effeitos da transcripção no regime do ccb, 1941

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16(81) FERNANDO EULER BUENO Effeitos da :, TRANSCRIPÇÃO no regime do Codigo Civil Brasileiro * - '"l i t I 9 41 DEP. 0 DIR. CIVIL EMPRESA QRAPHICA DA "REVISTA DOS TRIBUNAES" LTDA. Rua Conde de Sancdu, 38 - São Paulo

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Autor: Bueno, Fernando EulerAno: 1941

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  • 16(81)

    FERNANDO EULER BUENO

    Effeitos da

    :, TRANSCRIPO no regime do Codigo Civil Brasileiro

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    i t I 9 41

    DEP.0 DIR. CIVIL ~ BIBLIOT~CA ESF1NO!~~

    EMPRESA QRAPHICA DA "REVISTA DOS TRIBUNAES" LTDA. ' Rua Conde de Sancdu, 38 - So Paulo

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    FERNANDO EULER BUENO

    Effeitos da

    TRANSCRIPO no regime do Codigo Civil Brasileiro

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    Otertado a F a l Famiiia ~>i s Paulo pe a d'3 ao . . G mares-turm. Ministro Mano UI

    .. :e ~9{)9. .. \ So Paulo. 1982 . , __ __..:::-:---

    1941 EMPRESA GRAPHICA DA '"REVISTA DOS TRIBUNAES"" LTDA.

    Rua Conde de Sanedu. 38 - Si.o Paulo

  • A o meu pae.

  • I

    O ARTIGO 800 DO CODIGO CIVIL

    A latitude com que est concebido o texto do arti-go 860 do Codigo Civil, dando ao prejudicado, gene-ricamente, a faculdade de promover a rectificao do registro immobiliario, tem levado a jurisprudencia pa-tria, reiteradamente e at hoje, a negar effeitos s trans-misses de immoveis feitas "a non domino".

    Vem se affirmando em nossos tribunaes a inter-pretao que reconhece no inciso focalizado a virtude de confirmar que a presumpo do artigo 859 do Co-digo sempre "juris tantum"; o legitimo proprietario vem sendo protegido pela Justia. contra os assaltos dos "grilleiros".

    Depois de um consideravel perodo de vigencia do Codigo Civil, a Segunda Camara do Tribunal de Ap-pellao de So Paulo sustentou ser absoluta a pre-sumpo do citado artigo 859, para os terceiros de ba f, que. "adquiriram" a titulo oneroso da pessoa que o registro apontava como proprietaria. Ficaram am-parados os terceiros, muito embora "adquirissem" de quem no era dono do immovel, e os proprietarios ver-dadeiros foram espoliados pelas machinaes crimi-nosas dos "grilleiros".

  • -6-

    Ser propria ao regime do nosso Co.\go essa c.on-~cquencia invulgar entre ns? Ou a i_>tesum\)(ao em apreo admittir sempre prova em contrario, sa\vo o dominio a quem de direito?

    E' o que se procurar versar, a \atgos \)as~o~.

  • II

    TRANSMISSAO DA PROPRIEDADE.

    A transmisso da propriedade se fazia, no direito romano, pela tradio: "Traditionibus et usucapionibus dominia rerum, non nudis pactis transferuntur".

    A esse systema se contrape o actual systema fran-cez, no qual a translao do domnio fructo directo da conveno. Os juristas francezes divergem apenas quanto aos contractos a termo: fundados no principio da transferencia pelo consentimento, entendem uns que a propriedade se transfere desde a conveno, muito embora fique a execuo - obrigao de entregar -sujeita ao termo suspensivo. Entendem outros que o artigo 1: 138 do Codigo Napoleonico sita a transfe-rencia da propriedade no momento em que a entrega exigvel. Em qualquer caso, entretanto, a transfe-rencia do domnio resulta do contracto, e no da tra-dio. < 1)

    O principio geral da transferencia da propriedade pela tradio foi preferido no Brasil. Antes do Codi-go Civil, affirmavam os autores que, de um modo geral, a translao do domnio se operava pela tradio, tanto para os moveis como para os immoveis, pois a trans-

    (I) Cf. Planiol, "Trait", I, ns. 2.589 e segte.

  • -8-

    cripo, no regime da lei 1.237 e do decreto 169-A, era, em substancia, a tradio solemne dos immoveis. (2)

    Apesar disso, a tradio perdeu o prestigio impla-cavel que podia ter no direito romano, cedendo aos im-perativos que, para o direito moderno, decorrem do de-senvolvimento tomado pelo credito e pela proteco aos interesses de terceiros.

    J vimos que na Frana encerrou-se o cyclo da tradio; no Brasil, quanto aos moveis, est ella deli-mitada pelo constituto possessorio, e quanto aos immo-veis "no deixa de causar arrepios logica", como ad-verte S Pereira, considerar-se a transcripo como uma \'erdadeira tradio: esta a manifestao de duas von-tades accordes - a do tradente e a do adquirente -, emquanto aquella entre ns acto do adquirente. ( 3)

    Diremos assim que a transmisso da propriedade, no Brasil, se opera, de um modo geral, pela tradio effectiva ou subentendida, quanto aos moveis, e pela transcripo, quanto aos immoveis.

    (Z) Cf. Lafayette, "Direito das Cousas", 48. (3) Cf. ~Man. Cod. Civ.", P. Lacerda, VIII, pg. lZZ; e art.

    862 Cod. Civ.

  • III

    A TRANSCRIPAO SEGUNDO O REGIME PRECURSOR DO CODIGO CIVIL.

    A lei 1. 237, de 24 de Setembro de 1864 ( 4), e o decreto 169-A, de 19 de Janeiro de 1890 (5), discipli-naram o regime commum, para a transmisso da pro-priedade immovel, antes do Codigo Civil, segundo um systema eclectico.

    Tanto a primeira, como o segundo, cumpriam o objectivo de prover o regime hypothecario nacional; por isso que sujeitaram transcripo, as transmis-ses "inter vivos", dos "bens susceptiveis de hypothe-ca" (6). Todavia, essas mesmas leis declararam sus-ceptveis de hypotheca, todos os immoveis, em geral; ficaram pois attingidas pelos effeitos da transcripo, ou pelas consequencias de sua falta, todas as transla-es immobiliarias, que se processassem "inter vivos".

    Tanto para o legislador de 1864, quanto para o de 1890, a transmisso de immoveis no operava os seus effeitos "a respeito de terceiros" seno pela transcrip-o e depois della. Essa expresso - "a respeito de

    (4) Regulamentada pelos decretos 3.453, de 26 de Abril de 1865, e 3.471, de 3 de Junho de 1865.

    (5) Regulamentado pelo decreto 370, de 2 de Maio de 1890. (6) Art. S..

  • -10-

    terceiros" -, usada nos artigos 8 da lei e do decreto apontados, entendiam-n'a os commentadores com uma significao mais ampla do que a puramente grammati-cal; Lafayette argumentava que o domnio um direito

    . absoluto, "erga omnes", e que, portanto, repugnaria razo admittil-o entre as partes se elle no existisse em face de terceiros. (7)

    Didimo da Veiga acrescentava que, sendo a trans-cripo a tradio solemne dos immoveis, no era de extranhar que em falta della no se processasse a trans-ferencia do domnio, nem entre as partes nem a respeito de terceiros; observava que o artigo 234 do decreto 370 equiparava os effeitos do titulo, emquanto no trans-cripto, aos de "simples contractos que s obrigam as partes", e lembrava ainda o 1.0 do artigo 29 do decreto 917, que remettia o comprador sem transcripo ac-o pessoal para haver o preo at o producto do immovel.

    A concluso , que no regime commum precedente ao do Codigo Civil, a transcripo j era mais do que simples meio de publicidade: era a "tradio solemne" dos immoveis, era modo de adquirir, j que sem ella o domnio no se transmittia, quer entre as partes, quer relativamente a terceiros.

    Por outro lado, nesse regime, vigorava, indiscuti-velmente, a maxima romana: "nemo ad ali um plus juris transferre potest quam ipse haberet"; a transcripo, muito embora considerada tradio solemne, no attri-

    (7) Lafayette, "op. cit. ", 2. ed., pg. 116.

  • -11-

    buia ao adquirente seno a propriedade tal como a tinha o tradente, com a permanencia de todos os seus vicios.

    Alm disso, no importava a transcripo em pre-sumpo de qualquer natureza: na reivindicao, por exemplo, a prova do domnio derivado era mister fosse feita at o ponto em que houvesse posse apta para gerar o usucapio. (8)

    Em parallelo, e facultativamente, o decreto 451-B instituiu entre ns um regime semelhante ao do syste-ma ideado para a Australia, por Sir Robert Torrens, em 1858. Esse decreto, entretanto, afastou-se sensi-velmente do seu modelo australiano, sobretudo no que diz respeito transferencia dos ttulos immobiliarios por endosso e reparao, pelo Estado, dos proprieta-rios que fossem prejudicados por matriculas indevidas.

    A transcripo, simples modo de adquirir no regi-me commum, passou, no regime facultativo do decreto 451-B a ser presumpo da propriedade em favor do proprietario inscripto e com posse: nenhuma aco de reivindicao recebivel contra o proprietario matri-culado, cujo titulo constite obstaculo absoluto a qual-quer litigio que vise alterar o respectivo contedo, salvo se o autor exhibir titulo anterior devidamente transcrip-to, ou se provar alteraes indevidas na matricula, e nesse caso, depois do competente julgamento penal. (9)

    Essa presumpo cede, pois, ante uma anterior e melhor matricula e ainda ante a prova de que foi o resul-tado de crime judicialmente reconhecido. O terceiro

    (8) Lafayette, "op. cit. ", 82, n 6. (9) Decr. 451-B, de 31 de Maio de 1890, arts. 70, 73 e 75.

  • -12-

    adquirente, de ba f, fica, entretanto, plenamente pro-tegido pelo registro, desde que tenha posse. ( 10)

    A transcripo por esse regime facultativo no me-receu a preferencia do mercado de immoveis, mantendo-se em relativo desuso. Faz-se nos mesmos livros do registro commum, ficando annotado na columna pro-pria que est sujeita ao "Systema Torrens". Depen-de de formalidades especiais, entre as quaes se destacam o despacho do juiz togado, a publicao de editaes pela imprensa e o decurso de prazo para reclamaes de terceiros.

    Houve quem entendesse revogado esse regime fa-cultativo, pelo advento do Codigo Civil; entretanto, pre-dominou a opinio opposta, pela subsistencia do regime em parallelo com o do Codigo. O Dr. Afranio de Mello Franco ( 11) e o Dr. Glycerio Alves ( 12) fornecem disso argumentos decisivos. O art. 1.0 n.0 90 da lei 3.746, de 31 de Dezembro de 1917, expresso e o re-cente Codigo de Processo do Brasil, nos seus artigos 457 a 464, cuida "Do processo do registo Torrens", agora circumscripto aos immoveis ruraes.

    (10) Decr. 451-B, art. 76 2.'. (11) "Rev, Supr. Trib.", ll/313. (12) "A Justia", Pto. Alegre, 9/103.

  • IV

    A TRANSCRIPO NA FRANA.

    Confirmando o principio geral da transferencia da propriedade mediante o simples consentimento, o direi-to francez no subordinou a transmisso dos immoveis transcripo. Por isso que em Frana esse registro facultativo e simples meio de publicidade.

    Se a propriedade se transfere, pela conveno, po-deria primeira vista parecer que a transcripo no geraria effeitos practicos. Entretanto, muito embora se opere a translao do dominio "ex vi" do proprio contracto, antes da transcripo, determinados tercei-ros tm o direito de desconhecer a mutao real: so os titulares de direitos, relativos ao immovel e sujeitos ao registro, que seriam prejudicados pela transferencia. E' a primazia, a segurana attribuida ao que prompta-mente accode aos reclamos da publicidade. ( 13)

    Esse systema forte e justamente criticado; a transcripo facultativa e mero meio de publicidade causa da lamentavel e evidente insegurana de que falia. Charles Gide. ( 14)

    (13) Planiol, "op. cit. ", I, ns. 2.615 e segtes. (14) Idem, nota ao n. 2.634, "in verbis": "Vous voulez savoiJ

    la situation de te! domaine. Vous demandez au conservateur s'il est hypothqu. II vous rpond: Je ne connais pas les immeubles;

  • je ne connais que les propritaires. Vous citez alors te nom du propritaire actue!: Jean Bernard. Le conservateur trouve une de-mi-douzaine de Jean Bernard, qui sont tons grevs d'ypotheques. II vous dlivrc un tat portant toutes les hipotheques de ces homo-nymes. Par contre, si vous omettez ou si vous dsignez mal les noms des prcdents propritaires, te conservateur ne fait pas de recherches au nom de ces personnes et vous risquez d'ignorer les hypotheques qu'ils ont tablies."

  • v

    A INSCRIPO NA ALLEMANHA.

    Antes do Codigo Civil allemo, promulgado em 18 de Agosto de 1896, por Guilherme II, para ter efficacia a partir de 1.0 de Janeiro de 1900, vigia na Allemanha toda uma gamma de systemas immobiliarios, que varia-vam de um para outro Estado confederado, e frequen-temente dentro de um mesmo Estado. Desde o syste-ma da pura tradio, adoptado em Ratzerburgo, e em parte de Homburgo e de Mecklemburgo, chegava-se at ao systema da intransigente efficacia jurdica formal e absoluta do registro, em funccionamento na Saxonia, em Hamburgo, em Lbeck e na outra parte de Mecklemburgo.

    Encontrou, pois, o legislador allemo, alm de ou-tros intermediarias: 1.0 ) o systema da pura tradio, que, por sua clandestinidade seria fatalmente regeitado; 2.0 ) o systema da simples publicidade formal, qual o francez, em que a inscripo cumpria apenas o desg-nio de tornar visi.veis para os terceiros as transaces sobre immoveis; 3.0 ) o systema da publicidade mate-rial do registro, quer sob a forma intransigente da effi-cacia jurdica formal, quer sob a da f publica do regis-tro immobiliario, na qual, da publicidade que se lhe

  • -16-

    empresta decorre uma presumpo absoluta apenas em relao ao terceiro de ba f.

    Tendo conseguido elaborar um systema de disposi-es substantivas, e outro de disposies adjectivas capazes de assegurar uma perfeita correspondencia en-tre a situao immobiliaria effectiva e a situao con-forme ao registro, preferiu o legislador allemo, com louvores generalizados, o systema da publicidade ma-terial, sob a forma da f publica. ( 15)

    O DIREITO SUBSTANTIVO ALLEMO concernente propriedade immobiliaria, est conden-sado nos 873 a 902 do Codigo Civil.

    So quatro os principias capitaes que o caracteri-zam: o principio da inscripo, o principio da presump-o do registro, o principio da legitimidade material, e o principio basico da publicidade material, sob a for-ma da f publica.

    Do principio da inscripo resulta que o re-gistro na Allemanh~ modo de adquirir; com e Hei-to, o 873 do Codigo Civil germanico exige a inscrip-o da modificao real no registro fundiario, para a transferencia da propriedade immovel. Logo, sem o registro, a propriedade no se transfere.

    O principio da presumpo do registro pos-to pelo 891 do Codigo, nos seguintes termos: "Se um direito estiver inscripto em favor de alguem no registro fundiario, presume-se que esse direito lhe pertence. Se um direito inscripto no registro fundia-rio fr dahi cancellado, presume-se que esse direito no

    115) Soriano Netto, "Public. Mat. do Reg. Immob.", n. 45.

  • -17-

    existe mais." Tal presumpo "juris tantum" por-que o registro vale emquanto no fr rectificado; tem uma significao puramente processual, regendo o onus da prova, e, pois, no serve ao commercio. (16)

    O principio da legitimidade material esteia-se num desdobramento do accordo de vontades, para a translao do dominio: as partes firmam um primeiro accordo de vontades, para o negocio obri-gacional (venda, permuta, -etc.), que vae funccio-nar como causa jurdica da transformao real; em se-guida, integram-se ellas num segundo accordo de von-tades, tomado deante do officio do registro fundiario e comprehendendo o simples consentimento do alienante e a pura acquiescencia do adquirente para operar-se a modificao real, cujos effeitos, assim, independem da causa obrigacional (venda, permuta, etc.). ( 17)

    O que, na verdade, opera a translao do domnio, a inscripo, apoiada num contracto real abstracto que se perfaz deante do officio do registro; esse con-tracto real abstracto porque a sua efficacia independe da causa juridica que o gerou (venda, permuta, etc.). Entretanto, sendo essa causa jurdica o seu presuppos-to, segue-se que, vindo este a desapparecer, tem o alie-nante, contra o adquirente, uma simples aco pessoal calcada nos moldes do enriquecimento injusto. A mo-dificao real contina efficaz. ( 18)

    (16) Wolff, "apud" Soriano Netto, "op. cit.", pg. 130, "in verbis": "Die Vermutungen des 891 B. G. dienen dem Prozess. Dem Verkehr gengen sie nicht."

    (17) Cod. Civ. ali., 873 e 925. (18) Cf. Soriano Netto, "op. cit.", pgs. 75 e segtes.

  • -18-

    Fica portanto reforada a presumpo do registro, cuja causa jurdica (venda, permuta, etc.) se presume absolutamente legitima, sendo por isso inhabil o seu vi-cio, para obstar os effeitos dessa presumpo. A legi-timidade material, v. g., a legitimidade do negocio juri-.dico causal das mutaes reaes, portanto presumida, de forma absoluta.

    O principio da public-idade material affirmou-se na confederao dos Estados germanicos, antes do Codigo, quer no systema da efficacia formal do regis-tro fundiario, quer no systema da f publica ou da pro-teco do commercio.

    O regime da efficacia juridica formal era absoluto, pois fazia da inscrip0 uma presumpo "juris et de jure", opponivel a quem quer que fosse, entre as partes ou contra terceiros. O registro obtido licita ou illici-tamente valia sempre: "Was im Buche Steht is richtig weil es darin steht." Exner defendeu-a ardorosamen-te, mas a efficacia formal precisou ceder ante os objec-tivos da lei, empenhada tanto na proteco do com-mercio immobiliario quanto na manuteno da segu-rana jurdica da propriedade.

    O Codigo allemo adoptou o principio da publici-dade material sob a forma da f publica. E' o que vem expresso no seu 892: "Reputa-se exacto o contedo do registro fundiario em favor daquelle que adquire por acto juridico um direito sobre um immovel ou um direito sobre tal direito, salvo se estivesse inscripta uma contradicta contra essa exactido ou se a inexactido fosse conhecida do adquirente. "

  • -19-

    O systema baseia a efficacia da inscripo no accordo das vontades do verdadeiro titular e do adqui-rente, manifestado perante o officio do registro; na falta ou em virtude de defeito nesse requisito claro que surge uma divergencia entre a situao im-mobiliaria effectiva e a situao conforme ao registro, pois a mutao inscripta no valida. Logo, deve-se promover a necessaria rectificao. Entretanto, em-quanto perdura a divergencia, se o interessado no pro-move a insero da contradicta, vige uma apparencia jurdica reforada pelos princpios da inscripo. da pre-sumpo e da legitimidade material. Para evitar pre-juzos ao co,mmercio honesto, que confiar nas affirma-es do registro fundiario, intervm ahi o principio da f publica do citado 892 acobertando definitivamente a transaco que se effectuar sob os auspicias de to convincentes principias. Cumpre aqui observar que os quatro principias que vimos estudando, so progressi-vamente as bases uns dos outros: do principio da ins-cripo, que faz do registro o modo de adquirir, passa-se ao principio da presumpo, que o eleva categoria de prova da propriedade; reforando tal presumpo, adeanta o principio da legitimidade material que a cau-sa do registro reputada legitima em qualquer caso; coroando o edifcio, affirma o principio da f publica que alm da legitimidade da causa jurdica, o registro offerece a quem nelle confiar, de ba f, a garantia de sua efficacia plena.

    O systema, como se viu, visa a segurana do com-mercio, para o que chega mesmo ao ponto de arrebatar

  • -20-

    o immovel do proprietario que para isso no contribuiu, mantendo o terceiro adquirente, se de ba f.

    Tamanha desenvoltura emprestada proteco do commercio immobiliario pe em risco a segurana jur-dica; preciso, assim, cercar-se o systema de cautelas que impeam o seu proprio aniquilamento. De que ser-vir a segurana de uma acquisio indiscutvel se se lhe seguir um immediato e ameaador perigo de perda da propriedade havida, por amr ba f de outros terceiros?

    Bem por isso foi que o legislador allemo prescre-veu as medidas constantes da Ordenana do Registro Immobiliario, de 24 de Maro de 1897, fazendo deste systema adjectivo a base sem a qual no seria suscept-vel de applicao o direito immobiliario substantivo que estudamos. Reconhecendo-o tambem foi que esse le-gislador, no artigo 186 da Lei de Introduco ao Co-digo Civil suspendeu a vigencia do registro fundiario, at que, em cada Estado confederado, se effectivassem as condies propicias para recebei-o.

    AO DIREITO IMMOBILIARIO ADJECTIVO, coube, consequentemente, a tarefa de tornar possvel a instaurao e o funccionamento do registro fundiario allemo. Era preciso q11e esse direito considerasse cada

    ' um dos princpios do direito material, para lhes regular o funccionamento, tendo em vista o objectivo indiscut-vel da segurana do commercio, mas suffocando, ao mesmo tempo, no systema, as severas e congenitas ameaas segurana jurdica da propriedade.

  • -21-

    Para dar forma aos princpios substantivos da ins-cripo e da presumpo, outra medida no seria ue-cessaria seno centralizar, nos officios privativos de cada redondeza, as inscripes relativas aos immoveis nella comprehendidos, sujeitando-as a uma ordem de-terminada, capaz de uma facil publicidade formal.

    Para dar vida ao principio da legitimidade mate-rial, foi preciso que o direito adjectivo institusse a cau-tela do pre-exame simplificado, incumbindo delle um ma-gistrado, a cujo cargo ficou o officio do registro fun-diario. Na verdade, se do principio da legitimidade material resulta reputar-se sempre valida a causa ma-terial (venda, permuta, etc.) do registro, preciso ao menos que o contracto real" abstracto soffra um cuida-doso exame por pessoa responsavel e habilitada, que afira a qualidade do alienante e a vontade das partes; descurar disso seria permittir a fraude, a granel. Ade-mais, foi preciso admittir-se o consentimento puramen-te formal, mediante o qual o transferente, a pedido do adquirente, se limita a autorizar a operao que o pre-judica, visto como o pre-exame simplificado no abran-ge a causa material da transformao, em obediencia ao principio substantivo da legitimidade material pre-sumida.

    J para a applicao do pr1ncipio da publicidade material, sob a forma da f publica, cautelas mais ener-gicas so indispensaveis e foram por isso adoptadas na Allemanha. Em resummo, a adopo do principio re.: quer um aparelho capaz de affirmar, com a maxima

  • -22-

    certeza possvel, que o immovel "tal" no est inscripto seno em nome do proprietario "Tal".

    A possibilidade de espoliao do verdadeiro pro. prietario s deve ser supportada se o aparelhamento do registro for apto a reduzil-a ao minimo compatvel com os beneficias advindos da segurana do commercio.

    Esse aparelhamento, portanto, outra base no pode ter seno o cadastro. ( 19)

    O cadastro produz como que uma segunda via da superfcie nacional, que se recorta em funco da pro-priedade territorial, para, colleccionados os recortes pe-las regies do paiz, constituir-se o registro fundiario; a registras nos quaes cada poro do terreno tem a sua e unica folha, em que se inscreve o nome do proprieta-rio respectivo, propria a affirmao to segura quan-to possvel, de que o immovel "tal" no est inscripto seno em nome do proprietario "Tal". Sem o cadastro e sem os folias reaes nenhum registro estar em condi-es de lanar essa affirmao, pois um mesmo immo-vel poder facilmente constar diversas vezes dos seus assentos, sem que o responsavel pelo registro disponha de elementos para impedil-o ou para denunciai-o; ante uma tal multiplicidade de situaes jurdicas apparen-tes correspondendo a uma s situao immobiliaria ver-dadeira, ser possvel manter-se a proteco da f pu-blica para todos os terceiros que confiarem na desor-dem? E' claro que no, pois se o immovel um s,

    (19) Cf. Planiol, "op. cit. ", I, n. 2.642, "in verbis": "Son trait -principal est J'existence d'un registre foncicr ( Grundbuch). dans leque! chaque feuillet est attribu non un propritaire, mais un fonds de terre, ce qui constitue Je point de dpart de toute publicit rclle ".

  • -23-

    apenas um desses terceiros poder beneficiar-se da f publica. E os demais? So sufficientes apenas para provar que sem o cadastro, e sem os folios reaes, no se pode instituir o principio da f publica; esses dois ele-mentos indispensaveis " ... constituent !e point de dpart de toute publicit relle."

    O legislador suisso de 1907, inspirando-se no alie-mo, dotou o direito immobiliario do seu paiz desse sys-tema, integrado pelo principio da f publica (20); re-conhecendo, entretanto, a exemplo do seu modelo alie-mo, que a publicidade material no pode assentar seno no cadastro, advertiu, no titulo final do seu Codigo, que muito embora as disposies relativas ao direito immo-biliario entrassem a vigorar quando vigorasse este, to-davia, os effeitos do registro relativamente aos terceiros de ba f no se produziriam emquanto no o permittis-se o cadastro. (21)

    Percebemos, atravez do que ficou dito, os traos caractersticos do direito material e do direito formal com que os allemes disciplinam as translaes da pro-priedade immovel; verificamos mais que o direito for-mal allemo, com base especialmente no cadastro e nos folios reaes, o fundamento sem o qual no pode ter efficacia o respectivo direito material, inspirado pelo principio da f publica. (22)

    (20) Cod. Civ. suisso, art. 973. (21) Cod. Civ. suisso, tit. fin., art. 48, "in verbis'': " ... D'autre

    part, les effets du registre en face des tiers de bonne foi ne sont reconnus aussi longtemps que le registre fo~eicr n'est pas introduit dans un canton, ou qu'il n'y est pas suppl par quelqu'autre institution en tenant li eu ".

    (22) Cf. Heilfron e Pick, "apud" Soriano Netto, "op. cit. ", pg. 59.

  • VI

    A ELABORAO DO CODIGO CIVIL.

    O elemento historico vem perdendo terreno na in-terpretao do direito. As leis no se devem curvar ante o pensamento do legislador, porque ellas, muito mais sabias do que elle, encerram uma civilizao infi-nita, de seculos e milenios. E' o que ensina Kohler, pelo qual afinam o proprio Clovis e a torrente dos escrip-tores.

    Quanto ao registro immobiliario do Codigo Civil, em particular, acresce que o elemento historico, ao envez de elucidar, antes serve de embarao ao hermeneuta. Com razo, S Pereira aconselha o abandono da discus-so travada para a sua elaborao, pois que esta, "em vez de phanal, pode ser antes fogo ftuo que transvie o interprete." ( 23)

    Sem embargo, auscultemos esse elemento historico, de vez que elle o fundamento das opinies emittidas por Lysippo Garcia (24) e pelos que o acompanham.

    Impressionado pela critica dos escriptores france-zes ao seu regime immobiliario, e sentindo a proceden-cia dessa critica no systema ento vigente na Republica,

    (23) "Man. Cod. Civ. ", P. Lacerda, VIII, n. 30, pg. 126. (24) Lysippo Garcia, "Reg. de lmms.", I, pgs. 99 e scgtes.

  • - 25-

    eminente autor do Projecto do Codigo Civil brasi-leiro julgou " ... a occasio propicia, seno de introdu-zir entre ns, porque parecia impossvel, o systema ger-manico em sua plenitude, porque esse depende da pro-priedade cadastrada, ao menos no que elle tem de essen--cial e de applicavel sem dependencia da organizao do -cadastro" (25). Nas "Observaes para o Esclare-cimento do Projecto do Codigo Civil", acrescentou o mestre que no se propunha "uma dessas reformas ra-.dicaes, que subvertem, nos seus fundamentos, um sys-tema preexistente, mas um simples reforamento, no intuito de obter-se mais firme consolidao da proprie--dade immovel." Em carta ao Dr. Lysippo Garcia, mostra-se Clovis convencido de que as idas do Pro-jecto, "que neste particular passaram para o Codigo Civil, so, precisamente, as que nos convm, pois o sys-tema anterior era insufficiente e falho, e o germanico, em sua pureza, no podia ser applicado entre ns." (26)

    Quaes as idas do Projecto? O artigo 605 ( 530 do Codigo) prescrevia: "Ad-

    quire-se a propriedade immovel inter vivos: I - Pela inscripo no registro predial, do titulo habil para transferil-a."

    O artigo 996 ( 856 do Codigo) era o seguinte: "O registro de immoveis comprehende: I - A inscripo .dos ttulos de transmisso da propriedade sobre immo-veis; ... IV- A des~ripo dos immoveis cuja acqui-sio ainda no conste do mesmo registro."

    (25) "Trabs. da Comm. Esp. ", V, pg. 277. (26) Cf. Lysippo Garcia, "op. cit. ", pg. 7.

  • -26-

    O artigo 999 (859 do Codigo) dispunha: "Quan-do um direito real inscripto no registro predial em favor de uma pessoa, presume-se que esse direito lhe pertence."

    O artigo 1 . 000 ( 860 do Codigo) era o seguinte: "Se o teor do registro vredial em relao a um direito real no traduz a verdade da situao jurdica existen-te, a pessoa prejudicada por elle pode reclamar a sua rectificao por aco competente."

    E' evidente que os textos transcriptos do Projecto Clovis representam um passo adeante do systema da lei 1 . 237 e do decreto 169-A; esse passo se deu no sen-tido do direito immobiliario germanico, que, como ad-vertiu o autor do Projecto, no sendo aconselhavel s condies da epoca, em sua pureza, todavia o era no que no dependesse da organizao do cadastro. Con-frontem-se os textos transcriptos com os j citados dos 873, 891 e 892 do Codigo allemo, e dos artigos 792 a 975 do Codigo Civil suisso; ver-se-ha, para logo, a differena. O principio da inscripo, consagrado no artigo 605 do Projecto, no 873 do Codigo allemo e no artigo 972 do Codigo suisso; o principio da presump-o, susceptvel de rectificar-se, vem expresso nos arti-gos 999 e 1.000 do Projecto, no 891 do Codigo alie-mo e nos artigos 973 e 975 do Codigo suisso, sendo quasi litteral a correspondencia entre os textos do arti-go 999 do Projecto e do 891 do Codigo allemo; o principio da legitimidade material do registro, discipli-nado pelos 873 e 925 do Codigo allemo no passou para o Projecto e nem est no Codigo brasileiro, pois,

  • -27-

    para estes o registro - inscripo l e transcripo c -se effecta "in concreto", isto , registra-se o titulo da compra e venda, da permuta, etc., de cuja validade depende a transcripo; o principio da f publica, esta-belecendo a efficacia plena do registro relativamente ao terceiro de ba f, expresso no 892 do Codigo alie-mo e no artigo 975, alinea 2.a, do Codigo suisso, no consta de nenhuma das disposies do Projecto! OCo-digo allemo instite o "registro fundiario" e suspende a sua vigencia at que ..:ada redondeza se encontre apta a recebei-o, por fora de uma Ordenana do Soberano (27). O Codigo suisso ordena o levantamento do ca-dastro (28), e subordina a elle a vigencia do principio da f publica. O Projecto Clovis e o Projecto Camara fallaram em "registro pt edial" e o Codigo falia em "re-gistro de immoveis"; nenhum dos tres contempla o principio da f publica em alguma de suas disposies, nenhum delles prescreve as cautelas de que depende sem-pre a vigencia do principio, antes, todos esquecem-se at do cadastro. Certo que este o ponto de partida de toda a publicidade material e que o eminente Clovis quiz adoptar para ns o systema germanico em tudo o que no depender do cadastro, segue-se ainda por isso que nem o Projecto adoptou e nem o seu autor pretendeu adoptar o systema da publicidade material.

    Os que se apegam ao elemento historico querem inferir o seu argumento maximo da emenda proposta pela Commisso Revisora, para enxertar-se, no artigo

    (27) Lei de lntr. ao Cod. aliem., art. 186. (28) Cod. suisso, tit. final, arts. 38 e 40.

  • -28-

    605 do Projecto, um paragrapho copiando o artigo 8 4 do decreto 169-A, "in verbis": "A inscripo no induz prova de domnio que fica salvo a quem de di-reito."

    A queda desse paragrapho, por proposta de Luiz Domingues - dizem - demonstra que foi preferido o systema germanico, passando a transcripo a induzir prova de domnio. O argumento fraco, porque con-cle demais: da excluso do paragrapho transcripto licito tirar apenas que se teve em mira manter o prin-cipio da presumpo que integrava o Projecto, sendo evidentemente excessivo concluir-se pela adopo do sys-tema germanico, comprehensivo, alm do principio da presumpo, tambem dos princpios da legitimidade ma-terial e da f publica, aos quaes o paragrapho no se refere. O proprio Clovis se encarrega de demonstrai-o: "Muito acertadamente andou o Sr. Luiz Domingues pedindo a suppresso do unico do Projecto Revisto, porque declarando o art. 860 do Projecto actual que a inscripo de um direito real em favor de uma pessoa faz presumir que esse direito lhe pertence, o menos que se poderia pensar, confrontando os dois preceitos, era que entre eles havia antinomia." (29)

    Por outro lado, alm de brigar com o artigo 860 do Projecto Camara (859 do Codigo), que fazia da inscripo uma presumpo do domnio, o debatido pa-ragrapho era, em sua orao subordinada, uma redun-dancia inutil, de vez que o artigo 861 do Projecto Ca-mara (860 do Codigo) j se encarregara de facultar a

    (29) Lysippo Garcia, "op. cit. ", pg. 108.

  • -29-

    rectificao do registro quando este no exprumsse a verdade, o que quer dizer que o domnio j se conside-rava "salvo a quem de direito".

    Nas discusses havidas para a elaborao do Codi-go, muito se fallou, verdade, sobre o systema germa-nico; muito embora se fizessem ouvir as "excellentes reflexes do Dr. Didimo", ellas no passaram para o Codigo. O autor do Projecto, que se nos releve a ou-sadia, abriu um parenthesis na excellencia inegualavel das suas theses, e claudicou, affirmando, ora que "o Projecto visava um simples reforamento" do systema pre-existente que se no pretendia subverter em seus fundamentos, ora que a tarefa emprehendida tinha em mira pura e simplesmente fazer da transcripo a tra-dio dos immoveis, e, ao depois, que as observaes de Lysippo Garcia "interpretam fielmente o systema do Codigo Civil" ( 30). So affirmaes inconcilia-veis, que no cabem no mesmo systema.

    Aos artigos 605, 996, 999 e 1.000 do Projecto Clo-vis, correspondem os artigos 530, 856, 859 e 860 do Codigo, que nestes manteve o mesmo contedo daquel-les; apenas o artigo 856 soffreu uma restrico, pois deixou de comprehender-se no registro immobiliario a "descripo" dos immoveis que delle ainda no constas-sem. Essa restric\o certamente no visou attender aos reclamos do principio da f publica, antes afastou-o ainda mais.

    Ficou, portanto, sem correspondencia no Codigo brasileiro, o texto do 892 do Codigo allemo, que insti-

    (30) Clovis, "Cod. Civ. Comm. ", 1938, obs. 2 ao art. 531.

  • -30-

    te o principio da f publica; o professor Jos Augusto Cesar acrescenta que " ... cumpre interpretar sem res-trices o art. 860, isto , o prejudicado ter aco de rectificao do registro, ainda que o immovel tenha sido alienado a terceiro de ba f, por quem figurava inde-vidamente como dono na transcripo. "Ommissis". Em summa, si o legislador queria garantir os terceiros de ba f contra as pretenes dos prejudicados pelo re-gistro, devia ter consignado essa proteco em disposi-o expressa. No o tendo feito, applica-se materia o art. 860 combinado com os principias geraes, do que decorrem consequencias diversas do que teriam tido em mira os autores do Codigo Civil." ( 31)

    Wolff, Dernburg, Heymann, Biermann, Crome e a unanimidade dos juristas tudescos referem que quem quer que leia attentamente os textos dos 891 e 892 do Codigo promulgado por Guilherme II, capacitar-se-ha de que aquelle, modelo do artigo 859 do Codigo bra-sileiro, limitou-se a fazer da inscripo uma simples pre-sumpo, destructivel por prova contraria, deixando para o 892 o principio da f publica. ( 32)

    Prescrevendo que "presume-se pertencer o direito real pessoa, em cujo nome se inscrever, ou transcre-ver", patente que o legislador brasileiro inspirou-se no 891 do Codigo allemo, trazendo-nos delle a simples presumpo de effeito processual que todo o seu con-tedo. Pretender ampliar a comprehenso do texto

    (31) "Rev. Fac. Dir. S. Paulo", 31/425, fase. de Set. 1935. (32) Soriano Netto, "op. cit. ", p.gs. 100 e segtes.

  • -31-

    forar a realidade. Pretender inferir apenas das dis-cusses que caldearam o Codigo, que o principio da f publica foi nelle introduzido, esquecer que o elemen-to historico no merece grande relevo na interpretao do direito, examinai-o inexactamente, expandir dois erros at ao ponto de corromper a propria lei.

  • VII

    A SYSTEMATICA DO NOSSO DIREITO.

    O professor Arnoldo Medeiros da Fonseca, visan-do reforar a these de Lysippo Garcia, estuda o compor-tamento do Codigo Civil ante a ba f; analysa os tex-tos dos respectivos artigos 106, 107, 109 e 968 unico, para mostrar que se dispensa sempre, aos actos a titulo gratuito, um tratamento mais severo do que aos a ti-tulo oneroso. ( 33)

    Dos princpios adoptados pelo legislador para a fraude de credores e para o pagamento indevido, infe-re o commentador o principio da f publica para o 're-gistro immobiliario do Codigo, perguntando com o pro-fessor Philadelpho de Azevedo: "E si esse o prin-cipio dictado pelo respeito ba f do terceiro adqui-rente, que, pelo menos, em igualdade de condies com o prejudicado, deve ter a preferencia, de accordo com a mxima que domina a applicao da aco pauliana "in pari causa melior est conditio possidentis", porque no erigil-o em regra geral?"

    Concle ento o professor Arnoldo, no pela vigen-cia do principio da f publica como o defende Lysippo Garcia, pois para este o terceiro de ba f sempre resguardado, seja o acto a titulo oneroso, ou seja a titu-

    (33) "Rev. Tribs. ", 107/441.

  • -33-

    lo gratuito, mas, pela efficacia da transcripo em fa-vor apenas do terceiro de ba f, que adquiriu a titulo oneroso.

    Todavia, a extenso apregoada pelos professores citados envolve consequencias muito mais serias do que as dos preceitos expressos do Codigo; assim que no caso da fraude contra credores, a proteco ao terceiro de ba f no pode seno prejudicar o pagamento ao credor, que contina sempre credor; no caso do paga-mento indevido de immovel, o alienante expressou a sua vontade de o transferir, e, pois, se posteriormente constata que obrou por erro, o seu direito consiste em recobrar o que pagou, indevidamente certo, mas com o concurso do seu discernimento, da sua vontade. A extenso do principio ao adquirente de immovel, de ha f, envolve a espoliao daquelle cuja vontade no se manifestou, e que, sem ter contribudo para isso, perde a sua qualidade de proprietario! Para consequencias to mais severas, no satisfaz a extenso dos principias postos para a fraude de credores e para o pagamento indevido. Seria necessario texto expresso, qual o do 892 do Codigo allemo e qual o do artigo 975 do Co-digo suisso, consoante a lico do professor Jos Augus-to Cesar, adoptada pelo Tribunal Paulista em accor-dams de 2 de Junho e de 9 de Outubro de 1939 ( 34).

    Por outro lado, a systematica em exame fornece argumentos vehementes contra o principio da f publica:

    (34) "Rev. Tribs.", 123/179 e 126/188.

  • -34-

    o do usucapio, o da evico, e especialmente o do re-gistro Torrens.

    Usucapio: a adopo do principio da f publica incompatvel com o usucapio ordinario do artigo 551 do Codigo; com effeito, se apenas com a transcripo (justo titulo) acompanhada de ba f se adquirisse a propriedade immovel so!> os auspcios da f publica, se-ria inocuo o preceito do artigo 551, a mandar ainda que se guarde o prazo de 10 annos entre presentes, ou de 20 entre ausentes! A resposta do professor Arnoldo, para quem o usucapio continuaria a reger o caso do terceiro adquirente a titulo gratuito e o da efficacia da trans-cripo entre as partes, precisa ser amputada: para a efficacia plena da transcripo entre as partes, depois de 10 annos entre presentes ou de 20 entre ausentes, basta o artigo 177 do Codigo, que declara prescriptas as aces reaes aps o decurso desses prazos ! Restaria o caso do terceiro adquirente a titulo gratuito, que no comporta um preceito da amplitude do que se examina.

    Evico: o artigo 1.117, II, do Codigo Civil, tira o direito de demandar pela evico quelle que "sabia que a coisa era alheia ou litigiosa". Logo, o direito a demandar pela evico fica circumscripto ao terceiro de ba f. Fosse vigente o principio da f publica e per-deria muito da sua expresso o texto commentado. Com effeito, se o terceiro de ba f se considerar ao abrigo da reivindicao, no chegar o dia em que pos-sa servir-se da demanda evico, pois ser sempre mantido como proprietario.

  • -35-

    Muito acertadamente andou o legislador allemo omittindo no seu Codigo o usucapio ordinario, e res-tringindo a responsabilidade pela evico s coisas mo-veis. (35)

    O registro Torrens: institui do no Brasil pelo de-creto 451-B, de 1890, adoptou esse systema o principio da f publica, para o terceiro de ba f no exercido da posse. E' o que j vimos anteriormente. O Codigo Civil no revogou o citado decreto, sendo vigentes entre ns o regime commum do Codigo, e ao lado, o regime facultativo pelo systema Torrens.

    Procurando diminuir as ameaas que a segurana do commercio, visada pela f publica, representa para a segurana juridica da propriedade, a nossa lei Tor-rens, pela presumpo absoluta do registro em favor do terceiro de ba f e no exercido da posse, reclama:

    1.0 - o ordenamento do processo para o re-gistro, pelo juiz de direito, com inter-v~no do ministerio publico ;

    2.0 - a publicao de editaes pela imprensa; 3. 0 - o decurso de prazo nunca inferior a

    dois mezes, para reclamaes dos in-teressados. ( 36)

    Pergunta-se: seria curial viesse o recentissimo Co-digo de Processo, mantendo a orientao do decreto

    (35) Cod. Civ. aU., 900 e 433. (36) Cod. Proc. Civ. bras., arts. 461 e segtes.

  • -36-

    451-B, prescrever formalidades da importancia das que apontamos, para conceder efficacia absoluta do regis-tro ao terceiro de ba f na posse do immovel, se, pelo simples registro commum, esse terceiro j tivesse al-canado a mesma efficacia, ainda quando no contasse com a posse?

  • VIII

    CONCLUSO.

    Do elemento histotico relativo ao nosso Codigo no se pode inferir a adopo do regime fundiario al-lemo, "em sua pureza". e nem a efficacia do respectivo principio da f publica, que depende fundamentalmente do cadastro. Da exegese comparada dos textos dos Codigos allemo, suisso e brasileiro, resulta que a f pu-blica expressa no 892 do primeiro e no artigo 97 5 do segundo, no passou para o ultimo. A analyse sys-tematica do direito brasileiro evidencia afinal que os preceitos do Codigo patrio no se harmonizam com a publicidade material do registro fundiario.

    A concluso a tirar, outra no pode ser seno que a presumpo decorrente do artigo 859 do Codigo Ci-vil sempre "juris tantum". Nesse sentido opinam ainda S Pereira (37), Orozimbo Nonato (38), o Dr. A. Gonalves de Oliveira (39), o desembargador Cunha Barreto (40), Octavio Moreira Guimares (41), V. A.

    (37) "Man. Cod. Civ.", P. Lacerda, VIII, pgs. 100 e segtes. (38) Cf. "Rev. For.", 19/301. (39) Cf. "Arch. }ud.", 52/27 suppl. (40) Cf. "Rev. Tribs. ", 127/383. (41) Octavio Moreira Guimares, "A ba f no dir. civ. bras.".

  • -38-

    (42), e especialmente o professor Sariano Netto (43), cuja leitura proveitosissima. A esse mesmo presup-posto se filia a messe de julgados nacionaes, que, nas aces de reivindicao, vigente o Codigo Civil, admit-tem a investigao do dominio derivado, at tempo ha-bil para gerar-se o usucapio. ( 44)

    No regime do Codigo Civil brasileiro, so, portanto dois os effeitos da transcripo: o de operar a transla-o do domnio e o de gerar a presumpo "juris tan-tum" da propriedade.

    So Paulo, Setembro de 1941.

    (42) Cf. "Rev. Tribs.", 81/413. ( 43) Soriano Netto, "Publ. mat. d

  • INDICE

    I - O artigo 860 do Codigo Civil II - Transmisso da propriedade

    5 7

    III - A transcripo segundo o regime precursor do Codigo Civil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    IV - A transcripo na Frana . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 V - A inscripo na Allemanha . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 5

    VI - A elaborao do Codigo Civil . . . . . . . . . . . . . . 24 VII - A systematica do nosso direito . . . . . . . . . . . . . . 32

    VIII - Concluso . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

    Nota: O~scrvou-se uniformemente a ortogra-phta etymologica.

  • r---i ) .

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