entendendo a incontinência - revista longeviver

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REVISTA PORTAL de Divulgação, n.25. Ano III.Set. 2012 http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php 26 Entendendo a incontinência, em todas as fases da vida Segundo especialistas, a incontinência provoca um impacto psicológico enorme, as pessoas passam a ter medo de sair, manter uma vida social ativa e principalmente manter relações sexuais. Por Luciana H. Mussi uitos ainda acreditam que o envelhecimento, de modo geral, está associado à ocorrência de incontinência urinária e fecal. Porém, esta não é, necessariamente, uma consequência natural do envelhecimento, como muitos ainda acreditam. Mudar esse cenário tornou-se um desafio para os profissionais da saúde e considerando o acelerado envelhecimento da população mundial, o entendimento de alguns conceitos que envolvem a incontinência é fundamental, em todas as fases da vida. Velhice Wyman e colaboradores (2000) definem a velhice a partir do conjunto das condições biológicas, sociais, econômicas, cognitivas, funcionais e cronológicas. Biologicamente, o envelhecimento se inicia no momento em que se nasce, e não aos 60 anos; socialmente, a velhice varia de acordo com o momento histórico e cultural; intelectualmente, diz-se que alguém esta envelhecendo quando suas faculdades cognitivas começam a falhar, apresentando problemas de memória, atenção, orientação e concentração; economicamente, a pessoa entra na velhice quando se aposenta, deixando de ser produtiva para a sociedade; funcionalmente quando o individuo perde a sua independência e precisa de ajuda para desempenhar suas atividades básicas de vida diária; e finalmente cronologicamente, a pessoa é idosa quando faz 60 ou 65 anos. Envelhecimento Segundo Rigo e Teixeira (2005), o envelhecimento é um processo que afeta todos os indivíduos de forma lenta e gradativa, provocando alterações biológicas e socioambientais. A intensidade dessas modificações inerentes ao processo de senescência varia de indivíduo para indivíduo. M

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REVISTA PORTAL de Divulgação, n.25. Ano III.Set. 2012 http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php

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Entendendo a

incontinência, em todas as fases da vida

Segundo especialistas, a incontinência provoca um

impacto psicológico enorme, as pessoas passam a ter medo de

sair, manter uma vida social ativa e principalmente manter

relações sexuais.

Por Luciana H. Mussi

uitos ainda acreditam que o envelhecimento, de modo geral, está associado à ocorrência de incontinência urinária e fecal. Porém, esta não é, necessariamente, uma consequência natural do

envelhecimento, como muitos ainda acreditam. Mudar esse cenário tornou-se um desafio para os profissionais da saúde e considerando o acelerado envelhecimento da população mundial, o entendimento de alguns conceitos que envolvem a incontinência é fundamental, em todas as fases da vida. Velhice Wyman e colaboradores (2000) definem a velhice a partir do conjunto das condições biológicas, sociais, econômicas, cognitivas, funcionais e cronológicas. Biologicamente, o envelhecimento se inicia no momento em que se nasce, e não aos 60 anos; socialmente, a velhice varia de acordo com o momento histórico e cultural; intelectualmente, diz-se que alguém esta envelhecendo quando suas faculdades cognitivas começam a falhar, apresentando problemas de memória, atenção, orientação e concentração; economicamente, a pessoa entra na velhice quando se aposenta, deixando de ser produtiva para a sociedade; funcionalmente quando o individuo perde a sua independência e precisa de ajuda para desempenhar suas atividades básicas de vida diária; e finalmente cronologicamente, a pessoa é idosa quando faz 60 ou 65 anos. Envelhecimento Segundo Rigo e Teixeira (2005), o envelhecimento é um processo que afeta todos os indivíduos de forma lenta e gradativa, provocando alterações biológicas e socioambientais. A intensidade dessas modificações inerentes ao processo de senescência varia de indivíduo para indivíduo.

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Já Herzog e Fultz (1990) afirmam que o processo de envelhecimento e suas consequências naturais, as alterações biomorfológicas, são preocupações da humanidade desde o inicio da civilização. Naturalmente os seres vivos são regidos por um determinismo biológico: todos nascem, crescem, amadurecem, envelhecem, declinam e morrem. As alterações inerentes ao envelhecimento dependem de cada individuo, da programação genética de sua espécie e de fatores ambientais (habitat, modos de vida, e de agressões que tenham sofrido no decorrer de suas existências).

O envelhecimento não começa subitamente aos 60 anos, mas consiste no acumulo e interações de processos sociais, médicos e de comportamento durante a vida toda. Entre as patologias as incontinências, fecal e urinaria, são as que mais afetam a população idosa.

Por se tratar de um tema delicado e pouco explorado, realizamos uma pesquisa na mídia buscando, através do olhar de especialistas da área da saúde, entender a dinâmica das patologias, suas respectivas causas e sintomas, além de um diagnóstico preciso com tratamentos adequados, prevendo, inclusive alternativas para os casos mais graves. Tudo, sem perder de vista o impacto emocional relacionado aos “constrangimentos sociais” que afetam diretamente a qualidade de vida e, muitas vezes, isolam e acabam por deprimir as pessoas. Alternativas existem, são possíveis e estão acessíveis a todos que desejam uma vida plena, como veremos a seguir. Incontinência fecal Em entrevista concedida ao Dr. Drauzio Varella, a Dra. Angelita H. Gama, médica, professora de Coloproctologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e profissional do corpo clínico do Hospital Osvaldo Cruz (São Paulo/SP), explica: Incontinência fecal, isto é, a incapacidade de controlar a eliminação das fezes, é um assunto delicado sobre o qual os portadores do distúrbio não costumam conversar nem mesmo com os médicos. O constrangimento é tanto que o problema evolui e vai comprometendo cada vez mais a qualidade de vida desses pacientes que acabam sem coragem de sair de casa. Para entender melhor como funciona o controle da evacuação é preciso conhecer a anatomia da pelve. Na parte de trás da pelve óssea, ou bacia como popularmente é chamada, situa-se o osso sacro formado pela fusão de cinco vértebras do finalzinho da coluna, e pelo cóccix, o ossinho pontudo que pode ser visto na “imagem 1”. A parte inferior da cavidade pélvica é constituída pelo períneo onde se situam os órgãos genitais e o canal anal. A musculatura do períneo dá suporte ao

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ânus, a porção final do aparelho digestivo. O canal anal tem um esfíncter interno e outro externo e é enervado pelo nervo pudendo, que é fundamental para o funcionamento de toda a musculatura da base do períneo e pelo controle dos esfíncteres. Qualquer alteração anatômica nessa região pode ser responsável pela incontinência fecal. Causa Drauzio: Quais são as causas da incontinência fecal, problema que compromete tanto a qualidade de vida das pessoas? Angelita H. Gama: A causa pode ser congênita. Crianças que nascem com o ânus imperfurado e são submetidas à operação de abaixamento do intestino, com frequência se tornam incontinentes na idade adulta. Acredito, porém, que o interesse maior seja dar destaque à incontinência adquirida do adulto. Existem causas traumáticas como acidentes de trânsito, operações de períneo e determinadas fissurectomias que, às vezes, exigem a secção dos músculos do esfíncter para a cura da fístula. Algumas cirurgias para tratamento de câncer que obrigam a retirada parcial ou completa do reto também geram incontinência. Outro fator importante a considerar é o envelhecimento que provoca diminuição das células da musculatura do períneo, denervação e fechamento insuficiente do canal anal. Nos adultos, numa faixa etária em que as pessoas ainda estão em atividade laboriosa, a incontinência fecal predomina nas mulheres. Predomina nas mulheres principalmente por causa do parto. Drauzio: Qual o prejuízo que o parto determina? Angelita H. Gama: O trabalho de parto determina a tração, o estiramento do nervo pudendo, que sofre uma degeneração parcial. Quando a mulher atinge os 40, 50 anos, o problema é agravado pela perda da enervação que ocorre com a idade e aparecem os sintomas da incontinência. Outra causa importante nas mulheres é a constipação intestinal. A força necessária para conseguir evacuar acaba gerando o estiramento do nervo e acentua a denervação natural da idade. Portanto, esses dois fatores, trauma de parto e prisão de ventre, aumentam a incidência de incontinência fecal nas mulheres na fase adulta. Acima dos 70, 80 anos, porém, o problema se manifesta igualmente em homens e mulheres, porque a denervação ocorre de forma semelhante nos dois sexos. Drauzio: Em que proporção a incontinência fecal acomete mais as mulheres na idade adulta do que os homens? Angelita H. Gama: Eu diria que, em cada dez pessoas incontinentes na idade adulta, oito são mulheres e duas são homens. Na idade mais avançada, repito, os dois sexos se equiparam.

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Sintomas Drauzio – Nos casos em que a instalação da incontinência é gradativa, quais são os primeiros sinais que aparecem? Angelita H. Gama: As pessoas começam a perceber que não seguram mais os gases intestinais. Vão tossir, perdem gases; têm flatulência, perdem gases. Progressivamente esse sintoma piora, o ânus vai ficando mais flácido, mais frouxo, e elas não contêm mais a diarreia, as fezes líquidas. Quando o quadro se agrava, deixam de reter também as fezes sólidas. Por causa disso, precisam usar um protetor nas vestes e, às vezes, deixam de sair de casa, de trabalhar e de viajar, porque têm medo de não chegar a tempo ao banheiro. Como se pode imaginar, isso compromete profundamente a qualidade de vida e provoca um trauma psicológico muito grande, o que é uma pena porque há maneiras cirúrgicas e não cirúrgicas de tratar a incontinência. As pessoas precisam saber que podem procurar auxílio para resolver esse problema recorrendo a um médico especialista. Drauzio: Sua experiência mostra que as pessoas demoram para procurar um médico quando estão incontinentes? Angelita H. Gama: Demoram muito. Às vezes, as pessoas vão ao consultório por outros motivos que não a incontinência, mas durante a manobra do exame percebe-se a presença de fezes no ânus ou a perda de gases. Minucioso interrogatório clínico feito a seguir revela que a doença já estava instalada há algum tempo. Muitos pacientes, porém, nos procuram assim que manifestam um grau menor de incontinência. Reflexo na qualidade de vida Drauzio: Qual o impacto psicológico que a incontinência fecal provoca? Angelita H. Gama: É enorme. Pessoas casadas têm medo até de manter relações sexuais porque perdem gases, perdem fezes líquidas. Às vezes, abandonam os exercícios físicos pelo mesmo motivo e precisam usar protetor nas roupas permanentemente. A sensação de desconforto é enorme. Além disso, a incontinência torna as pessoas mal cheirosas, situação que piora nos idosos que, em geral, acumulam os dois tipos de incontinência, a fecal e a urinária.

Diagnóstico Drauzio: Como você encaminha uma pessoa que chega ao consultório com queixa de incontinência fecal? Angelita H. Gama: A conversa com o cliente, o

interrogatório clínico é muito importante no encaminhamento do caso, porque há pessoas que têm incontinência em virtude de alterações no tipo de

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evacuação. Muitas tomam laxantes e evacuam fezes líquidas sempre. Ora, fezes líquidas são difíceis de conter, mesmo considerando que a musculatura do ânus é mais eficiente do que a da mão. Fechando a mão, não conseguimos conter líquidos e muito menos gases. O ânus consegue porque possui musculatura diferenciada. O esfíncter interno está permanentemente contraído e o externo permanentemente com certo grau de relaxamento. Se a pessoa quer conter a evacuação, reforça a contração de repouso também do esfíncter externo. No entanto, é o esfíncter interno que segura mesmo as fezes e os gases. Um grande anatomista já o comparou a um gorila numa jaula. Está sempre atento. Como estávamos dizendo, fezes líquidas são difíceis de conter especialmente se a pessoa já apresenta certo grau de laceamento da musculatura anal. Às vezes, porém, para o problema ser controlado, basta modificar a consistência fecal, fazendo-a passar de líquida para sólida. Drauzio: Além da anamnese, algum exame ajuda no diagnóstico? Angelita H. Gama: O exame proctológico é de grande importância para o diagnóstico e o tratamento que pode ser cirúrgico ou não cirúrgico. Por meio do toque retal se percebe a flacidez do ânus e o retossigmoidoscópio (aparelho em forma de tubo dotado de lentes que permitem visualizar a parte interna das porções mais baixas do intestino) possibilita a avaliação das condições gerais da região. Se a incontinência for mais acentuada, são necessários exames mais especializados como a eletromanometria, que mede as pressões do esfíncter, e a miografia. Drauzio: Como se realiza a miografia? Angelita H. Gama: O nome completo desse exame é Medida do Tempo de Latência do Nervo Pudendo. É um exame importante e muito simples. Consiste em fazer um toque com um instrumento que se liga ao eletromiógrafo. A “imagem 2” mostra o aparelho medindo o tempo de contração muscular na área enervada pelo nervo pudendo. Quando esse tempo é maior, significa que o músculo está denervado e funcionando mal. Exames especializados como a manometria, o tempo de latência do pudendo e o ultrassom intra-anal, que mostra se o esfíncter está integro ou com lesão, são indispensáveis para seleção e adequação do procedimento cirúrgico. Tratamento

Drauzio: Você disse que o tratamento da incontinência fecal pode ser cirúrgico ou clínico. Em que consiste o tratamento clínico? Angelita H. Gama: O tratamento clínico consiste em

corrigir o tipo de evacuação, o que se consegue com dieta e medicamentos.

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Vamos prescrever constipantes, se a pessoa tiver diarreia, e substâncias que aumentam o bolo fecal se as fezes forem endurecidas e exigirem muita força para evacuar. Além disso, o indivíduo aprende que pode recorrer a certas estratégias quando vai viajar ou sair de casa por mais tempo, como usar supositórios evacuadores ou fazer pequenas lavagens intestinais para esvaziar o reto. Isso evita o inconveniente da perda de fezes, o que acontece muitas vezes sem que ele perceba, pois, além do relaxamento dos músculos, a sensibilidade anal fica comprometida. Felizmente, existem pomadas com substâncias que melhoram a sensibilidade e facilitam a contração do ânus. Outras medidas conservadoras que facilitam o tratamento não cirúrgico da incontinência fecal são o uso de alguns medicamentos antidepressivos e o sistema de biofeedback, indicado para pessoas que não conseguem contrair a musculatura da região anal (o que é definido pelo exame de eletromanoterapia). O biofeedeback é um autotreinamento que ajuda o paciente a descobrir o nível de contração necessário para fechar o ânus. Em três ou quatro sessões, ele aprende como utilizar a musculatura que existe, mas não sabe usar. Drauzio: Como se explica que as pessoas não saibam utilizar um mecanismo tão natural? Angelita H. Gama: Vamos imaginar, por exemplo, uma pessoa que seja operada das hemorroidas, cirurgia em que o esfíncter é preservado, mas o paciente passa por um período de desconforto em que sente dor, toma laxantes e, às vezes, fica com medo de contrair o ânus. A incontinência de que se queixa não tem outra causa senão o fato de não estar usando a musculatura por temor ou ansiedade. Aliás, a ansiedade é causa de uma série de doenças, entre elas os distúrbios da defecação. Drauzio: O que acontece com as pessoas que por ansiedade contraem excessiva e involuntariamente a musculatura? Angelita H. Gama: Essa contração constante, que pode ser diagnosticada pelo exame de eletromanometria, vai gerando dificuldade para evacuação e pode chegar ao que chamamos de contração paradoxal do músculo que sustenta o períneo (músculo elevador do ânus). Drauzio: Qual a conduta quando o defeito é mais grave, por exemplo, quando houve mesmo a ruptura dos músculos responsáveis pela continência do ânus? Angelita H. Gama: Na “imagem 3”, o pontilhado indica o músculo que está por baixo da pele, o esfíncter do ânus, e que houve uma ruptura que pode ser vista melhor na “imagem 4”. É claro que, quando existe esse afastamento, o ânus fica frouxo e sem a possibilidade de segurar as fezes. Corrigir esse problema é um procedimento

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razoavelmente simples. Sob anestesia, o cirurgião faz uma incisão na pele, identifica a extensibilidade do músculo que não fecha mais o ânus, aproxima as duas pontas, costura uma na outra, “imagem 5” e a pessoa passa a evacuar bem de novo. No entanto, esse procedimento só pode ser feito quando o afastamento não é muito grande. Nas pessoas mais idosas, às vezes, a denervação é mais extensa como revelam os exames de eletromanometria e miografia. Nesses casos, somos obrigados a utilizar a transposição de outros músculos. Existe uma técnica antiga de operação que fizemos muito no Hospital das Clínicas e consiste na transposição de um músculo da coxa para o ânus, que passa a funcionar com esse novo músculo. Drauzio: Como é feita essa cirurgia? Angelita H. Gama: Descolamos o músculo da coxa que se insere no joelho e que não faz falta para a movimentação da perna. É um músculo longo, com um pedículo vascular próximo à espinha ilíaca, na bacia. Em seguida, dissecamos todo o músculo, fazemos um túnel entre a coxa e o ânus, passamos por ele o músculo com o qual circundamos o reto. Drauzio: Como costuma ser o resultado dessa cirurgia? Angelita H. Gama: Não é perfeito, mas é melhor do que nada. É um procedimento de exceção. Hoje dispomos de outros artifícios que a população precisa conhecer para o tratamento de casos graves de incontinência fecal. Esfíncter artificial e neuroestimulação Drauzio: Quais são os métodos para os casos graves de incontinência fecal? Angelita H. Gama: Para casos muito graves de incontinência, quando a denervação e a rutura são grandes, podemos dispor do esfíncter artificial que funciona como se fosse um tubo comunicante. É uma peça feita com material plástico que circunda o ânus, um balão colocado pelo abdômen em cima do púbis e uma bomba que se fixa nos grandes lábios ou no escroto. A pessoa aperta o botão que existe na bomba, o líquido se movimenta e o ânus abre ou fecha. Drauzio: Funciona bem esse esfíncter artificial? Angelita H. Gama: Funciona melhor que os demais artifícios de que dispúnhamos até agora. A pessoa não fica perfeita, porque perfeição em matéria de continência anal ou urinária, só Deus quando a gente nasce. A única dificuldade é o custo. Um aparelho desses custa dez mil dólares. Nos só conseguimos levar essa técnica para o HC com o apoio da Fapesp (bendita Fapesp!) que doou um número razoável de esfíncteres. Eles foram colocados especialmente em jovens com incontinência secundária e que tinham alterações congênitas. Os resultados foram animadores, pois muitos jovens, que eram totalmente incontinentes, até se casaram depois da colocação dos esfíncteres. Além do esfíncter artificial, podemos contar também com a

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neuroestimulação sacral que pode beneficiar um número significativo de doentes. Drauzio: Como é feita a neuroestimulação sacral? Angelita H. Gama: Colocamos uma agulha na terceira vértebra sacral e fazemos um teste, porque existe ali um mecanismo reflexo integrado desencadeado por nervos que saem do forame sacral e comandam a musculatura esfincteriana. Se houver contração dessa musculatura, implantamos um marca-passo que vai permanentemente estimular esses nervos. São pequenos choques elétricos que a pessoa recebe sem sentir o menor incômodo, sem sentir dor alguma, e que contraem a musculatura. Drauzio: Esses tratamentos para a incontinência fecal são aplicados com frequência? Angelita H. Gama: Tanto o esfíncter artificial quanto a neuroestimulação são tratamentos de exceção para as formas mais graves de incontinência, para aquelas em que o procedimento de reparo muscular não dá resultado. Hoje, há médicos que desconhecem a existência de tratamentos cirúrgicos para incontinência fecal e a população jamais ouviu falar sobre eles. Tenho muitos anos de profissão e esta é a primeira vez que, na mídia, alguém me convida para abordar esse tema de tamanha importância social e tão cercado de preconceitos. Drauzio: O que a correção da incontinência fecal muda na vida das pessoas? Angelita H. Gama: Muda muito. Os pacientes levam outra vida. Levam uma

vida digna, porque a incontinência os aproxima dos animais. Costumo dizer que a diferença entre o homem e o animal está no fato de que o homem evacua na hora que quiser e é capaz de segurar as fezes. O animal não tem controle definido. A incapacidade de segurar as fezes faz com que o ser humano se sinta rebaixado emocionalmente. Por isso, o tratamento clínico

ou cirúrgico é fundamental e as pessoas com esse problema não devem resistir para procurar o médico. Incontinência urinária Para falar sobre Incontinência urinária, Dr. Drauzio Varella entrevista o Dr. Fabio Baracat, médico urologista da Divisão de Urologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e profissional do corpo clínico do Hospital Osvaldo Cruz (São Paulo/SP). Fazem parte do aparelho urinário os rins, que filtram o sangue e eliminam suas impurezas para que possa ser reconduzido à circulação, e as vias urinárias, isto é, o ureter, a bexiga e a uretra. É na bexiga que a urina proveniente dos

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rins através dos ureteres é armazenada. Quando a capacidade desse reservatório se esgota, ela é eliminada pela uretra. Como se pode ver na “imagem 01”, as vias urinárias são estruturas muito próximas de outros órgãos que se localizam na cavidade abdominal. Nos homens, a próstata envolve a uretra. Nas mulheres, a bexiga fica muito perto do útero, órgão com o formato de uma pera, e a uretra desemboca pouco acima da vagina. Por isso, existe uma relação muito importante e direta entre a bexiga e os órgãos do aparelho reprodutor feminino. Controlar a eliminação da urina pressupõe um ato voluntário comandado pelo sistema nervoso central. Comprometimento da musculatura dos esfíncteres ou do assoalho pélvico, gravidez, tumores malignos ou benignos e outras doenças que comprimam a bexiga podem interferir no controle da micção e provocar incontinência urinária, um distúrbio mais frequente nas mulheres do que nos homens. De 15% a 30% das mulheres acima dos 60 anos perdem urina involuntariamente, quando riem tossem ou espirram, o que atrapalha muito a vida dessas pessoas. Prevalência Drauzio: Por que a incontinência urinária é mais frequente nas mulheres? Fabio Baracat: Incontinência urinária é uma doença mais frequente no sexo feminino e acomete tanto as mulheres na quinta ou sexta década de vida, quanto mulheres jovens. Atribui-se essa prevalência ao fato de a mulher apresentar, além da uretra, duas falhas naturais na musculatura do assoalho pélvico — o hiato vaginal e o hiato retal –, diferentemente dos homens que apresentam apenas o orifício retal. Isso faz com que a dinâmica da pelve feminina seja mais delicada e os aparelhos esfincterianos bastante diferentes nos dois sexos. Drauzio: O que são aparelhos esfincterianos? Fabio Baracat: São estruturas musculares que produzem a contração da uretra masculina e feminina para evitar a perda urinária, principalmente perdas urinárias por esforço. Drauzio: Crianças pequenas não exercem controle nenhum sobre a bexiga. Com que idade começam a controlar a micção? Fabio Baracat: Crianças começam a controlar a eliminação da urina por volta dos 18 meses, mas isso depende do amadurecimento do sistema nervoso de cada uma. Casos de incontinência urinária depois dessa fase devem ser melhor estudados. O distúrbio mais comum na infância é a enurese noturna, que se caracteriza por controle inadequado da micção e perda de urina principalmente durante a noite. Esse tipo de incontinência pode ser bem avaliado com o levantamento da

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história do paciente. O médico pede que a mãe elabore um diário miccional da criança, onde deve anotar como é a perda urinária, a que horas ocorre e se existe algum episódio estressante que a provoque. Para complementar o diagnóstico, existe o exame de urodinâmica, que mostra a função do trato urinário inferior não só de crianças, mas também de homens e de mulheres. Controle da micção Drauzio: Que mecanismos possibilitam controlar a eliminação da urina de acordo com nossa vontade? Fabio Baracat: A eliminação da urina é controlada pelo sistema nervoso autônomo, que se divide em simpático e parassimpático. O simpático é responsável pela continência esfincteriana, ou seja, ele faz com que os esfíncteres se contraiam. Já o parassimpático promove a contração da bexiga, quando queremos esvaziá-la. Drauzio: Na verdade, esses movimentos para prender e soltar a urina são realizados pela musculatura. São os músculos que contraem ou relaxam para reter ou eliminar a urina. Fabio Baracat: A micção correta acontece quando simultaneamente o músculo detrusor contrai e o esfíncter relaxa para que o fluxo urinário seja livre. Um comprometimento nesse mecanismo pode resultar na disfunção miccional e transformar-se num problema importante na vida das pessoas. Causas Drauzio: Mulheres apresentam mais incontinência urinária do que os homens. São muitas as que se queixam de pequenas perdas de urina quando tossem ou dão risada. Por que elas são mais suscetíveis a esse tipo de problema? Fabio Baracat: A incontinência urinária feminina é um problema bastante grave. Só para dar uma ideia, nos Estados Unidos, o custo do tratamento da incontinência em mulheres é 15 bilhões de dólares, praticamente o mesmo valor do orçamento da saúde no Brasil. A fragilidade do assoalho pélvico feminino explica por que essa doença atinge mais as mulheres. A musculatura que dá sustentação aos órgãos pélvicos é bastante mais frágil nelas e o aparelho esfincteriano, mais delgado, “imagem 2”. Além disso, o músculo estriado, que forma um pequeno anel em volta da uretra, é mais fino e adelgaçado nas mulheres e mais espesso e forte nos homens, “imagem 03”. Consequentemente, as perdas urinárias nos homens adultos estão mais relacionadas a procedimentos cirúrgicos que envolvem a

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retirada da próstata e o comprometimento da enervação do esfíncter masculino. Drauzio: Quando a próstata cresce, o fato de estar colada ao músculo do esfíncter prejudica a função desse músculo? Fabio Baracat: Não. Quando benigna, a hipertrofia prostática, ou seja, o aumento do volume da próstata, pode comprimir a uretra e dificultar o esvaziamento da bexiga. No entanto, tumores malignos podem exigir a retirada dessa glândula. Quando se localizam na região periférica, por onde passam os nervos que enervam o esfíncter masculino, o procedimento cirúrgico ou a irradiação podem lesar esses nervos e, consequentemente, causar danos ao aparelho esfincteriano masculino e incontinência urinária. Drauzio: A incontinência urinaria é mais comum nas mulheres porque os músculos do assoalho que sustentam a pelve e o músculo que fecha a uretra são mais fracos. Existem outras causas? Fabio Baracat: Não podemos deixar de mencionar o aumento do volume abdominal como causa da incontinência urinária, que é mais pronunciada nas mulheres porque elas ficam grávidas. No entanto, não é só isso. Pessoas obesas, fumantes com tosse crônica e pneumopatas também podem desenvolver incontinência urinária. Drauzio: O que caracteriza a incontinência nos pneumopatas? Fabio Baracat: Em geral, os pneumopatas apresentam quadros pulmonares obstrutivos que geram muita pressão abdominal. Isso pode provocar perdas urinárias, quando o paciente tosse ou faz um esforço respiratório. Drauzio: Como se explica a relação entre gravidez e incontinência urinária? Fabio Baracat: Esse é um tema muito controverso na literatura. Em 2001, no Congresso da Sociedade Internacional de Incontinência, em Paris, a Dra. Linda Cardoso apresentou um trabalho, mostrando claramente que a gravidez, assim como a paridade e a multiparidade, aumentam a incidência de incontinência urinária nas mulheres. No entanto, não ficou definido se o parto normal provoca mais incontinência do que a cesariana. Drauzio: O pessoal que discute as vantagens e desvantagens do parto normal

e da cesariana confunde a gente. Você ouve argumentos a favor do parto normal e pensa que o melhor é dar à luz desse jeito. Depois, ouve os que defendem a cesariana e acha que eles têm razão em alguns aspectos, pelo menos. Embora não esteja cientificamente demonstrado, os defensores da cesariana dizem que mulheres submetidas ao parto normal

estariam mais sujeitas a desenvolver incontinência urinária por causa do esforço provocado pela passagem da criança pelo canal no momento da expulsão.

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Fabio Baracat: Realmente, isso não está demonstrado. No entanto, já se sabe que, na gestação, não só o aumento do volume abdominal, mas também a presença da cabeça fetal insinuada na pelve podem causar isquemia que leva a danos neurológicos e da musculatura periuretral do esfíncter feminino. Tipos e sintomas Drauzio: Quais são os sintomas iniciais da incontinência urinária? Fabio Baracat: Numa classificação um pouco simplista, existem três tipos de incontinência urinária. O que mais acomete as mulheres chama-se incontinência urinária de esforço e o sintoma inicial é a perda urinária que ocorre durante aumento da pressão abdominal, quando a pessoa tosse, penteia o cabelo, movimenta-se, faz exercício físico. O segundo tipo mais frequente é a incontinência urinária de urgência, mais grave do que a de esforço. É a incontinência que as mulheres apresentam quando, em meio às atividades diárias, abrem uma torneira, por exemplo, e sentem uma vontade súbita e urgente de ir ao banheiro, mas não conseguem chegar ao sanitário a tempo de evitar a perda de urina. O terceiro é a incontinência mista que associa a incontinência de esforço à incontinência de urgência. Nesse caso também o principal sintoma é a perda urinária pela uretra sem possibilidade de controle. Drauzio: O que explica essa diferença? Por que uma mulher perde urina quando faz esforço e a outra tem essa premência? Fabio Baracat: A incontinência urinária de esforço é uma doença mecânica provocada pela falência da musculatura esfincteriana uretral. Já a de urgência ocorre porque a bexiga se contrai fora de hora e independentemente da vontade da mulher. Atualmente, a incontinência urinária de urgência é uma doença muito discutida e pesquisada tanto pela classe médica quanto pelos laboratórios farmacêuticos interessados em entender o que chamam de bexiga hiperativa, ou seja, a bexiga que se contrai sem que a pessoa sinta vontade de fazer xixi ou consiga controlar essa vontade. Drauzio: A bexiga hiperativa também é mais frequente nas mulheres do que nos homens? Fabio Baracat: Também é mais frequente nas mulheres, especialmente nas mulheres mais velhas. Drauzio: Como as pessoas convivem com essa perda urinária? Elas costumam procurar logo o médico assim que o distúrbio aparece?

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Fabio Baracat: Um estudo demonstrou que só 5% dos médicos fazem perguntas sobre incontinência urinária nas consultas. Parece que, na cultura latina, considera-se normal a mulher perder urina. A mãe perdia, a irmã perde. Mulheres anglo-saxãs, porém, questionam muito o fato, principalmente porque exercem atividades econômicas e sociais que correspondem a 50% da força de trabalho local. Portanto, não podem ficar privadas do convívio social e procuram o médico mais depressa. Diagnóstico Drauzio: Quando uma mulher procura você dizendo que perde involuntariamente um pouco de urina, como você orienta o caso? Fabio Baracat: A primeira coisa é levantar a história dessa paciente. É preciso conversar bastante com ela para tentar caracterizar se a perda urina é por esforço ou por urgência. Existem métodos para facilitar o diagnóstico. Um deles é o diário miccional, no qual ela deve registrar, durante três dias consecutivos, como foi a perda urinária. Se a urina escapou, por exemplo, quando fez exercícios, ou em repouso, ou seja, quando estava dormindo em casa. Essas duas situações são bastante diferentes para identificação e tratamento da enfermidade. Outro recurso de diagnóstico é o exame urodinâmico, que permite determinar a ocorrência de contrações vesicais involuntárias (sem que a bexiga esteja muito cheia, surge o desejo premente de urinar), assim como a perda urinária quando a paciente faz esforço. Nesse exame, a saída de urina pelo meato-uretal é monitorizada por computação. Fazer o diagnóstico de incontinência urinária por esforço ou por atividade exagerada da bexiga é muito importante para o tratamento da doença. Tratamento Drauzio: Qual é o tratamento indicado para a incontinência urinária por esforço? Fabio Baracat: O tratamento da incontinência urinária por esforço é basicamente cirúrgico, embora exercícios fisioterápicos para reforçar a musculatura do assoalho pélvico também ajudem. Drauzio: A cirurgia é complicada? Fabio Baracat: Na década de 1950, essas cirurgias eram tidas como muito complicadas; hoje, não mais. Durante algum tempo, indicou-se a perineoplastia para a correção da incontinência por esforço, mas somente 30% das doentes se beneficiavam com esse procedimento.

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A partir dos anos 1990, no Brasil, mas muito antes disso em outros países, passou-se a utilizar uma técnica chamada suporte suburetral em que se coloca um anteparo na uretra feminina para restabelecer os ligamentos e evitar a perda de urina. Não são cirurgias complexas e 90% das pacientes com incontinência por esforço ficam livres do problema. Drauzio: Como é feito o tratamento para incontinência urinária por hiperatividade da bexiga? Fabio Baracat: O tratamento da incontinência urinária de urgência é farmacológico e fisioterápico. O farmacológico pressupõe o uso de várias drogas que contêm substâncias anticolinérgicas que evitam a contração vesical. São comprimidos diários, que infelizmente devem ser tomados quase que pela a vida inteira para melhora da sintomatologia e apresentam alguns efeitos colaterais, como boca seca, obstipação, rubor facial. Drauzio: Qual é a eficácia dessas drogas? Fabio Baracat: Quando a incontinência é muito grave, essas drogas ajudam, pelo menos, a melhorar um pouco a qualidade de vida. Atualmente, fala-se na aplicação de botox intravesical, a fim de paralisar a contração da musculatura e evitar a perda urinária nos casos mais graves. Drauzio: Qual o papel da fisioterapia nos casos de bexiga hiperativa? Fabio Baracat: A fisioterapia procura aumentar a força de contração da musculatura do assoalho pélvico e, por um mecanismo de feedback, ou seja, de retroalimentação, faz com que a bexiga hiperativa contraia menos. Já está provado que pacientes com assoalho pélvico fortalecido têm diminuição da contração vesical involuntária. Incontinência nos idosos Drauzio: Quais as medidas indicadas para as pessoas com incontinência urinária que não pode ser corrigida? Fabio Baracat: É importante avaliar os fatores que podem levar à incontinência urinária. Por exemplo, uso de diuréticos, ingestão hídrica, situações de demência e delírios e problemas de locomoção. Muitas vezes, o paciente idoso passa o dia no andar térreo da casa, onde não há banheiro. Como demora para subir as escadas que levam ao pavimento superior, pode perder urina durante o percurso. Como o problema é mais social do que físico nesses casos, o uso do uripem pode ser uma saída. Drauzio: Você poderia explicar como é o uripem? Fabio Baracat: O uripem é parecido com o preservativo masculino, que desemboca numa sonda ligada à uma bolsa externa ao organismo para a coleta da urina.

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Drauzio: Em que situações ele deve ser indicado? Fabio Baracat: O uso do uripem é válido em algumas situações. Entretanto, deve-se sempre pesquisar a causa da incontinência para saber se ela é passível de tratamento ou não, porque o uso crônico do uripem apresenta algumas desvantagens. Drauzio: O fraldão que muitos idosos usam é um método eficaz nos casos de incontinência urinária? Fabio Baracat: O fraldão é o método mais aceito no mundo para controle da incontinência urinária geriátrica. O problema é o alto custo que representa, porque a pessoa precisa trocá-lo várias vezes por dia. Drauzio: Há outros inconvenientes? Fabio Baracat: Os maiores inconvenientes são o odor e as dermatites na região perineal masculina e feminina. Perguntas enviadas por e-mail Patrícia Faccioli – São Caetano do Sul? SP: A incontinência urinária pode ter causas psicológicas? Fabio Baracat: Pode ocorrer agravo da incontinência de urgência em situações de desbalanço emocional. No entanto, o problema físico deve ser sempre investigado e é muito mais importante do que o componente psicológico. Miguel Bonadini Junior – São José dos Pinhais/PR: O uso do uripem é aconselhável para os idosos? Fabio Baracat: O uso do uripem é válido para os idosos com incontinência urinária em algumas situações. No entanto, é preciso investigar a causa da incontinência e estar atento porque seu uso crônico pode acarretar lesões e perda da pele peniana. Sonia Maria Nogueira – Fortaleza? CE: Exercícios fisioterápicos realmente resolvem o problema ou simplesmente ajudam a sustentar a bexiga? Fabio Bacarat: Os exercícios ajudam, mas somente 12% das pacientes que fazem fisioterapia pélvica ficam livres da perda urinária. Por isso, são usados como método complementar no tratamento da doença. Lucia Mendes de Oliveira – São Paulo/SP: Como prevenir a incontinência urinária? Fabio Baracat: A prevenção da incontinência urinária de esforço é assunto bastante controverso. De qualquer forma, evitar a obesidade a todo o custo e o

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sedentarismo, praticar exercícios fisioterápicos para fortalecer o assoalho pélvico (algumas academias de ginástica já possuem programas com esse objetivo) e controlar o peso durante a gestação (obstetras aconselham que, no período pré-natal, as gestantes aumentem não mais do que 12kg, 13kg) são algumas medidas que podem ser eficazes, embora ainda falte embasamento científico para estabelecer se realmente funcionam. Outros olhares...continentes” Várias matérias do Jornal Folha de São Paulo também divulgam pesquisas, programas e tratamentos inovadores no tratamento da incontinência: “Incontinência urinária em idosos” - Estudo realizado pelo médico José Tadeu Nunes Tamanini e colaboradores, sob a coordenação da OMS (Organização Mundial da Saúde), mostra que a incontinência urinária (perda espontânea de urina) é um sintoma altamente frequente na população idosa de São Paulo, com maior incidência em mulheres. A pesquisa em questão foi realizada com 2.143 pessoas idosas, 26,2% eram do sexo feminino e 11,8%, masculino, e publicada na revista “Cadernos de Saúde Pública” em 2009. Na “Revista da Escola de Enfermagem da USP” deste ano, as professoras Vanessa Abreu da Silva, Kátia Lacerda de Souza e Maria José D'Elboux destacam a importância da atenção médica para a incontinência urinária, pelos seus impactos negativos na vida emocional, social e econômica do idoso. As autoras analisaram queixas de pacientes de um ambulatório de geriatria. A perturbação foi considerada pela maioria dos pacientes como muito grave. Em festas e reuniões, surge o receio de perder urina e exalar odores. Os médicos urologistas podem ajudar não só a tratar a incontinência urinária, mas a orientar para prevenir ou amenizar esse desconforto. É necessário que as autoridades médicas passem a se preocupar com esse transtorno. O aumento da população idosa brasileira (prevista para 17,6 milhões em 2025) poderá criar mais um problema de saúde pública. “Incontinência urinária é tratada sem cirurgia em hospital” - Um programa inédito do Hospital do Servidor Público Estadual, que envolve ginecologista, urologista, proctologista e fisioterapeuta, tem tratado mulheres incontinentes apenas com exercícios para fortalecer a musculatura do períneo. O princípio é o mesmo da musculação. São vários exercícios que trabalham os músculos internos da vagina ou do ânus. Envolvem o uso de pesinhos de diferentes cargas e eletroestimulação para ativar os mecanismos neuromusculares, explica a ginecologista Raquel Figueiredo.

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Estudos apontam que 60% dos casos de incontinência urinária com indicação cirúrgica poderiam ser tratados com exercícios. Mas, como qualquer outra musculatura do corpo, os exercícios para o períneo só funcionam se houver disciplina e persistência. A fisioterapeuta Priscila Midori alerta: “É para o resto da vida”. Muitas mulheres mal orientadas pensam que não há nada a fazer. Margareth Fernandes, proctologista, diz: “Só um terço busca ajuda”. Se a incontinência urinária se associa à fecal, o que ocorre em 16% dos casos, o constrangimento aumenta: “Se a gente não pergunta, ela tem vergonha de contar”. “EUA aprovam uso de botox para casos de incontinência urinária” - A Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) aprovou em agosto/2011o uso do botox para tratar incontinência urinária de pessoas com quadro neurológico grave, como a esclerose múltipla, e que sofram de hiperatividade na bexiga. As contrações incontroladas da bexiga em pacientes que sofrem transtornos neurológicos fazem com que eles sejam incapazes de controlar a urina. O tratamento padrão inclui medicação para relaxar a bexiga e cateteres para esvaziá-la regularmente, disse o órgão em comunicado. George Benson, subdiretor da Divisão de Reprodução e Produtos Urológicos explica: “A incontinência urinária associada a certos danos neurológicos é difícil de conduzir, e o botox é uma outra opção de tratamento para estes pacientes”. A injeção do botox é realizada mediante uma citoscopia, procedimento que requer anestesia geral e que permite ao médico visualizar o interior da bexiga. A duração efetiva da terapia é de aproximadamente nove meses, segundo a FDA. Dois estudos clínicos com 691 pacientes que sofriam incontinência urinária, resultado de algum dano na medula espinhal ou por esclerose múltipla, mostraram estatisticamente reduções significativas na frequência das incontinências pelo grupo que tinha aplicado o botox, em comparação com o que tinha sido tratado com placebo. Os efeitos secundários mais comuns no tratamento com botox foram infecção urinária e retenção urinária, que tem que ser tratada mediante cateter. Além de ser usado para melhorar a aparência das rugas faciais, o uso do botox também foi aprovado para o tratamento de dor de cabeça crônica, em certos casos de rigidez muscular, para sudoração nas axilas e para tratar pacientes que sofram contração ocular ou tenham os olhos não alinhados.

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Concluindo... A incontinência provoca alterações emocionais e físicas, tornando-se estressante e fragilizando dia a dia os pacientes, além de gerar alta morbidade por afetar o nível psicológico, ocupacional, doméstico, físico e sexual. Como o profissional de saúde convive com tantas questões complexas que se inter-relacionam e se ramificam continuamente? A resposta também pertence ao campo da complexidade, varia de profissional para profissional, implicado culturalmente e historicamente na delicada tarefa de cuidar, curar e enfrentar as vicissitudes da vida. Por exemplo, o contato direto com seres humanos coloca o profissional de saúde diante de sua própria vida, saúde ou doença, dos próprios conflitos e frustrações. Estes profissionais submetem-se, em suas atividades, a tensões provenientes de várias fontes: contato frequente com a dor e o sofrimento e com pacientes terminais, receio de cometer erros, relações com pacientes difíceis. Sendo assim, cuidar de quem cuida é tarefa que nos leva a refletir sobre nossas próprias condições, além do delicado universo emocional do outro. Referências ABRAMCZYK, J. (2011). O problema da incontinência urinária na população idosa. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd0910201104.htm. Acesso em 19/07/2012. COLLUCCI, C. (2012). Incontinência urinária é tratada sem cirurgia em hospital. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/827746-incontinencia-urinaria-e-tratada-sem-cirurgia-em-hospital.shtml. Acesso em 19/07/2012. EFE (2011). EUA aprovam uso de botox para casos de incontinência urinária. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/964851-eua-aprovam-uso-de-botox-para-casos-de-incontinencia-urinaria.shtml. Acesso em 19/07/2012. HERZOG, A. R. & FULTZ, N. H. (1990). Prevalence and incidence in community-dwelling populations. J Am Geriatric Soc, 38: 273-8. RIGO, M. L. N. R. & TEIXEIRA, D. C. (2005). Efeitos da atividade física na percepção de bem-estar de idosas que residem sozinhas e acompanhadas. Revista Unopar Científica Ciências Biológicas e da Saúde, 7(1): 13-20. VARELLA, D. Incontinência fecal. Disponível em http://drauziovarella.com.br/doencas-e-sintomas/incontinencia-fecal-2/. Acesso em 19/07/2012.

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__________________________________ Luciana Helena Mussi - Engenheira, Psicóloga e Mestre em Gerontologia pela PUC/SP. Doutoranda em Psicologia Social PUC/SP. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected]