ecologia profunda

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 Ecologia Profunda O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominado visão ecológica, se o termo ecológica! for empregado num sentido muito mais amplo e mais profundo que o usual. " pe rcepção ecológica profunda reconhece a interdepend#ncia fundamental de todos os fen$menos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedade estamos todos encai%ados nos processos cíclicos da nature&a 'e, em (ltima an)lise, somos dependentes desses processos*. Os dois termos, holístico! e ecológico!, diferem ligeiramente em seus significados, e  parece que holístico! é um pouco mais apropriado para descrever o novo paradigma. +ma visão holística de uma bicicleta, digamos, significa ver a bicicleta como um todo funcional e compreender, em conformidade com isso, as interdepend#ncias de suas  partes. +ma visão ecológica da bicicleta inclui isso, mas acrescentalhe a percepção de como a bicicleta est) encai%ada no seu ambiente natural e social - de onde v#m as matériasprimas que entram nela, como foi fabricada, como o seu uso afeta o meio ambiente natural e a comunidade pela qual ela é usada, e assim por diante. Essa distinção entre holístico! e ecológico! é ainda mais importante quando falamos sobre sistemas vivos, para os quais as cone%es com o meio ambiente são muito mais vitais. O sentido em que eu uso o termo ecológico! est) associado com uma escola filosófica específica e, além disso, com um movimento popular global, conhecido como ecologia  profunda!, que est), rapidamente, adquirindo proemin#ncia. " escola filosófica foi fundada pelo filósofo noruegu#s "rne /aess, no início da década de 01, com sua distinção entre ecologia rasa! e ecologia profunda!. Esta distinção é ho2e amplamente aceita como um termo muito (til para se referir a uma das principais divises dentro do  pensamento a mbientalista contemp or3neo. " ecologia rasa é antropoc#ntrica, ou centrali&ada no ser humano. Ele v# os seres humanos como situados acima ou fora da nature&a, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de uso!, 4 nature&a. " ecologia profunda não separa seres humanos - ou qualquer outra coisa - do meio ambiente natural. Ela v# o mundo, não como uma coleção de ob2etos isolados, mas como uma rede de fen$menos que estão fundamentalmente interconectados e interdependentes. " ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular n ateai da vida. Em (ltima an)lise, a percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou religiosa. 5uando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de consci#ncia na qual o indivíduo tem uma sensação de pertin#ncia, de cone%idade com o cosmos como um todo, tornase claro que a percepção ecológica é espiritual na sua ess#ncia mais  profunda. /ão é, pois, de se surpreender o fato de que a nova visão emergente da realidade baseada na percepção ecológica profunda é consistente com a chamada filosofia perene das tradiçes espirituais, quer falemos a respeito da espiritualidade dos

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terceiro semestre urca

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Ecologia ProfundaO novo paradigma pode ser chamado de uma viso de mundo holstica, que concebe o mundo como um todo integrado, e no como uma coleo de partes dissociadas. Pode tambm ser denominado viso ecolgica, se o termo ecolgica for empregado num sentido muito mais amplo e mais profundo que o usual. A percepo ecolgica profunda reconhece a interdependncia fundamental de todos os fenmenos, e o fato de que, enquanto indivduos e sociedade estamos todos encaixados nos processos cclicos da natureza (e, em ltima anlise, somos dependentes desses processos).Os dois termos, holstico e ecolgico, diferem ligeiramente em seus significados, e parece que holstico um pouco mais apropriado para descrever o novo paradigma. Uma viso holstica de uma bicicleta, digamos, significa ver a bicicleta como um todo funcional e compreender, em conformidade com isso, as interdependncias de suas partes. Uma viso ecolgica da bicicleta inclui isso, mas acrescenta-lhe a percepo de como a bicicleta est encaixada no seu ambiente natural e social de onde vm as matrias-primas que entram nela, como foi fabricada, como o seu uso afeta o meio ambiente natural e a comunidade pela qual ela usada, e assim por diante. Essa distino entre holstico e ecolgico ainda mais importante quando falamos sobre sistemas vivos, para os quais as conexes com o meio ambiente so muito mais vitais.O sentido em que eu uso o termo ecolgico est associado com uma escola filosfica especfica e, alm disso, com um movimento popular global, conhecido como ecologia profunda, que est, rapidamente, adquirindo proeminncia. A escola filosfica foi fundada pelo filsofo noruegus Arne Naess, no incio da dcada de 70, com sua distino entre ecologia rasa e ecologia profunda. Esta distino hoje amplamente aceita como um termo muito til para se referir a uma das principais divises dentro do pensamento ambientalista contemporneo.A ecologia rasa antropocntrica, ou centralizada no ser humano. Ele v os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de uso, natureza. A ecologia profunda no separa seres humanos ou qualquer outra coisa do meio ambiente natural. Ela v o mundo, no como uma coleo de objetos isolados, mas como uma rede de fenmenos que esto fundamentalmente interconectados e interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrnseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular n ateai da vida.Em ltima anlise, a percepo da ecologia profunda percepo espiritual ou religiosa. Quando a concepo de esprito humano entendida como o modo de conscincia na qual o indivduo tem uma sensao de pertinncia, de conexidade com o cosmos como um todo, torna-se claro que a percepo ecolgica espiritual na sua essncia mais profunda. No , pois, de se surpreender o fato de que a nova viso emergente da realidade baseada na percepo ecolgica profunda consistente com a chamada filosofia perene das tradies espirituais, quer falemos a respeito da espiritualidade dos msticos cristos, da dos budistas, ou da filosofia e cosmologia subjacentes s tradies nativas norte-americanas.H outro modo pelo qual Arne Naess caracterizou a ecologia profunda. A essncia da ecologia profunda, diz ele, consiste em formular questes mais profundas. tambm essa uma essncia de uma mudana de paradigma. Precisamos estar preparados para questionar cada aspecto isolado do velho paradigma. Eventualmente, no precisaremos nos desfazer de tudo, mas antes de sabermos disso, devemos estar dispostos a questionar tudo. Portanto, a ecologia profunda faz perguntas profundas a respeito dos prprios fundamentos da nossa viso de mundo e do nosso modo de vida modernos, cientficos, industriais, orientados para o crescimento e materialistas. Ela questiona todo esse paradigma com base numa perspectiva ecolgica: a partir da perspectiva de nossos relacionamentos uns com os outros, com as geraes futuras e com a teia da vida da qual somos parte.Novos ValoresNeste breve esboo do paradigma ecolgico emergente, enfatizei at agora as mudanas nas percepes e nas maneiras de pensar. Se isso fosse tudo o que necessrio, a transio para um novo paradigma seria muito mais fcil. H, no movimento da ecologia profunda, um nmero suficiente de pensadores articulados e eloqentes que poderiam convencer nossos lderes polticos e corporativos acerca dos mritos do novo pensamento. Mas isso somente parte da histria. A mudana de paradigmas requer uma expanso no apenas de nossas percepes e maneiras de pensar, mas tambm de nossos valores. interessante notar aqui a notvel conexo nas mudanas entre pensamento e valores. Ambas podem ser vistas como mudanas da auto-afirmao para a integrao. Essas duas tendncias auto-afirmativa e a integrativa so, ambas, aspectos essenciais de todos os sistemas vivos. Nenhuma delas , intrinsecamente, boa ou m. O que bom, ou saudvel, um equilbrio dinmico; o que mau, ou insalubre, o desequilbrio - a nfase excessiva em uma das tendncias em detrimento da outra. Agora, se olharmos para a nossa cultura industrial ocidental, veremos que enfatizamos em excesso as tendncias auto-afirmativas e negligenciamos as integrativas. Isso evidente tanto no nosso pensamento como nos nossos valores, e muito instrutivo colocar essas tendncias opostas lado a lado.Auto-afirmativo Integrativo Auto-afirmativo Integrativo Racional Intuitivo Expanso Conservao Anlise Sntese Competio Cooperao Reducionista Holstico Quantidade Qualidade Linear No-linear Dominao ParceriaUma das coisas que notamos quando examinamos esta tabela que os valores auto-afirmativos competio, expanso, dominao esto geralmente associados com homens. De fato, na sociedade patriarcal, eles no apenas so favorecidos como tambm recebem recompensas e poder poltico. Essa uma das razes pelas quais a mudana para um sistema de valores mais equilibrados to difcil para a maioria das pessoas, especialmente para os homens.O poder, no sentido de dominao sobre outros, auto-afirmao excessiva. A estrutura social na qual exercida de maneira mais efetiva a hierarquia. De fato, nossas estruturas polticas, militares e corporativas so hierarquicamente ordenadas, com os homens geralmente ocupando os nveis superiores, e as mulheres os nveis inferiores. A maioria desses homens, e algumas mulheres, chegaram a considerar sua posio na hierarquia como parte de sua identidade, e, desse modo, a mudana para um diferente sistema de valores gera neles medo existencial.No entanto, h um outro tipo de poder, um poder que mais apropriado para o novo paradigma poder com influncia de outros. A estrutura ideal para exercer esse tipo de poder, no a hierarquia, mas a rede, que, como veremos, tambm a metfora central da ecologia. A mudana de paradigma inclui, dessa maneira, uma mudana na organizao social, uma mudana de hierarquias para redes.ticaToda a questo dos valores fundamental para a ecologia profunda; , de fato, sua caracterstica definidora central. Enquanto que o velho paradigma est baseado em valores antropocntricos (centralizados no ser humano), a ecologia profunda est alicerada em valores ecocntricos (centralizados na Terra). uma viso de mundo que reconhece o valor inerente da vida no-humana. Todos os seres vivos so membros de comunidades ecolgicas ligadas umas s outras numa rede de interdependncia. Quando essa percepo ecolgica profunda torna-se parte de nossa conscincia cotidiana, emerge um sistema tico radicalmente novo.Essa tica ecolgica profunda urgentemente necessria nos dias de hoje, e especialmente na cincia, uma vez que a maior parte daquilo que os cientistas fazem no atua no sentido de promover a vida nem de preservar a vida, mas sim no sentido de destruir a vida. Com os fsicos projetando sistemas de armamentos que ameaam eliminar a vida do planeta, com os qumicos contaminando o meio ambiente global, com os bilogos pondo solta tipos novos e desconhecidos de microorganismos sem saber as conseqncias, com os psiclogos e outros cientistas torturando animais em nome do progresso cientfico com todas essas atividades em andamento, parece da mxima urgncia introduzir padres ecoticos na cincia.Geralmente, no se reconhece que os valores no so perifricos cincia e tecnologia, mas constituem sua prpria base e fora motriz. Durante a revoluo cientfica no sculo XVII, os valores eram separados dos fatos, e desde essa poca tendemos a acreditar que os fatos cientficos so independentes daquilo que fazemos, e so, portanto, independentes dos nossos valores. Na realidade, os fatos cientficos emergem de toda uma constelao de percepes, valores e aes humanos em uma palavra, emergem de um paradigma dos quais no podem ser separados. Embora grande parte das pesquisas detalhadas possa no depender explicitamente do sistema de valores do cientista, o paradigma mais amplo, em cujo mbito essa pesquisa desenvolvida, nunca ser livre de valores. Portanto, os cientistas so responsveis pelas suas pesquisas, no apenas intelectual, mas tambm moralmente. Dentro do contexto da ecologia profunda, a viso segundo a qual esses valores so inerentes a toda a natureza viva est alicerada na experincia profunda, ecolgica ou espiritual, de que a natureza e o eu so um s. Essa expanso do eu at a identificao com a natureza a instruo bsica da ecologia profunda, como Arne Naess claramente reconhece.mesmosAssim como no precisamos de nenhuma moralidade para nos fazer

respirar[da mesma forma] se o seu eu, no sentido amplo dessa palavra,

cuidado e afeiovoc o faz por si mesmo, sem sentir nenhuma presso moral

para faz-loSe a realidade como experimentada pelo eu ecolgico, nosso

O cuidado flui naturalmente se o eu ampliado e aprofundado de modo que a proteo da Natureza livre seja sentida e concebida como proteo de ns abraa um outro ser, voc no precisa de advertncias morais para demonstrar comportamento, de maneira natural e bela, segue normas de estrita tica ambientalista.O que isto implica o fato de que o vnculo entre uma percepo ecolgica e o comportamento correspondente no uma conexo lgica, mas psicolgica. A lgica no nos persuade de que deveramos viver respeitando certas normas, uma vez que somos parte integral da teia da vida. No entanto, se temos a percepo, ou a experincia ecolgica profunda de sermos parte da teia da vida, ento estaremos (em oposio a deveramos estar) inclinados a cuidar de toda a natureza viva. De fato, mal podemos deixar de responder dessa maneira.O vnculo entre ecologia e psicologia, que estabelecido pela de eu ecolgico, tem sido recentemente explorado por vrios autores. A ecologista profunda, Joanna Macy, escreve a respeito do reverenciamento do eu, o filsofo Warwick Fox cunhou o termo ecologia transpessoal, e o historiador cultural Theodore Roszak utiliza o termo ecopsicologia para expressar a conexo profunda entre esses dois campos, os quais, at muito recentemente, eram completamente separados.Mudana da Fsica para as Cincias da VidaChamando a nova viso emergente da realidade de ecolgica no sentido da ecologia profunda, enfatizamos que a vida se encontra em seu prprio cerne. Este um ponto importante para a cincia, pois, no velho paradigma, a fsica foi o modelo e a fonte de metfora para todas as outras cincias. Toda a filosofia como uma rvore, escreveu Descartes. As razes so a metafsica, o tronco a fsica e os ramos so todas as outras cincias.A ecologia profunda superou essa metfora cartesiana. Mesmo que a mudana de paradigma em fsica ainda seja de especial interesse porque foi a primeira a ocorrer na cincia moderna, a fsica perdeu o seu papel como a cincia que fornece a descrio mais fundamental da realidade. Entretanto, hoje isso ainda no geralmente reconhecido. Cientistas, bem como no-cientistas, freqentemente retm a crena popular segundo a qual se voc quer realmente saber a explicao ltima, ter de perguntar a um fsico, o que , claramente, uma falcia cartesiana. Hoje, a mudana de paradigma na cincia, em seu nvel mais profundo, implica uma mudana da fsica para as cincias da vida.