enciclopédia einaudi - parentesco parte 1

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/. I · Enciclopédia Einaudi volume 20 Parentesco J IMPRENSA NACIONAL· CASA DA MOEDA

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Enciclopdia Einaudivolume 20I/.

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IMPRENSA

NACIONAL CASA DA MOEDA

NDICE

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e;.,z,~ Masculino/feminino (Franoise Hriticr)/ ,0..

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DireClor

Ruggiero RomanoConndlOru do projeclO Alfredo Salsano, Giorgio Benoldi, A1essandro Fontana, Jean Petitot, Massimo Piallelli Palmarini, Massimo Galuzzi, Fernando Gil, Krzysztof Pomian, Giuseppe Geymonat, Giuseppe Papagno, Gian Paolo Caprettini, Renato Betti, Giulio Gioreno, Clemente Ancona.

EDlAO

PORTUGUESA

Coordtnodor-respomwl

Fernando GilSureUlriado

Vasco Rosa, Leonor Rocha VieiraOriIfItaFIJo grfu:a

Gabinete Editorial da INCM

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1989 Imprenn

NacionalCasa

da Moeda

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NOTA DO EDITC1k

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Na sua venlo original, esta Erteic/opldia dispOe-se alfabeticamente, de ebacoo a~ cZeroa, num 'total de 551 entradas em 14 volumes. A Erttic/opldia foi pomn COIICebida tematicamente, DI forma de 79 conjuntos de entradas. No fim de cada um dos volumes da presente ediIo, o leitor eDCODtrIrio gdfic:o da obra, tal como ela se distribui pelos conjuntos tem4ticos: os conceitos sublinhados - chamados port4IIIti DI ediIo italiana, quer dizer, portadores. do conjunto - correspondem aos ttulos dos nossos volumes. Com efeito, DI ediIo portuguesa os conjuntos foram reagrupados, segundo um critrio de proximidade conceptUlI1,num CDT/1IU de 41 volu mes. 8eguirse-Ihes-lo dois outros que correspondem ao vol. 15 da edilo italiana (Stllftdtica). Neles se apuram as correlaes internas e as grandes linhas de fundo da BneiclopIdia. ApI cada artiao, um pequeno texto, da responaabilidade da redacIo da Enci c/opIdia, deman:a problCltica global rapec:tiva; nesse texto, as palavras em itlico 810 deIigna(les de outras entradas da obra. Todos os artiaos propllem assim itinedrioa de leitura - difemltcs em cada caso - atra~s do torpIU. NIo se trata, naturalmente, de recomeDdlGesrfaidas de leitura mas tIo-s de indica(les, que sugerem 10 mesmo tempo os encadeamentos na base da Ertticlopidia; e convidam tam ~ o leitor a CODltruiros seus prprios percursos. A circu1alo dos conceitos est ainda _",Iada por um sistema de ref~ cruzadas dentro das prprias entradas,

,TraduiJa

Os nomes de autores que figuram no texto dos artigos entre pmnteses rectos, assim como as dataa entre puinteses rectos que se seguem aos nomes dos autores, reeovWn aos dados bibliogdtIcos completos no fim de cada entrada. SIo indicadas traduaea portU&Ue8IS aiJtentcs. Estes dados bibliogrdficos refemn-ao unicamente obras citadas ou meDCioDada corpo dos artiaos: nIo alo de modo ~ no bibliografias. Os ttulos das obras em italiano, frances, ingles, espanhol, citadas no corpo dos artiaos, alo indicados DI llngua original. Quanto u obras em alemlo, russo, abe, chines, ele., menciona-se no texto do artigo o ttulo em portugUes, seguido pelo ttulo original entre pmnteses curvos, se 010 se reenvia aos dadoS bibliognfi cos; se pom tal reenvio feito, o ttulo original achar-se-1Inesses dados. No que se refere aos c1sicos gregos e latinos limitamo-nos a dar o ttulo em portugus no corpo do artigo, com as indicaOes necessrias para identificar os passos citados. As palavras em hebreu, grego, abe, etc. foram transliteradas. As datas entre pmnteses rectos nos dados bibliognficos alo as da composilo da obra ou representam uma referncia cronolgica diversa da 1.. ediIo (que figura, com indicalo do autor e do lugar de publicalo, depois do ttulo), por exemplo no caso das obras pstumas.

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Magda Bigone de Fipciredo (Cuamento, BudopmiaIexopmia, Fam1Iia, Homem/mulher, MucuJiDolfemilllno, Parentesco, Totem), MarprIda Santos (Mulher), . R.ui SIDWII Brito (Cata), ToDIIZ Vez da snva (lDcato).

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, A sociedade ocldeSltal, pI[Il,'qUC',pl a observa, caracteriza-se por uma clara dominalo masculina. A subotdinaio da mulher evidente no domnio do poltico, do cconmico, do simblico. Hll poucas representantes femininas no~ rgos locais ou centrais de governao (executivos ou administrativos). No plano econmico, as mulheres estio a maior parte das vezes confinadas l esfera domstica, da qual, alills, n10 saem, nunca absolutamente: de facto, as mulheres que exercem uma actividade remunerada (artesanal, coJnercial, etc.) devem na prlltica coordenar as duas actividades. Quanto tem actividades fora do campo domstico, raro que as mulheres coniigam ascender ao topo, aos cargos de responsabilidade, de direcio, de prestgio, na sua profisslo. No plano do simblico, orientado pela tradilo e pela educalo dada aos , filhos, as actividades valorizadas e apreciadas 810 as que os homens exercem. Para alm disto, um conjunto de juizos de valor pe em evidncia diferenas, apresentadas como naturais e irremedi4veis tanto quanto irrecu sllveis por este facto, no que respeita ao comportamento, ls acOes,ls capacidades, ls qualidades ou aos defeitos, considerados como marcados por uma importAncia tipicamente sexual: um discurso negativo mostra as mulheres como criaturas irracionais e ilgicas, desprovidas de esprito crtico, curiodota~ de esprito inventivo, pouco criativas especialmenterotineiras, pouco ~discretas, faladoras, incapazes de guardar um segredo, nas actividades de tipO"intelectual ou esttico, medrosas e cobardes, escravas do seu corpo e, dos seus sentimentos, pouco aptas para dominar e controlar as suas pai. xes., inconsequentes, hist&icu, inconstantes, pouco dignas de confiana e at mesmo traidoras, manhosas, ciumentas, invejosas, incapazes de serem boas camaradas entre si,' indisciplinadas, desobedientes, impdicas, volveis, perversas. .. Eva, Dalila, Galateia, Afrodite. . Existe um outro gnero de discurso aparentemente menos negativo. Frllgeis, caseiras, pouco dotadas tanto para a aventura intelectual como para a aventura fsica, doces, emoti vas, amantes da paz, da estabilidade e do conforto do lar, fugindo das res~ ponsabilidades, incapazes quer de esprito de deciso quer de esprito de continuidade, crdulas, intuitivas, sensveis, ternas e pudicas, passivas, as mulheres tm por natureza necessidade de ser submetidas, dirigidas e con troladas por uin homem.

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Em ambos os casos, e sem DOSpreocuparmos com as contradities (a mulher ardente, a mulher fria; a mulher inconstante, a mulher flel, anjo do lar; a mulher pura, a mulher corrupta e impura, ele.), este disculso aimb6Jico remete para uma naturaa feminina, morfolgica, biolgica, psicolgica. As Kries de qualidades enumeradas tm um sinal negativo. ou depreciativo, ao passo que as .mes qualitativas masculinas correspondentes tm sinal positivo ou valorativo. Exiate um sexo principal e um sexo ~rio, um sexo Ol'tCte um sexo cfraco, um esprito Ol'tCte um esprito fraco. Esta fraqueza natural, co~nita, das mulheres implica e le8itima a sua sujeilo, at~ a do pnSprio corpo. Nlo se ponl aqui a questlo de saber se esta re1aIo Dlo igualitria. elos sexos na sociedade ocidental pode e deve mudar e, no caso afirmativo, em I I que modalidades,que esta dominalo duas questlies totalmente diferentes. B passtvel dizer mas colocar-se-Io masculina ~ universal? Se aim. onde se situa a origem, a explicalo desta desigualdade inata entre os sexos? NIo ~ de maneira nenhuma certo que se disponha de um recenseamento exaustivo das sociedades humanas existentes ou que tenham existido, e ~ indubitvel que todas as sociedades conhecidas Dlo 810, por esse motivo, necessariamente descritas. E, quando o do, Dlo ~ fOlOSlmentede uma maneira que ponha em evidncia a natureza da re1alo entre os homens e as mulheres. Feitas estas reservas, que implicam a ausncia de provas cientficas absolutas, hi uma forte probabilidade estatstica da universalidade da supremacia masculina que decorre do exame da literatura antropolgica sobre o assunto. Uma das crticas feitas a esta afinnaIo, de um ponto de vista feminista, ~. a de que a maior parte dos estudos antropolgicos foi elaborada por homens. AU se acrescenta que, quando 810 orientados por mulheres, estas participam necessariamente da ideologia dominante da sua prpria sociedade que valoriza a masculinidade, e por consequncia prestam mais atenlo ao mais acessvel. Um duplo desvio, etnocntrico e androcntrico, faz co que mundo dos outras considerado mais interessante e de qualqseira se observem homens,sociedades com olhos da nossa sociedade e mais p 'cularmente com os olhos do homem que na nossa domina. Por ltimo, sendo o mundo das mulheres particularmente secreto e fechado para um antroplogo, ainda por cima do sexo masculino, recorre-se, no que lhes diz respeito, vislo que os homens tm da sua ~iedade. As mulheres das sociedades estudadll seriam desta maneira consideradas aeaundo um critmo duplamente masculino, o que explicaria que Prevalea na .literatura antropolgica a imagem da sua condilo humilhada, Nlo ~ possvel refutar totalmente este argumento, mas ~ con~eniente atenuar-lhe o alcance,. por variadas razlies: admitindo que as antrP~logas participam da ideologia dominante da sua pnSpria sociedade, ~ cobtraditrio pensar que noutras sociedades as mulheres possam ter uma rq1resentatividade radicalmente diferente da dos homens. A tendncia natural de qualquer antroplogo ~ a de se interessar pelos aspectos exticos e mais diferentes da sua pnSpria cultura, nIo sendo pois evidente que os homens sejam incapazes de ver e de notar os casos em que as mulheres desempenham um

papel importante e aetivo, afastado dos clDones da nossa pnSpria c:u1tura. Tambm DIo est4 excludo que uma peuetnIo macia no mundo dai mulheres, levada a cabo por antroplogas e feministas, nIo faa aparecer c:enu desvantagens suplementares aU aqui ignoradas. POI'outro lado, um trabalho receote [Whyte 1978] sobre correlaGes estatsticas entre variveis relativas 1 posiIo das mulheres e ao sexo do observador - num estudo de DOYCDta ~ popu1a(ies- mostra que este ltimo dado tem uma incie dncia sem importAncia. O autor conclui que os relatrios masculinos nIo do necesaariamente exaustivos e seguros, mas que nIo existe distorlo sis'." teltCa na apresentalo da condilo feminina como anormalmente baixa. > "', U maior quantidade de documentos fornecidos por observadores de sexo t ' feminino daria uma Y;do mais pormenorizada e, por consequncia, mais ',' 'uata do papel desempenhado pelas mulheres, mas nIo indicaria forosamente que a parte delas fosse melhor do que aquela geralmente admitida. a verdade, por exemplo, que Phyllis Kaberry [1939] rectificou a imagem, dada por Malinowski sobre os arborfgenes australianos, de mulheres humildes, diferentes perante o homem, esmagadas, mantidas 1distincia. Mas esta nova imagem Dlo chega para inverter o sentido geral da sua histria. Uma outra crtica, geralmente feita 1afirmaIo da pobabilidade estatstica da universalidade da dominao masculina (baseada no exame de documentos antropolgicos), ~ a de que da nIo toma a histria suficientemente em conta. Bate argumento ~.apresentado de duas maneiras diferentes. Nas grandes sociedades actuais existiria um nivelamento cujo eixo central ~ uma dominalo de tipo patriarcal que priva as mulheres de direitos ou de situaGes privilegiadas que elas detinham anteriormente, por influncia de fac:tores VOI: as religiOes reveladas, a judaico-cristi, a isl4mica; o desenvolvimento do com&cio e da ind\1stria que privilegiam actividades de tipo novo e que por essa razlo perturbam as situa(les adquiridas; a incidncia do colonialismo que' promove e agrava estes dois !actores nas regies onde grasaou. Pode retorquir-se que se Dlo v muito bem como ~ que religilies reveladas que privilegiam o papel do homem podem ter..nascido e desenvolver-se num sentido absolutamente inverso ao da ideologia dominante; do mesmo modo, Dlo se percebe muito bem por que razlo as mulheres, se tivessem sido dominantes politicaJbente, economicamente, ideolOgicamente, teriam sido incapazes de se adaptar ~ U'8DSformaOessociaisrovoadas pela p alteraio da ordem econmica ou pela colonizao. Em qualquer dos casos, este nivelamento ~ o do agravame~t() de um estatuto, nIo da sUli inverso propsiva. E verdade que muitas situa~ ae confundiram e se modifit:8ram pelo desenvolvimento da economia m~til e pelo colonialismo. Deste modo, sociedades matrilineares, ou seja, .ociedades em que o poder ecdnmico e poltico est na posse de homens qtH: pertencem a grupos definidos socialmente por uma regra formas biliJieares ou mesmo patrilineares, enquanto passaram lentamente ade filialo q~e passa exclusivamente pelas mulheres, a inversa nunca se verifICa (porqu~, ali, ~ impossvel por razOes estruturais). Na TanzAnia, por exemplo, os homens comearam a criar plantaes nas terras colcetivas dos grupos matrilineares, para responder procura curo-

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peia. Passou-se ento, lentamente, da grande fanlia, que cultivava cereais e outras plantas alimentcias em terrenos de propriedade comum, para a tiunlia individual centrali7Jldanum homem que ganhava dinheiro, depois da indi vidualizalo da propriedade das te;rras. Tal nIo significa, todavia, que na sociedade matrilinear inicial as mulheroll e a sociedade no estivessem sob controlo masculino. No que respeita ao segundo modo do apresentar a argumentao baseada primitivo, derivada de Bachofen [1861 , segundo o qual teria havido um estado inicial da humanidade marcado a ignorncia da paternidade fisiona histria, trata-se da teoria evoluciO~'.ta, bem conhecida, domatriarcado lgica no culto das deusas-mes e pela' 40minalo feminina - pol*a, econmica e ideolgica - sobre os homcQI. No este o lugar para fazer a o termo fmatriarcado', que implica a eia de poder feminino, foi e continua a das teorias evolucionistas da h~'lanidade; a situal5esreais de matrif crtica ser frequentemente utilizado em ....erncia dir-se-ll simplesmente que linearismo; em que os direitos eminent!=Sso os dos homens nascidos nos grupos de .filiaodefinidos pelas mulheres ou em refedncia a situaOesmticas como'a das Amazonas. A sociedade humana, que, do ponto de vista da antropologia, parece ter estado mais prxima da definio do matriarcado, a dos Iroqueses [Brown 1970b], estudada por numerosos autores, depois do jesuta Lafitau [1724] e do relato da vida de Mary Jemison por Seaver [1824]. Nas seis na(ieI iroquesas, as mulheres no eram tratadas com uma deferEncia ou com atenes especiais, e possvel que, segundo Morgan, os homens se considerassem superiores, consagrando todas as suas actividades caa a grande distncia (uma campanha podia durar um ano) ou guerra. Mas as mulherea, ou pelo menos algumas delas, gozavam de direitos e de poderes raramente igualados. . A regra de filiao passava pelas mulheres, e a residncia era matriloca1. As mulheres que pertenciam mesma linhagem viviam na mesma grande casa, com os seus maridos e fllhos, sob a tutela de IIllltroDUll,as quais no sabemos, infelizmente, com exaetido, como eram escolhidas. As matronas, que comandavam e dirigiam a vida das grandes casas, dirigiam igualmente o trabalho feminino agrcola, apangio das mulheres, realizado em comum nas terras colectivas que eram propriedade das mulheres da famlia. As prprias matronas procediam redistribuio da alimentao cozida, por lar, juntorepresentadas, se juntono Grande Conselho das SeisEstas maponas estavam dos hspedes e no dos membros do Conselho. Naeslroquesas, pelo menos no Conselho dos Al)cios de cada nao, atravs de um representante masculino que falava em nome delas e fazia ouvir as suas vozes. Esta voz no era, de facto, negligencivel, dado que as matronas dispunham de um direito de veto no que respeitava guerra, se o projecto blico lhes no agradava, e podiam, de qualquer maneira, impedir a realizao de um projecto de guerra impedindo simplesmente as mulheres de fornecerem aos guerreiros a proviso de alimentos secos ou concentrados que lhes era necessrio levar consigo. Para Judith Brown, as matronas iroquesas devem este estatuto elevado ao facto de controlarem a organizao econmica da tribo

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(do igualmente elas que redistribuem o produto da ta masculina), o que posstve1se tivermos em conta a estrutura social matrilinear favontve1 por_ que a actividade fundamental das mulheres, a agricultura de ~, nIo incompatvel com a possibilidade de tomar conta dos filhos. Segundo a m~ autora, e d~ modo muito interessante, existem apenas trs tipos de ~ econmicas que permitem esta acumu1alo de tarefas: a colheita, a agricftura de enxada e o comrcio tradicional (o que no significa que todas &fi sociedades que pratiquem estas formas de actividade ofeream s m~erp situaes privesiadas). Acresce ainda que no indiferente que seJ~ ~ matronas a gozar de um alto estatuto no caso dos Iroqueses. Mais adiantei ~ol,caremosa este palItO. . A PfOCWll de ~ verdede'oriIinal tenta apoiar-se no estudo das sociedades qde ConsiderIme Dak.primitivas (se' bem que elas prprias tenham uma hlJt6ria),ou lleja, a dos caadores-recolectores, essas populaes qu~ no conhecem nem a agricultura nem a crialo de gado e que vivem da .' apanha ~ta dos frotos da natureza, atravs da caa, da pesca, da crialo de insectos e de pequenos animais, da apanha de b88ll8, frotos e gram{neas selvagens. Aetualmente existem trinta e duas sociedaes de caadores-recol~res que nIo oferecem aquela viso comum das relaes homem/mulher que ~ supe serem uma sobrevivEncia de um l1nico modelo arcaico. Todas manifestam a existncia de uma supremacia masculina, mas com enormes diferenas que vlo da quase-igualdade dos dois sexos entre os Anasbpi, ndios pescadores, at quase-escravatura das mulheres ezistente entre os Ona da Terra do Fogo. " a verdade que em certas sociedades de caadores-recolectores da Austntlia e de Africa as mulheres gozam de uma grande autonomia. Maurlce GodeUerexplica isto pelo facto de no haver diferena entre economia dolJ1&. tic~ e econo~ pl1blica, pela .ausncia de propriedade privada e porque a e familiar no exclUSivamente conjugal. Os homens Rio exercem a con~ imentos ~sicos; os trajectos de um grupo que se desloca 810 escolhld para comb1D8ruma boa caada e uma boa colheita as mulheres do livres dos seus movimentos e de disporem de si mesma's. , Mas estas viatleaidlicasllnIo devem fazer esquecer a existEnciade outros grupos que pertencem ao mesmo tipo de economia dos caadores-recolectores e. em q~e as re1afteados homens e das mulheres so marcadas pela violEnCl8. Anne Chapman, no seu livro sobre os Ona [1982], descreve uma sociedade onde as mulheres no tEm qualquer direito, onde os maridos podem bater, ferir e at matar a mulher sem qualquer sano,' onde as mulheres desp~ Rio conhecem diariamente seRlo a brutalidade na sujeio e, penodicamente, ~urante as sessl5esda sociedade de iniciao masculina que podem durar .v4rios meses, o terror e a violEncia infligidos pelas mscaras. Neste caso mteressante notar que um mito de origem explica este estado de dependEncia. . Na origem, ~lica Anne Chapman, os homens postos em abjecta submlss~ eram obngados a fazer todos 01 trabalhos, incluindo os domsticos, e BerVlamas suas esposas, reclusas na grande casa das mulheres de onde

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saiam OS rugidos de mMcaras aterrOrizantes. A,Lua dirigia as mulheres. Isto durou a ao dia em que o Sol, homem entre todos os homens, que, trazia caa para junto da cubata inici4tica para alimentar as mulheres, surpreende a troa das jovens sobre a credulidade dos homens e compreende que as mMcaras nlo alo a emanalo de foras sobrenaturais aterradom, dirigidas contra os homens, mas apenas um subterfdgio utilizado pelas mulheres para os manter em estado de dependencia. Os homens estrangUlaram entlo todas as mulheres, exceplo de tres jovenzinhas, e inverteram os papis. A Lua voltou para o ~, onde continua sempre a tentar vingar-se (os eclipses do Sol alo disso a prova). As mulheres alo mantidas na ignodncla da situalo original (o mito s transmitido aos homens durante os perodos de iniciaIo); tanto elas como os homens veetn na Lua e nos seres que lhe ado associados inimigos do gnero humano, na medida em que os sabem boItis aos llCUS irmIos, filhos, maridos. , Magnfico exemplo da natureza mftica, ou seja, puramente ideolgica, do tema do matriarcado primitivo, cujo objectivo legitimar a dominalo masculina, numa sociedade .primitiva, de tipo patriarcal. NIo um exemplo isolado. Entre os Bemya da Nova Guin, que nIo alo caadores-recolectores, mas sim horticultores que tambm praticam as inici~ masculinas, ensina-se aos homens, no decurso desses perodos inici4ticos, que foram as mulheres quem na origem inventou o arco e as flautas cerimoniais. Os homens roubaram-lhos ao penetrarem na cabana menstrual onde esses objectos estavam escondidos. Desde a, s eles sabem servir-se deles (a flauta O' meio de comunicaio com o mundo sobrenatural dos espritos), o que lhes confere toda a supremacia [Godelier 1976]. Entre os Dogon da frica Ocidental, cereaIicultores, o mito narra uma aloga privalo do poder das mulheres sobre o mundo do sagrado, tendo-lhes os homens roubado as' saias das DWcuas feitas de fibras pintadas de encarnado. Em todos estes casos trata:.sede sociedades com um ntido poder masculino, que se referem a Um estado fun, sociedades matrilineares, onde tambm o poder detido peloS mtico matrlarca1 mitos um Mas, nas sociedades lacustres da ~o Marevocam nos seus original. estado original inverso, baseado, aqui;:' insti , tui6es patrilineares. O Rio exise ao grupo o sacrifcio de uma criba antes de se deixar atravessar. A mulher do chefe recusa oferecer o seu fiUio;a irmI do chefe d o dela, a fim de salvar o irmIo e o grupo todo. E o ch"'e decide entlo que a partir desse momento a transmisdo dos poderes e dOa bens se passa a fazer nIo ao fJ1hodo homem'hao filho da irmI, 10 IObtinho aterino. Mas aqui, nenhuma violeDclafeminina exercida sobre os hGlbena por lhes terem tomado o poder. Duu mulheres: a mulher, a irmI; dua atitudes femininas sentidas como d.iametralmente opoIt8S e a partir da. q. o chefe decreta a nova lei de filialo: o egosmo da eapou-estl'lJlP1'l, o ~trulmo e a dedicalo da irmI-consaDgUnea. Mas j' o chefe macho e .0 estatuto do chefe permanece com o macho. O facto que o mitonlo fala da histria: transmite uma mensagem. A sua funlo a de legitimar a ordem social existente. Os exemplos ona, baruya, dogon explicam que a ordem social, encarnada na preeminencia do mIscu1ino, assenta numa violncia original feita mulheres. O mito declara

explicitamente que.tqUllquer cultura, qUllquer sociedade, se ~ na desigualdade sexual e que esta desigualdade 6 uma violIIcia. a DeCCllfriopor isso acreditar em verdadeiros aetos inteneiooais de violeacia iDicial, como aeto8 fundadores da ordem social? Pode por isao lCl'editar-se numa perda hiatcSricade poder, ou tratar-se-ll simplesmente do discurao justificativo que a sociedade pronuncia sobre si prpria para dar conta de uma situaAopro. duzida por Um conjunto de causas Dlo intencionais, objectivas? Adiante voltaremos a este ponto fundamental. O mito legitima a ordem social estabelecida, dissemos. No entanto, nem todas as sociedades e1a,borarammitologias propriamente ditas para d'undar dominalo masculina, para lhe dar um sentido. Mas todas tm um discurso ideolgico, um corpo de peJ*Jnento simblico que tem essa mesma funlo de justificar a supremacia do homem aos olhos de todos os membros da sociedade, tanto aos das mulheres quanto aos dos homens, porque quer uns quer outros participam iJbr definilo da mesma ideologia, incul. cada desde a infIncia. , Bates discursos simbcSlicosalo Cbnstrudos sobre um sistema de Cltesoriu binias, de pares dualistas, qUe ~ frente a frente sries como Sol e Lua, alto e baixo, direita e esquerda, noite e dia, claro e escuro, lumi. JlOIO sombrio, leve e pesado, frente e costas, quente e frio, seco e hl1mido, e ma&CU1iDofeminino, IUperior e ihferior. A se reconhece a estrUtura sime bcSIicado pensamento filoIcSfiooe 1ndico grego, tal como o encontramos em Aristteles, Anaxjmandro, Hi~rates, onde o equiUbrio do mundo e dos elementos como tambm o d corpo humano e dos seus, hUmores se fundam numa harmonioaa combinalo destes contrrios, e, por consequncia, qualquer excesso num dos ~pos causa desordem e/ou doena. No pen-memo grego, estio directamebte associadas 1quente e do frib, do seco e do hdmido, que as categorias ~trais do as do masculinida~,(o quente e o seco) e feminilidade (o frio e'leihl1mido) e, de maneira apatntemente inexplic:dvel, veem-se afectados de',valores, positivo por um ladd, negativo por outro, embora haja uma ccrtallmbivalncia do seco e do hWnido, que nIo c:ontm em ~ mesmos valores Jx>si~vosou negativos, mas ~. assumem, 18lIOCiados, em diVCl'108ontextos. :a assun que, na ordem do corpo, o quente c e o hdmido estio do lado da vida, da alegria, do conforto, portanto do positiw; o seco e o frio estio lado IaM da morte, do negativo por consequncia (01 mortol tm sede). Mas na ordem das estaes, o seco esU dO'lado positivo com o quente do Vedo, e as h1rl1ido corpos vivos eoportanto Inverno. do Se pauarmos ordem sexual, o niUlheres, negativo com frio d~ quentes e hdmidOl que arrefecem e se aq\ll:cem com as perdas menstrUais, deveriam por essa mesma razIo ser ma\s,secas do que ,os homens. oni, o macho seco e quente, associado ao fogo e 10 valor positivo; a tea fril, hWnida, associada que e ao valor negativ~ (Bmpdocles, Aristteles, lnpcScrates). . Trata-se, segundo Aristteles, de Uma diferena de IIQturua na tipacidade em tICOZe1'lI o sangue para a partir ele se constnrem os humores do corpo prprios a cada um dos sexos: a inenstruaIo na mulher a forma inacabada e imperfeita do esperma. O esperma, rarefaclo e depuralo do sangue atravs de uma cocio intensa, a subst4ncia mais pura, que atingiu

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o dItimo grau de elaboraio. A relao perfeiiorunperfeilo, purezafunpureza que a do esperma e dos mnstruos, consequentemente do masculino e do feminino, remete por isso para uma diferena fundamental, natural, biolgica, na aptido para a coclo: porque o homem partida quente e seco que conseguiu perfeitamente aqllilo que a mulher, porque naturalmente fria e h11mida,s consegue imPJrleitamente, nos seus momentos de maior calor, sob a forma de leite. Este discurso fllosfico-mdico, qU(ld uma roupagem s crenas populares como o mito, um discurso p~isamente ideolgico. As correlaes , das o~es binrias entre si Dlo t~ qualquer re1aIo com qualquer realidade, mas apenas com os valores pbtitivos ou negativos atribudos desde o incio aos prprios termos. Tal comi? o mito, este discurso tem por funllo legitimar a ordem do mundo e a prdem social. Assim, num todo perfeito, q,,~ une o mito, a classificao 41>& vegetais e a r;1aI~ ideolgica dos sexos, Detienne [1977] explica (a ParW das lendas nutolgtcas da conceplo de Ares e de Juvenca' sua irmll; ~camente por Hera) por que razlo a alface~:legume- frio e h\lmido, co~umida pelas mulheres: excelente para favprecer a menstruaio e o boDl;defluxo de sangue, mas o seu corol'

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rio a ftustraio do prazer. a por esta ~ que os ho~ nunca a comem~ com medo da impotncia e de serem pnvados do deselo e do prazer (f01 a alface ~ue tornou Adnis impotente), Porque o prazer sexual pertence por direito aos homens, devendo as mulheres contentar-se em conceber e preparar-se para tal atravs do cons~o dos alimentos adequados. O pensamento grego condicionou a hossa cultura ocidental, como se ver. Mas como explicar, a Dlo ser por copstantes prprias do trabalho simb lico, com base no mesmo material, 8Jo , na relaio social entre os sexos, que esta mesma lgica dos contrrios, das oposies binrias com valores positivo e negativo, se encontre nas sociedades onde a influncia do pensamento grego Dlo se fez de modo algum sentir? a o caso do pensamento taosta oQde o yin e o yang so dois princpios consti~tivos do universo, euja existllcia harmoniosa est baseada na unilo cllll'lUDCflte percebida dos contrrios. Yin o feminino, a terra, o frio, a sombra, o Norte, a chuva, o inferior; yang o masculino, o cu, o calor, a luz do Sol, o Sul, a impetuosidade, o su~rior. Entre os Inuit do Arctico Cenmasculino e onde o Sol traI [Saladin d'Anglure 1978], onde Lua do ~

dos termoscozido e a cultura do o cru daamulher, oes~o do lad~ do hOflem, o calor, o em presena, o frito, lado e natureza nuto da ongem Dlo faz das mulheres nada mais para alm de homens rachados: foi de um homem suanasceu a primeira mulher, dosa exemplosprocriadorachineses para alguns que irm, onde, ao contrrio e mulher gregos e apenas um saco, um recipiente que abriga temporariamente uma vida humana gerada pelo homem. Sempre confmada aos espao domstico, ela s pode sair da ordem masculina onde se encontra atravs de uma evaso no sentido real da palavra que a conduz morte por esgotamento. Muitos outros exemplos, africanos, indonsios, americanos, ele., se poderiam enumerar [cf. Hritier 1978; Ingham 1970]. Em todos os casos, conjuntos de reduocs simblicas conferem sentido s prticas sociais. Natural-

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mente, noutras culturas, outros sistemas binios diferentes daquele que se baseia no calor e no frio podem designar as mesmas pnlticas ou entlo,' como nos Intuit, um sistema binmo baseado no calor e no frio pode inverter totalmente ou parcialmente a srie das associaes conexas. De faeto, Dio existe nesta escolha uma racionalidade fundada na apreenslo objeetiva de um dado natural, nem mesmo quando eles parecem legtimos. a preciso considerar estas oposies binrias como sinais culturais e Dlo' como portadoras de um sentido universal - o sentido reside na prpria existncia destas oposi&ls e nIo no seu contel1do -; a liDguagem do, jogo soCial e do poder. Q dtscurso da ideologia t~ eempre em toda a parte toda a apareneia da razo. O DOS8O ~rio diIc:uno cultural, herdado de Aristteles, baseia tambJQek,em ~ ~, de uma pretensa natureza eterna, uma re1aIo aoc:ialin8titUrda. Deste ponto de vista, interessante considerar o discurso cientfico e mdico do s6culo XIX, tal como ele se exprime por exemplo nos escritos de Julien Virey [ci. ICnibiehler 1976]. Atravs de evolues sucessivas, ele passa de uma caraeterizlo dos sexos de tiw binrio justificalo da dominalo de. um sexo sobre o outro, a coberto da argumentalo cientfica mais moderna, objectiva, racional, baseada na observa. lo de um dado biolgico.' No entanto, nada mais nos dado para alm da reconstituilo do discurso de Aristteles, ou dos esquims Intuit, ou do dos Baruya da Nova Guin [Godelier 1976]. Para Virey, o casal ideal um macho moreno, peludo, HCO, qrunu e impetuoso (que) acha o outro sexo delicado, hrlmido, liso e branco, tmido e pudico . :aa energia do esperma que confere a segurana e a coragem s mulheres casadas: c certo que o esperma masculino impregna o organismo da mulher e que ele lhe aviva todas a funoes e as aquece. A mulher possui uma sensibilidade requin. tada devida aos seus tegw,nentos elsticos e finos e sua ramificalo, mais ' intensa do que no homem, dos nervos e dos vasos sanguneos sob a pele. Esta sensibilidade requintada d-lhe uma aptido particular para o prazer, uma inflamaIo fdcil das paixes e, portanto, um tendncia grande Para o impudor, a depravaio, mas tambm a impossibilidade de se concentrar e de reflec:tir, aetos que 810 por si ss eminentemente e naturalmente masculinos. Esta mesma sensibilidade, que atribui por natureza mulher o cui. dado da crianas, dos doentes, dos velhos, gera tambm sentimentos peri_ gosos e essa a razlo pela qual o homem tem a obrlgalo de a controlar de perto. Diz Virey em De l'ducatWn (1802) que, se a mulher fraca por constituio, a natureza quis portanto torn-Ia submissa e dependente na uniIo sexual; ela nasceu portanto para a doura, a ternura e at para a pacincia, a docilidade; deve portanto suportar sem queixume o jugo da dominaio para manter a concrdia na famlia atravs da submisso. Contrariamente ao que pensa Yvonne Knibiehler, nlo se trata de um ponto de vista individual ingenuamente- falocrata influenciado por esteretipos da poca, mas sim de uma exposio constiuda, sob a forma douta, com arqutipos universais. Este texto justifica, de maneira pensada, os juzos de valor populares do tipo daqueles que foram enumerados no incio deste artigo. Ele esd no prolongamento do pensamento de Aristteles, que elaborava ele prprio racionalmente arqutipos muito anteriores, e prefi-

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gora O diacu10 dos m6dicos alienistas e higienistas do ~ XIX,e&pecialmente no que respeita histeria feminina, e em particuJar o disc:urao de Freud sobre a inveja do pnis (P",imeitl): a mulher DIo tem esperma nem capacidade natural para o produzir. O discurso simblico legitima sempre, como vimos, o poder muc:u1ino, quer seja em virtude das viol!nclas iniciais que as mulheres teDham feito sofrer os homens e, por conseq\lDda, de uma m4 utilizalo do poder quaDdo elas o detinham nas suas mIos (mito ona da Terra do Fogo), quer seja em .virtude da impossibilidade cnaturaP, bio16gica, .na qual se encontram, de aceder ao grau superior, o do homem. Em todos os casos, o homem 6 a medida de todas as coisas: ele cria a ordem social. Os Baruya da Nem ~, sesundo Godelier, exprimem direc:tamente este mesmo conceito: as mu1heres representam a desordem; sIo certamente nWs criativas do que os homens, maa de forma trapalhona, deaordenada, impetuosa, irret1ecIida. Deste modo, no princpio dos tempos, foram elas que inventaram as tlautas e o arco que os homens depois roubaram e que do o almbolo do poder masculino. Mas elas tinham montado o arco ao contrio e matavam s cegas, de maneira andrquica, l sua volta. Os homens, depois de o terem roubado, montaram o arco correctamente: desde entlo, o arco mata como deve ser. Onde as mulheres criativas trazem a desordem, o homem traz a ordem, a medida razovel das coisas. Assim falam o mito e os discursos simbliCoS. Como explicar entlo o estatuto DIo particular, entre outros ttxemplos, das matronas iroquesas? Iudith Brown [1970aJ declara que as fontes antigas Dlo permitem saber o modo de designalo das matronas, dhefes das grandes casas. Mas, ela prpria, seguindo as pisadas d outros abtores, as desiana segundo o termo de decanas de uma certa idade (,lderlj he4ds of houuIwlds). Da conclumos que se tratava provavelmente de mUlhefes de idade avanada, e, se o seu turno frente da casa DIo se efectuavt automaticamente por simples sucessAo,tratar-se-ia de mulheres de idade ~ pode1'0888 do que outras, em earcter, em fora de Animo, em autoridade. Deve pois postular-se que o termo matronas., utilizado pelos antigos autores, designa mulheres de idade, ou seja, para dizer as coisas de uma outra maneira, segundo a sua verdade fisiolgica, mulheres que ultrapaasaram ou . atioairam a idade da menopausa.: A menopausa DIo 6 um assunto sobre o qual se possam encontrar. muitas info~ na literatura antropolgica; assunto sobre o q" DIo se pel18l, assunto incmodo, assunto C1tnsurado, se Dlo mesmo tabl1~Fala-se do avano da idade, da velhice, como estdio da vida, maa nIo.tlo limiar em que tudo se torna irreversfirel. No entanto, sobressai de mod~ ~ nos relatrios antropolgicos, quando se trata de mulheres, que o estatuto individual delas tem tendncia para se modificar na velhice, isto , quando chegaram menopausa ou, no caso de serem estreis, nas situaeS em que as mulheres nIo doou j nIo do capazes de conceber. Um artigo muito interessante de Oscar Lewis [1941J fala daquelhs a quem ostndios Piegan canadianos chamam as mulheres com coraio de homem. Nesta sociedade, descrita como perfeitamente patriarcal, o comportamento feminino ideal feito de submisslo, reserva, doura, pudor e humildade.

Existe, DO entanto, um tipo particular de mulheres que Dlo se compocwn com a reserva e a modtia do seu sexo, maa com qreasividade, arro"neia e aud4cia. NIo t~ contenslo nas palavras nem nos aetos (algumas urinam publicamente como homens, cantam cantos de homens, intervem nas conversas masculinas). Este comportamento existe pari panu com um domnio perfeito das tarefas tanto masculinas como femininas que elas executam. Fazem tudo mais depressa e melhor do que as outras. Orientam os seus prprios assuntos sem 'o apoio dos homens e por vezes at~ nem deixam que o marido empreenda seja o que for sem o seu consentimento. Pensa-se que sejam activas sexualmente e Dlo convencionais no amor, mas elas prprias apiram a uma maiot virtude do que as outras mulheres. NIo temem, em . caso de adult&io, ser arrastadas na praa pl1bliea porque as acusam de estar prontas a defender-se atravs de feitiaria. No temem tamh6m. as consequencias msticas dos seus aetos. Finalmente, tm direito, tal como os homens, a organizar danas do Sol e a participar nas ordlias. Elas tem at1OI'8II.

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O que ~ que entlo preciso para se ser reconhecida como mulher com coralo de homem entre os PieganiOscar Lewis indica que pRclso a combinIIo de duas caractersticas: ~ pteeiso ser-se rica e ter uma pdsAosocial elevada; ~m dessa, ~ preciso ser tasada. Tambl!m ~ melhor ter mostrado na idncia sinais precursores, ter ,lido uma filha preferida com um dote de cavalos. Uma mulher pobre mulher de coraAode homem. Cerfas se pretender comportar-se como uma senlespancada ou metida a ri~o mulheres S se tomam tICOraIode homb. depois de muitos casamentos e viuvezes sucesaivasem que herdaram Jma parte dos bens dos ~ defuntos. Uma vez tomadas coraio de hotnem-, casam (esquema mascUlino) com maridos mais novos do que elas (dtlco a vinte e seis anos, segundo as estatfstic:as de Oscar Lewis) que elas dominam sob todos os pontQi de vista. O casamento ~, pois, uma necessidade absoluta para se ser coralo de homem e 6 dele que prov~m riqu~za e estatuto elevado. a, ali~ lamentvel que Dlo saibamos mais nada ~bre o sistema de pensamento dos Piegan, maa ~ muito possvel que as liideiasaristotlicas do tipo da .que Virey desenvolveu em D, Ia f,mm, (1823) (a mulher casada tem qualquer coisa mais viril, ~ masculina, mais iegura, mais audaciosa do qut a tmida quando se casam,. como se a ene , do esperma imprimisse lI1jsrigidez e delicada ~ ... fossem raE muito gordas perdeta e secura suas fi~raS)Vem-semuto prximas das suas. O homm,gordura a qualidade do esperma do homem, fatIa mulher. a qualidade da mulher. a necessrio que uma condiO[~plementar seja preenchida para se ser uma mulher com coralo de ho~. Ela DIo faz explicitament~ parte das condies enumeradas pelos info.dores, o que nfo nos deve. surpreender, pois se trata da condio ~ flUI non: preciso ter uma idade avanada. Nas cento e nove mulheres tasadas da amostragem de Oscar Lewis, catorze do do tipo lCCOralO hdlnem. Uma tem quarenta e cinco anos, de outra tem quarenta e nove, as outras tm entre cinquenta e dois e oitenta anos. Uma 11nicatem trinta e dois anos. Oscar 1..ewis, por consequncia, junta aos dois critrios anteriores o da maturidade. Mas a palavra certa-

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mente demasiado fraca. Para a maior parte da amostragem, trata-se de mulheres fora do perodo de fecundidade, na menopausa. Sobre nenhuma delas feita aluso aos fllhos que tedo podido dar luz, o que lamentvel porque teria sido interessante saber se a mulher de trinta e dois anos, considerada como mulher com coraIQde homem, esteve ou Dio grllvida. De qualquer maneira, Oscar Lewis declara ele prprio que o desacordo entre as informaOessobre o canleter co~q de homem desta ou daquela mulher apenas diz respeito s mais jovens. " Menopausa e esterilidade suscitam imaginrios, atitudes e instituies extremaFente contrastados segundo .,'sociedades, e todavia explicveis consoante ltIPesma lgica simblica. Se a'modelo iroqu& ou piegan Dio raro no que respeita s mulheres de idadq, outras sociedades, africanas em particular, fazem da mulher depois da lJlenopausa uma mulher perigosa, que acumw-calor, e sobre quem h o n.co de pesar a acusalo de feitiaria, especiabnente se ela for pobre e vi\lva~e por consequ~ia sem forapara reagir e Se defender. No pois o c'pntrllrlo do exemplo piegan, mesmo se hom.:m- que, inversamente, se ri Qas acusaes de qualquer ordem porde uma plhadela rllpida o pudesse fazer supor, porque mulher de coraAo que tem a .fora para responder imfunemente mediante a feitiaria, tem de ser pca e casada. .. Na D1!Or parte das populaOesdi~ primitivas, a esterilidade - feminina, entend~-$e, dado que a absoluta. AWsnem sempre. Assim, entre os Nuer nhecich(... a dominao esterilida~ masculina Dio geralmente recoda Afrij:a Oriental, uma mulher q~o reconhecida estril, isto , depois de ter l~do casada e de ter permanec1CW filhos durante um ';Crto n~ sem de anoll (possivelmente at menopausa?) regressa sua fam11iade ongem onde a partir desse momento considerada como um homem: irmIo dos seus i.rmIos, tio paterno dos fdhos dos seus irmos. Ela vai poder constituir um rebanho, como um homem, com a parte que lhe cabe enquanto tio, ou com o gado entregue como preo da noiva para as suas sobrinhas. Com este rebanho e com o fruto da sua prpria actividade pessoal, ela vai poder por sua vez pagar o preo de uma noiva por uma ou duas esposas. n enquanto marido que entra nestas relaes matrimoniais institucionais. As suas esposas servem-na, trabalham para ela, honram-na, testemunham-lhe o respeito devido a um marido. Ela recruta um servo de uma outra etnia, Dinka na maior parte dos casos, a quem pede, entre outros servios, o servio sexual da sua ou das suas esposas. Os filhos nascidos destl\ relaes so seus, chamam-lhe pai e tratam-na como costume tratar um pai-homem. O genitor s desempenha um papel subalterno, ligado talvez efectivamente aos seres que gerou, mas sem passar de um servo, como tal tratado pela mulher-marido, mas tambm pelas esposas e pelos filhos. Serll recompensado pelos seus servios com uma vaca, preo da procriao, de cada vez que se casar uma das fdhas que tiver gerado. Quer seja absoluta ou relativa, isto , devida idade, menopausa, a esterilidade e o corpo social das instituies e comportamentos que ela suscita podem sempre ser explicados segundo os esquemas das representaes simblicas atrlls analisadas. O que sobressai, em todo o caso, que a mulher

estril Dio ou j4 Dio propriamente uma mulher. De maneira positiva ou negativa. Mulher falhada ou homem falhado, ~ estll mais prxima do homem. Deste modo, nio o sexo mas a fecundidade que estabelece a diferena real entre o masculino e o feminino, e a dominaio masculina, que cony~ agora tentar compreender, fundamentalmente o controlo, a aproprialo da fecundidade da mulher, no momento em que esta fecunda. O ~, as componentes psicolgicas, as aptidOes particulares que compOem os qulfdros da masculinidade e da feminilidade conforme as sociedades e que .-o supostas justificar adominalo de um sexo sobre o outro, um produ~ da educaio, da ideokJIia, portanto: .Nlo se nasce mulher, torna-SC tido (SlJnooc de Baproir). Deste modo, nIo ou seja, em que a maternidade em que este~CIlDteock oanaaImente, existe instinto maternal no senseria algo puramente biolgico e que, implicitamente, determinada pela sua natu~, a mulher tivesse vocalo para cuidar das crianas e, para al~ cUsto, para cuidar da casa. A maternidade tanto um facto social como um facto biolgico (o mesmo acontece com a paternidade) e Dio h nada no facto biolgico em si que explique por que razIo a mulher deve ser inelutavelmente ligada s tarefas domsticas e a um estatuto de subordinaio. Se nos basearmos nas an41ises antropolgicas, 6 evidente que DIo podemos ~erizar as mulheres como universalmente esmapdas e dominadas pelo desejo daquilo que lhes falta: o falo. Segundo a teoria freudiana, a conaci~ncia desta aus~ncia que cria a inferioridade feminina. De facto, a teoria freudiana a este respeito em si mesma um produto da ideologia dominante, e o desejo de falo um efeito secund4rio, e nIo a causa, do tipo de sujeilo femininil que se pode encontrar na nossa sociedade. Inversamente, um certo ndmero de prllticas sociais ou mesmo corporais revelam um desejo do macho em se apropriar do que constitui a superioridade fundamental do outro sexo: a fecundidade, a capacidade de se reproduzir. :a o caso dos ritos e comportamentos de choco, em que o marido que mima as dores de parto, ou entlo se mete na cama, descansa, recebe os parabns, as visitas e as prendas, se queixa do seu cansao, enquanto a esposa, desembaraada, se ocupa dos seus afazeres habitUais, sem que o seu estado suscite

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masculinas, entre 08 Wogeo melansios, que en periodicamente no mar, fazem incisOesno pnis e deixam escorrer o sangue gua [Guidieri 1975]. uma atenlo particular do corpo est destinada falsas regras menstrusis A apropriaAo atravs sua volta. Ou ainda~. o insucesso: Dio pode nunca haver seDio simulacro. Ela passanl, pois, pelo controlo: aproprialo das prprias mulheres e dos produtos da sua fecundidade, repartiAo das mulheres entre os homens. As mulheres so fecundas, inventivas, criam a vida, mas o homem traz a ordem, a regulamentao, a ordem poltica. Este controlo tornado possvel atravs da desvantagem que acompanha a fecundidade: a mulher grllvida ou que amamenta tem uma menor aptido para a mobilidade do que o homem. Aasim, foi possvel' demonstrar que, entre os Bosqunanos, caadores-recolectores nmadas, sem animais domsticos que lhes possam fornecer leite, um homem percorre entre cinco mil a seis mil quil6metros por ano e uma mulher entre dois mil e quinhentos e trs mil.

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o entrave 1 mobilidade 010 implica por isso uma inferioridade das aptid4lel ltaicas (nem, a fomori, das aptidoea intelectuais), no entanto, deve ter acarretado um certo tipo de repartilo de tarefas, no interior das sociedadea pn!-histricas de homens selvagens, caadores-recolectores, que dependiam unicamente da natureza (sabe-se que a agricultura e a criaIo de gado do invenes relativamente recentes da histria da humanidade). Para os homens, a caa aos animais de grande porte e a proteclo dos desarmados contra os predadores de toda a ordem; ls mulheres, a vigilAnciadas crianas de peito e a colheita dos recursos alimentares de mais fcil acesso que a caa grossa (010 fcil caar com um beb agarrado ls costas): repartilo que nasce de limitaes objectivas, e 010 de predisposies psicolgjcu de um ou de outro sexo para as tarefas que desse modo lhes do distribudas, nem de uma imposilo fsica feita por um dos sexos ao outro. Repardio que 010 comporta em si mesma qualquer princpio de valorizalo. O controlo social da fecundidadc das mulheres e a divido do trabalho entre os sexos do provavelmente os dois ~ da dcsigualdadc sexual. Portanto, convm entender os mecanismos que fazem desta dcsigualdadcuma relalo valorizada de domnio/submisslo. . O parentesco a matriz geral das relaOes sociais. O homem d um ser que vive em sociedade; a sociedade s existe dividida em gruPOSl que se baseiam no parentesco, e ultrapassam esta divido original atravs da cooperalo. A instituilo prim4ria que d4 origem solidariedade entre os grupos o casamento. Um grupo que s contasse com as suas prprias foras internas para se reproduzir biologicamente, que praticasse o incesto, e apenas o incesto, estaria condenado destruilo, indiscutivelmente. A troca das mulheres entre os grupos a troca da vida, uma vez que as mulhcres fornecem os filhos e o seu poder de fecundidade a outrem que 010 aos seus prximos. O nl1cleo fundamental da dominalo masculina, articulada com as restl'iOesecoDmicasda divido das tarefas, es~ certameote a: na renl1ncia ml1tua dos homens a beneficiar da fecuodidade da suas filhas edas suas irmIs, das mulheres do seu grupo, em benefcio de grupos estraogeir!Js. A lei da exogamia, na qual se baseiam todas as sociedades, deve ser ehtendida como lei de troca das mulheres e do seu poder de fecuodidade entre,bpmens. O que no~ve1 o facto de haver sempre, atravs de regras d' ~ e de aliana particulares, aproprialotinicial por parte dos homens ao poder especttlco de reprodulo das mulheres do seu grupo, bem como: das que a fora lhes do dadas em troca das suas. :a s neste ponto que a viol~, podem ser evocados como explicalo I1ltima. . A aproprialo do poder de fecuodidade das mulheres, vital plU1la constituilo e a sobrevivncia de qualquer sociedade, mediante a troca dasmulheres, acompanhada pelo coofmameoto das mulheres neste papel. Teremos .a mie e a ama de leite. :a tanto mais fcil quanto a criana amamentada durante longos meses. Esta situaio s termina, nas sociedades que 010 conhecem o aleitamento artificial nem as modernas tcnicas de alimentalo dos bebs, por volta dos doia anoS e meio ou mesmo dos tres anos. A criana

s conhece comof ama a mie durante anos e continuar a dirigir-ae-lhe quando j 010 mamar, e isso tanto mais cnaturalmeotClt quanto o confinamento social do papel de ama, de guarda e de maoutenlo tiver existido. A mie pode ser elevada muito alto, considerada com muita reverencia, mas isto 010 es~ em contradilo com a nolo mesma de poder masculino. A aproprialo e o controlo da fecundidade das mulheres, o coofinamento das mulheres no papel de amas facilitado pela dependncia allioentar da criana, em suma, esta espcie de ~uestro, foram acompanhadas pela crialo de capacidades tcnicas especilizadas, ou seja, pela utilizalb exclusiva por parte do sexo masculino de certas tcnicas que necessitam de uma aprendizagem real ou &lsamente sofisticada, mas s quais a mulher nIo tem acesso sem que nada na constituilo feminina explique a razlo disso. Os homens criaram um campo reservado, tal como havia um campo reservado, inacessvel, das mulheres: o da reprodu~o biolgica. Deste modo, para retomar um exemplo dos povos caadores-recolectores, entre os Ona da Terra do Fogo, a caa com arco apan4gi(>dos homens, que aprendem a fabricar o arco, U flechas e eventualmente o veneno. Desde a mais tenra idade que eles aprendem a atirar com o arco, e esta aprendizagem -lhes, exclusivamente reservada. Anne Chapman ,'demonstra que, sem aprendiagem idoca, as mulheres 010 podem, no sntido fsico da palavra, servir-lIe daquele objecto. O domnio reservado de aptides tcnicas altamente es~ializadas, corolirio de uma repartilo sexual'prim4ria do trabalho e ba~ em limitaGes objectivas, tem como efeito 'Uma nova limitalo das mulhetres a tarefas que tambm requerem um conhecimento e uma capacidade tcnica (nlo prprias de um sexo: os homens tambm podem efectuar as colheitas em tempo de pemtria), mas que nuo!:a f&rlo parte do domnio reservado aos homens. O importante do que de tempos a tempos a1gumall mulheres consigam chegar ao domnio reserVado, a prpria razlo de ser,da existncia do domnio reservado que est4 em causa. . A isto vem juotar-se o trabalho 'intelectUal,a criao ideolgiCa,quevimos em funcionamento nos simbolismo. expostos atrs: atribui-se wtl !valor desigual la tarefas desempenhadas. /I. ;parte das mulheres, no que respeita colheita, atinge por vezes mais d,70 por cento dos recursoslimentares do grupos Da sociedades de caad~Jjes-recolectores,m caador. ~!s-nos condocia:' o verdadeiro prestgio es~ :IJ,gado1 funlo doas isso DIq. impor~ fron~ o I1ltimo enigma. . que valorizado pelo hometn, do lado do homem, Certamente o facto 4e ele poder verter o seu saDg\le, arriscar a sua vida, tirar a vida dos outrost atravs da decido do seu livre-arbtrio; a mulher v correr o seu saoguee d a vida sem necessariamente o querer ou poder impedi-Io. Nisto ~de talvez o motor fundamental de todo o trabalho simblico exercido sobre a relao entre os sexos. [F. H.).

BachoCcn, 1861

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,ociedade ocidental

A dominalo do 1wmemsobre a mW1Icr(eC. IIl'fIOIllnhor) m&;nifeata-se~m tal evidbIc:ia .na DOplano do simblico (eC. ,IIIbolo), do poUueo (eC. polflica) e do econDUCO (eC. OIIOIIIia), que'parece um reaultado de uma inferioridade ~jectiva e natural ~cf. ~lIIs4o/intc-

o estudo do parentesc~ O domnio porexce1ncia da antropologia. O temor reverencial que isso incute deriva um pouco paradoxalmente da ideia, comum aos Dio-especialistas, de que no necessrio ser um tcnico para -compreender e at para praticar o que releva das cincias sociais. Para alm disto, como j acontecia com 'famlia' e 'cRl18mento', o termo 'parontesco' tem uma aparncia to familiar e benvola que faz al10rnr em quem o escuta ou l experincias to ntimas e naturais que ningum julga ignorar do que se trata nem sequer nutrir a suspeita de que as suas experincias familiares e aparentemente inteligveis Dlo sejam as mesmas para todos os povos do mundo - excepo de certOs costumes exticos conhecidos e invejados, como a poliginial A literatura antropolgica sobre o parentesco destri cruelmente estas iluses. De. facto, estas (tuas ideias do radicalmente falsas. Entrar no domnio do parentesco significa entrar numa esfera de estranheza: um velho chama a uma rapariga tnAo; um homem que goza da considerao geral pode casar-se com a ftlha do irmo da sua mie, mas considerado o mais miservel dos seres, expulso, talvez espancado, ou condenado morte, se tiver relaes suspeitas com a fIlha do irmlio do seu pai, ou at com a neta do irmo do seu av paterno; uma mulher brinca livremente com o irmlio mais novo do seu marido, injuriando-o com termos obscenos, mas baixa humildemente os olhos perante o irmo mais velho, a quem serve de joelhos e a quem. nem sequer dirige a palavra ... Tudo isto no significa, no entanto, entrar no reino de um total arb-

INf'O, na",,.,.a) da mulher relativamente ao ~omem. Toda!ta, embora a aMlise hllt6= hislma) e antropo16gica (cf. anthropos) de SOCIedadeaaetu8IS e passadas,. nIo ~ . nada que altere easa vislo, tnta-lIe, na realidade, de um reaultado de viIlles ~~ (cf. ideologia) do problema em queatlo. De Cacto, a inveatiplo de uma verdade onainal. (cf. ~~turalculturaI e origens) eCecruadaem sociedades ditas primitivas (cC.~rimitifIII, CIfJI~ IWdo' caa/colheita poIlorltia), se por um lado manifeata como condilo de aistencia da sociedade hu~a e da ~alo da eapc!cie, o tabu do inculo e a otroea de mulheres (cf. lfIdogamial'XDf/Jlllia, {amQia, ca,a_lD, pal'lnluco), por outro, faz en~der esta t~ como tado de uma sproprialo (cf. propriMl4dc) do poder (cf. podcrIlIIIIOI'idadc) ~ fecundidade da por pane do homem (eC. hDlllllltlmldh,r)j lato tornou-se posslvd ~evldo me~r diaponibUidade da mulher na descoberta e produio dos meios de subslateocl& (cC. domunca4D, rmmos,

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,xced,",,) devido ao seu empenho, bastante maior do que o do homem, DOproceaao reprodutivo (cC.,'para aipos aspectos partlcularea, hillcria), pelo qu~ menos como produt~ ,e ~, com lodu as coDaequoeias que daqui tenham podido advlr, ate! no plano das 1/I$/ItII1f1lu.

trio. Os conjuntos equilibrado nosso, estas por no so perturba. funcionam de mododiferentes do(quando ela~s soddades outras sociedades, das pela introduo das religies reveladas e pela extenso selvagem da civi. lizao ocidental) e encontram intelectualmente justificao aos olhos dos seus prprios membros atravs da prpria harmoIada sua adequao a todos os domnios da actividade social, econmica, poltica, natural e simblica. H j muito tempo, desde o livro de Morgan [1871] sobre sistemas de consanguinidade e afmidade da fam11iahumana, que os costumes de parentesco diferentes dos nossos Dio do considerados com um interesse folclorstico como costumes selvagensllou brbarosll destitudos de sentido, mas que se procuram compreender e e1ucidar segundo as suas leis de funcionamento.

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estudo do parentesco , pois, o estudo das relaes que unem os homens entre si mediante laos baseados na consanguinidade, enquanrielalo socialmente reconhecida, e na afmidade (a aliana matrimonial); tais relaes encontram uma tradulo nos sistemas de designao mtua (as terminologias de parentesco), nas rtgras de jiliaiJo que determinam a qualidade dos indivduos como membros de um grupo e os seus direitos e deveres no interior do grupo, nas rtgras de aliana que orientam positiva ou negativamente a escolha do cnjuge, nas regras de residncia, nas rtgras de transmisso dos elementos que constituem a identidade de cada um e, fmalmente, nos tipos de agrupa""ntos sociais nos quais os indivduos estio ftliados. A especificidade do estudo antropolgico do parentesco e o motivo pelo qual ele se apresenta para muitos como um empreendimento aterrorizante residem no facto de as unidades discretas do seu material humano, que constituem o seu objecto (sobretudo no que respeita aos campeis privilegiados do estudo das terminologias e das regras matrimoniais), se prestarem naturalmente, por assim dizer, a anlises tcnicas de uma grande abstraco (pense-se nos estudos formais e componenciais de terminologias de parentesco, na moda durante um certo perodo, e, em de obras de Lounsbury .' \ ou de Goodenough), a formula(lesalgbricasatravs certa medida sem dvida \I menor, matemticas [Buchler e Selby 1968; Ballonoff 1974], e, ainda, a tratamentos por computador [cf. Kunstadter 1963). T\ldo isto parece muito afastado dos dados concretos da experincia. Porm, Dlo se deve crer que, por essa razlo, se submetam sempre os factos ao leito de Procustes, apenas pelo prazer de nos entregarmos gratuitamente aos jogos do esprito: o computador tornou-se o meio indispensvel para atingir as realidades do funcionamento matrimonial das sociedades que de outro modo Dlo se poderiam atingir, e as anlises formais de Lounsbury (1964), por criticllveis que possam ser, permanecem entre as maisestimu!antes e esclarecedoras que tm sido escritas sobre a lgica interna!dos sistemas de parentesco crow e ornaM. Todavia, uma boa parte dos trabalhos de tipo componencial ou matemtico desemboca apenas numa tradu4o laboriosa n()utra linguagem d~ factos cuja concatenalo teria ficado totalmente clarificada atravs de uma exposio em lngua natural. . Um outro motivo de temor reverencial reside 00 facto de Dlo eiistirem, ao que parece, domnios de antropologia que tenham suscitado disc:u.sOestio vivas, tio duradouras, tio tcnicas e tio bizantinas (e, por isso, apareJtemente reservadas aos iniciados), como as qul:>puseram durante anos, por exemplo, , os defensores da teoria da fiaAoe os da teoria da aliana [cf. Barnei 1971; Dumont 1971], ou as que se desencadearam em tomo do problem~4a exis! teneia ou Dlo de casamento patrilateral (com a filha da irml do pai [ef. NeedI ham 1958; Maybury-Lewis 1965, ou"ainda, a um nvel mais con~r.eto, as I levantadas a propsito das derentes interpretaes que se podem '.fzer de descries etnolgicas sobre determinadas populaes [Uvi-Strauss 1973], ou a propsito da definio dos conceitos utilizados no campo do parentesco. Nada disso constituir explicitamente o nosso propsito neste artigo, que Dlo visa a exaustlo. No se procuranl, pois, apresentar uma histria ou uma crtica s teorias do parentesco nem acervos conceptuais [para tal, basta

o

~t~~\ remeter para Murdock 1949; Fox 1967; Aug 1975; por outro lado, dar-se-li como conhecida a obra fundamental de Uvi-Strauss Les slnlCturtS llimentoim de Ia partnl, 1967]. Parece prefervel apresentar novos pontos de reflexlo e dados mais recentes no 4mbito da pesquisa sobre o parentesco, e isso segundo trs directrizes: 1) quais so as leis gerais a partir das quais slo elaboradas as terminologias de parentesco; que possibilidade existe de se chegarem um dia a estabelecer as correspondfncias profundas que unem sistemas terminolgicos, regras de ftliao e regras de matrimnio? 2) pegando directamente nas questes levantadas por Uvi-Strauss (1965), de que modo funcionam as estruturas semicomplexas da aliana? 3) por \lltimo, como surge a passagem b estruturas complexas?

1.

As leis gerais do parenlestO

Foi dito que o estudo do ~tesco se refere s relaes que unem os homens entre si atrav& de laos. baseados na coosanguinidade e na afinidade. Ae utilizalopara termo 'coapanguinidade' suscita imediatamentea problemas remete do debates antigos retomados recentemente com teoria da selecio de parentesco (lein seltion), proposta pela sociologia americana. Antes de mais, trata~se de um problema de definilo: deixemos de lado o facto de, em direito romano, tal designar exclusivamente os parentes como um conjunto',cognlltico (dir-se-li tambm jilateralou entendamo-Ioem linha paterna, bs agnados, com excluslo dqs uterinos; i tis,ser entendido numa ac~llo histnial. O mas 'passagem' meramen~llestrutural. A interrogalo cdnsiste em mostrar se existe ou Dlo uma solup de continuidade entre os mVdos operatrios observados nas sociedades copt estruturas semicomplexas, tais como as apresentadas, e os observados em sociedades de estruturas complexas. Esta questo apresenta todavia Wn aspecto complementar qde pode ser formuJ~do da seguinteDlo parecem ~r socialmente organizadas com base no mente numerosas que maneira: nals\,sociedades contempodneas bumericaparentesco, este 11Itimodesempenha:nu Dlo um papel na escolha do cnjuge? O primeiro exemplo refere-se a algumas sociedades andinas onde a aliana regida por proibies que Dlo silo de tipo crow-omaha,sem grupos de unifiJialo: entre os Incas cldssicos [Lounsbury 1978; Zuidema 1977) e nas comunidades peruvianss modernas [Earl. 1971]. No entanto, no que respeita aos

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Incas, Floyd Lounsbury, na j citada anlise publicada recentemente em francs pelos cAnnales, aventava, baseando-se nos textos histricos conhecidos, que se tratava de um sistema terminoldgico raro com certeza, visto que simultaneamente de tipo crow para os locutores femininos e de tipo omoha para os homens, estando a totalidade relacionada com as linhas de filiao paralela, agntica para os homens e uterina para as mulheres. Para alm disto, teria havido um casamento preferencial assimtrico com a prima cruzada matrilateral (MBd). Lounsbury chega a estas concluses atravs de inteligentssimas extrapolaOCssobre algumas posiOCsde ~ntesco cuja designao terminolgica ~ conhecida, e a partir da qual ele .jnfere as designaOCsdesconhecidas de outras posiOCs.Baseando-se nas mClSfnasontes histricas, Zuidema desf tri esta apresentao dos factos, conserv$do como um dado adquirido a acentuao paralela da filiao. A sua argumeplao, que no ~ possvel expor sumariamente, convincente. Por a realidade inca. nos baseamos para apresentar consequnFia, sobre a sua interpretao que Os anti!os Incas no conheciam os ;grupos de uniflliao, fossem eles clAsou linhagens, mas apenas parentela~, que Zuidema define como .orientadas, porque elas apresentam linhas de .sucesslo masculina para os homens, feminina para as mulheres, num conjunto de cinco geraes a partir de um ncleo inlial formado por um genitor qusculino, pelos seus fdhos e fIlhas. Dois terqtos designam um tal grupo: pemclaro que Dlo existe umsituallo-tipO, em resposta a uma mesma e~olha, por causa da histria pi'pria de ;,..,. cada sociedade. ' Esta mesma escolha remete pacl uma reflexo sobre o estatutb do par

i

I

I formado Uvi-Strauss [1967, trad. i~. p. 574], tantas vezes entendido mula de por um irmllo e por uma itmll, o par assimtrico'~doJ

a frcomo particular nu sociedades tradicionais: os .belSlDOSJo Wintu. Ocondos junto sagrado da Nova Calednia, ~ base do /HJ7UICtJ entre os locas, ou da verdIdeira intimidade entre os Toryislandeses. A re1alloirmllorll'JDl,aquela em que a identidade dos germanos ido mesmo sexo oscila para a diferena (d. o artigo .Incesto), tal como s'e pode entend~-lo atravs dos, sistemas de designao e dos comportament~ matrimoniais e outros que deles decorrem, ~ a fJSU1'8entral onde se encartla a relallo religiosa, ccon1Jdle social c entre un(les de produllo e de repri>dullo.Trs frmulas, apens, sIo passfveis de conferir a estas funes PJsies respectivas dependent~ de uma ref1exlo ideolgica, e da qual de irmll, irmllo < irmll. Est.s trs frmulas, as l1nicas lojicamente , possveis, surJiram desde as origens reflexo humana sob aparncias menos .abstractas que as equaes precedentbs, por causa do trabalho simblico efcctuado debaixo das exig~ncias do dado biolgico representado pelas relaes homem/mulher, primognito/mais r\ovo, genitor/fdho (ou anterior/posterior em termos de gerallo) que se imbricam estreitamente (cf. o ard80 Masculino/feminino). Deste modo, te~.mos: '

l

I;::

~

,

f

- um homem e a sua irm so cnsiderados como pertericent~ o mesmo nvel entre primognito tcia, genealgico, mesmo ese lfC: encontram numa relaio desJgual, fic~ mais nova; - um homem e uma mulher so considerados numa relao genealgica, e de autoridade, de pai a ~; - um homem e a sua irmll sdl considerados como tendo ultta relao genealgica, simblica mas dio de autoridade, de mie a fdho. Deveria ser possvel, pois, estabelecer uma teoria geral do parentesco (terminologia, fdiao, aliana) mostrando como se organizam, a partir das tr~s frtnulas iniciais, as grandes linhas das sries associativas paradigmticas que se encarnam em sistemas concretos,. das sociedades reais, utilizando leis sim-

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pies e universais: princpio de repartio e de hierarquizao dos consanguneos que limita o campo do incesto, princpio de no-contradilo, princpio da unidade dos modos operativos da aliana, seja qual for a aparente desordem e a multplice variedade de modalidades observadas em socieda des singulares. (F. H.).-

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