesma vestimenta que os outros, só que não leva qualquer numeração no peito,

dorme como uma criança, carrega sobre o peito um gansinho branco de pelúcia. Dorme com o dedo polegar enfiado

na boca. ressona muito alto. Tem uma bela cabeleira carmim, feita as tranças, presas a elásticos e com guizos

prateados em suas extremidades.

unidade 2 - acalanto

sub-unidade 1

lucky depois de detalhadamente reconhecer seu território, canta para Pozzo acordar, é uma música de acalanto.

Lucky (maternal)- ACORDA MARIA BONITA, ACORDA E VEM FAZER O CAFÉ, QUE O DIA JÁ VEM RAIANDO, E A

POLÍCIA JÁ ESTÁ EM PÉ...

cena 3

unidade 1 - terror

sub-unidade 1

Pozzo começa a despertar lenta e ruidosamente. Uma triste e melancólica canção mexicana invade o espaço. Pozzo

veste um negro casaco recheado de medalhas e insígnias. Tem um grande nariz negro. Tem o espírito alegre e

sarcástico. Leva a tiracolo um grande binóculo. com barulho do despertar de pozzo, vladi e estra assustados,

começam a bater claras de ovos. seu ritmo é lento e compassado, algo pesado na sua essência. enquanto batem as

claras dos ovos, miram o vazio infinito.

sub-unidade 2

pozzo levanta-se, observa detalhadamente os objetos (orgânicos e inorgânicos) que formam o seu universo, tira do

seu capacete um charuto cubano, coloca-o na boca entre os dentes cerrados e mira nos olhos de lucky, nesse caso

alguém da platéia ativa. toda a contra cena passa necessariamente pela triangulação dos olhos da pláteia ativa.

toda a comunicação direta e indireta dos personagens passa obrigatoriamente pelo filtro ativo do público presente.

LUCKY mira alguém da platéia ativa, desce da sua escada, abre a sua grande mala, retira do seu interior um isqueiro,

CAMINHA ATÉ POZZO e acende-lhe o charuto.

sub-unidade 3

Page 11: Esperando deus

11

POZZO começa a andar ruidosamente pelo espaço fumando prazerosamente seu charuto cubano.

unidade 2 – dúvida

sub-unidade 1

vladi e estra cessam de bater. primeiro estra, logo a seguir vladi. miram cada qual alguém da platéia ENQUANTO e

começam uma melancólica conversa. Suas movimentações são lentas e seus olhares profundos. falam com total

falta do acreditar, suas frases apenas preenchem o vazio da eterna espera.

Lucky começa a caminhar pelo espaço, carregando uma escada e uma tesoura de jardinagem. Enquanto isso Pozzo

espreita e vigia com seu binóculo todo o espaço, parece procurar algo.

estra (confuso)- TEM CERTEZA QUE ERA HOJE?

vladi (perdido)- O QUE?

estra (esclarece)- QUE ELE MARCOU O ENCONTRO?

vladi (tranquiliza)- EU DEVO TER TOMADO NOTA.

Pozzo escolhe um balão, ordena a Lucky para poda-lo. Nas pausas da conversa de Estra e Vladi, Lucky poda os

balões, que são meticulosamente escolhidos antecipadamente por Pozzo.

Lucky poda um balão amarelo. Vladi e Estra, acompanham a trajetória da queda do balão. O balão espatifa-se no

chão. Eles ficam aflitos. Pozzo ri lascivamente.

Vladi e Estra ficam tristes e impacientes.

estra (negativo)- É CLARO QUE SE ELE VEIO ONTEM E NÃO NOS ENCONTROU AQUI, ELE NÃO VAI VOLTAR HOJE!

vladi (incrédulo)- MAS VOCÊ DISSE QUE A GENTE VEIO AQUI ONTEM!

estra (terminando a conversa)- EU POSSO TER ME ENGANADO! VAMOS FICAR UM POUCO QUIETOS, ESTÁ BEM?

vladi (conformado)- ESTÁ.

unidade 3 - passatempo

sub-unidade 1

batem claras de ovos, primeiro vladi, logo a seguir estra. cessam de bater, primeiro vladi, logo a seguir estra. miram

cada qual alguém da platéia.

Page 12: Esperando deus

12

Pozzo abre um caderninho negro e volta a caminhar e espreitar pelo espaço, como se seguisse a um mapa. Retira

do seu caderninho um pequeno pedaço de papel, desdobra-o, o pequeno papel transformar-se incrivelmente numa

grande folha, na folha um mapa. Toda a vez que ele resolver ordenar o corte de uma balão, primeiramente escolhe-

o no mapa. Depois da escolha feita, volta a dobrar o mapa e a guardá-lo no caderninho. Escolhe outro balão. Lucky

poda-o. É um balão vermelho. Vladi e Estra, acompanham a sua queda. O balão espatifa-se no chão. Pozzo ri

lascivamente.

vladi (impaciente)- O QUE VAMOS FAZER AGORA?

estra (conformado)- ESPERAR.

vladi (inconformado)- SIM MAS ENQUANTO A GENTE ESPERA?

estra- QUE TAL SE A GENTE SE ENFORCASSE?

vladi- É UM MODO DE SE MASTURBAR?

estra- a gente goza!

vladi- VAMOS NOS ENFORCAR IMEDIATAMENTE!

batem claras de ovos, primeiro vladi, logo a seguir estra.

A mando de Pozzo Lucky poda outro balão, é um balão azul. o Balão cai suavemente e não se espatifa no chão, pelo

contrário cai como uma pluma. Pozzo torna-se agressivo e histérico. Chupa o dedão da mão. Escolhe em seu

caderninho outro balão. Vladi e Estra ficam aliviados.

Pozzo caminha pelo espaço com seu caderninho negro a tiracolo e seleciona mais um balão. Enquanto caminha fuma

prazerosamente seu charuto cubano. Vladi e Estra não deixam de bater os ovos, sempre ritmados e

compassadamente. Lucky poda um balão laranja que espatifa-se no chão. Pozzo ri lascivamente. Está muito feliz.

Cada vez que um balão é podado, Lucky enche um balão e entrega-o a alguém da platéia.

Mais um balão é podado. Um balão azul pousa suavemente no chão. Pozzo acompanha sua queda. Torna-se

histericamente agressivo. Ele chupa o dedão da mão.

Lucky poda um balão azul. Pozzo observa atentamente sua queda. Está inquieto. O balão está vazio. Pozzo

descontrola-se agressivamente. Vladi e Estra ficam aliviados.

Pozzo seleciona outro balão e Lucky poda-o. é um balão verde.

Ele espatifa-se no chão. Pozzo ri lascivamente histericamente. Vladi e Estra contrariam-se.

Pozzo guarda seu caderninho negro e vai a procura dos balões que não estouraram.

Page 13: Esperando deus

13

unidade 4 – quem tem cú tem medo

sub-unidade 1

cessam de bater, primeiro estra, logo a seguir vladi. miram cada qual alguém da platéia.

Pozzo caminha pelo espaço a procura dos balões. Cada vez que encontra um, pisa nele com suas botas da tropa e

ri lascivamente.

estra (ordenando)- VOCÊ PRIMEIRO.

vladi (RESOLUTO)- NÃO, PRIMEIRO VOCÊ.

estra (não entendendo)- POR QUÊ?

vladi (esclarecendo)- VOCÊ É MAIS LEVE DO QUE EU.

estra (afirmativamente)- POR ISSO MESMO.

sub-unidade 2

vladi (desnorteado)- NÃO COMPREENDO!

estra (explicativo)- RACIOCINA... SE O GALHO ENFORCA VOCÊ, ENFORCA A MIM TAMBÉM.

vladi (perdido)- MAS EU SOU MAIS PESADO QUE VOCÊ!

estra (desvaloriza)- VOCÊ É QUEM DIZ, HÁ UMA CHANCE EM DUAS MAIS OU MENOS!

Pozzo pega seu charuto em brasa e começa a estourar os balões que Lucky entregou à platéia. Ri lascivamente. Seu

riso descontrola-se completamente.

unidade 5 - decisão

sub-unidade 1

batem claras de ovos, primeiro estra, logo a seguir vladi. cessam de bater, primeiro vladi, logo a seguir estra. miram

cada qual alguém da platéia.

nas pausas das conversa não deixam de bater as claras de ovos, ora lenta, ora rapidamente, mas sempre

compassadamente.

vladi (decidido)- ENTÃO VAMOS FAZER O QUÊ?

estra (sensato)- NÃO VAMOS FAZER NADA, É MAIS PRUDENTE.

Page 14: Esperando deus

14

sub-unidade 2

vladi (concordando)- VAMOS ESPERAR E VER O QUE ELE DIZ.

estra (perdido)- QUEM?

vladi (esclarece)- DEUS.

estra (entusiasmado)- ISSO.

vladi (resoluto)- VAMOS ESPERAR ATÉ QUE A GENTE SAIBA EXATAMENTE QUAL É A NOSSA SITUAÇÃO.

estra (entusiasmado)- ESTOU LOUCO PARA SABER O QUE ELE TEM A NOS OFERECER, AÍ A GENTE ACEITA OU NÃO!

unidade 6 – alarme falso

sub-unidade 1

batem claras de ovos, primeiro estra, logo a seguir vladi. cessam de bater, primeiro vladi, logo a seguir estra. miram

cada qual alguém da platéia.

Enquanto Vladi e Estra travam esse bizarro diálogo, Pozzo está estourando balões, e para tanto faz muito alarido.

Lucky nesse tempo, dorme em pé.

vladi (sussurando)- ESCUTA.

estra (com as mãos no ouvido, tentando ouvir algo) - NÃO OUÇO NADA!

vladi- PSSSSIUUU (eles param para tentar ouvir algo)... NEM EU.

sub-unidade 2

estra (sussurando)- VOCÊ ME ASSUSTOU.

vladi (sussurando)- PENSEI QUE FOSSE ELE.

estra (sussurando)- QUEM?

vladi (sussurando)- DEUS.

unidade 7 – contra a parede

sub-unidade 1

batem claras de ovos, primeiro vladi, logo a seguir estra. cessam de bater, primeiro estra, logo a seguir vladi. miram

cada qual alguém da platéia.

Page 15: Esperando deus

15

estra (determinado)- EU TE FIZ UMA PERGUNTA.

vladi (SEM DAR IMPORTÂNCIA)- QUAL FOI A PERGUNTA?

estra ( determinado)- EU PERGUNTEI SE NOS ESTÁVAMOS PRESOS.

vladi (PERDIDO)- PRESOS?

estra (FIRME)- PRESOS.

vladi (PERDIDO)- COMO PRESOS?

estra (ESCLARECE)- PRESOS a TEU CAVALHEIRO.

vladi (desvaloriza)- a DEUS? PRESOS a DEUS? QUE IDÉIA, NUNCA, JAMAIS... POR ENQUANTO!

sub-unidade 2

estra (SURPRESO)- O NOME DELE É DEUS?

vladi (NA DÚVIDA)- ACHO QUE SIM.

cena 4

unidade 1 – finalmente chegou

sub-unidade 1

batem claras de ovos, primeiro vladi, logo a seguir estra. cessam de bater, primeiro estra, logo a seguir vladi. miram

cada qual alguém da platéia.

Durante essa conversa Pozzo manteve-se atento aos dois, observando-os com seu grande binóculo. Pozzo entra em

cena fazendo muito barulho.

o registro interpretativo que até o momento assumia um tom hipernaturalista, esbarrando no espaço da linguagem

expressionista, transforma-se com a entrada de pozzo em cena, num registro clownesco, tornando o ritmo da

representação mais dinâmico nos diálogos e menos estático nas movimentações cênicas, aLternando por completo

a musicalidade espacial DA REPRESENTAÇÃO. o peso existencial que marca o sentimento no expressionismo ganha

cores com um peso soft com o humor que caracteriza a construção clownesca.

estra (ENTUSIASMADO)- É ELE ?

vladi (PERDIDO)- QUEM?

estra (ENTUSIASMADO)- DEUS!

vladi (INCRÉDULO)- É!

unidade 2 – eu sou deus

Page 16: Esperando deus

16

sub-unidade 1

pozzo (como um trovão)- EU SOU POZZO... ESTE NOME NÃO LHES DIZ NADA?

eles não respondem, ESTÃO ADMIRADAMENTE AMEDRONTADOS.

sub-unidade 2

pozzo (INSISTE)- EU PERGUNTEI SE ESTE NOME NÃO LHES DIZ NADA?

estra (assustado)- NÓS NÃO SOMOS DAQUI SENHOR.

pozzo (irônico)- MAS VOCÊS SÃO SERES HUMANOS, PELO MENOS PARECEM, DA MESMA ESPÉCIE QUE POZZO...

sub-unidade 3

pozzo (com dureza)- QUEM É DEUS?

estra (surpreso)- DEUS?

pozzo (irônico)- É, VOCÊ PENSOU QUE EU FOSSE ELE!

estra (desculpando-se)- NÃO SENHOR, DE MODO ALGUM!

sub-unidade 4

pozzo (muito irritado) - QUEM É DEUS?

vladi (tranquilo)- É UM CONHECIDO NOSSO!

estra (desculpando-se)- NÃO, NÓS NEM O CONHECEMOS!

vladi (tranquilo)- É VERDADE, NÓS NÃO O CONHECEMOS BEM, MAS MESMO ASSIM...

pozzo (irônico)- VOCÊ PENSOU QUE EU FOSSE ELE!

estra (desculpando-se)- QUER DIZER, A ESCURIDÃO, A FADIGA, O CANSAÇO, A ESPERA... EU CONFESSO, POR UM

INSTANTE EU PENSEI...

sub-unidade 5

pozzo (IRONICAMENTE surpreso)- A ESPERA... ENTÃO VOCÊS ESTÃO ESPERANDO POR ELE?

PAUSA. Eles não respondem, estão ocupados em observar lucky.

Page 17: Esperando deus

17

unidade 3 – diplomacia politicamente correta

sub-unidade 1

pozzo (diplomático) - MEUS CAROS AMIGOS ESTOU MUITO FELIZ POR TÊ-LOS ENCONTRADO, MAS JURO

FELICÍSSIMO...

sub-unidade 2

pozzo mira os olhares incautos da platéia atenta e não obtendo resposta muda seu discurso estratégico.

pozzo (sofredor)- SIM A ESTRADA É LONGA PARA QUEM CAMINHA SOZINHO DURANTE SEIS HORAS SEM

ENCONTRAR VIVA ALMA...

sub-unidade 3

pozzo mira os olhares incautos da platéia atenta e não obtendo resposta muda seu discurso estratégico.

pozzo (contemplativo)- HÁ UM TOQUE OUTONAL NA BRISA DESTA TARDE...

sub-unidade 4

pozzo mira os olhares incautos da platéia atenta e não obtendo resposta muda seu discurso estratégico.

pozzo (humilde)- SIM CAVALHEIROS, EU NÃO POSSO FICAR MUITO TEMPO DISTANTE DA COMPANHIA DE MEUS

SEMELHANTE, MESMO QUANDO A SEMELHANÇA NÃO É PERFEITA.

sub-unidade 5

pozzo mira os olhares incautos da platéia atenta e não obtendo resposta muda seu discurso estratégico.

pozzo (desculpando-se)- ESSA É A RAZÃO PELA QUAL, SE OS SENHORES ME PERMITEM, EU PRETENDO DESCANSAR

UM POUCO AQUI, ANTES DE PROSSEGUIR VIAGEM.

vladi e estra observam lucky que dorme em pé. ESTÃO-SE NAS TINTAS PARA O DISCURSO DO pozzo.

Page 18: Esperando deus

18

sub-unidade 6

pozzo mira os olhares incautos da platéia atenta e não obtendo resposta muda seu discurso estratégico.

pozzo (ironicamente)- O AR FRESCO ESTIMULA O APETITE.

pozzo mira os olhares incautos da platéia atenta e não obtendo resposta muda seu discurso estratégico. eles não

ligam a pozzo.

sub-unidade 7

pozzo senta-se, tira dos bolsos do seu casaco uma garrafa de vinho, uma taça de cristal, um grande guardanapo

branco e finalmente um pedaço de pão e outro de frango embrulhados noutro guardanapo branco.

unidade 4 – que é que ele tem

sub-unidade 1

Vladi e Estra observam atentamente Lucky que dorme.

estra (CURIOSO)- O QUE É QUE ELE TEM?

vladi (CURIOSO)- TEM UM AR CANSADO!

estra (ZOMBADOR)- OLHA COMO ELE BABA.

vladi (ZOMBADOR)- É INEVITÁVEL.

estra (ZOMBADOR)- OLHA COMO ELE SUA.

vladi (ZOMBADOR)- VAI VER É UM IDIOTA.

estra (ZOMBADOR)- UM CRETINO.

vladi (ZOMBADOR)- E OS OLHOS DELE.

estra (ZOMBADOR)- O QUE É QUE TEM?

vladi (ZOMBADOR)- SALTAM DAS ÓRBITAS.

estra (ZOMBADOR)- PRA MIM ESTÁ NO ÚLTIMO SUSPIRO.

vladi (IRÔNICO)- NÃO SE PODE TER CERTEZA. PERGUNTA ALGUMA COISA A ELE!

estra (IRÔNICO)- SERÁ QUE VALE A PENA?

vladi (IRÔNICO)- QUE É QUE A GENTE TEM A PERDER?

sub-unidade 2

Page 19: Esperando deus

19

estra (ZOMBADOR)- CAVALHEIRO...

unidade 5 – era o que faltava

sub-unidade 1

pozzo deixa seu banquete de lado e de súbito levanta.

pozzo (contrariado com a situação) - DEIXA ELE EM PAZ , NÃO VÊ QUE ELE QUER DESCANSAR.

PAUSA.

sub-unidade 2

Pozzo joga os restos do pedaço de frango, espalha seus ossos pelo chão.

unidade 6 – os ossos

sub-unidade 1

estra (humildemente)- POR FAVOR SENHOR...

pozzo (benevolente)- QUE É MEU BOM HOMEM?

estra (quase implorando)- É QUE SE O SENHOR NÃO VAI MAIS USAR MAIS OS OSSOS... O SENHOR PRECISA DOS

OSSOS?

pozzo (ironicamente)- SE EU VOU PRECISAR DOS OSSOS? NÃO. PESSOALMENTE NÃO TENHO MAIS NECESSIDADE

DELES, TODAVIA, TEORICAMENTE, ELES PERTENCEM AO CARREGADOR. PORTANTO É A ELE QUE SE DEVE

PERGUNTAR. PERGUNTE, NÃO TENHA MEDO MEU BOM HOMEM.

sub-unidade 2

estra (respeitosamente)- CAVALHEIRO, PERDÃO CAVALHEIRO, MAS O SENHOR VAI PRECISAR DOS OSSOS?

lucky não responde

sub-unidade 3

Page 20: Esperando deus

20

pozzo (brutalmente)- ELE ESTÁ FALANDO COM VOCÊ SEU PORCO. RESPONDA. QUER OS OSSOS OU NÃO?

sub-unidade 4

pozzo (decidido)- SÃO SEUS. (FILOSOFA) É A PRIMEIRA VEZ QUE ELE RECUSA UM OSSO, (intimidador) ESPERO

QUE NÃO ME FAÇA A BRINCADEIRA DE FICAR DOENTE.

unidade 7 – por que ele não põe a bagagem no chão

sub-unidade 1

vladi (indignado com a atitude de Pozzo) - É UMA VERGONHA TRATAR UM HOMEM DESTA MANEIRA...UM SER

HUMANO... EU ACHO UM ABSURDO...

estra (chupando um osso)- UM ESCÂNDALO.

sub-unidade 2

pozzo (tranquilo)- OS SENHORES SÃO SEVEROS COMIGO... QUANTOS ANOS O SENHOR TEM? SESSENTA,

SETENTA?... QUAL A IDADE DELE?

estra (chupando o osso)- PERGUNTE a ELE!

pozzo (com seriedade)- ELE NÃO PODE SUPORTAR A MINHA PRESENÇA. EU SOU MEIO DESUMANO, MAS E DAÍ?

REFLITA ANTES DE COMETER UMA IMPRUDÊNCIA. DIGAMOS QUE VOCÊ VÁ EMBORA DURANTE O DIA, PORQUE

APESAR DE TUDO AINDA É DIA. MUITO BEM, NESSE CASO AONDE VAI O ENCONTRO DE VOCÊS COM ESSE TAL DE

DEUS. NUM MOMENTO EM QUE O FUTURO DE VOCÊS DEPENDE DISSO? PELO MENOS O FUTURO IMEDIATO.

sub-unidade 3

estra (lambendo os dedos)- POR QUE ELE NÃO PÕE A BAGAGEM NO CHÃO?

sub-unidade 4

pozzo (dissimulando)- EU TAMBÉM GOSTARIA DE ENCONTRA-LO. QUANTO MAIS PESSOAS ENCONTRO, TAMBÉM

FICO MAIS FELIZ, PODE-SE APRENDER ALGUMAS COISAS COM A CRIATURA MAIS INSIGNIFICANTE, PODE-SE

ENRIQUECER MAIS A ALMA, TOMAR CONSCIÊNCIA DAS PRÓPRIAS BÊNÇÃOS, ATÉ MESMO VOCÊS PODEM TER ME

ENRIQUECIDO!

estra (olhando para lucky)- POR QUE ELE NÃO PÕE A BAGAGEM NO CHÃO?

vladi (taxativo)- FOI-LHE FEITA UMA PERGUNTA.

unidade 8 - vulcão

Page 21: Esperando deus

21

sub-unidade 1

pozzo (irado)- UMA PERGUNTA? HÁ UM INSTANTE VOCÊS ESTAVAM ME CHAMANDO DE SENHOR, TREMENDO DE

MEDO, AGORA JÁ ME FAZEM PERGUNTAS. ISSO VAI ACABAR MAL!

unidade 9 – perguntar o quê

sub-unidade 1

vladi (observando Lucky) - ACHO QUE ELE ESTÁ ESCUTANDO!

estra (perdido)- O QUÊ?

vladi (apontando para lucky)- PERGUNTE AGORA QUE ELE ESTÁ ATENTO!

estra (perdido)- PERGUNTAR O QUÊ?

vladi (explicativamente)- POR QUE ELE NÃO PÕE A BAGAGEM NO CHÃO?

estra (questionando-SE)- É O QUE EU ME PERGUNTO.

unidade 10 – explicação

sub-unidade 1

pozzo (tentando tomar conta da situação) - VOCÊS QUEREM SABER POR QUE ELE NÃO COLOCA A BAGAGEM NO

CHÃO?

vladi (sério)- É!

pozzo (diplomático)- O SENHOR ESTÁ DE ACORDO?

estra (perdido)- É.

pozzo (DETERMINADO)- VOU LHES RESPONDER... ESTÃO TODOS AI?

sub-unidade 2

pozzo- (a lucky com brutalidade) OLHA PRA MIM SEU PORCO! (DONO DA SITUAÇÃO) PERFEITO... ESTOU PRONTO.

sub-unidade 3

vladi ( com muita energia)- ATENÇÃO.

POZZO DO ALTO DA SUA AFASIA CRIA SUSPENSE

Page 22: Esperando deus

22

pozzo (benevolente)- É PARA ME IMPRESSIONAR... É PARA QUE EU FIQUE COM ELE!

unidade 11 – pozzo fugindo a pergunta

sub-unidade 1

estra (DESNORTEADO)- O SENHOR QUER SE LIVRAR DELE?

pozzo (explicativo)- ELE IMAGINA QUE SE EU JULGA-LO UM BOM CARREGADOR, PODEREI EMPREGÁ-LO NO FUTURO

NESSA FUNÇÃO.

estra (na dúvida)- E O SENHOR NÃO QUER?

pozzo (dissimulando)- NA VERDADE ELE COMO CARREGADOR É PIOR QUE UM PORCO, ESSA NÃO É A PROFISSÃO

DELE.

sub-unidade 2

vladi (insistente)- MAS O SENHOR QUER SE LIVRAR DELE?

pozzo (como se não ouvisse nada)- ELE IMAGINA QUE SE MOSTRANDO INFATIGÁVEL NESSA FUNÇÃO, EU MUDAREI

DE IDÉIA, TAL É A SUA MISERÁVEL MAQUINAÇÃO, COMO SE EU TIVESSE NECESSIDADE DE ESCRAVOS... PENSO

QUE RESPONDI A PERGUNTA! HÁ MAIS ALGUMA?

vladi (insistentemente firme)- O SENHOR QUER SE LIVRAR DELE?

unidade 12 - explosão

sub-unidade 1

pozzo (explodindo) - QUERO, MAS EM LUGAR DE EXPULSA-LO, COMO EU PODERIA, SE QUISESSE, EM VEZ DE

SIMPLESMENTE JOGÁ-LO NA RUA COM O PÉ NO CU, EU, PELO CONTRÁRIO, TAMANHA A MINHA BONDADE, ESTOU

CONDUZINDO-O À FEIRA DA LADRA, ONDE ESPERO CONSEGUIR ALGUMA COISA POR ELE. PARA FALAR A VERDADE,

NÃO É POSSÍVEL EXPULSAR SERES ASSIM, A MELHOR COISA SERIA MATÁ-LOS...

sub-unidade 2

pozzo (benevolente)- SABEM QUEM ME ENSINOU TODAS ESSAS BELAS CoISAS?...ELE. SEM ELE EU SÓ TERIA

PENSAMENTOS E SENSAÇÕES VULGARES...A BELEZA, A GRAÇA, A VERDADE CRISTALINA, ESTAVAM ALÉM DE MIM.

sub-unidade 3

vladi (revoltado)- E AGORA VOCÊ O JOGA FORA, UM CRIADO VELHO E DEDICADO COMO ELE!

estra (deixando de chupar o osso que trás na boca)- FILHO DA PUTA.

Page 23: Esperando deus

23

vladi (indignado)- DEPOIS DE TER CHUPADO TUDO QUE ELE TINHA DE BOM, VOCÊ O JOGA FORA COMO UMA CASCA

DE BANANA.

unidade 13 - teatrão

sub-unidade 1

pozzo (fingindo choro) - EU NÃO AGUENTO MAIS, NÃO POSSO SUPORTAR O QUE ELE ME FAZ, VOCÊS NÃO FAZEM

IDEIA, É TERRÍVEL, ELE TEM DE IR EMBORA, ESTOU FICANDO LOUCO, EU NÃO AGUENTO MAIS, NÃO POSSO MAIS...

vladi (comovido) - COMO É QUE VOCÊ TEM CORAGEM, UM PATRÃO BOM COMO ELE. DEPOIS DE TANTOS ANOS,

CRUCIFICÁ-LO DESSA MANEIRA. É INCRÍVEL.

pozzo (chora soluçando)- ELE ERA TÃO BONZINHO, TÃO PRESTATIVO, TÃO DIVERTIDO, ERA MEU ANJO DA GUARDA,

E AGORA ESTÁ ME ASSASSINANDO.

unidade 14 -dúvida

sub-unidade 1

estra (desnorteado)- ELE QUER SUBSTITUÍ-LO?

vladi (totalmente a leste)- O QUÊ?

estra (explicando)- EU NÃO ENTENDI SE ELE QUER OUTRO NO LUGAR DELE OU NÃO QUER NINGUÉM.

vladi (levantando dúvidas)- ACHO QUE NÃO!

estra (desnorteado)- NÃO O QUÊ?

vladi (totalmente perdido)- NÃO SEI.

estra (sugerindo)- PERGUNTA a ELE.

unidade 15 - normalidade

sub-unidade 1

pozzo (voltando ao seu estado normal) - SENHORES, NÃO SEI O QUE SE PASSOU COMIGO, EU LHES PEÇO PERDÃO.

ESQUEÇAM O QUE EU LHES DISSE, EU NÃO SEI EXATAMENTE O QUE LHES DISSE, MAS PODEM ESTAR CERTOS

QUE NÃO HÁ UMA PALAVRA DE VERDADE EM TUDO ISSO. TENHO JEITO DE HOMEM QUE SOFRE? ONDE ESTÁ O

MEU CHARUTO?

unidade 16 - civismo

sub-unidade 1

vladi (sonhador)- QUE TARDE MARAVILHOSA.

estra (com amabilidade)- INESQUECÍVEL...MAS POR OBSÉQUIO, NÃO FIQUE AI DE PÉ, O SENHOR PODE APANHAR

UMA PNEUMONIA.

Page 24: Esperando deus

24

pozzo (gentil)- CRÊ O SENHOR?

estra (com certeza)- MAS SEM DÚVIDA!

pozzo (dissimulando)- O SENHOR TEM RAZÃO, MAS DEVO MESMO DEIXÁ-LOS, SENÃO VOU ME ATRASAR.

unidade 17 – essas paragens o tempo parou

sub-unidade 1

vladi (aéreo)- O TEMPO PAROU.

pozzo (com conhecimento)- NÃO CREIA NISSO SENHOR. O QUE O SENHOR QUISER, MENOS ISSO.

estra (picando)- HOJE ELE ESTÁ VENDO TUDO NEGRO.

pozzo (professoral)- MENOS O FIRMAMENTO. VOCÊS NÃO SÃO DAQUI, NÃO CONHECEM O NOSSO CREPÚSCULO.

QUEREM QUE EU O DESCREVA?... UM POUCO DE ATENÇÃO POR FAVOR... SENÃO NÃO CHEGAMOS A NADA...

sub-unidade 2

pozzo (bruto)- OLHA PRA MIM SEU PORCO...

sub-unidade 3

pozzo (professoral)- O QUE HÁ DE TÃO EXTRAORDINÁRIO NESSE CÉU? É PÁLIDO COMO QUALQUER CÉU A ESTA

HORA DO DIA NESTAS PARAGENS QUANDO O TEMPO ESTÁ BOM. HÁ UMA HORA ATRÁS, MAIS OU MENOS, DEPOIS

DE TER DERRAMADO DESDE AS DEZ DA MANHÃ, TORRENTE DE LUZ ESCARLATE E BRANCA, ELE COMEÇA A PERDER

A SUA FULGÊNCIA E A DESMAIAR. PORÉM ATRÁS DESSE VÉU DE DELICADEZA E DE PAZ, A NOITE GALOPA E NOS

ENVOLVERÁ A TODOS, ASSIM NO MOMENTO QUE MENOS ESPERAMOS. É ASSIM QUE É NESSE PUTO DESTE

MUNDO...

sub-unidade 4

pozzo (FINGINDO MODÉSTIA)- COMO VOCÊS ME ACHARAM? BOM? MAIS OU MENOS? PASSÁVEL? MEDÍOCRE?

vladi (indiferente)- MUITO BOM!

pozzo- E O SENHOR?

estra (chupando o osso)- Ó, MUITO BOM, MUITO BOM.

Pozzo (FINGINDO MODÉSTIA)- MUITO OBRI-GADO CAVALHEIRO, EU PRECISO TANTO DE ESTÍMULO, PERTO DO FIM

FRAQUEJEI UM POUCO, OS SENHORES NOTARAM?

vladi (indiferente)- TALVEZ UM POUQUINHO SÓ.

estra (chupando o osso)- EU ATÉ PENSEI QUE FOSSE DE PROPÓSITO.

pozzo (FINGINDO MODÉSTIA)- é QUE A MINHA MEMÓRIA JÁ NÃO É A MESMA.

Page 25: Esperando deus

25

unidade 18 – que chatice

sub-unidade 1

estra (depois de guardar o resto dos ossos)- ENQUANTO ISSO NÃO ACONTECE NADA.

pozzo(solícito)- O SENHOR SE CHATEIA?

estra (chupando os dedos)- UM POUCO.

pozzo (insiste)- E O SENHOR?

vladi (indiferente) - JÁ ME DIVERTI MAIS.

sub-unidade 2

pozzo (fingindo modéstia)- EU ME PERGUNTO O QUE POSSO FAZER PARA QUE O TEMPO NÃO LHES PAREÇA TÃO

LONGO. JÁ LHES DEI MEUS OSSOS, JÁ LHES FALEI DE VÁRIOS ASSUNTOS, JÁ LHES EXPLIQUEI O CREPÚSCULO

MUITO CLARAMENTE, MAS SERÁ O BASTANTE. ISSO É QUE ME TORTURA. SERÁ O BASTANTE?

estra (aproveita a deixa)- UMA MOEDINHA.

vladi (taxativo)- PARA COM ISSO!

estra (taxativo)- TAMBÉM MENOS NÃO ACEITO!

unidade 19 – ele pensa?

sub-unidade 1

pozzo (eloquente)- O QUE OS SENHORES PREFEREM, QUE ELE CANTE, DANCE, RECITE, PENSE?

estra (a leste)- QUEM?

pozzo (provocando)- QUEM? VOCÊS SABEM PENSAR?

vladi (duvidando)- ELE PENSA?

pozzo (eloquente)- CLARO! ANTES EU PODIA OUVI-LO DURANTE HORAS.. ENTÃO QUEREM QUE ELE PENSE ALGUMA

COISA PARA NÓS?

sub-unidade 2

vladi (duvidando)- ISSO TUDO É CONVERSA!

estra (dando crédito)- NÃO SE PODE TER CERTEZA!

vladi (desafiando)- DAQUI A POUCO ELE VAI DIZER QUE NÃO HAVIA UMA PALAVRA DE VERDADE NO QUE ELE

DISSE!

estra (empolga-se)- MANDA ELE PENSAR!

Page 26: Esperando deus

26

vladi (decidido)- O QUE ELE ESTÁ ESPERANDO?

pozzo (bruto) - AFASTEM-SE...(a lucky) PENSA PORCO!

sub-unidade 3

Pozzo dá um forte puxão na corrente que está presa ao pescoço de lucky.

lucky (ACORDANDO)- DADA A EXISTÊNCIA, CONFORME SE COMPROVA POR RECENTES TRABALHOS PÚBLICOS

(ADORMECE, RESSONA, DESPERTA) DE UM DEUS PESSOAL, COM BARBAS BRANCAS, FORA DA COMPREENSÃO

HUMANA, QUE DO ALTO DE SUA APATIA, NOS AMA PROFUNDAMENTE COM ALGUMAS EXCEPÇÕES (ADORMECE,

RESSONA, DESPERTA) POR MOTIVOS DESCONHECIDOS, ESTES, ESTÃO MERGULHADOS NO TORMENTO,

MERGULHADOS NO FOGO E, CUJO O FOGO E, CUJA A FLAMA, POR POUCO QUE DURE, UM POUCO DURA (ADORMECE,

RESSONA, DESPERTA) E QUEM DUVIDAR INCENDIARÁ O FIRMAMENTO, O QUE SIGNIFICA CONDUZIR O INFERNO

AO FIRMAMENTO, TÃO AZUL E TRANQUILO E CALMO, COM UMA CALMA QUE NÃO PODE SER INTERROMPIDA

(ADORMECE, RESSONA, DESPERTA) FICA ESTABELECIDO SEM QUALQUER POSSIBILIDADE DE ERRO, QUE O QUE

É PERMITIDO AOS CÁLCULOS HUMANOS, (ADORMECE, RESSONA, DESPERTA) É A CERTEZA QUE O HOMEM, APESAR

DOS PROCESSOS DA ALIMENTAÇÃO E DA DEFECAÇÃO, ESTÁ EM PROCESSO DE EMAGRECIMENTO (ADORMECE,

RESSONA, DESPERTA) E AO mesMO TEMPO, SEM RAZÃO LÓGICA, APESAR DO INCREMENTO DA CULTURA FÍSICA,

DA PRÁTICA DOS ESPORTES, ESTÁ CAMINHANDO PARA O EMAGRECIMENTO, PARA O DEFINHAMENTO, ENFIM,

PARA O DESAPARECIMENTO NÃO IMPORTA, OS FATOS SÃO ESSES (ADORMECE, RESSONA, DESPERTA)

CONSIDERANDO DE OUTRA PARTE, O QUE É MAIS GRAVE, É QUE SOB A LUZ DAS EXPERIÊNCIAS ABANDONADAS,

RESULTA QUE AS PLANÍCIES, AS MONTANHAS, OS MARES, OS RIOS, SÃO OS MESMOS (ADORMECE, RESSONA,

DESPERTA) E NO GRANDE FRIO, NO GRANDE ESCURO, TRANSFORMAR-SE-ÃO EM PEDRAS, E AS PEDRAS, NOS

GRANDES VÁCUOS, TRANSFORMAR-SE-ÃO EM PÓ (ADORMECE, RESSONA, DESPERTA) APESAR DAS BARBAS

BRANCAS, DAS FLAMAS, DOS PRANTOS, DAS PEDRAS, TÃO AZUIS E TÃO CALMAS, APESAR DOS ESFORÇOS DAS

EXPERIÊNCIAS INACABADAS, APESAR DE TUDO TRANSFORMAR-SE-ÃO EM PÓ...

sub-unidade 4

lucky (EXPLODINDO)- POR ISSO O QUE IMPORTA É VIVER, VIVA, VIVA, VIVa

unidade 20 – violência doméstica

sub-unidade 1

pozzo puxa-O pelo pescoço derrubando-o

pozzo (BRUTO)- DE PÉ PORCO!

vladi (INDIGNADO)- ASSIM O SENHOR O MATA.

pozzo (BRUTO)- DE PÉ PORCO! SUÍNO...

sub-unidade 2

Page 27: Esperando deus

27

pozzo fareja algo no ar.

pozzo (COM NOJO)- QUAL DE VOCÊS CHEIRA TÃO MAL?

estra (INOCENTE)- ELE TEM MAU HÁLITO E EU TENHO CHULÉ!

pozzo (DECIDIDO)- EU VOU-ME EMBORA!

estra (ENTUSIASMADO)- ENTÃO ADEUS.

sub-unidade 3

vladi (CHAMANDO A ATENÇÃO DE POZZO)- O SENHOR ESTÁ INDO PELO LADO ERRADO.

POZZO DÁ MEIA VOLTA E SEGUE EM OUTRA DIREÇÃO, QUE NA REALIDADE VEM DAR NA MESMA.

estra/vladi (EM CORO)- ADEUS.

cena 5

unidade 1 - tempo

sub-unidade 1

Pozzo sai de cena carregando a tiracolo Lucky.

Vladimir e estragon batem claras em neve por mais ou menos 3 minutos.

DURANTE O PROCESSO DE BATER CLARAS DE OVOS, GRADATIVAMENTE O REGISTRO INTERPRETATIVO PASSA DO

CLOWNESCO PARA UM NATURALISMO CARREGADO DE FRAGMENTOS EXPRESSIONISTAS.

sub-unidade 2

cessam de bater, primeiro vladi, logo a seguir estra. miram cada qual alguém da platéia.

O som de pássaros no acasalamento é substituído pelo som de ondas do mar quebrando com violência. O tic-tac do

relógio mantém-se.

vladi (irônico)- DEU PaRA PASSAR O TEMPO.

estra (irônico)- TERIA PASSADO DE QUALQUER MANEIRA.

vladi (irônico)- SIM, MAS NÃO TÃO DEPRESSA!

Page 28: Esperando deus

28

batem claras de ovos, primeiro vladi, logo a seguir estra. cessam de bater, primeiro estra, logo a seguir vladi. miram

cada qual alguém da platéia.

unidade 2 – é aqui mesmo

sub-unidade 1

estra (depois de examinar o espaço)- É AQUI MESMO?

vladi (examina o espaço)- CLARO, NÃO RECONHECE O LUGAR?

sub ?

estra (puto)- O QUE HÁ PARA RECONHECER? TODA A MERDA DA MINHA VIDA EU CHAFURDEI NA LAMA, E VOCÊ

FICA ME FALANDO DO CENÁRIO. OLHA PRA ESSA MERDA, EU NUNCA SAI DAQUI!

sub-unidade 2

batem claras de ovos, primeiro estra, logo a seguir vladi. cessam de bater, primeiro vladi, logo a seguir estra. miram

cada qual alguém da platéia.

unidade 3 – é tão difícil

sub-unidade 1

vladi (com desânimo)- DIZ ALGUMA COISA!

estra (com desânimo)- EU ESTOU TENTANDO

vladi (com desânimo)- DIZ QUALQUER COISA!

sub-unidade 2

estra (decidido)- QUE VAMOS FAZER AGORA?

vladi (decidido)- VAMOS ESPERAR DEUS!

estra (decidido)- É MESMO.

sub-unidade 3

batem claras de ovos, primeiro estra, logo a seguir vladi. cessam de bater, primeiro vladi, logo a seguir estra. miram

cada qual alguém da platéia.

Page 29: Esperando deus

29

Pozzo volta a pesquisar seu caderninho negro, enquanto Lucky “rega” todo o espaço com pétalas de flores. Estra e

Vladi voltam a bater claras de ovos. Pozzo guarda seu caderninho negro e vai até Lucky, retira do bolso uma mordaça

e tampa-lhe a boca. Pozzo coloca um óculos escuros e voltar a pesquisar seu caderninho negro. Pozzo finge caminhar

com dificuldade, como se fosse cego

vladi (desanimado)- É TÃO DIFÍCIL.

estra (procurando animá-lo)- E SE VOCÊ CANTASSE?

vladi (decidido)- NÃO. QUEM SABE SE A GENTE COMEÇAR TUDO DE NOVO?

estra (desvaloriza)- ISSO NÃO SERIA DIFÍCIL.

vladi (desanimado)- COMEÇAR É QUE É DIFÍCIL!

estra (procurando animá-lo)- PODE-SE COMEÇAR DE QUALQUER COISA.

vladi (justifica)- MAS É PRECISO UMA DECISÃO.

estra (vazio)- É.

vladi (categóirico)- ISSO IMPEDE A GENTE DE PENSAR.

estra (determinado)- A GENTE PENSA ASSIM MESMO.

vladi (categórico)- É IMPOSSÍVEL!

unidade 4 - contradição

sub-unidade 1

batem claras de ovos, primeiro vladi, logo a seguir estra. cessam de bater, primeiro estra, logo a seguir vladi. miram

cada qual alguém da platéia.

estra (decido)- É ISSO: VAMOS NOS CONTRADIZER.

vladi (categórico)- É IMPOSSÍVEL.

estra (sem certeza)- VOCÊ ACHA?

vladi (na dúvida)- TALVEZ NÃO!

Lucky poda mais um balão, é um balão amarelo, ele espatifa-se no chão. Pozzo ri lascivamente. Lucky enche um

balão azul e entrega a alguém da platéia.

unidade 5 – a gente é feliz

sub-unidade 1

batem claras de ovos, primeiro vladi, logo a seguir estra. cessam de bater, primeiro estra, logo a seguir vladi. miram

cada qual alguém da platéia.

sub-unidade 2

Page 30: Esperando deus

30

estra (esperançoso)- PELO MENOS HÁ ISSO.

vladi (a leste)- ISSO O QUÊ?

estra (esclarece)- MUITO MENOS MISÉRIA.

vladi (vazio)- É VERDADE.

sub-unidade 3

batem claras de ovos, primeiro vladi, logo a seguir estra. cessam de bater, primeiro estra, logo a seguir vladi. miram

cada qual alguém da platéia.

sub-unidade 4

estra (down)- ENTÃO QUE TAL SE A GENTE PENSASSE QUE É FELIZ?

vladi (down)- O QUE É TERRÍVEL É TER PENSADO.

estra (down)- É VERDADE.

sub-unidade 5

vladi e estra gradativamente perdem o ar pesado e deixam a mostra seus dentes cerrados, produzindo um típico

sorriso amarelo.

vladi (pateticamente)- A GENTE É FELIZ... O QUE É QUE A GENTE FAZ AGORA QUE É FELIZ? CONTINUA ESPERANDO?

unidade 6 – conversa sobre nada

sub-unidade 1

com seu sorriso patético mira detalhadamente o espaço circundante, estaciona por alguns instantes nas árvores

presentes no espaço e finalmente fixa seu olhar num espectador incauto.

vladi (patético)- AH, A ÁRVORE.

estra (totalmente a leste)- A ÁRVORE?

vladi (patético)- NÃO SE LEMBRA?

estra (down)- ESTOU CANSADO.

vladi (determinado)- OLHA BEM!

Page 31: Esperando deus

31

estra (depois de uma rápida mirada)- NÃO VEJO NADA.

Vladi (questionando-se)- MAS ONTEM A NOITE ESTAVA TODA CARREGADA DE FRUTOS, HOJE ESTÁ PRETA E

ESQUELÉTICA E O CHÃO COBERTO DE FLORES.

estra (perdido)- DE FLORES?

vladi (como não acreditando)- É, DA NOITE PARA O DIA!

Lucky poda três balões azuis de uma só vez. Pozzo descontrola-se e irrita-se terrivelmente. Vladi e Estra enquanto

conversam batem claras de ovos.

sub-unidade 2

estra (desvaloriza)- EU JÁ TE DISSE QUE A GENTE NÃO VEIO AQUI ONTEM, É OUTRO DE SEUS PESADELOS!

vladi (no ataque)- E SEGUNDO VOCÊ AONDE É QUE A GENTE ESTEVE ONTEM?

estra (desvaloriza)- SEI LÁ, EM OUTRO COMPARTIMENTO. NÃO É O VÁCUO QUE NOS FALTA?

vladi (no ataque)- MUITO BEM. ENTÃO A GENTE NÃO ESTEVE AQUI ONTEM? E O QUE é QUE A GENTE FEZ ONTEM?

estra (a leste)- FEZ?

vladi (insiste)- VÊ SE TE LEMBRA!

estra (desvaloriza)- ACHO QUE A GENTE BATEU PAPO.

vladi (duvidando)- SOBRE O QUÊ?

estra (fechando a conversa)- ISSO E AQUILO. NADA EM PARTICULAR... É ISSO: ONTEM A GENTE BATEU PAPO

SOBRE NADA, HÁ MAIS OU MENOS CINQUENTA ANOS QUE A GENTE BATE PAPO SOBRE NADA!

Pozzo manda Lucky podar mais três balões, mas um de cada vez. Eles caem e espatifam-se no chão. Pozzo ri lasciva

e histericamente. Lucky enche balões e entrega-os à platéia.

sub-unidade 3

vladi (insiste)- VOCÊ NÃO SE LEMBRA DE NADA EM PARTICULAR?

estra (saturado)- NÃO ME ATORMENTA!

vladi (insiste)- O SOL, A LUA, NÃO SE LEMBRA?

estra (saturado)- ACHO QUE ESTAVAM POR AI, COMO SEMPRE.

vladi (insiste)- NÃO NOTOU NADA DE EXTRAORDINÁRIO?

estra (totalmente saturado)- AI MEU DEUS.

vladi (entusiasmado)- O Pozzo, O LUCKY.

estra (totalmente a leste)- Pozzo?

vladi (categórico)- OS OSSOS.

Page 32: Esperando deus

32

estra (menospreza)- PARECIA ESPINHA DE PEIXE.

vladi (esclarece)- FOI O Pozzo QUE TE DEU.

unidade 7 – o que vamos fazer

sub-unidade 1

ficam um tempo sem nada a fazer, miram apenas olhos da platéia estática.

estra (down)- ESTOU CANSADO. VAMOS EMBORA?

vladi (down)- NÃO PODEMOS.

estra (down)- POR QUÊ?

vladi (down)- ESTAMOS ESPERANDO DEUS.

estra (down)- AH É...

sub-unidade 2

batem claras de ovos, primeiro estra, logo a seguir vladi. cessam de bater, primeiro estra, logo a seguir vladi. miram

cada qual alguém da platéia.

sub-unidade 3

estra (vazio)- O QUE VAMOS FAZER AGORA?

vladi (vazio)- NÃO VAMOS FAZER NADA!

estra (vazio)- MAS EU NÃO AGUENTO MAIS.

vladi (vazio)- ISSO ESTÁ FICANDO VERDADEIRAMENTE INSIGNIFICANTE!

estra (vazio)- AINDA NÃO O BASTANTE.

Pozzo chama Lucky. Ele retira de sua mala um óculos escuro, uma bengala de cego e uma caixinha para guardar

moedas, daquelas que os cegos carregam no peito. Pozzo ornamenta-se de ceguinho, caminha pelo espaço sendo

rebocado por Lucky.

unidade 8 - incomoda

sub-unidade 1

estra fica sem nada a fazer.

Page 33: Esperando deus

33

Vladi (canta) - UM ELEFANTE INCOMODA MUITA GENTE DOIS ELEFANTES INCOMODAM, INCOMODAM MUITO MAIS

TRÊS ELEFANTES INCOMODAM MUITA GENTE...QUINZE ELEFANTES INCOMODAM MUITA GENTE...

estra (explode)- CHEGA. ESTOU CANSADO!

vladi (irônico)- PREFERE FICAR AI SEM FAZER NADA?

estra (irado)- PREFIRO!

vladi (indiferente)- COMO QUEIRA.

Pozzo e Lucky começam a caminhar pelo espaço. Lucky puxa a reboque Pozzo que finge estar cego. Pozzo nessa

caminhada procura os balões pela platéia para estoura-los.

unidade 9 – vamos embora

sub-unidade 1

batem claras de ovos, cessam de bater

sub-unidade 2

estra (down)- VAMOS EMBORA!

vladi (down)- NÃO PODEMOS.

estra (down)- POR QUÊ?

vladi (down)- ESTAMOS ESPERANDO DEUS!

estra (down)- AH É.

unidade 10 - incomoda

sub-unidade 1

estra fica sem nada a fazer.

vladi (canta) - DEZESSETE ELEFANTES INCOMODAM MUITA GENTE...

estra (irrita-se)- SERÁ QUE VOCÊ NÃO PODE FICAR QUIETO?

unidade 11 – hora do recreio

sub-unidade 1

Page 34: Esperando deus

34

vladi e estra ficam sem nada a fazer.

vladi (entusiasmado)- VOCÊ NÃO QUER BRINCAR?

estra (indiferente)- BRINCAR DE QUÊ?

vladi (entusiasmado)- DE Pozzo E LUCKY.

estra (indiferente)- NÃO CONHEÇO!

vladi (entusiasmado)- EU FAÇO O LUCKY, VOCÊ FAZ O Pozzo!...VAI!

sub-unidade 2

estra (perdido)- VAI O QUÊ?

vladi (ordenando)- ME XINGA!

estra (sem energia)- CANALHA.

vladi (incentiva)- MAIS FORTE!

estra mira outra figura da platéia ativa.

estra (com força)- GONORRENTO, ESPIROQUE-TA.

vladi (entusiasmado)- ME MANDA PENSAR!

estra (perdido)- O QUÊ?

vladi (entusiasmado)- DIZ PENSA PORCO!

estra mira outra figura da platéia ativa.

estra (com força)- PENSA PORCO!

cena 6

unidade 1 – grande entrada

sub-unidade 1

Pozzo depois de estourar todos os balões do espaço, fazendo muito barulho, cai entre Vladi e Estra no maior

estardalhaço. com a entrada turbulenta de pozzo, vladi e estra cessam o jogo.

unidade 2 – eles vêm aí

Page 35: Esperando deus

35

sub-unidade 1

vladi (agitado)- ELES VÊM aí!

estra (perdido)- QUEM?

vladi (agitado)- NÃO SEI.

estra (agitado)- QUANTOS?

vladi (agitado)- NÃO SEI.

estra (esperançoso)- É DEUS, ENFIM É DEUS, ESTAMOS SALVOS, VAMOS ENCONTRA-LO!

sub-unidade 2

Eles tentam escutar algo.

vladi (sussura)- VOCÊ DEVE TER SE ENGANADO.

estra (sussura)- O QUÊ?

sub-unidade 3

vladi (gritando) - VOCÊ DEVE TER SE ENGANADO!

estra (gritando)- NÃO PRECISA GRITAR!

vladi (irônico)- SEU MACACO CERIMONIOSO.

estra (irado)- SEU PORCO FORMALISTA.

vladi (irado)- TERMINE SUA FRASE!

estra (irado)- TERMINE A SUA!

vladi (improvisa)- MISERÁVEL.

sub-unidade 4

estra (entusiasmado)- BOA IDÉIA, VAMOS NOS INSULTAR!

vladi tira das meias um dicionário e procura uma palavra.

vladi (entrando no jogo)- MENTECAPTO.

Page 36: Esperando deus

36

estra tira das meias um dicionário e procura o significado da palavra. lê o seu significado e reage de acordo com a

sua denotação e por vezes em função da sua conotação, depois procura outra palavra.

estra- VERME.

vladi examina o significado no seu dicionário, reage e finalmente procura outra palavra.

vladi- ABORTO.

estra examina o significado no seu dicionário, reage e finalmente procura outra palavra.

estra- PÁROCO.

vladi examina o significado no seu dicionário, reage e finalmente procura outra palavra.

vladi- CRETINO.

estra examina o significado no seu dicionário, reage e finalmente procura outra palavra.

estra- CRÍTICO.

vladi examina o significado no seu dicionário e percebe que perdeu o jogo.

vladi- óÓÓÓ.

deixam de jogar e ficam sem nada a fazer.

Pozzo caído entre os dois observa-os atentamente.

unidade 3 – você acha que deus está nos vendo agora

sub-unidade 1

estra (desanimado)- QUE É QUE A GENTE FAZ AGORA?

vladi (desanimado)- A GENTE ESPERA.

Page 37: Esperando deus

37

estra (desanimado)- A GENTE ESPERA.

sub-unidade 2

estra (vazio)- VOCÊ ACHA QUE DEUS ESTÁ NOS VENDO AGORA?

vladi (vazio)- VOCÊ TEM QUE FECHAR OS OLHOS!

cena 7

unidade 1– que tal se a gente se levantasse

sub-unidade 1

O som de ondas quebrando nas rochas desaparece, e é substituído pelo som do vento uivante do outono, com ruídos

de folhas secas estalando. O som do tic-tac do relógio permanece ao fundo.

vladi e estra abandonam suas tigelas, ajoelham-se e com os olhos fechados miram o infinito dos céus. o registro

interpretativo dos atores gradativamente transforma-se numa linguagem exageradamente clownesca.

diferentemente da primeira interferência do registro clownesco, que teve o peso soft dum humor alegre, agora o

tom assume algo de burlesco, de grotesco, onde o sarcasmo marca sua presença total na cena.

estra (fechando os olhos) - DEUS TENDE PIEDADE DE MIM.

vladi (fechando os olhos) - DE MIM.

estra (exageradamente)- DE MIM, DE MIM, PIEDADE DE MIM!

sub-unidade 2

pozzo (sofredor)- SOCORRO.

estra (abrindo os olhos)- É DEUS.

vladi (esperançoso)- ESTÁVAMOS COMEÇAN-DO A FRAQUEJAR, AGORA TEMOS A TARDE GARANTIDA.

pozzo (sofredor)- SOCORRO.

estra (indiferente)- ELE ESTÁ PEDINDO SOCORRO.

vladi (esperançoso)- NÃO ESTAMOS MAIS SOZINHOS, ESPERANDO A NOITE, ESPERANDO DEUS, ESPERANDO A

ESPERA, NÓS LUTAMOS SOZINHOS DURANTE TODA A TARDE, MAIS ISSO TERMINOU, O AMANHÃ JÁ CHEGOU.

sub-unidade 3

pozzo (sofredor)- SOCORRO.

Page 38: Esperando deus

38

estra (decidido)- MANDA ELE CALAR A BOCA. DÁ UM PONTAPÉ NOs tomates DELE!

vladi (para pozzo com decisão)- QUER PARAR COM ISSO SEU CRETINO!

sub-unidade 4

vladi e estra observam por alguns instantes pozzo e lucky que encontram-se caídos entre eles.

estra (interessado)- ELE CONSEGUIU SE LEVANTAR?

vladi (afirmativamente)- NÃO!

estra (na dúvida)- VOCÊ DISSE QUE ELE CAIU?

vladi (esclarece)- ESTAVA DE JOELHOS.

sub-unidade 5

estra (decidido)- QUE TAL SE A GENTE SE LEVANTASSE?

vladi (decidido)- VAMOS TENTAR.

estra (decidido)- BRINCADEIRA DE CRIANÇA.

vladi (decidido)- SIMPLES QUESTÃO DE FORÇA DE VONTADE.

Enquanto Pozzo conversa com Vladi e Estra, Lucky espalha folhas secas pelo espaço, ao mesmo tempo que distribui

balões azuis pela platéia.

pozzo (sofredor)- SOCORRO.

unidade 2 – vamos embora

sub-unidade 1

estra (vazio)- E AGORA? VAMOS EMBORA?

vladi (vazio)- NÃO PODEMOS.

estra (vazio)-. POR QUÊ?

vladi (vazio)- ESTAMOS ESPERANDO DEUS!

estra (vazio)- AH É...

sub-unidade 2

Page 39: Esperando deus

39

estra (vazio)- O QUE vamos FAZER agora?

ficam sem nada a fazer.

unidade 3 – o que foi que aconteceu

sub-unidade 1

pozzo (sofredor)- SOCORRO

vladi (decidido)- que tal SE A GENTE o SOCORRESSE?

sub-unidade 2

vladi (amigavelmente)- SENHOR Pozzo NÃO VAMOS MACHUCÁ-LO. (a estra) ACHO QUE ELE ESTÁ MORRENDO.

pozzo (coitadinho)- QUEM SÃO VOCÊS? SÃO AMIGOS?

vladi (esclarece)- SOMOS HOMENS.

sub-unidade 3

estra (perdido)- QUE É QUE ELE QUER? QUER SABER SE SOMOS AMIGOS?

vladi (esclarece)- NÃO, ELE DIZ AMIGOS DELE.

pozzo (coitadinho)- QUE FOI QUE ACONTECEU?

vladi (irônico)- VOCÊ OUVIU O QUE ELE DISSE? ELE QUE SABER O QUE ACONTECEU.

pozzo (coitadinho)- O QUE ACONTECEU EXATAMENTE?

vladi (irônico)- VOCÊS DOIS TROPEÇARAM E CAÍRAM!

pozzo (fingindo medo)- VOCÊS SÃO ASSALTANTES?

estra (estupidamente)- ASSALTANTES? NÓS TEMOS CARA DE ASSALTANTES?

sub-unidade 4

vladi (indignado)- PARA COM ISSO NÃO VÊ QUE ELE É CEGO!

estra (na dúvida)- É MESMO. ELE É CEGO? PELO MENOS É O QUE PARECE.

pozzo (coitadinho)- NÃO ME ABANDONEM.

vladi (irônico)- NÃO TEM PERIGO.

Page 40: Esperando deus

40

estra (irônico)- POR ENQUANTO.

unidade 4 – já é de noite

sub-unidade 1

pozzo (voltando à sua normalidade)- QUE HORAS SÃO?

vladi (esclarece)- SETE...OITO HORAS.

estra (contrariando)- DEPENDE DA ÉPOCA DO ANO.

pozzo (firme)- JÁ É NOITE?

estra (não responde)- PARECE QUE O SOL ESTÁ NASCENDO.

vladi (com certeza)- É IMPOSSÍVEL.

estra (provocando)- TALVEZ SEJA DE MADRUGADA.

vladi (determinado)- NÃO SEJA RIDÍCULO.

estra (provocando)- COMO É QUE VOCÊ SABE?

sub-unidade 2

pozzo (firme)- JÁ É DE NOITE?

vladi (dono da verdade)- O SOL NEM SE MEXEU.

estra (provocando)- TE DIGO QUE ESTÁ NASCENDO.

pozzo (começa a irritar-se)- POR QUE VOCÊS NÃO RESPONDEM?

estra (irônico)- PORQUE NÃO QUEREMOS DAR UMA INFORMAÇÃO FALSA.

sub-unidade 3

vladi (tomando conta da situação)- É O ENTARDECER CAVALHEIRO. O SOL ESTÁ SE PONDO. MEU AMIGO AQUI

DESEJOU PÔR-ME EM DÚVIDA E DEVE CONFESSAR QUE POR UM INSTANTE CONSEGUIU, MAS NÃO FOI A TROCO

DE NADA QUE EU ATRAVESSEI ESTE LONGO DIA, E POSSO GARANTIR-LHE QUE O DIA ESTÁ CHEGANDO AO FIM

DE SEU REPERTÓRIO. COMO ESTÁ SE SENTINDO AGORA, O SENHOR ONTEM PARECIA POSSUIR UMA VISTA

MAGNÍFICA SE ME LEMBRO CORRETAMENTE?

durante a fala de vlaDI, ESTRAGON DORMITA.

pozzo (não dando importância)- MAGNÍFICA, UMA VISTA MAGNÍFICA.

vladi (preocupado)- E FOI DE REPENTE?

Page 41: Esperando deus

41

pozzo (melancolicamente teatral)- UM BELO DIA ACORDEI CEGO COMO O DESTINO, DE VEZ EM QUANDO AINDA

PENSO QUE ESTOU DORMINDO.

Enquanto Pozzo e Vladi conversam, Lucky e Estra DORMITAM.

vladi (curioso)- E QUANDO FOI ISSO?

pozzo (indiferente)- NÃO SEI.

vladi (não entendendo)- MAS AINDA ONTEM...

sub-unidade 4

pozzo (firme)- NÃO ME PERGUNTE, OS CEGOS NÃO TEM NOÇÃO DO TEMPO, AS QUESTÕES DO TEMPO TAMBÉM

SÃO DESCONHECIDAS DELES.

vladi (colocando-se em dúvida)- ORA VEJA SÓ, EU PODIA JURAR QUE ERA AO CONTRÁRIO.

unidade 5 – é claro que eu sou o pozzo

sub-unidade 1

pozzo (firme)- ONDE É QUE ESTAMOS?

vladi (a leste)- NÃO SEI.

pozzo (firme)- NÃO SERÁ UM LUGAR CHAMADO BURACA?

vladi (indiferente)- NÃO CONHEÇO.

pozzo (firme)-COMO É O LUGAR?

vladi (observa o espaço)- É INDESCRITÍVEL. É COMO O NADA. NÃO HÁ NADA. SÓ UMA ÁRVORE.

pozzo (firme)-ENTÃO NÃO É A BURACA!

sub-unidade 2

pozzo (desconversa)- ONDE ESTÁ O MEU CRIADO?

vladi (indiferente)- POR AI.

pozzo (desconversa)- POR QUE é QUE ELE NÃO RESPONDE QUANDO EU CHAMO?

vladi (sem pensar)- NÃO SEI(curioso)O SENHOR É O Pozzo?

pozzo (irritado)- É CLARO QUE EU SOU O POZZO!

vladi (curioso)- OS MESMOS DE ONTEM?

Page 42: Esperando deus

42

sub-unidade 3

pozzo (desconversa)- DE ONTEM?

vladi (esclarece)- NÓS NOS ENCONTRAMOS ONTEM, NÃO SE LEMBRA?

pozzo (irritado)- NÃO ME LEMBRO DE TER ENCONTRADO NINGUÉM ONTEM. MAS AMANHÃ NÃO VOU LEMBRAR DE

TER ENCONTRADO NINGUÉM HOJE, NÃO CONTE COMIGO PARA ESCLARECE-LO.

vladi (insiste)- MAS...

sub-unidade 4

pozzo (firme)- CHEGA.

vladi (esclarecendo)- O SENHOR ESTAVA LEVANDO-O À FEIRA DA LADRA PARA VENDÊ-LO. O SENHOR NOS CONTOU

SOBRE O CREPÚSCULO, ELE DANÇOU, PENSOU, O SENHOR VIA CLARAMENTE.

pozzo (firme)- COMO QUISER, MAS DEIXE-ME EM PAZ.

unidade 6 – o que é que ele tem na valise

sub-unidade 1

vladi (curioso)- AONDE VAI AGORA?

pozzo (sem dar importância)- NÃO ME PREOCUPO COM ISSO.

vladi (curioso)- O QUE É QUE ELE TEM NA VALISE?

pozzo (sem dar importância)- AREIA (bruto) DE PÉ PORCO.

vladi (decidido)- ESPERA UM POUCO.

pozzo (firme)- ESTOU DE PARTIDA (bruto) DE PÉ PORCO.

vladi (curioso)- O QUE É QUE VOCÊS FAZEM QUANDO CAEM LONGE DE SOCORRO?

pozzo (sem dar importância)- ESPERAMOS ATÉ QUE POSSAMOS NOS LEVANTAR, E AI PARTIMOS.

sub-unidade 2

vladi (amigavelmente)- ANTES DE PARTIR MANDA ELE CANTAR.

pozzo (fingindo não entender)- QUEM?

vladi (AFIRMATIVO)- o LUCKY.

pozzo (fingindo não entender)- CANTAR?

vladi (amigavelmente)- OU PENSAR, OU RECITAR.

pozzo (decidido)- MAS ELE É MUDO.

Page 43: Esperando deus

43

vladi (INCRÉDULO)- MUDO?

pozzo (concluindo)- LÓGICO, ELE NÃO PODE NEM GEMER.

vladi (INCRÉDULO)- MUDO, DESDE QUANDO?

sub-unidade 3

pozzo (IRRITADO)- VOCÊ NÃO SE CANSA DE ME ATORMENTAR COM SUAS HISTÓRIAS SOBRE O TEMPO? É

ABOMINÁVEL. QUANDO, QUANDO? UM DIA. ISSO NÃO LHE BASTA? UM DIA COMO QUALQUER OUTRO. UM DIA ELE

FICOU MUDO. UM DIA EU FIQUEI CEGO. UM DIA VAMOS TODOS FICAR SURDOS. UM DIA NASCEMOS. UM DIA

MORREREMOS. O MESMO DIA. O MESMO SEGUNDO. SERÁ QUE ISTO NÃO LHE BASTA?

cena 8

unidade 1 – vem tempestade por aí

sub-unidade 1

Pozzo sai de cena levando Lucky a reboque. Vladi acorda Estra. Ele desperta agitado. O som de tempestade invade

o espaço. trovões raios e relâmpagos fazem um barulho ensurdecedor. O tic-tac mantém-se. Pozzo prepara-se para

dormir.

vladi começa a bater claras em neve. no processo o registro clownesco deixa de existir dando lugar ao peso do

hibernaturalismo que volta com o peso da primeira parte da representação. estra desperta sonolento e acompanha

vladi. cessam de bater, primeiro vladi, logo a seguir estra. miram cada qual alguém da platéia.

unidade 2 – será que vai chover

sub-unidade 1

vladi (otimista)- QUE DIA MARAVILHOSO, VOCÊ NÃO ACHA?

estra (pessimista)- PARECE QUE VAI CHOVER.

vladi (insiste)- VOCÊ NÃO ACHA QUE ESTÁ UM DIA MARAVILHOSO?

estra (contrariado)- PARECE QUE VAI CHOVER.

vladi (categórico)- VOCÊ NÃO DIRIA ISSO SE SOUBESSE QUE SEU VASO SANITÁRIO ESTÁ COM VAZAMENTO.

estra (down)- JÁ ESTOU SENTINDO ALGUNS PINGOS DE CHUVA.

vladi (farejando o ar)- NÃO ESTÁ SENTINDO O CHEIRO?

estra (a leste)- CHEIRO, QUE CHEIRO?

vladi (down)- ULTIMAMENTE O VENTO TEM SOPRADO A NOROESTE A MUITO QUE NÃO TENHO O PRAZER DO

OLFATO.

estra (down)- SE O DIA CONTINUAR ASSIM, TEREI MUITO O QUE FAZER AMANHÃ.

vladi (fora do tempo)- VOCÊ ACHA QUE VAI CHOVER?

Page 44: Esperando deus

44

estra (down)- DEPOIS DA CHUVA JÁ TEREI TIDO TEMPO, PODEREI FAZER MUITAS COISAS AINDA HOJE.

unidade 3 – vamos esperar

sub-unidade 1

batem claras de ovos, primeiro estra, logo a seguir vladi. cessam de bater, primeiro vladi, logo a seguir estra. miram

cada qual alguém da platéia.

sub-unidade 2

vladi (vazio)- O QUE VAMOS FAZER AGORA?

estra (vazio)- VAMOS ESPERAR.

vladi (vazio)- ESPERAR?

estra (vazio)- É.

vladi (vazio)- QUEM?

estra (vazio)- DEUS.

vladi (vazio)- AH É

unidade 4 – amanhã quem sabe

sub-unidade 1

batem claras de ovos, primeiro vladi, logo a seguir estra. cessam de bater, primeiro estra, logo a seguir vladi. miram

cada qual alguém da platéia.

estra (down)- OS PINGOS DA CHUVA CONTINUAM A CAIR, ACHO QUE O VENTO COMEÇA A MUDAR DE DIREÇÃO,

COMEÇO A SENTIR A CARNIÇA INVADIR MINHAS ENTRANHAS.

vladi (down)- É O CHEIRO DA CHUVA NA TERRA SECA, ESCAVANDO SEUS SEGREDOS.

estra (down)- O DIA COMEÇA A ESCURECER. AMANHÃ QUEM SABE A CHUVA JÁ TERÁ PARADO, HOJE ME RESTA

DORMIR.

vladi (down)- DORMIR?

cena 9

unidade 1 - sonolência

sub-unidade 1

estra (down)- POR QUE VOCÊ NUNCA ME DEIXA DORMIR?

vladi (down)- EU ME SENTIA SOZINHO.

Page 45: Esperando deus

45

sub-unidade 2

estra (otimista)- EU SONHEI QUE ERA FELIZ.

vladi (indiferente)- ISSO PASSA O TEMPO.

estra (feliz)- EU SONHEI QUE...

sub-unidade 3

vladi (DE SÚBITO)- NÃO ME DIGA, SERÁ QUE ELE É CEGO MESMO?

estra (perdido)- QUEM?

vladi (explica)- O POZZO!

estra (surpreso)- ELE É CEGO?

vladi (deduzindo)- UM CEGO DE VERDADE DIRIA QUE NÃO TEM NOÇÃO DE TEMPO?

estra (não entendendo)- E DAI?

vladi (explicativo)- ELE ME DEU A IMPRESSÃO DE QUE ESTAVA VENDO A GENTE.

estra (desconversando)- VOCÊ SONHOU TUDO ISSO. VAMOS EMBORA. AH NÃO PODEMOS!

sub-unidade 4

estra (depois de refletir)- TEM CERTEZA QUE NÃO ERA ELE?

vladi (perdido)- QUEM?

estra (esclarece)- DEUS.

vladi (mais perdido ainda)- QUEM?

estra (esclarece)- O POZZO.

vladi (convicto)- CLARO QUE NÃO!

PAUSA, ficam no vazio sem nada a fazer. estragon está sonolento. sua cabeça descai.

sub-unidade 5

estra (entre o sono e o acordar)- ACHO QUE VOU ME LEVANTAR.

tempo. estragon adormece.

Page 46: Esperando deus

46

cena 10

unidade 1 – não sei mais o que pensar

sub-unidade 1

Lucky prepara a cama de pozzo.

vladi (filosofa com seriedade)- NÃO SEI MAIS O QUE PENSAR... EU ESTAVA DORMINDO ENQUANTO OS OUTROS

SOFRIAM? ESTAREI DORMINDO AGORA? AMANHÃ QUANDO EU ESTIVER PENSANDO QUE ACORDEI, QUE DIREI DO

DIA DE HOJE? QUE JUNTO COM ESTRAGON , MEU AMIGO, NESTE LUGAR, ATÉ O CAIR DA NOITE EU ESPEREI DEUS?

QUE POSSO PASSOU COM SEU ESCRAVO E FALOU CONOSCO? (apático) MAS O QUE HAVERÁ DE VERDADE EM TUDO

ISSO? ELE NÃO SABERÁ DE NADA. ELE FALARÁ DOS GOLPES QUE RECEBEU. COM UM PÉ NA COVA E UM

NASCIMENTO DIFÍCIL, O COVEIRO APLICA SEU FÓRCEPS. TEMOS TEMPO DE ENVELHECER. O AR ESTÁ CHEIO DE

NOSSOS GRITO, MAS O HÁBITO É UMA GRANDE SURDINA. TAMBÉM PARA MIM ALGUÉM ESTÁ OLHANDO E DIZENDO

ELE ESTÁ DORMINDO, ELE NÃO SABE NADA, DEIXA ELE DORMIR... NÃO POSSO MAIS CONTINUAR...

sub-unidade 2

vladi (como que acordando de sonho)- O QUE FOI QUE EU DISSE?

cena 11

unidade 1 – e se a gente desistisse

sub-unidade 1

Estra (começa a despertar) - QUE É QUE VOCÊ TEM?

vladi (vazio)- NADA.

estra (decidido)- EU VOU EMBORA.

vladi (vazio)- EU TAMBÉM.

tempo. eles não se movem. permanecem mirando o vazio dos olhos alheios.

sub-unidade 2

estra (apático)- EU DORMI MUITO TEMPO?

vladi (apático)- NÃO SEI.

estra (apático)- ONDE É QUE NÓS VAMOS?

vladi (apático)- POR AI.

Page 47: Esperando deus

47

estra (apático)- VAMOS PARA BEM LONGE DAQUI.

vladi (apático)- NÃO PODEMOS.

estra (apático)- POR QUE?

vladi (apático)- TEMOS QUE VOLTAR AMANHÃ.

estra (apático)- PRA QUÊ?

vladi (apático)- PARA ESPERAR DEUS!

estra (apático)- ELE NÃO VEIO HOJE?

vladi (apático)- NÃO.

estra (apático)- E SE A GENTE DESISTISSE?

vladi (apático)- ELE NOS PUNIRIA

unidade 2 – amanhã a gente se enforca se deus não vier

sub-unidade 1

vladi observa a paisagem a sua volta, centraliza sua atenção nas árvores que preenchem o espaço.

vladi (melancólico)- ESTÁ TUDO MORTO MENOS A ÁRVORE.

estra (melancólico)- MAS QUE ÁRVORE?

vladi (melancólico)- NÃO SEI... UM CHORÃO.

sub-unidade 2

estra (decidido)- POR QUE A GENTE NÃO SE ENFORCA?

vladi (incrédulo)- COM QUE?

estra (sem muita certeza)- VOCÊ NÃO TEM UM PEDAÇO DE CORDA?

vladi (melancólico)- NÃO.

estra (melancólico)- ENTÃO NÃO PODEMOS.

sub-unidade 3

vladi (decidido)- VAMOS EMBORA.

estra (decidido)- VOCÊ DISSE QUE A GENTE VAI VOLTAR AMANHA?

vladi (decidido)- DISSE?

estra (decidido)- ENTÃO A GENTE TRAZ UM BOM PEDAÇO DE CORDA!

vladi (decidido)- AMANHÃ A GENTE SE ENFORCA SE DEUS NÃO VIER!

estra (decidido)- E SE ELE VIER?

vladi (decidido)- AI SEREMOS SALVOS!

Page 48: Esperando deus

48

unidade 3 – então vamos

sub-unidade 1

estra (decidido)- ENTÃO VAMOS!

vladi (decidido)- ENTÃO VAMOS!

estra (decidido)- VAMOS!

vladi (decidido)- VAMOS.

sub-unidade 2

Eles não saem dos seus lugares. VOLTAM A BATER CLARAS DE OVOS.

cena 12

unidade 1 – o inverno chegou

sub-unidade 1

Cessa o barulho da tempestade. O barulho ensurdecedor de um despertador invade a cena. Pozzo senta-se em sua

caixa de cerveja e prepara-se para dormir com seu gansinho de pelúcia.

Vladimir e Estragon estão sonolentos e acabam despencando suas cabeças dentro das tigelas com ovos. O uivo

gelado do inverno invade a cena. Lucky espalha pelo espaço flocos de neve, enquanto canta uma canção de ninar.

unidade 2 – pega esse menino que tem medo de careta

sub-unidade 1

Lucky (cantando melancolicamente) - BOI, BOI, BOI, BOI DA CARA PRETA, PEGA ESSE MENINO, QUE TEM MEDO

DE CARETA, BOI, BOI, BOI.....

unidade 3 – noite de lua cheia

sub-unidade 1

Silêncio. Lucky fica de quatro e começa a uivar como um cão contemplando a lua cheia. Black’ out.

the end

Page 49: Esperando deus

49

Clipping

Page 50: Esperando deus

50

Page 51: Esperando deus

51

Page 52: Esperando deus

52

Page 53: Esperando deus

53

Page 54: Esperando deus

54

Page 55: Esperando deus

55

Page 56: Esperando deus

56

Page 57: Esperando deus

57

Page 58: Esperando deus

58

Page 59: Esperando deus

59

Page 60: Esperando deus

60

Page 61: Esperando deus

61

Page 62: Esperando deus

62

Page 63: Esperando deus

63

Page 64: Esperando deus

64

Page 65: Esperando deus

65

Page 66: Esperando deus

66

Page 67: Esperando deus

67

Page 68: Esperando deus

68

Page 69: Esperando deus

69