enciclopédia - estudogeral.sib.uc.pt · da análise que giuseppe tavani levou ... um tipo de poema...

5
Enciclopédia VERBO das Literaturas de Língua Portuguesa 1 VERBO

Upload: trankhue

Post on 02-Dec-2018

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

EnciclopédiaVERBO

das Literaturasde Língua Portuguesa

1

VERBO

Edição realizadasob o patrodnio da

SOCIEDADE CIENTÍFICADA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Direcçãojost AUGUSTO CARDOSO BERNARDES

(da Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra)

ANÍBAL PINTO DE CASTRO(da Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra)

MARIA DE LOURDES A. FERRAZ(da Faculdade de Letras - Universidade Clássica de Lisboa)

GLADSTONE CHAVES DE MELo(da Faculdade de Letras - Universidade Federal do Rio de Janeiro)

MARIA APARECIDA RIBEIRO(da Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra)

Secretaria-Geral

A cargo doDepartamento de Enciclopédias da Editorial Verbo

sob a direcção de João Bigotte Chorão

ARTE MAIOR / ARTE MENOR

ARTE MAIOR / ARTE MENORAtravés deste binómio, designam-se

tipos de versificação assentes em crité-rios de acentuação silábica. O verso dearte maior é formado por 2 hemistí-quios, separados por uma /,cesura fone,cujo tempo de pausa é idêntico ao definal de verso, e cada um dos quais ac-tualiza um mesmo esquema de acentossilábicos. A técnica compositiva que en-forma esses' segmentos mais curtos, to-mados por si mesmos, seria originaria-mente denominada como arte menor.

Tanto o marquês de Santillana, na car-ta proémio que dirige a D. Pedro, Con-destável de Portugal, como Nebrija, nasua Gramática castellana (1492), ou En-cina, na Arte de poesia castellana (1496),

414

se referem à A. maior, embora de ummodo aproximativo. Se acrescentarmos aisso o facto de, a partir da segunda meta-de do séc, XVI, esta técnica cornpositivaentrar em desuso, apesar de as designa-ções de A. menor e de A, maior conti-nuarem a ser utilizadas, tendo por refe-rência a versificação silábica, poderemoscompreender melhor não só todas asambiguidades terminológicas que afec-tam o rigoroso manejo destes conceitos,como também todas as indecisões quepairam em torno da sua clara definição.

As questões que se colocam acerca daorigem do verso de A. maior têm vindoa receber respostas bastante diversas,quando não contraditórias. Para algunscríticos, esta modalidade versificatóriaprocederá directamente do dodecassíla-bo médio-latino. De acordo com umaoutra corrente de opinião, porém, aA. maior resulta da adaptação do decas-sílabo utilizado na Provença e no Norteda França ao ritmo do verso de muinera(gaita galega), ou ao ritmo de composi-ções ligadas ao canto e à dança. De facto,na carta proémio dirigida ao Condestá-vel, o marquês de Santillana afirma queos poetas dos reinos da Galiza e de Por-tugal se distinguiram enquanto cultoresdesta ane, Tal hipótese, que já havia sidoapoiada por Menéndez Pelayo, veio a serposteriormente explorada e aprofundadapor Dorothy C. Clarke, que aponta al-gumas composições transcritas nos can-cioneiros galego-portugueses do séc. XIIIcomo prova dos seus precedentes penin-sulares, anticipando a sua cronologia,desta feita, cerca de um século.

Da análise que Giuseppe Tavani levoua cabo deste problema, a partir de umametodologia de investigação de base tex-tual e filológica, resulta a refutação deuma eventual origem galego-portuguesada A, maior. Neste sentido, Tavani ad-mite a hipótese, já sugerida por Le Gen-til, de que esta técnica compositiva deri-ve do decassílabo francês com cesuraépica, embora não deixe de manifestar assuas reservas perante a resposta a forne-cer a algumas questões que ficam emaberto, e que se prendem, fundamental-mente, com o modo segundo o qual seteria processado a sua difusão peninsu-lar, volvido um século, bem como com

415 ARTE MAIOR / ARTE MENOR 416

as circunstâncias que teriam levado àsubstituição do princípio do isossilabis-mo por uma estrutura de tipo flutuante,para concluir pela impossibilidade deefectuar substanciais avanços críticossem proceder a um estudo das irregulari-dades silábicas semelhante ao efectuado apropósito do verso épico anglo-norrnan-do e franco-véneto, e a alargar também,eventualmente, ao castelhano.

O uso do verso de A. maior, em estro-fes regulares, encontra-se documentadoa partir da segunda metade de Trezentos.A diversidade dos esquemas silábicos emcausa, associada às flutuações que carac-terizam as suas realizações poéticas, sãopor vezes explicadas em função da vi-gência de 2 tendências, uma de índolemais livre, outra de carácter normaliza-dor, que teria sido aquela que veio a pre-valecer. No período em que o verso deA. maior atinge, nas literaturas penin-sulares, o auge da sua difusão, a situarentre a segunda metade do séc. xv e osprimeiros anos do século seguinte, o nú-mero de sílabas por J"hemistíquio" até àtónica, é, geralmente, de cinco. A luzdesta interpretação, a tónica poderia sera última sílaba de cada hemistíquio, oupoderia ser seguida de mais uma ou 2 sí-labas átonas. Esboça-se, assim, uma sériede possibilidades combinatórias da me-dida métrica das suas partes constituin-tes: 5/5,5'/5,5/5',5'/5'. Tanto Encina co-mo Nebrija, nos seus tratados, admitema variação do número de sílabas em cau-sa. Segundo o autor da Gramática castel-lana, esse número pode variar entre 8, 9,l O, 11 e 12. Parece não ser o critério silá-bico, pois, a assumir uma função deter-minante no âmbito da sua definição, maso modo como é feita a distribuição dosacentos.

É este o ponto de partida de LázaroCarreter, que retoma a ideia, já anterior-mente exposta por alguns tratadistas, deque a base do verso de A. maior é umconjunto de 2 hemistíquios separadospor cesura, em cada um dos quais en-contramos a combinação de acentos cl.L,_ ~ . Ambos os segmentos têm, por-tanto, além do acento final, um outroacento interno marcado, que pode recairsobre a 1.', a 2.' ou a 3.' sílabas, de talforma que entre eles se interpõem sem-pre 2 sílabas átonas. Daqui resulta a for-

mação de um grupo central de 4 sílabas,em que as internas são átonas, e as exter-nas são acentuadas, e podem ser tambémantecedidas ou seguidas por outras áto-nas.

A observância deste esquema pode serperfeita ou imperfeita. No primeiro ca-so, o tempo métrico marcado correspon-de a uma sílaba tónica por natureza; nosegundo caso, o tempo métrico marcadocorresponde a uma sílaba átona, o quepode implicar uma distribuição de acen-tos diversa da utilizada em textos não li-terários. O horizonte de espera do ou-vinte ou do leitor, afeito ao sistema deacentos ~ __ ~ , orientaria o sentidodesses desvios. Este ponto de vista im-plica, pois, além do mais, uma atenuaçãodas diferenças que vão entre as 2 tendên-cias tipológicas acima referidas, uma deíndole mais livre, outra de carácter nor-malizador.

Um ritmo concebido à luz destesprincípios produz um efeito de variaçãocadenciada e lenta que se adapta muitobem ao tratamento de assuntos solenes,quando não graves. Nas composições es-critas em A. maior, são geralmente ver-sados temas de índole histórica, elegíaca,moral, ou edificante. A lamentatión foium tipo de poema lírico, de fundo do-lente, cultivado em toda a Península, tra-dicionalmente associado a esta modali-dade versificatória. Mas é a própriaforma como se processa a modelizaçãodo plano linguístico do texto, pelos des-vios em relação ao padrão não literário, aconferir à A. maior um carácter eminen-temente erudito.

Não é só a deslocação forçada do regi-me de acentos em função da cornbinató-ria que lhe é característica a emprestar aesta técnica um tom artificioso; tambémo próprio vocabulário escolhido se re-veste de um carácter excepcional, pelafrequência com que são utilizados neolo-gismos e nomes próprios fora do co-mum. A significativa presença deste tipode palavras tem a ver com a sua mais fá-cil adaptação aos princípios de acentua-ção que lhe são próprios. Versos como«Ny Polus y Castor / que muy fixosson», de Luís Henriques (CancioneiroGeral, Coimbra, Centro de Estudos Ro-mânicos, 1973, I 383, p. 331, v. 11) exi-

417 ARTE MAIOR / ARTE MENOR

gem que se leia Cástor, e não Castór, emconsonância com o esquema ~ __ ~ .Em "A honra do nobre / sangue dos Vi-lhanas», de João Rodrigues de Sá (I 493,p. 409, v. 45), deve-se pronunciar, pelosmesmos motivos, sangué, e não sángue.

Fruto deste conjunto de desvios, quese verifica quer ao nível fonético, quer aonível linguísrico, quer ao nível semânti-co, a A. maior põe em destaque a pró-pria operação de lireraturizaçâo inerenteà feitura do texto poético, reenviandopara ela mesma. Daí a fama de artifícioerudito e rebuscado que lhe assiste, do-cumentada pela composição do Cancio-neiro Geral em que Luís Henriques res-ponde às críticas contra ele desferidaspor «um homem que não queria que elefizera umas trovas de arte maior, porquelevavam muita poesia» (I 383, pp.330-331).

A forma estrófica mais usada é a oita-va com 3 rimas - abba-acca ou abab--bccb -, que é a que domina no Cancio-neiro de Baena, cujas páginas marcam oapogeu do verso de A. maior. Mas umdos mais célebres poemas enformadospor este modelo versificatório será, semdúvida, o Laberinto de fortuna, de Juande Mena.

No Cancioneiro Geral de Garcia deResende, Luís Henriques revela-se, defacto, um dos poetas que mais frequen-temente o utiliza. O lamento pela mortede D. João II (1366, pp. 321-322), a tras-ladação das suas ossadas (1 367, pp. 322--323), ou a celebração da conquista deAzamor pelo duque de Bragança (1 390,pp. 335-338), são alguns dos temas quecanta em oitavas de A. maior. Mas tam-bém João Rodrigues de Sá, para exaltar apartida da expedição que vai tomar Aza-mor (1493, pp. 409-410), Diogo Bran-dão, ao chorar o desaparecimento domesmo monarca, que lhe inspira sentidasreflexões sobre o tema da morte (I 333,pp. 297-301), e D. João Manuel, quandolamenta a tragédia do Príncipe Afonso,escolhem esse mesmo modelo poético.

Com a introdução do )" decassílabo, overso de A. maior cai em desuso, apesarde a sua sombra se projectar para alémdesse limite. Na verdade, a frequênciacom que, tanto nos sonetos de Santilla-na, como nos de Sá de Miranda, o acento

418

recai sobre a 5.' sílaba, em associaçãocom o esquema ~ __ ~ , mostram co-mo o ouvido destes poetas se encontraafeito à cadência dos seus acentos. Se onome do primeiro é indissociável de umdos mais altos momentos desta arte, coma Comedieta de Ponça, à pena do segun-do se devem aquelas que poderão serconsideradas de entre as mais delicadasoitavas nela escritas com que contam asletras portuguesas, «Al son de los vien-tos, que van murmurando». Não deixade ser sintomático, a este propósito, queo poema de Sá de Miranda representeum marco fulcral no âmbito da introdu-ção do sentimento da natureza, entendidoem termos petrarquistas, na LiteraturaPortuguesa. O poeta do Neiva escolheuma técnica versificatória de conotaçãoerudita, mas que é associada, logo desdeo seu título, Lamentación, à tradição pe-ninsular, para cantar um tema de índoleprofundamente inovadora.

A partir deste momento, as designa-ções de A. maior e de A. menor são fre-quentemente utilizadas, em sentidoaproximativo, com referência à versifica-ção silábica, para classificar versos demedida longa, ou de medida curta. Destafeita, A. menor e )" «redondilha» con-v~rte~-se, não raro, em sinónimos apro-ximatrvos.BIBLIOGRAFIA: M. Menéndez Pelayo, Antolo-gía de poetas líricos castel/anos, Sanrander, X, 1945(original publicado entre 1890 e 1908); D. C. Clar-ke, «The 'copla de arte rnayor'», in Hispanic re-view, VIII, 1940; e in Revista de [ilologi« hispanica,V, 1943; P. Le Gentil, La poésie lyrique espagno/e etportugaise à la fin du Moyen-Age, Rennes, vol. n,1953; G. Tavani, -Sobre O problema das origens da'arte maior'», in Ensaios Portugueses, Lx., 1988(original de 1965); A. D. Deyermond, A /iteraryhistory of Spain. The Midd/e Ages, Londres, NovaIorque, 1971; F. Lázaro Carreter, «La poética delarte mayor carellano», Estudios de poética (Ia obraen si), Madrid, 1976 (original de 1972).

Rita Marnoto