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A ANÁLISE SEDIMENTAR E O CONHECIMENTOS DOS SISTEMAS MARINHOS (versão preliminar) J. Alveirinho Dias (2004)

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VIII. TIPOS DE PARTÍCULAS SEDIMENTARES

VIII.1. Introdução

Os sedimentos e as rochas sedimentares cobrem cerca de80% da superfície terrestre. Contudo, constituem apenasuma película muito fina que corresponde a 1% do volumeda Terra.

Consequentemente, a grande maioria dos fundos oceânicosestá coberta por sedimentos, embora a espessura da colunasedimentar seja muito variável, oscilando entre milímetros emuitas centenas de metros, podendo atingir mesmo mais de9km, como se verifica nalgumas fossas abissais. As idadesdestes sedimentos são, também muito variadas. Estima-seque os sedimentos oceânicos mais antigos têm cerca de 200milhões de anos.

As partículas que constituem os sedimentos oceânicos têmorigens muito variadas. Muitas, provêm das áreascontinentais emersas. Muitas outras são constituídas emmeio marinho pelos mais diversos organismos, integrando-se nesta categoria quer as fezes produzidas por partes deles(coprólitos), quer as peças dos seus esqueletos (dentes,vértebras, etc.), quer os endo-esqueletos da micro-fauna e

da micro-flora (carapaças de foraminíferos, valvas dediatomáceas, espículas de radiolários, frústulas decocolitoforídeos, etc.). Quantidade significativa departículas provém dos materiais lançados para a atmosfera( t e p h r a ) pelas erupções vulcânicas (partículasvulcanogénicas), quer por caírem directamente no oceano,quer depois de circularem mais ou menos tempo naestratosfera. Várias outras partículas são geradasdirectamente no meio marinho (glauconite, nódulos demanganês, etc.). outras, ainda, provêm do espaço extra-terrestre (partículas cosmogénicas).

A análise de muitas destas partículas permite-nos conhecera história da Terra. A maior parte dos conhecimentos queactualmente temos das mudanças que se verificaram nooceano e no clima durante os últimos milhares ou milhõesde anos (ou seja, sobra a paleo-oceanografia e a paleo-climatologia) deve-se, precisamente, ao estudos dessaspartículas. A este propósito refere-se, a título de exemplo,que a análise das paleotanatocenoses de foraminíferospermite-nos conhecer com bastante precisão astemperaturas superficiais que no passado existiram nooceano, quer no verão, quer no inverno.

Tabela 15 - Áreas e respectivas percentagens dos diferentes depósitos nos fundos oceânicos

Atlântico Pacífico Índico Oceano MundialTipo de Depósitoárea % área % área % área %

poligénicos 26 623 28,9 29 254 16,3 6 694 8,9 62 571 18,1

glaciais (icebergs) 1 190 1,0 4 501 3,0 2 745 4,0 8 436 2,0Terrígenos

argilas pelágicas 7 284 7,9 70 847 39,4 13 490 18,0 91 617 26,4

vasas carbonatadas 49 588 53,9 61 556 33,6 40 132 53,6 151 276 43,6Biogénicosvasas siliciosas 7 387 8,0 13 526 8,1 11 856 15,8 32 765 9,4

VIII.2. Partículas Terrígenas

VIII.2.1. Generalidades

Todas as partículas provenientes da desagregação dasrochas designam-se por "terrígenas". A esmagadora maioriadestas partículas tem origem nas áreas emersas doscontinentes. Contudo, a acção das ondas e das correntes,bem como a alteração química, conduzem também,obviamente, à desagregação das rochas submersas,produzindo-se, aí, também, partículas terrígenas, embora aquantidade seja desprezível no que se refere ao cômputoglobal de fornecimento de terrígenos ao oceano.

Na terminologia de vários autores, as partículas aquireferidas são designadas por “litoclásticas”, sendo o termo“terrígeno” reservado apenas para as partículas que sãotransferidas do continente emerso (isto é, de terra) para omar. assim, as partículas vulcanogénicas seriam litoclásticasmas não terrígenas. Contudo, para simplificar, segue-seneste texto a escola científica que considera os termos“litoclástico” e “terrígeno” como sinónimos.

A quantidade média de partículas terrígenas transferidasanualmente do continente para o oceano é superior a 20biliões de toneladas (não considerando, evidentemente, assubstâncias que para aí são transportadas em suspensão eacabam, por acção química ou biogénica, por ir integrar ossedimentos), ou seja, mais de 75% da quantidade total demateriais que anualmente, chega aos fundos marinhos.

Se esta quantidade fosse distribuída homogeneamente pelosfundos oceânicas, em cada km2 depositar-se-iam, em cadaano, 35,6 toneladas de materiais.

Tabela 16 - Quantidades estimadas de sedimentos transferidosdo continente para o oceano

Meio de Transporte Fornecimento(109 toneladas)

Percentagem (%)

Rios (esc. superficial) 18,3 85,9

Vento (transporte eólico) 0,6 2,8

Glaciares (icebergs) 2,0 9,4

Ejecções vulcânicas 0,15 0,7

Erosão costeira 0,25 1,2

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VIII.2.2. Processos de Fornecimento

Os principais agentes de transporte de partículas terrígenasda parte emersa dos continentes para o meio oceânico sãoos que a seguir se discriminam.

VIII.2.2.1. Rios

A escorrência hídrica superficial, principalmente os riosconstitui o principal processo de transferência desedimentos do continente para o mar. Estima-se que, naglobalidade, o abastecimento fluvial introduza anualmenteno meio oceânico cerca de 18,3 biliões de toneladas desedimentos, isto é, perto de 86% da totalidade de partículasterrígenas que, todos os anos, em média, chegam ao oceano.

As partículas grosseiras que chegam, via fluvial, ao mar,tendem a depositar-se na zona costeira, sendo redistribuídasao longo do litoral pelos processos costeiros. As partículasfinas, transportadas em suspensão, deslocam-se para maislonge da costa, sendo redistribuídas numa escala regionalpelas correntes. Se a carga sedimentar em suspensão e ocaudal hídrico são grandes e a agitação marinha é fraca, éfrequente formarem-se frentes onde é possível distinguirbem o contacto entre as águas provenientes do rio(acastanhadas, com grande carga sedimentar em suspensão),e as águas marinhas (esverdeadas ou azuladas, com pequenacarga sedimentar em suspensão).

Quando o caudal sólido fluvial afluente ao meio marinho érelativamente pequeno, os sedimentos são redistribuídospelo litoral e plataforma (ou seja, a eficácia dos processosde distribuição é maior do que a dos processos defornecimento), e junto à desembocadura não se constituemgrandes corpos sedimentares. Quando o caudal sólidofluvial é grande (isto é, quando a eficácia dos processos defornecimento supera a dos de distribuição), a agitaçãomarítima não consegue remobilizar a totalidade dossedimentos e formam-se grandes acumulações sedimentaressob a forma de deltas.

Fig. 82 - Delta do Mississipi, dominado pelo processos fluviais.Com frequência é designado por “delta em pata de pássaro”devido à sua forma.

A forma destes é condicionada pelos níveis de actuação dosprincipais processos de distribuição (ondas e marés). Assim,se a agitação marítima é pouco energética e a amplitude das

marés é pequena formam-se “deltas dominados porprocessos fluviais”, de composição essencialmente lodosa,com vários distributários, que progressivamente vãoocupando transversalmente a plataforma continental, comosucede no delta do Mississipi.

Se a agitação marítima é forte e a amplitude da maré épequena, as ondas procedem à redistribuição dossedimentos grosseiros e remobilizam as partículas finas(que acabam por passar para a plataforma continental),constituindo-se um “delta dominados pela onda”, que seexpressa somente por uma pequena protuberância do litoral,essencialmente arenosa, apenas com um único distributário,como acontece com o delta do São Francisco.

Quando a agitação marítima é pequena mas a maré temgrande amplitude (>4m), são as correntes de maré quemodelam os sedimentos fluviais, formando-se “deltasdominados pela maré”, constituídos por bancos e ilhasbastante alongadas no sentido do fluxo da maré, queprogressivamente se vão desenvolvendo pela plataformacontinental, como acontece com o delta do Ganges-Bramaputra.

Em Portugal, os dois principais deltas são o do Tejo (quedesagua no Mar da Palha), que tipologicamente se aproximade um delta dominado pela maré, e o do Guadiana, que temcaracterísticas de delta dominados pela onda.

Fig. 83 - Delta do Guadiana. Nesta fotografia vê-se bem asaliência provocada no litoral pelo desenvolvimento do delta.

A expressão emersa e intertidal da parte sub-aérea dosdeltas é, em geral, largamente excedida pela partesubmarina dos deltas (também designados por conessubmarinos de dejecção), dos quais o maior é o do sistemaGanges – Bramaputra, com comprimento superior a2500km, área de cerca de 2 106 km2, e volume superior a 5106 km3. Este volume é semelhante ao que todos os rios domundo exportariam para o oceano durante 400 000 anos.Estima-se que este enorme corpo sedimentar foi sendoconstruído ao longo dos últimos 20 milhões de anos.

Embora menor, o delta submarino (ou cone submarino dedejecção) do Amazonas, formado nos últimos 10 ou 15milhões de anos, é, também, impressionante. Prolonga-sepelo fundo do Atlântico por mais de 700km, até á crista

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média, estimando-se que o peso dos materiais nele contidosé superior a 5 105 biliões de toneladas. Na zona de transiçãoentre o continente e o oceano a espessura dos sedimentos éda ordem dos 8km (superior à profundidade máxima dooceano onde o rio aflui).

VIII.2.2.2. Vento

O vento, através do qual grande quantidade de partículasfina é transferido do continente para o oceano. Porém, nocômputo global, o fornecimento eólico corresponde apenasa menos de 3% (0,6 biliões de toneladas) do total desedimentos terrígenos que anualmente chegam ao meiooceânico. Todavia, reveste-se de importância especialporquanto, em muitos casos, consegue transportar edistribuir partículas muito finas por todo o oceano mundial,designadamente para o meio das bacias oceânicas onde,normalmente, as taxas de acumulação sedimentar são muitopequenas.

Devem considerar-se dois tipos de distribuição pelo vento:na baixa e na alta atmosfera. Na baixa atmosfera, em geral,as partículas transportadas tendem a ser maiores. Junto àsuperfície, ocasionalmente, o vento consegue transportar,em suspensão, partículas grosseiras (por vezes com 2mm oumais). No entanto, em geral, tal não é considerado noscômputos globais, até porque estas partículas não semantêm em suspensão, a quantidade fornecida ao oceano émuito pequena, a carga sólida deposita-se imediatamente nazona costeira e, em termos genéricos, o volume mobilizadoé largamente excedido pelo processo inverso, isto é, pelaspartículas que são deslocadas eolicamente de praia para ocontinente.

O volume de sedimentos transportado eolicamente para ooceano está relacionado, também, com o vulcanismo e aquantidade de materiais que são ejectados para a atmosfera.Por exemplo, estima-se que, por ocasião da erupção dovulcão Tambora, na Indonésia, em 1815, 40 biliões detoneladas de materiais foram ejectados para a atmosfera,parte dos quais foram transportados eolicamente, acabandopor se depositar nas bacias oceânicas.

Na distribuição oceânica de partículas transportadaseolicamente verifica-se tendência para existirem maioresconcentrações em duas bandas centradas a cerca de 30ºN e30ºS de latitude. O maior volume de partículastransportadas para domínio oceânico são as altas cadeiasmontanhosas e os desertos.

Só no que se refere ao deserto do Sahara, as estimativas dofluxo anual de material eólico para o Atlântico variam,consoante os autores, entre 30 e 260 milhões de toneladas.Aliás, a importância deste fornecimento sedimentar podeser aquilatado, no sul da Península Ibérica, através das“chuvas de sangue” que por vezes aí ocorrem, e que maisnão são do que materiais presentes na atmosfera,provenientes do Sahara, que atingem a superfície devido àprecipitação.

A eficácia deste processo de fornecimento ficoucomprovada em 1986, aquando do desastre da central

nuclear de Chernobyl: algumas semanas após o acidenteforam colhidos e identificados materiais provenientes daexplosão a várias centenas de metros de profundidade, noMediterrâneo.

VIII.2.2.3. Gelo

O gelo, particularmente no que se refere aos icebergs que sedesprendem dos glaciares e das calotes polares, constituioutro meio importante de transporte de partículas terrígenaspara o meio marinho. Efectivamente, estes transferem parao oceano não só os produtos directamente resultantes daerosão glaciária, mas também cinzas vulcânicastransportadas eolicamente (quer na baixa, quer na altaatmosfera) para as calotes e para os glaciares de montanha,onde se foram acumulando ao longo de milhares de anos.Em termos médios, o volume da carga sedimentar dosicebergs é da ordem de 0,5% a 1,5%. Estima-se que, emmédia, cerca de 2 biliões de toneladas de sedimentoscheguem anualmente ao oceano por esta via.

Apesar deste processo de abastecimento ser relativamentemodesto em termos globais, o fundo de algumas regiõesmarinhas (principalmente a latitudes elevadas) é dominadopor este tipo de sedimentos. Por outro lado, os icebergs quese desprendem dos glaciares conseguem transportarmateriais (designadamente seixos e calhaus, geralmenteestriados) até latitudes relativamente baixas. Esseselementos litogénicos (finos e grosseiros) vão sendolibertados à medida que o iceberg se vai fundindo,depositando-se nos fundos oceânicos, por vezes a grandesprofundidades, em regiões caracterizadas por sedimentaçãomuito fina. Consequentemente, o transporte por icebergs éum processo de distribuição e de fornecimento desedimentos terrígenos pelas bacias oceânicas(principalmente nas altas a médias latitudes) bastante eficaz.

No passado recente da Terra houve fases em que em queeste tipo de fornecimento foi muito abundante, conduzindoà formação de níveis enriquecidos neste tipo de partículas,designados por níveis de Heinrich.

O principal fornecedor de gelo glacial (icebergs) para ooceano é a Antárctica, que tem um comprimento total delitoral glaciado superior a 30 000km. Estima-se queanualmente sejam aí produzidos cerca de 220 000 icebergs,correspondente a um volume total médio de cerca de 18000km3. Vários destes icebergs sobrevivem no oceano, indosendo fundidos e largando a carga sólida para o fundo,durante mais de 12 anos.

A Groenlândia, em que muitos glaciares se deslocam 20 a30m por dia, produz anualmente entre 10 000 a 50 000icebergs, sendo responsável por cerca de 90% do total deicebergs do hemisfério norte. Estes icebergs deslocam-separa sul, chegando a viajar 2500 ou 3000km e, nalgunsanos, 5000km, atingindo a latitude de 30ºN.

VIII.2.2.4. Vulcanismo

Outro processo importante de fornecimento de partículaslitogénicas ao meio oceânico é o vulcanismo. É responsávelpela ejecção de grandes quantidades de materiais

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directamente para a atmosfera, sendo muitos destestransportados eolicamente e distribuídos por vastas regiões,chegando mesmo, quando atingem a alta atmosfera, a serespalhados por toda a Terra.

Em média, estima-se que este contributo em partículaslitoclásticas atinja 0,15 biliões de toneladas anualmente,embora a variabilidade interanual seja muito elevada. Ovulcanismo abastece o oceano com partículas litogénicas dediferentes modos:

a) as acumulações de materiais lávicos e depiroclastos que atingem a zona litoral acabam por sererodidos pelos processos marinhos, sendoredistribuídos no meio oceânico;

b) se o vulcão não está longe do litoral, grandesquantidades de tephra (conjunto dos materiaispiroclásticos ejectados pelo vulcão, designadamenteblocos, bombas vulcânicas, lapilli e cinzas) caiemdirectamente no meio marinho;

c) alguma da componente mais fina dos lapilli(partículas piroclásticas entre 64mm e 2mm) e muitascinzas vulcânicas (partículas menores que 2mm) sãotransportadas eolicamente, acabando muitas destaspartículas por cair no oceano;

d) cinzas vulcânicas finas e poeiras vulcânicas sãofrequentemente ejectadas para a alta atmosfera,acabando por ser distribuídas por todo o globo,acabando, grande parte, por cair no mar.

A quantidade de materiais que atinge a alta atmosfera é,nalguns casos, muito grande. Como o diâmetro médiodestas partículas é, tipicamente, 0,5m, e como oscomprimentos de onda do espectro da luz visível variamentre 0,3m e 0,8m, as cinzas vulcânicas tendem a absorver edifractar a radiação solar incidente. Os tephra emitidos paraa estratosfera por uma grande erupção demoram vários diasaté dar a volta à Terra. Cerce de 6 meses após a emissãoinicial, produzem um véu global sobre o planeta.Consequentemente, as erupções vulcânicas em que grandesquantidades de cinzas são ejectadas para a estratosferapodem induzir alterações climáticas de curto períodoimportantes.

Quando, em 1816, se verificou a erupção do MonteTambora, na Indonésia, as cinzas vulcânicas introduzidas naalta atmosfera provocaram uma redução na penetração daluz solar de tal modo intensa que se estima que atemperatura média da atmosfera mundial tenha descidomais de 1ºC, não tendo recuperado totalmente nos dois anosseguintes. O impacto climático foi tal que 1816 ficouconhecido na Europa e na América do Norte como o “anosem Verão”, visto que em várias regiões caracterizadas portemperaturas estivais moderadas a elevadas chegou mesmoa nevar em pleno Julho. Como é evidente, essas cinzas,mais tarde ou mais cedo, voltaram a cair na superfícieterrestre e, muitas delas, em meio oceânico.

Casos semelhantes não são raros. As erupções vulcânicas doJapão e da Islândia, em 1783, parecem ter provocado um

arrefecimento de 1,3ºC, apenas se tendo voltado aos valores“normais” de temperatura uma ou duas décadas mais tarde.Também a erupção do Krakatoa, em 1883, parece terprovocado ligeira redução da temperatura atmosférica nasduas décadas seguintes.

Fig. 84 - Imagem da erupção de 1957/58 do vulcão dosCapelinhos, nos Açores. Extraído de Forjaz (1997).

Estas partículas vão sedimentando através da atmosfera deacordo com as suas dimensões e densidades. Em geral, amaior parte das cinzas deposita-se após um ou dois anos emsuspensão na atmosfera. No entanto, estima-se que sejanecessário decorrer uma década ou mais para que todas ascinzas emitidas para a estratosfera por uma erupção sejamdepositadas. Como é evidente, a deposição destas partículasé ubíqua, depositando-se a maior parte em domíniooceânico.

As grandes erupções conduzem, por vezes, no fundo dosoceanos, a níveis sedimentares bastante enriquecidos emcinzas vulcânicas. Constituem, consequentemente,elementos de datação valiosos.

VIII.2.2.5. Movimentos de Massa

Os movimentos de massa que ocorrem nas vertentescosteiras podem deslocar para meio marinho grandesquantidades de materiais terrígenos. Estes materiais podemser transferidos do continente emerso para o domíniooceânico costeiro por diferentes tipos de movimentos demassa, designadamente por queda de blocos nas arribas, pordeslizamentos de terras que terminam no mar, por fluxosgranulares, como os movimentos de terras (earthflows) e as

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avalanches, e por fluxos aquosos, como os fluxosdetríticos (debris flows) e os fluxos de lama (mudflows).

Existem múltiplos casos que exemplificam como estesprocessos de fornecimento de terrígenos para o oceanopodem ser localmente muito intensos.

Fig. 85 - Vista aérea do litoral de Vargas, na Vanezuela, ondesão visíveis as cicatrizes de abundantes fluxos de detritos, ossedimentos recentemente acumulados nos vales, vários deltasrecém-constituídos e intensas plumas túrbidas no mar dasCaraíbas.

Na parte norte da Venezuela, durante as primeiras duassemanas de Dezembro de 1999, ocorreu precipitaçãoextremamente elevada (considerada como a maior dosúltimos 100 anos), na sequência do que ocorreram grandescheias súbitas e numerosos movimentos de massa de todosos tipos (que provocaram dezenas de milhares de mortos edesaparecidos e prejuízos de biliões de dólares). Grandeparte dos materiais mobilizados foram directamenteexportados para o mar, ou deram origem a acumulaçõeslitorais que a erosão costeira remobilizará mais tarde oumais cedo, ou ficaram acumulados nos vales, de onde serãoremobilizados para o mar.

Fig. 86 - Panorâmica de Lituya Bay, no Alaska, após aocorrência do grande deslizamento de 9 de Julho de 1958, queterminou na baía, provocando um tsunami de grande altura. Aárea de cedência da vertente localiza-se na parte superiordireita da fotografia. (Origem: Lander e Lockridge).

Outro exemplo interessante foi o que ocorreu em LituyaBay, no Alaska, em 9 de Julho de 1958. Na sequência deum sismo, verificou-se a cedência de uma das vertentes dabaía, provocando um grande deslizamento que terminou nomeio aquático. O volume de materiais que subitamente foiintroduzido na baía foi tal que gerou um tsunami local, quefez com que a água chegasse à cota de 525 m na vertenteoposta. Este tsunami é considerado o maior de que hánotícia. A quantidade de materiais terrígenos quesubitamente foi introduzido no meio marinho foi muitogrande. Os materiais mobilizados pelos movimentos demassa que terminam em meio marinho são redistribuídosregionalmente pelos processos costeiros.

VIII.2.2.6. Erosão Costeira

A erosão costeira é outro processo de fornecimento deterrígenos para o meio oceânico. Em termos globais,estima-se que, em média, a erosão costeira seja responsávelpor cerca de 1,2% dos materiais deste tipo que anualmentechegam ao mar. Devem considerar-se 3 casos distintos aseguir referenciados.

A erosão de afloramentos rochosos costeiros e de arribastalhadas em rochas consolidadas é responsável pelaprodução de pequeno volume sedimentar. Quando as rochaserodidas são eruptivas ou metamórficas, os sedimentosresultantes podem ter grande quantidade de minerais menoscomuns (granada, zircão, olivina, estaurolite, etc. etc.). Osgrãos de quartzo resultantes desta erosão são geralmenteangulosos e sem (ou com poucas) marcas de transporte. Poressas razões, as partículas assim produzidas podem servir debons identificadores da origem dos sedimentos marinhos ede traçadores eficazes da dinâmica sedimentar. Se as rochaserodidas são sedimentares, como estas têm geralmenteelevada maturidade sedimentar, o processo fornece,essencialmente, materiais quartzosos (em geral com índicede rolamento elevado). Se as rochas sedimentares são dotipo carbonatado, a erosão costeira produz poucas partículas(devido à dissolução do material) e a maior parte destas érapidamente dissolvida.

Em Portugal, verifica-se que vários troços costeiros estãosujeitos a estes tipos de erosão costeira. Por exemplo, nolitoral do Minho, há grandes extensões de rochasmetamórficas (muitas com elevado grau de metamorfismo)e eruptivas que estão a ser erodidas. Na costa vicentina e dosudoeste alentejano as arribas estão talhadas,essencialmente, em rochas xisto-grauváquicas, de baixograu de metamorfismo, sendo a produção sedimentarpequena e constituída em geral por partículas finas. Nolitoral do barlavento algarvio dominam as rochascarbonatadas sendo poucos, consequentemente, ossedimentos produzidos.

A erosão de arribas talhadas em rochas pouco consolidadasé responsável, em comparação com o caso anterior, pelaprodução de grande volume sedimentar. Como é evidente, aquantidade e qualidade das partículas fornecidas pela erosãocosteira ao meio marinho depende das características

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granulométricas e composicionais das formações em queestão talhadas as arribas.

Em Portugal, alguns troços costeiros são caracterizados porarribas talhadas em rochas pouco consolidadas, como são oscasos do litoral a sul de Pinheiro da Cruz (entre Tróia eSines) e do troço entre Olhos de Água e o Garrão (ou seja, aocidente e a oriente de Quarteira).

A erosão de depósitos sedimentares costeiros recentes (istoé, constituídos nos últimos milhares de anos) pode produzirgrandes volumes sedimentares. Estes depósitos são, emgeral, arenosos e quártzicos. Com frequência, devido aorecuo da linha de costa, os depósitos erodidos são corposdunares.

Em Portugal , vários troços costeiros estão sujeitos a estetipo de erosão costeira. É, na generalidade, o caso doslitorais da Ria Formosa, e entre Espinho e Figueira da Foz.Este, que constituía um troço costeiro bem definido, estáactualmente dividido artificialmente em dois devido àconstrução dos molhes da barra de Aveiro. Na parte nortede cada um destes troços costeiros (Espinho – Aveiro eAveiro – Cabo Mondego), onde a resultante anual da derivalitoral é de norte para sul, verifica-se grande recuo da linhade costa, ou seja, grande erosão. No entanto, à medida quese progride para sul, esse recuo vai sendo progressivamentemenor até praticamente deixar de haver recuo da linha decosta. Tal significa que os produtos da erosão costeira vãosendo transportados para sul, amortecendo-a. Como o déficesedimentar nesta região é da ordem de 1 a 2 milhões de m3,o facto de praticamente não haver erosão costeira na partemeridional destes troços implica que a erosão costeiraproduz essa quantidade sedimentar na parte meridional.

VIII.2.3. Tipos principais de partículas

As partículas terrígenas que chegam ao oceano provêm dafragmentação e erosão das rochas. A variabilidadecomposicional e mineralógica das rochas que afloram àsuperfície da Terra é muita grande, agrupando-se em rochasígneas (granitos, dioritos, gabros, andesitos, riolitos,basaltos, etc.), metamórficas (gnaisses, xistos, grauvaques,quartzitos, anfibolitos, etc.) e sedimentares (arenitos,calcários, conglomerados, etc.). Consequentemente, avariabilidade mineralógica e granulométrica das partículasterrígenas que são fornecidas ao meio marinho éextremamente elevada. Porém, como muitos dos minerais sealteram ou se desgastam rapidamente, os tipos de partículasmais frequentes nos sedimentos marinhos são relativamentepoucos.

VIII.2.3.1. Grãos poliminerálicos

São grãos constituídos por vários minerais. Normalmente épossível identificar a rocha que lhes deu origem. Ocorremcom maior incidência nas fracções grosseira e muitogrosseira (isto é, areias, principalmente nas fracçõesdimensométricas entre 1φ e –1φ, cascalhos, seixos, etc.) dossedimentos.

Como, muitas vezes, é possível identificar a rocha mãe,constituem frequentemente indicadores preciosos deorigem, permitindo reconhecer aspectos vários da dinâmicasedimentar.

Em 1988, H. Heinrich publicou um artigo em que relatavater encontrado, em testemunhos de sedimentos (cores oucarottes) colhidos nas montanhas submarinas de Dreizack,no Atlântico nordeste, curiosos níveis sedimentares em queexistiam grãos provenientes de rochas do Canadá. Com baseneste facto, o autor deduziu que tais elementos tinham sidoincorporados em glaciares e posteriormente transportadosem icebergs pelo Atlântico, indo-se depositando nos fundosoceânicos à medida que esses icebergs se iam fundindo.Esses níveis ficaram conhecidos, desde então, peladesignação de “Níveis de Heinrich”, e os períodos delibertação maciça de icebergs pelo nome de “Períodos deHeinrich”.

No início de 1982, no decurso do cruzeiro científico Seagal(chefe de missão, J. C. Sibuet), colheram-se váriostestemunhos de sedimentos no topo e no flanco ocidental daMontanha Submarina da Galiza. A análise dessestestemunhos revelou que, integrados nas vasas argilosas eoozes de foraminíferos que dominavam a colunasedimentar, ocorriam, muito esporadicamente, grãospoliminerálicos de grão fino, com dimensões que chegavama atingir mais de 1cm, por vezes com estrias. Dois dos cincoelementos recolhidos foram analisados petrograficamente(por L. Ribeiro), chegando-se à conclusão que as rochas deonde provieram ocorrem na Irlanda. A explicação para estasocorrências é a de que tais elementos foram transportadospara o local por icebergs, o que é consubstanciado pelasestrias observadas que indicam acção glaciária, tendo aísido depositados devido a fusão dos icebergs (A.Dias, nãopublicado).

A variedade de grãos poliminerálicos que se encontram nossedimentos marinhos é muito grande. É frequente, nalgumasregiões, principalmente em domínio de plataformacontinental, encontrar fragmentos de calcário, de xisto, degrauvaque e de outras rochas microgranulares. No entanto,a subsistência destes fragmentos nos sedimentos marinhos érelativamente curta pois que têm elevada susceptibilidade àalteração, à dissolução e ao desgaste.

Por vezes encontram-se nos sedimentos da plataformacontinental fragmentos areníticos com cimento carbonatado,que têm especial significado genético e paleo-ambiental.São os fragmentos de arenitos de praia (beach-rock) ou deduna consolidada. A ocorrência deste tipo de grãosareníticos é relativamente frequente na plataformaportuguesa.

Alguns elementos microgranulares, por vezes incluídosnesta classe, não têm origem no continente emerso e têmsignificado genético especial. São agregados de partículasde dimensões silto-argilosas, não raro incluindo fragmentosbiogénicos, como partes de carapaças de foraminíferos.Normalmente fazem alguma efervescência com ácidoclorídrico, perante o qual, normalmente, se desagregam. Sãoos pelóides, provavelmente com origem fecal.

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VIII.1.1.2. Quartzo

O quartzo existe praticamente em todas as rochas ígneas ena maior parte das rochas metamórficas, em quantidadesque vão de vestigial a cerca de 40%. Devido aos fenómenosde alteração química e ao desgaste, verifica-se quenormalmente as rochas sedimentares têm frequênciasbastante maiores de quartzo, cuja percentagem pode atingirpraticamente 100% nos quartzitos.

Efectivamente, os processos sedimentares conduzem àconcentração do quartzo, a qual se processa pordesaparecimento da maior parte dos outros minerais. Nessesprocessos de transporte sedimentar verifica-se,simultaneamente, diminuição da granulometria do quartzo.Este ocorre nas rochas ígneas maioritariamente comdimensões entre 1φ (0,5mm) e –1φ (2mm), enquanto nasrochas sedimentares as maiores ocorrências se verificam nasdimensões superiores a 4φ (inferiores a 62m).

Embora se encontrem, nos sedimentos marinhos, variedadesde quartzo colorido (róseo, citrino,etc.), a maioria é hialinoou leitoso.

Devido à sua ubiquidade nos sedimentos, que advém da suaabundância, da sua dureza e da sua estabilidademineralógica, o quartzo é o mineral de referência paravários tipos de análises, designadamente no que se refere aorolamento e à morfoscopia.

Com frequência, nos depósitos sedimentares da plataforma,verifica-se ocorrência de grãos de quartzo patinados, ouseja, com pátinas de diferentes cores. Parece existirconsenso em que a existência e cor das pátinas sãoessencialmente controladas pelas características químicasdo meio, e que a composição mineralógica e a quantidadede matéria orgânica do sedimento constituem factoresdeterminantes no desenvolvimento dessas pátinas. Noentanto, existe controvérsia no que se refere à determinaçãodas condições ambientais sob as quais se desenvolvem asdiferentes pátinas.

Em geral, as pátinas com cores quentes (cor de laranja aencarnado) são normalmente atribuídas à presença deóxidos de ferro férrico, e a sua génese é conotada comambientes oxidantes. As pátinas com cores mais frias(cinzento a verde) são muitas vezes atribuídas à presença deferro ferroso, estando a sua génese ligada a meios redutores.A durabilidade das pátinas em ambientes diferentesdaqueles em que se originaram e a sua resistência à abrasãonão está bem determinada.

A pigmentação alaranjada ou avermelhada tem sido objectode várias discussões na bibliografia científica,principalmente em relação com a génese das formaçõesavermelhadas continentais. A coloração é geralmenteatribuída à presença de hematite.

Os factores principais na constituição da pigmentação porhematite parecem ser:

• presença de minerais com ferro;

• condições pós-deposicionais que favoreçam a alteraçãodestes minerais;

• condições de Eh-Ph do ambiente intersticial quefavoreçam a formação de óxidos férricos;

• ausência de condições redutoras posteriores;• tempo suficiente para a alteração dos minerais com

ferro, formação de limonite e subsequente conversãoem hematite;

• possivelmente, temperaturas elevadas (> 35ºC).

As condições de formação das pátinas de ferro oxidadopodem verificar-se em vários ambientes, entre os quais osdesertos, as praias e os campos dunares.

Os grãos de quartzo afectados por pátinas esverdeadas sãorelativamente raros e parecem ocorrer principalmente naplataforma externa. A principal hipótese genética para odesenvolvimento destas pigmentações é a que a seguir seesquematiza. Num primeiro período de abaixamento donível do mar, depósitos litorais localizados na actualplataforma externa teriam sido sujeitos a exposição sub-aérea e até, talvez, adquirido pátina alaranjada; A posteriorelevação do nível do mar teriam submergido estesdepósitos, os quais foram parcialmente cobertos pormateriais mais modernos, desenvolvendo-se condiçõesredutoras abaixo da interface sedimento – água. Emconsequência, as pátinas alaranjadas e avermelhadas teriamsido reduzidas, tomando coloração verde. É possível que,nestas condições, mesmo algum do quartzo sem pátinaspossa ter, também, adquirido pátina verde. Todavia, aorigem desta pátina em antigos sistemas estuarinos oulagunares é também aceitável.

VIII.1.1.3. Feldspatos

Os feldspatos são minerais muito comuns e essenciais demuitas rochas ígneas e metamórficas. No entanto, raramenteocorrem como minerais essenciais em rochas sedimentares.Estima-se que constituam apenas 10 a 15% das partículasterrígenas dos sedimentos modernos. Nos sedimentosmarinhos essa percentagem é bastante menor. Muitas vezesnão é fácil distinguir à lupa alguns tipos de quartzo dofeldspato. Existem técnicas de coloração que permitemefectuar essa distinção, bem como diferençar os feldpatospotássicos das plagioclases.

As baixas frequências de feldspato nos sedimentosmarinhos deve-se à relativa facilidade com que se alteram edesgastam. Precisamente por essa razão são bonsindicadores da maturidade sedimento. São, também,frequentemente utilizados para estudos de proveniênciasedimentar.

VIII.1.1.4. Micas

As micas (moscovite, biotite, lepidolite, …), principalmenteas duas primeiras, são minerais frequentes nas rochas ígnease metamórficas. Devido ao seu hábito lamelar, à sua baixadureza e relativamente baixa estabilidade, ocorremgeralmente com percentagens relativamente pequenas nafracção arenosa das rochas sedimentares.

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As palhetas de mica são equivalentes hidráulicos departículas esféricas de quartzo com dimensões 4 a 12 vezesmenores. Assim, a mica fina e muito fina da areia (2f a 4f) éequivalente hidráulico do silte.

Consequentemente, devido às suas características físico-químicas, ao hábito em que ocorre, e à sua presençapraticamente constante (ainda que normalmente empequenas quantidades) nos sedimentos recentes, a micapode ser utilizada como indicador expedito e eficaz dadinâmica sedimentar.

Na plataforma SE dos Estados Unidos da América apercentagem máxima de mica na areia é da ordem de0,25%. No entanto, na plataforma portuguesa, o valormédio (1,6%) é bastante superior a esse, registando-sevalores máximos superiores a 35%. Estes valoresaproximam-se dos observados em plataformas localizadasna dependência de grandes rios sujeitos a cheias, como oNíger e o Nilo, o que atesta a importância de alguns riospeninsulares (como o Minho, o Douro e o Tejo) noabastecimento sedimentar à plataforma.

VIII.1.1.5. Minerais Pesados

As rochas ígneas e várias rochas metamórficas têm, comominerais essenciais ou acessórios, minerais pesados (comoandaluzite, granada, turmalina, anfíbola, zircão, estaurolite,ilmenite, magnetite, apatite, distena, rútilo, silimanite,piroxena e olivina).

A percentagem destes minerais nas rochas sedimentares é,em geral, muito pequena (0,1% a 5%), sendo normalmenteainda menor nos sedimentos marinhos.

Fig. 87 - Fotografia, tirada ao microscópio óptico, de 3 grãosde rútilo detrítico.

Têm hábitos, durezas e estabilidades químicasdiversificadas (dependendo das características de cadamineral), pelo que são indicadores de proveniência etraçadores da dinâmica sedimentar muito bons.

Existem minerais pesados transparentes e opacos. Aidentificação dos minerais pesados exige técnicas epreparação especiais, pelo que normalmente o seu estudo éefectuado por pessoal devidamente especializado.

Na plataforma setentrional portuguesa a percentagemponderal média de minerais pesados na fracção fina da areia

(2f a 3f) é de 0,25%, sendo o máximo detectado de 3,5%.Na fracção muito fina (3f a 4f) o valor médio é 0,53% e omáximo é 8,3%.

VIII.1.1.6. Argilas

Os minerais das argilas (como a ilite, a clorite, a caolinite, amontmorilonite e os interestratificados) são extremamentefrequentes nos sedimentos, na fracção granulométricaargilosa (>4m, ou seja < 8f). Estes minerais resultam daalteração de minerais silicatados, como os feldspatos e ossilicatos ferromagnesianos, mas podem ser, também,autigénicas.

Em termos muito esquemáticos pode dizer-se que a iliteprovém da meteorização física e química das rochas,principalmente nas médias latitudes, a clorite resulta dameteorização física a latitudes elevadas, a caolinite éformada através da meteorização química nas baixaslatitudes, e a montmorilonite provém da meteorizaçãoquímica oceânica.

Fig. 88 - Fotografia tirada com microscópio electrónico decaolinite.

A maior parte das argilas sofre modificações de acordo como meio em que se integram. Quando introduzidas no meiomarinho, algumas sofrem modificações importantes. Assim,embora se incluam na classe das partículas terrígenas,devem ser analisadas de forma especial.

O estudo das argilas exige técnicas especiais (difracção deraios X, análise termoponderal, etc.). podem ser indicadoresde proveniência, paleoambientais e da dinâmica sedimentarmuito eficazes.

VIII.1.1.7. Piroclastos

É frequente encontrarem-se nos sedimentos marinhospartículas derivadas da actividade vulcânica piroclástica. Ospiroclastos podem chegar às bacias oceânicas e integrar ossedimentos marinhos de várias formas:

1) como tephra grosseiro, isto é, blocos (elementosangulosos com mais de 64mm ejectadas pelo vulcãono estado sólido), e bombas vulcânicas (também commais de 64mm de diâmetros mas ejectadas no estadolíquido e solidificados durante o trajecto na atmosferae que, devido a este processo, adquirem forma

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fusiforme característica), e como tephra médio, ouseja, lapilli (partículas piroclásticas com diâmetrosentre 2 e 64mm), e que caiem nas imediações dovulcão, o que significa que, em muitos casos,fornecem directamente os sedimentos marinhos;

2) como suspensões atmosféricas (de baixa altitude)constituídas por cinzas vulcânicas (partículas commenos de 2mm de diâmetro) e, mais raramente, porlapilli, que se dispersam devido à actuação do ventopor vezes até centenas de quilómetros do local ondeforam geradas;

3) como suspensões estratosféricas (de alta altitude)constituídas por cinzas vulcânicas e aerossóis, que sedispersam por todo o globo;

4) como movimentos de massa que, devido à acçãoda gravidade, transferem os materiais vulcânicosacumulados próximo do vulcão para zonas maisbaixas, designadamente para domínio marinho; osmovimentos deste tipo com mais relevância são osfluxos detríticos (debris flows), em que a componenteaquosa é menor e em que a percentagem de materiaisgrosseiros (areias e cascalhos) é elevada, emborafrequentemente tenham também muitos materiais finos(siltes e argilas), e que chegam a .atingir velocidadesda ordem de 100 m/h, e os fluxos de lama (mudflows),que no caso de materiais vulcânicos adquirem adesignação de lahars, que integram maior quantidadede água e, consequentemente, são bastante maisfluidos.

Os tephra emitidos pelas grandes erupções vulcânicaspodem constituir níveis de referência, nos sedimentosmarinhos, em vastas regiões. É o que se verifica noMediterrâneo oriental, onde duas das erupções do Santorini,na Grécia, uma há 25 000 anos e outra cerca de 1450 antesda nossa era, geraram grandes quantidades de tephra que seespalharam por poda a região, e que actualmente sãodetectados nos testemunhos sedimentares (cores oucarottes) colhidos no fundo do mar, e que são utilizadoscomo elementos de datação.

VIII.1.4. Transferência para Domínio Profundo

As partículas terrígenas arenosas e, mesmo, cascalhentas,são, em geral, extremamente abundantes nas plataformascontinentais. Tendencialmente, a plataforma interna temcarácter bastante mais terrígeno do que a externa, tendoesta, com frequência, carácter carbonatado. Em geral, taldeve-se, principalmente, a dois factores principais: a) aspartículas grosseiras tendem a depositar-se mais próximo daorigem (estuários, na maior parte dos casos); b) naplataforma externa, as partículas terrígenas são mais"diluídas" por partículas bioclásticas.

Através de processos variados, em que as variações do nívelmédio do mar têm grande importância, a maior parte destaspartículas acaba por transpor o bordo da plataforma eacumular-se na vertente e na rampa continentais.

As partículas terrígenas são transportadas para o domínioprofundo das bacias oceânicas principalmente através dosseguintes processos:

• Exportação directa em suspensão, com origem nosestuários. A amplitude de tais transferências dependeda largura da plataforma continental, dos caudaisfluviais, do clima de agitação marítima e do tipo demarés. As plataformas estreitas e muito energéticas sãomais propícias a estas transferências (pois ossedimentos finos são mantidos em suspensão), do queas plataformas largas e de baixa energia. Por via deregra, são apenas os sedimentos finos, principalmenteda classe granulométrica das argilas, que conseguemser transportados directamente em suspensão para maraberto, isto é, onde o oceano é profundo.

• Transferência a partir da plataforma continental,durante temporais e/ou episódios de downwelling.

• Correntes turbidíticas originadas na vertentecontinental (ou nos canhões submarinos). Nas planíciesabissais depositam-se essencialmente os termossuperiores das sequências de Bouma, isto é, aspartículas mais finas.

• Transporte eólico. Em geral, apenas as partículas desilte e, principalmente, de argila conseguem sertransportadas pelo vento directamente para mar aberto.As argilas são transportadas, muitas vezes, desta forma,até milhares de quilómetros da área emersa de ondeforam remobilizadas.

• Erupções vulcânicas que fornecem directamente aooceano circundante grande quantidade de partículas, eque, por vezes, ejectam as cinzas para a alta atmosfera,de onde acabam por ser dispersas mais ou menos portodo o planeta.

• Icebergs

• Movimentos de massa submarinos

De todos os materiais que são transportados do continenteemerso para o domínio marinho apenas uma pequena parte(cerca de 7,7%) é transferido para o domínio pelágico dasbacias oceânicas. Os restantes 92,3% depositam-se namargem continental.

VIII.1.5. As Argilas Pelágicas

As argilas pelágicas, frequentemente designadas tambémpor "argilas vermelhas" ou "argilas castanhas", são comunsabaixo dos 4000m de profundidade Estes sedimentos sãoprincipalmente de origem terrígena, sendo essencialmenteconstituídos por argilas (clorite, ilite, caolinite emontmorilonite). Nestes sedimentos existem componentesmenores variados, designadamente quartzo, cinzasvulcânicas e micrometeoritos. A componente biogénica éinferior a 30% do sedimento total.

As regiões oceânicas caracterizadas por estas argilasvermelhas localizam-se na parte central das bacias, longe

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das áreas emersas, abaixo da profundidade de compensaçãoda calcite, e em zonas onde a produtividade em organismossiliciosos não é grande. Consequentemente, a quantidade departículas que chega ao fundo é muito pequena. As taxas deacumulação são extremamente reduzidas, da ordem de1mm/milénio.

Os minerais das argilas (e os outros terrígenos aí presentes)chegam a estas regiões devido às correntes que astransportam em suspensão, e ao transporte eólico (tanto debaixa, como de alta altitude).

As "argilas vermelhas" das zonas tropicais são mais ricasem caolinite, enquanto que as das regiões polares sãoenriquecidas em clorite. A montmorilonite provém daalteração de materiais vulcânicos. As tonalidadesavermelhada ou acastanhada destes sedimentos é-lhesimpresso pela presença de hematite.

VIII.1.6. As Partículas Vulcânicas

As partículas vulcânicas são relativamente frequentes nossedimentos oceânicos. Nas proximidades dos arcosvulcânicos e de muitas fossas abissais os sedimentos são,muitas vezes, constituídos quase inteiramente por cinzasvulcânicas. Estes sedimentos depositam-se, normalmente,como turbiditos.

Muitas das partículas vulcânicas provêm de erupções queejectam cinzas até mais de 5000m de altitude, sendodispersas pela atmosfera, acabando por cair um pouco portoda a superfície terrestre. As que caiem nas baciasoceânicas vão integrar os sedimentos pelágicos. As quecaiem nas calotes glaciárias são integradas nos gelos, indo,mais tarde ou mais cedo, para o oceano, sendo transportadaspelos icebergs até latitudes da ordem de 45º (ouocasionalmente menos), entrando em processo desedimentação oceânica quando estes fundem, pelo queacabam também por ir integrar os sedimentos pelágicos.

VIII.1.7. A Influência Antrópica

O Homem instituiu-se, actualmente, como um dos agentesmais importantes em todas as fases dos processossedimentares. Com o crescimento demográfico, a expansãoda indústria, da agricultura e dos transportes, e odesenvolvimento do potencial tecnológico e interventivo doHomem, essa influência antrópica na dinâmica sedimentarcontinuará a ampliar-se no futuro. Como é óbvio, osprocessos oceanográficos, designadamente os de índolegeológica, estão actualmente bastante afectados pelasactividades humanas. Para aquilatar da importância destainfluência basta referir que a quantidade de lixosdepositados no mar, só no que se refere à cidade de NewYork, é de cerca de 28 milhões de toneladas por ano.

A influência aludida, no que se refere aos processossedimentológicos, inicia-se logo na meteorização dasrochas. A alteração das características físico-químicas daatmosfera devido às emissões urbanas e industriais,conjuntamente com as chuvas ácidas por elas provocadas,facilita a meteorização das rochas. Também no que se refere

à erosão dos solos, esta foi fortemente amplificada devido,entre outros, às desflorestações e à agricultura. Nalgumasregiões, a erosão dos solos (que conduz à desertificação) émuito preocupante.

A maior parte das partículas assim erodidas acaba por serdrenada pelo sistema fluvial. No entanto, também o regimenatural destes está antropicamente alterado por conjuntovasto de intervenções, de que a impermeabilização de vastasáreas (que impede a infiltração das águas pluviais e aumentaa escorrência superficial) e as desmatações (que diminuem aevapo-transpiração) são exemplos.

Todavia, estes factores nem sempre se traduzem numaampliação do abastecimento sedimentar ao oceano. Emmuitas bacias hidrográficas construíram-se grandes epequenas barragens, por vezes constituindo enormes“cascatas” com várias dezenas de estruturas deste tipo.Como as barragens interrompem o trânsito fluvial de areiase cascalhos, modificam o transporte dos finos, e alteram oregime hídrico dos rios, os sedimentos que conseguempassar estes “filtros” (em quantidade muito inferior à quetransitava naturalmente) estão profundamente modificados.

Devido a estas modificações hidro e sedimentodinâmicas ofuncionamento dos estuários foi também, como é óbvio,alterado. Como as zonas estuarinas estão sujeitas a fortepressão antrópica (grandes núcleos urbanos, indústrias,actividades portuárias, navegação, turismo, pescas eaquacultura, etc.), cujas consequências nos estuários sãoevidentes, fácil é deduzir que a amplitude das alteraçõesinduzidas pelo Homem são muito grandes.

Como os sistemas litorais e marinhos são dependentes dossistemas estuarinos, também a dinâmica sedimentar dolitoral e da plataforma foram alteradas. Estas alteraçõespropagam-se em cadeia até ao domínio pelágico.

Considerando adicionalmente a modificação climáticaglobal (global change), designadamente a elevação do nívelmédio do mar, facilmente se conclui que os sistemasmarinhos estão, actualmente, muito influenciados pelasactividades antrópicas.

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VIII.3. Partículas Biogénicas

Consistem, essencialmente, em fragmentos de exo eendoesqueletos de organismos marinhos. A composição damaior parte destas partículas é carbonatada, embora emdeterminadas regiões predomine a composição siliciosa.

A formação de material biogénico no meio oceânico estáquase totalmente dependente dos materiais que seencontram, sob forma dissolvida, na água, os quais provêmessencialmente das regiões continentais emersas. Tal nãosignifica obrigatoriamente que os sectores marinhosadjacentes às regiões continentais onde o fornecimentodesses materiais é maior sejam os que apresentam maiorprodutividade. A transformação dos elementos oucompostos químicos em protoplasma e em (endo ou exo)esqueletos está, também, dependente de outras condiçõesambientais (luz, temperatura, etc.).

A maior parte das partículas biogénicas presentes nossedimentos marinhos provém de organismos planctónicos,os quais povoam a parte superficial do oceano, que épenetrada pela luz solar e onde se pode processar afotossíntese. No domínio pelágico a biomassa deorganismos bentónicos é muito pequena e, normalmente,estas biocenoses estão directa ou indirectamentedependentes dos materiais que chegam ao fundo,provenientes da actividade planctónica.

Na base da cadeia trófica está, normalmente, o fitoplancton,cuja distribuição oceânica depende, entre outros factores, dofornecimento de nutrientes e da luz. Como nas latitudesmais elevadas a radiação incidente é menor (existindodesignadamente períodos longos de crepúsculo e de noite –a noite polar), a produtividade é bastante mais pequena doque a que existe nas latitudes mais baixas, onde o grandefactor limitativo é a disponibilidade em nutrientes. Comonestas áreas existem também outros factores restritivos, atemperatura e a cobertura de gelo, constituem-se vastasregiões biologicamente quase desérticas.

Nas regiões áridas a produtividade é, também, geralmentepequena. Aqui, o factor limitativo é a evaporação que dáorigem a um nível haloclínico que separa as águasprofundas das superficiais onde se pode processar afotossíntese.

Um dos grandes processos de fornecimento em nutrientes àparte superficial do oceano é o upwelling. Nas áreas deupwelling verifica-se grande produtividade fitoplanctónicae, consequentemente, de toda a cadeia trófica, pelo que ossedimentos são, em geral, bastante enriquecidos empartículas biogénicas.

A maior parte (cerca de 70%) da produtividade primáriaestá relacionada com as diatomáceas e, consequentemente,com a produção de valvas siliciosas na superfície oceânica.A distribuição dos organismos planctónicos com carapaçascarbonatadas é predeterminada pela distribuição dofitoplâncton (maioritariamente diatomáceas) pois que, namaior parte, dele se alimentam directamente. No entanto,esta relação não é directa porquanto a distribuição é tambémcondicionada por outros factores ambientais, como a

temperatura. A produtividade deste zooplâncton é cerca deuma ordem de grandeza inferior à do fitoplâncton.

Fig. 89 - Alguns organismos que constituem contribuintesmaiores em partículas biogénicas para os sedimentos marinhos.A - Diatomácea; M - Foraminífero planctónico; C -Cocolitoforídeo (a imagem mostra uma cocosfera, mas o que éfrequente nos sedimentos são os cocólitos, isto é, as placas queformam a cocosfera).

Os sedimentos carbonatados, constituídos por mais de 30%de partículas biogénicas (geralmente exo-esqueletos demicrofauna compostos por CaCO3) e normalmenteapelidados de oozes ou vasas carbonatadas, cobrem cerca demetade dos fundos oceânicos (53% do fundo do Atlântico,35% do fundo do Pacífico, e 54% do fundo do Índico).

Nas plataformas continentais, a acumulação do CaCO3 (e,consequente, a sua extracção da água do mar) éprincipalmente processada por organismos bentónicos(moluscos, foraminíferos bentónicos, briozoários,biocenoses coralinas, etc.). Pelo contrário, no domíniopelágico, como foi referido, a extracção do carbonato éefectuada essencialmente por organismos planctónicos,onde avultam os foraminíferos e os cocolitóforos.

Nos sedimentos marinhos aparecem, por vezes, fragmentosde esqueletos de vertebrados, designadamente vértebras eespinhas de peixes. No entanto, normalmente, as partículasbiogénicas carbonatadas mais comuns são provenientes deforaminíferos, de pterópodes, de cocolitoforídeos e deostracodos, e as siliciosas são de diatomáceas, deradiolários, de esponjas siliciosas e de dinoflagelados. Porvezes a abundância destas partículas nos ambientes abissaisé tal que formam oozes carbonatadas ou siliciosas.

Nos ambientes profundos a distribuição e a abundânciarelativa destas partículas (bem como o tipo de oozes queocorrem) é condicionada pela produtividade primária e pelalocalização da Profundidade de Compensação da Calcite.

VIII.3.1. Moluscos

A abundância de partículas biogénicas é muito heterogéneanos sedimentos marinhos. Na plataforma continentalocorrem, por vezes, depósitos em que a concentração defragmentos de conchas de moluscos, nas fracções arenosa ecascalhenta, é muito elevada. Na plataforma continentalportuguesa são ocasionalmente muito abundantes naplataforma média e na externa.

Estes fragmentos de conchas (ou conchas inteiras) ocorremcom estados de preservação muito variáveis, desde conchaspraticamente intocadas, com a ornamentação intacta ecamada nacarada bem evidente, até conchas ou fragmentos

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inclassificáveis em termos taxonómicos, muito roladas e/ouperfuradas, com aspecto ruiniforme.

Efectivamente, as espécies litófagas e perfurantesprovocam, com frequência, a morte destes bivalves,acabando a concha já deteriorada por ir integrar ossedimentos como partículas detríticas. Por outro lado,muitas espécies predadoras conseguem partir as conchas ealimentar-se das partes moles dos moluscos. Há mesmoalguns caranguejos e lagostas que quebram as conchas comas pinças e, para aproveitarem ao máximo as partescomestíveis, cortam os fragmentos resultantes em pedaçosdo tamanho da areia. Assim, a percentagem de clastos demoluscos num sedimento é função não só da abundânciadestes organismos, mas também, entre outros factores, dosprocessos biológicos a que tais moluscos (e seus exo-esqueletos) estão sujeitos.

Os clastos de moluscos levantam um outro problema até aomomento insolúvel: o de saber se efectivamente integravamou não o sedimento como partículas sedimentares. Aliás,este problema é comum, embora com amplitudes variáveis,aos restos de todos os organismos bentónicos. Como éevidente, um molusco que utiliza o sedimento comosubstracto, quando morre a sua concha não é obviamenteremovida, ficando nesse sedimento. Passa ao estado departícula residual. Não é, no entanto, parte integrante dosedimento pois que não é uma partícula sedimentar que foitransportada e aí depositada. Com frequência, apresentacaracterísticas hidráulicas muito diferentes das restantespartículas sedimentares do depósito. Estes casos são factorperturbador da análise dos sedimentos arenosos em termoshidrodinâmicos, pois que se é fácil retirar de uma amostra aanalisar conchas de vários milímetros ou centímetros e que,obviamente, em termos hidráulicos, não fazem parte dessesedimento, o mesmo não acontece com partículas (conchasou fragmentos) da dimensão da areia.

VIII.3.2. Foraminíferos

Os foraminíferos planctónicos são, possivelmente, osprincipais responsáveis pela transferência de CaCO3 daágua do mar para os depósitos sedimentares. Esta é uma dasformas mais eficazes de “imobilizar” o dióxido de carbono:este passa da atmosfera para as águas oceânicas e, devido àactividade dos organismos planctónicos carbonatados que ointegram nas suas carapaças, acaba por ser transferido, sobforma de carbonato, para os sedimentos do fundo, onde ficaarmazenado.

Os foraminíferos planctónicos não vivem, frequentemente,na superfície do oceano. Nas zonas tropicais, devido àintensidade luminosa, os 10 ou 20 metros superficiais dacoluna de água são deficitários em plâncton. Asprofundidades preferenciais de muitos grupos planctónicososcilam entre os 50 e os 150 metros.

As maiores concentrações de foraminíferos planctónicosencontra-se nas zonas sub-árctica e sub-antárctica. Naszonas equatoriais a quantidade destes organismos é cerca dedez vezes superior à que existe nas zonas áridas.

Fig. 90 - Distribuição de foraminíferos planctónicos nas águassuperficiais e nas águas abissais do Atlântico, no verão, expressaem quantidade de carapaças por 1000m2. Adaptado de Bé eHamlin (1962).

Os foraminíferos bentónicos existem praticamente em todoo domínio oceânico, mas a profundidades superiores a4000m a sua frequência é baixa, dominando as formasaglutinantes. As maiores quantidades de foraminíferosbentónicos com carapaça carbonatada vivem na plataformacontinental e vertente superior.

As carapaças de foraminíferos são, com frequência,extremamente abundantes nos sedimentos marinhos. Amaior parte integra-se nas fracções 2f (0,25mm) a 4f (63m).Como são indicadores ambientais muito bons, têm sidointensivamente utilizados em estudos de paleoclimatologiae paleoceanografia. Como existem espécies planctónicas ebentónicas, o seu estudo permite deduzir as condiçõesambientais quer à superfície, quer no fundo.

Para extrair ilações de índole hidrodinâmica sobre adinâmica sedimentar conectada com o sedimento énecessário ter em atenção que o comportamento hidráulicodestas partículas pode ser bastante diferente do daspartículas de quartzo. Efectivamente, as carapaças estãofrequentemente vazias, tendo velocidades de sedimentaçãomuito inferiores às de grãos de quartzo com o mesmodiâmetro de peneiração. Outras vezes, estão preenchidascom glaucónia ou outros minerais das argilas, o que lhesaumenta a velocidade de sedimentação. A própria forma éfactor que pode em muito fazer variar as velocidades desedimentação.

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Fig. 91 - Fotografia de um foraminífero vivo (Orbulinauniversa), ampliado 300x. Extraído de Thurman (1997).

Por vezes a concentração de carapaças de foraminíferos nosedimento é extremamente elevada, constituindo-seautenticas oozes de foraminíferos. Estas podem ocorrer naplataforma continental (principalmente na externa), mas sãomais frequentes em ambientes mais profundos,principalmente em áreas onde a influência continental émuito reduzida.

VIII.1.3. Cocolitoforídeos

Os cocolitoforídeos, algas castanhas biflageladas, estãoentre os maiores contribuintes de material carbonático paraos sedimentos marinhos.

Fig. 92 - Imagem de cocólitos, ampliada 10 000x commicroscópio electrónico,. Extraído de Thurman (1997).

São constituídos por pequenas peças esqueléticas, oscocólitos, com dimensões entre 5 e 10m, que no conjuntoformam um corpo esférico, a cocosfera. Após a morte doorganismo, a cocosfera começa a desintegrar-se emcocólitos, razão porque nos sedimentos raramente seencontram cocosferas. Como os cocólitos são diminutos,demoram vários meses ou, mesmo, anos, a atingir o fundodos oceanos, sendo a maior parte dissolvida neste percurso.É por isso que grande parte dos cocólitos que se encontram

nos fundos pelágicos estão integrados em pelóides fecais,porque aí ficaram mais protegidos da dissolução.

São essencialmente organismos de águas quentes, emboraexistam mesmo em águas com temperaturas de cerca de3ºC.

VIII.1.4. A Sedimentação Carbonatada

Há uma permuta constante de CO2 entre a atmosfera e ahidrosfera. Nas regiões ricas em fitoplâncton (zonashúmidas) o excesso de CO2 é libertado para a atmosfera,enquanto que nas zonas áridas o CO2 é removido daatmosfera pelas águas oceânicas. Num cômputo global, eprincipalmente devido à actividade biológica, o CO2 éremovido do oceano, sob forma de carbonatos, indo integraros sedimentos marinhos.

A zonação vertical da sedimentação pelágica carbonatadafoi observada pela primeira vez durante a expedição doChallenger. Efectivamente, solubilidade do CaCO3 aumentacom o acréscimo da pressão (e consequentemente daprofundidade) e o decréscimo da temperatura e dasalinidade.

A água oceânica fica progressivamente menos saturada emcarbonatos à medida que a profundidade aumenta. Aprofundidades de 2000 a 4000 metros a água estásubsaturada. Na parte superficial do oceano, as isolinhas desaturação estão directamente relacionadas com as condiçõeshidroquímicas e têm, em geral, traçado sinuoso, o qual sevai suavizando à medida que a profundidade aumenta.

No Atlântico, a isolinha de 100% de saturação localiza-se aprofundidades da ordem de 4000m (no Pacífico é de apenas2000m), tornando-se progressivamente menos profundapara norte e para sul,. Fora da zona de sedimentaçãocarbonatada, isto é, a norte e a sul de 60º de latitude, aisolinha de 100% de saturação em calcite atinge asuperfície.

As diferenças entre os oceanos, no que se refere àsedimentação carbonatada (e consequente dissolução daspartículas), estão relacionadas com características dacirculação. No hemisfério norte, onde os continentes tornammais complexa a circulação, estas diferenças são maiores,sendo muito pequenas no chamado oceano austral, onde asperturbações causadas na circulação pelas massascontinentais são mínimas.

Por outro lado, o confinamento das águas abissais conduz àacumulação do dióxido de carbono e à redução do pH, oque permite maior dissolução dos carbonatos, tendo comoconsequência a localização a menores profundidades daisolinha de saturação.

A profundidade em que se verifica que a quantidade decarbonatos que aí chega (devido à sedimentação) écompensada pela dissolução de igual quantidade designa-sepor Profundidade de Compensação dos Carbonatos (CCD –Carbonate Compensation Depth).

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A linha tracejada encarnada representa a profundidade decompensação do carbonato (CCD – carbonatecompensation depth). A esta profundidade a quantidade decarbonatos que se deposita é igual à que é dissolvida.Adaptado de Garrison (1999).

Fig. 93 - Acumulação do Carbonato de Cálcio no Oceano

Dá-se o nome de Profundidade Crítica dos Carbonatos àprofundidade a que o conteúdo em CaCO3 se torna inferiora 10% do que é produzido na parte superficial do oceano.Em geral, os valores máximos das profundidades críticasverificam-se em zonas de alta produtividade, nas regiõesequatoriais húmidas. Nas zonas em que tal se verifica ossedimentos do fundo correspondem a argilas pelágicas (asargilas vermelhas) ou a vazas (oozes) siliciosas deradiolários e/ou de diatomáceas.

Aplicando esta linha de ideias à composição mineralógica,definem-se, também, profundidades de compensação eprofundidades críticas da calcite e da aragonite. Em termosgenéricos, as profundidades de compensação nos diferentesoceanos são as seguintes: Atlântico – 5000 a 5500m; Índico– 4500 a 5000m; Pacífico – 4000 a 4500m.

Fig. 94 - Posição da profundidade crítica para a sedimentaçãocarbonatada no oceano mundial. Segundo Berger (1974).

Outra forma de abordar a questão é através da observaçãodos traços de dissolução das carapaças de foraminíferos oudos cocólitos. A profundidade à qual é possível observarsinais dessa dissolução designa-se por Lisoclina.

Como os cocólitos são mais resistentes à dissolução do queas carapaças de foraminíferos, normalmente considera-se alisoclina dos cocólitos e a lisoclina dos foraminíferos. Deigual modo, como as carapaças de diferentes espécies deforaminíferos reagem de forma diferente à dissolução, épossível definir diferentes lisoclinas consoante a espécieconsiderada.

Consequentemente, a dissolução do CaCO3 inicia-se nazona da lisoclina e continua forte até à CCD, de modo queos sedimentos localizados acima da lisoclina são (podem

ser) ricos em carbonatos, e os que se situam abaixo daprofundidade de compensação (e mais ainda os que estãoabaixo da profundidade crítica) praticamente não têmcarbonatos.

Fig. 95 - Saturação da água em calcite, nalguns perfismeridianos, em unidades CSF (1 CSF Calcite Saturation Factor= 100% de saturação da calcite). O tracejado vermelho indica aposição da profundidade crítica da sedimentação carbonatada.Em cima: Atlântico ocidental (a seta indica a parte central daÁgua Norte Atlântica, mais salgada). No meio: Atlânticooriental. Em baixo: ao longo do meridiano 180º. Adaptado deTakahashi (1975).

Como é evidente, estas profundidades não se localizamsempre na mesma posição. Verificam-se oscilaçõesimportantes relacionadas com vários factores,designadamente com a produção de material carbonático ecom modificações das características da circulação e daprópria água.

VIII.1.5. A Sedimentação Siliciosa

A sílica ocorre nos oceanos sob forma dissolvida, comoácido silicílico Si(OH)4, e sob forma particulada, integradanas partes esqueléticas de microorganismos. A solubilidade

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da sílica aumenta com a temperatura e com o pH. Nooceano, a extracção da sílica da água e sua conversão aoestado sólido processa-se através da actividade dosorganismos vivos (diatomáceas, radiolár ios ,silicoflagelados) e apenas na parte superficial da coluna deágua, onde á luz suficiente. Por exemplo, para asdiatomáceas, a zona activa verifica-se até aos 100 metros deprofundidade. Estima-se que, actualmente, estas sãoresponsáveis por mais de 90% da deposição de sílica nosfundos oceânicos.

Os teores de sílica dissolvida na zona superficial dosoceanos é 5 a 10 vezes maior do que o da sílica emsuspensão (isto é, nas partes esqueléticas dos organismos).Mesmo quando a produtividade é muito elevada e severificam blooms de diatomáceas, a relação aludida nãobaixa de 3 ou 4. A diferença nos teores entre as duas formasde sílica referidas aumenta bastante em profundidade.

Fig. 96 - Fotografia de uma diatomácea.

Os máximos de sílica dissolvida verificam-se nas regiõesglaciais, e o mínimo nas regiões áridas. No Pacífico, as duasprincipais

parte das frústulas de diatomáceas se depositam livrementeno fundo oceânico. A maior parte entra na cadeia alimentar,em consequência do que, frequentemente, são fracturadas.Os copépodes, por exemplo, trituram as diatomáceas emfragmentos da ordem de 15m, integrando-os nos seusprodutos fecais, os quais, por sua vez, podem ser utilizadospelo plâncton mais profundo e pelo bentos. A zona onde severifica maior fracturação das frústulas das diatomáceas é ados 100m superficiais do oceano, isto é, onde a actividadebiológica é mais intensa. Como os fragmentos maispequenos acabam por ser dissolvidos, os sedimentos dofundo ficam enriquecidos nas formas mais robustas.

VIII.1.6. Oozes

As oozes (ou vazas) são sedimentos pelágicos com mais de30% de material esquelético, principalmente exo-esqueletosde organismos planctónicos. Podem ser carbonatadas ousiliciosas.

As oozes carbonatas são constituídas por calcite ou, emboramais raramente, por aragonite. São muitos os organismosque contribuem com as suas partes duras para estes

sedimentos, mas os mais frequentes são os foraminíferos eos cocolitoforídeos.

As oozes siliciosas são constituídas por opala, sílica amorfae sílica hidratada. Os restos que compõem estes sedimentosprovêm, principalmente, de diatomáceas, de radiolários, deesponjas siliciosas e de silicoflagelados. Como a sílica sedissolve rapidamente nas águas superficiais (ao contrário docarbonato, que se dissolve rapidamente nas águasprofundas), é necessária alta produtividade em organismossiliciosos para se desenvolverem estes tipos de vazas. Poresta razão, as oozes siliciosas são indicadores mais fiáveisda produtividade primária do que as oozes carbonatadas.

As oozes cobrem mais de metade dos fundos oceânicos,principalmente a profundidades inferiores a 4500 metros,pois que a maior profundidade (abaixo da Profundidade deCompensação da Calcite) as partículas carbonatadas sedissolvem rapidamente. A distribuição das oozes é,principalmente, função de:

• Fornecimento em material biogénico, pelo que estádependente da produtividade primária das águasoceânicas superficiais. Esta produtividade é maior naszonas equatoriais e nas áreas em que existe upwellingcosteiro, e menor nas zonas centrais dos oceanos.

• Dissolução no decurso da sedimentação na coluna deágua. Abaixo da Profundidade de Compensação daCalcite, a dissolução é muito rápida.

• "Diluição" por outras partículas. Próximo doscontinentes o fornecimento de partículas terrígenas émais abundante, pelo que os sedimentos perdemrapidamente o carácter biogénico. O mesmo se verificanas adjacências de arcos vulcânicos, onde as cinzasemitidas pelos vulcões vão integrar os sedimentos,fazendo com que estes adquiram essencialmentecaracterísticas terrígenas.

A distribuição nos oceanos não é homogénea: as oozescarbonatadas são dominantes no Oceano Atlântico; noOceano Pacífico as oozes siliciosas são mais frequentes; noOceano Índico coexistem os dois tipos.

Através de processos diagenéticos, as oozes carbonatadasconvertem-se, numa primeira fase, em cré e, mais tarde, emcalcário. De forma análoga, as oozes siliciosas convertem-se em porcenalite primeiro, e depois em cherte.

VIII.1.7. A "Bomba Biológica"

Em termos de escala geológica, 99% do dióxido de carbonoque tem sido introduzido na atmosfera pela actividadevulcânica tem sido dela removido pela actividade biológicae, através da fotossíntese e da secreção de exoesqueletoscarbonatados, incorporado em sedimentos marinhos. Estaactividade biológica que transfere o carbono (do dióxido decarbono) da atmosfera para os sedimentos marinhosdesigna-se por "Bomba Biológica".

Como resultado das actividades humanas, principalmente aqueima de combustíveis fósseis, a concentração de CO2

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atmosférico aumentou, nos últimos 130 anos, cerca de 30%,atingindo valores superiores a 350ppm. Actualmente,estima-se que a concentração aumente cerca de 1,2ppm/ano,ou seja, cerca de 2,1 Gigatonetadas anualmente. Porém, asactividades antrópicas libertam para a atmosfera umas 5,3Gigatoneladas/ano, o que significa que mais de 3,2Gigatoneladas são extraídas anualmente da atmosfera,presumivelmente através do funcionamento da aludida“bomba biológica”.

Este aumento de CO2 na atmosfera é o principal responsávelpela ampliação do efeito de estufa, o qual provoca aumentoda temperatura atmosférica, uma das consequências do qualé a elevação do nível médio do mar. Alguns investigadoresdefendem que, amplificando o funcionamento da bombabiológica, seria possível compensar, pelo menosparcialmente, o aumento de CO2 atmosférico derivado dasactividades antrópicas.

VIII.4. Partículas Autigénicas

As partículas autigénicas são formadas em ambientemarinho, através de longos processos que envolvemreacções químicas que ocorrem na água, ou entresubstâncias dissolvidas nessa água e outras depositadas nofundo oceânico. A maior parte destes processos são, ainda,bastante mal conhecidos.

VIII.4.1. Glaucónia (Glauconite)

O termo "glauconite" designa um conjunto de minerais daclasse das argilas. Contudo, ao descrever os sedimentosmarinhos, o termo glauconite é aplicado às partículas comaspecto terroso, de cor verde, cuja tonalidade pode variar declara a escura, quase negra, e que frequentemente ocorremcom elevado grau de arredondamento. Para evitar confusõesentre os significados mineralógico e morfológico do termoglauconite, deve-se utilizar, para este último, o termo"glaucónia".

Nalgumas plataformas, designadamente na portuguesa, aglaucónia ocorre frequentemente sob a forma de moldesinternos de foraminíferos, apontando claramente relaçõesgenéticas. Muitas vezes é possível observarem-se, namesma plataforma continental, vários estádios de transição,desde carapaças de foraminíferos com pequenos indícios oupontuações de glauconitização, até moldes internosexclusivamente constituídos por glaucónia, passando pordiferentes casos intermédios, incluindo grãos de glaucóniaainda com fragmentos da carapaça do foraminífero onde,presumivelmente, se verificou a autigenia.

As carapaças ou conchas de microorganismos (em especialas de foraminíferos) constituem micro-ambientes propíciosàs transformações mineralógicas que culminam naglauconite. A matéria orgânica aí em decomposição cria,aparentemente, as condições de oxi-redução necessárias àformação da glaucónia. Simultaneamente, como estesmicro-ambientes são semi-confinados, o meio fica ao abrigoda acção directa (nomeadamente a diluente) da água domar, permitindo, no entanto, trocas iónicas, lentas masdeterminantes, com a fase líquida envolvente.

O suporte base para desenvolvimento da glaucónia não serestringe, obviamente, às carapaças de foraminíferos. Porvezes ocorrem mesmo pontuações verdoengas de glaucóniaem conchas muito perfuradas de moluscos.

A formação de glauconite é favorecida por taxas deacumulação pequenas.

Segundo Odin & Létolle (1978), são necessários mil a doismil anos de evolução para se desenvolverem minerais dotipo esmectite, sendo o suporte original ainda reconhecível.Para que o suporte desapareça e os minerais autigénicosapresentem maior estado de maturação (surgindo o mineralglauconite), é necessária uma evolução bastante mais longa,da ordem de 10000 a 100000 anos.

A morfologia dos grãos de glauconite pode ser bastantevariada. Em 1966, Triplehorn apresentou uma proposta desistematização que, em termos gerais, teve grande aceitaçãopela comunidade científica.

Por vezes a glaucónia é extremamente abundante nossedimentos da plataforma continental. Por exemplo, naplataforma portuguesa ao largo de Sines ocorrem depósitosem que a percentagem de glaucónia na areia é superior a50%.

No entanto, em vários casos, a glauconite que ocorre nossedimentos marinhos não por ser autigénica no actual ciclosedimentar, mas sim por ser proveniente da erosão deformações glauconíticas em terra

VIII.4.2. Fosforite

Os primeiros nódulos de fosforite foram descobertosdurante a viagem do H.M.S. Challenger, na rampacontinental da América do Sul. Desde então foramencontrados em muitas regiões do oceano mundial,normalmente no topo de montanhas submarinas e nasmargens continentais.

A fosforite ocorre, sob a forma P2O5, nos nódulospolimetálicos do domínio oceânico profundo, e comocrostas delgadas na margem continental a profundidadesinferiores a mil metros. As concentrações de fosfatoatingem normalmente, nestas ocorrências, valoressuperiores a 30%.

Na margem continental, em geral, as ocorrências defosforite estão associadas a zonas de upwelling. Algunstrabalhos sugerem que a precipitação de fosfatos ocorrepreferencialmente nas áreas em que a zona de oxigéniomínimo intersecta o fundo oceânico, o que, na zonas deupwelling se verifica, frequentemente, entre os 800 e os1000 metros de profundidade.

Os nódulos fosfatados, que têm cor castanha e formasirregulares, crescem muito lentamente, tipicamente a razõesda ordem de 1 a 10mm/milénio. Ao contrário do queacontece nos nódulos de manganês, os nódulos de fosforitecrescem, aparentemente, para o interior do sedimento, o queé sugerido pelo facto da parte superficial destes nódulos teridade mais antiga do que a parte basal, imersa no

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sedimento. O fósforo utilizado para estas precipitaçõesparece ter proveniência na água intersticial dos sedimentos.

Na margem continental portuguesa, designadamente naplataforma externa e vertente superior entre Sines e SãoVicente, há ocorrências de fosforite, sob forma deelementos bioclásticos fosfatados, que ocasionalmenteapresentam teores de P2O5 da ordem de 20%.

VIII.4.3. Nódulos de Manganês

Foram descobertos durante a viagem do H.M.S. Challenger.São elementos do tamanho de batatas cuja estrutura écaracterizada por camadas, grosseiramente concêntricas, dedióxido de manganês (MnO2) e de óxido de ferro (Fe2O3),tendo como constituintes menores o cobre, o níquel e ocobalto. O conteúdo ponderal em dióxido de manganês é,em geral, da ordem de 30%, e o de óxido de ferro é de cercade 20%. O de cobre, níquel e cobalto raramente excede 2%.

É de referir, no entanto, que existem variações significativasna composição de acordo com a localização geográfica.Assim, nas regiões onde a sedimentação siliciosa é maior,os teores em Niquel e Cobre dos nódulos sãotendencialmente maiores. Nas áreas pelágicas parece haverenriquecimento em cobalto.

Fig. 97 - Corte de um nódulo de manganês, em que é bemvisível a estrutura concêntrica.

A formação destes nódulos advém, muito provavelmente,da precipitação em superfícies duras disponíveis, a partir daágua sobressaturada em Mn. O mecanismo de formaçãodestes nódulos ainda não é bem conhecido. O crescimentoprocessa-se através da deposição de sucessivos níveisconcêntricos. Com frequência, incorporam partículasbioclásticas. Por vezes, verifica-se coalescimento de váriosnódulos.

As razões de crescimento dos nódulos são muito pequenas,da ordem de 1 a 4 milímetros por milhão de anos. Porém,esse crescimento pode ser mais rápido pois que, ao largo daCalifórnia, foram descobertos fragmentos de bombas da 2ªGrande Guerra encrustadas com materiais deste tipo, cujarazão de crescimento foi de 1 a 4mm/ano.

Ocorrem em áreas com baixas taxas de sedimentação,tipicamente inferiores a 5 mm/milénio. Testemunhosverticais de sedimentos obtidos em zonas de ocorrência denódulos revelaram que estes são mais abundantes àsuperfície do que em profundidade.

Estes factos (taxas de crescimento inferiores em cerca de 10vezes às taxas de sedimentação e ocorrência essencialmenteà superfície) são intrigantes, não havendo ainda respostasdefinitivas. É um paradoxo ainda não resolvido pelaCiência. Pensa-se que há dois factores importantes para quetal aconteça: correntes que impedem a acumulaçãosedimentar nas áreas onde ocorrem os nódulos; eorganismos que, ou para se alimentarem, ou para seesconderem, acabam por provocar rolamento dos nódulos,mantendo-os à superfície.

Também a origem do manganês não é perfeitamente clara.Parece haver três origens possíveis: a) alteração demateriais vulcânicos, principalmente dos provenientes deactividade vulcânica submarina; b) concentração porprocessos hidrotermais associados a zonas de expansãooceânica; c) transferência para o oceano, sob formadissolvida, a partir de áreas emersas.

As maiores concentrações de nódulos de manganês ocorremno Pacífico, onde, por vezes, chegam a cobrir mais de 90%do fundo oceânico, o mesmo se verificando no extremo doAtlântico Sul. Na ZEE portuguesa também foramdetectadas ocorrências de nódulos de manganês,principalmente em áreas integradas nas ZEEs dos Açores eda Madeira.

VIII.4.4. Sedimentos metalíferos

Em meio marinho ocorrem também, por vezes, sedimentosde origem diversa mas com enriquecimentos em metais.

Fig. 98 - Primeira fonte hidrotermal submarina de altatemperatura (380ºC) observada pelos investigadores. Estaprimeira observação de um black smoker foi efectuada pelosubmersível Alvin na Cista do Pacífico Oriental, à latitude 21°N, em 1979. Associadas a estas manifestações hidrotermaisexistem, em geral, ocorrências de sulfuretos.

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Os principais metais de enriquecimento são o Ferro, oManganês, o Cobre, o Crómio e o Chumbo. Este tipo desedimentos é comum na dependência de zonas em que estáa ser criada nova crosta oceânica.

A constituição destes enriquecimentos está relacionada coma circulação hidrotermal. Os metais de enriquecimentodependem do grau de mistura entre a água profundahidrotermal e a água fria oceânica que percula na crosta.Pequenos graus de mistura conduzem a enriquecimento emsulfuretos. Misturas intermédias resultam na formação desedimentos enriquecidos em ferro e em manganês. Altosníveis de mistura provocam enriquecimento em manganês.

Tendencialmente, quando as taxas de expansão são maioresocorrem óxidos de ferro e manganês, quando as taxas sãointermédias depositam-se sulfuretos ricos em manganês, equando as taxas são pequenas os sedimentos estãoenriquecidos em óxidos de manganês.

Na dependência dos Black Smokers ocorrem, comfrequência, depósitos apreciáveis de sulfuretos.

VIII.4.5. Carbonatos

Enquanto que, nos oceanos, as águas frias estãosubsaturadas em CaCO3, as águas quentes estão saturadas (enalguns locais estão mesmo sobresaturadas) nestecomposto, pelo que existe elevado potencial para a suaprecipitação quimiogénica.

Porém, a precipitação deste carbonato é dependente dosfactores que determinam a sua solubilidade, como atemperatura, a salinidade e o conteúdo em CO2 da água. Poressa razão, poucas são as áreas em que, actualmente, seestão a constituir depósitos carbonatados de origem nãobiogénica directamente a partir da água do mar. Destas, amais significativa corresponde aos bancos das Bahamas. Talverifica-se, também, na Grande Barreira de Coral, no GolfoPérsico e noutras áreas de baixas latitudes.

Contudo, segundo vários autores, esta precipitação doscarbonatos dificilmente pode ser considerada comoquimiogénica, pois que, na maior parte dos casos, oprincipal papel neste processo parece ser desempenhado poralgas calcárias que fixam o dióxido de carbono. Assimsendo, esta precipitação é quimico-biológica.

Os carbonatos quimiogénicos (ou quimiobiológicos)acumulam-se apenas em profundidades muito pequenas,tipicamente inferiores a 20m, na zona onde se faz sentir aacção da onda. O conteúdo de carbonato destes sedimentosvaria entre 70% e 90%, sendo a composição mineralógicaconstituída principalmente por aragonite e calcitemagnesiana, apenas com pequenas quantidades de calcite.

As formas mais comuns de precipitação de carbonatosdirectamente a partir da água do mar são:

• cristais de aragonite, geralmente com menos de 2mm

• oólitos, esférulas normalmente de aragonite, com estruturaconcêntrica, que se desenvolvem em torno de um núcleo

(fragmento de concha, partícula de quartzo, ou qualqueroutro pequeno detrito), e cujo diâmetro é inferior a 2mm

• pisólitos, análogos aos oólitos, mas com diâmetro superiora 2mm..

Fig. 99 - A - Oólitos das Bahamas (South Cat Bay). B -Aspecto de uma secção delgada de oólitos, observada aomicroscópio, em luz polarizada, em que se pode ver a estruturaconcêntrica em torno de grãos de quartzo (núcleos brancos) oude partículas carbonatadas (Ras Sudar, Golfo do Suez, MarVermelho). Extraído de Friedman & Sanders (1978).

Os depósitos oolíticos recentes localizam-se aprofundidades entre os 6 e os 20m, em regiões onde atemperatura da água é superior a 26ºC, e onde o afluxo demateriais terrígenos é insignificante.

VIII.1.6. Evaporitos

Quando a água do mar adquire salinidade muito elevada ossais nela contidos começam a precipitar sob forma deminerais variados. Tal acontece naturalmente em braços demar relativamente isolados e em mares interiores, onde aevaporação supera muito a introdução de nova água, isto é,em zonas áridas. Desde há milhares de anos que o Homemaprendeu a simular estas condições, retirando o sal do águado mar através da evaporação em salinas.

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Quando a salinidade aumenta, os primeiros sais adepositarem-se são os carbonatos, começando pelocarbonato de cálcio (calcite) seguido da mistura decarbonato de cálcio e magnésio (dolomite). Segue-se-lhe osulfato de potássio, que dá origem ao gesso. Continuando aevaporação, quando a maior parte da água já passou aoestado gasoso, começam a acumular-se cristais de halóides,dos quais o mais vulgar é a halite (cloreto de sódio,conhecido como sal da cozinha).

Particularmente interessantes são os depósitos evaporíticosdo Mediterrâneo, com 300 a 500 metros de espessura, quese formaram há cerca de 6 milhões de anos, os quaisindicam que, nessa altura, este mar esteve hidrológicamenteseparado do Atlântico. A evaporação da água não eracompensada, como actualmente se verifica, pela entrada denova água do Atlântico, tornando-se o Mediterrâneoextremamente hipersalino, o que conduziu aos espessosdepósitos aludidos. Refira-se que se a ligação doMediterrâneo ao Atlântico fosse cortada hoje, demoraria ummilénio até que a água se evaporasse, do que resultaria umdepósito salino com 70 metros de espessura. Como osdepósitos existentes são 3 a 8 vezes mais espesso, talsignifica que o corte da ligação ao Atlântico foiintermitente.

Na actualidade este processo está a ocorrer naturalmente empoucas zonas marinhas, das quais as mais conhecidas são oMar Vermelho, o Golfo Pérsico e o Golfo da Califórnia.

VIII.5. Partículas Cosmogénicas

Diariamente caiem na Terra entre 10 000 e 100 000toneladas de meteoritos e poeiras cósmicas. Embora a maiorparte seja vaporizada devido ao aquecimento a que é sujeitadurante a travessia da atmosfera, a quantidade que conseguechegar à superfície terrestre é grande. Partículas destascaiem em toda a superfície terrestre mas, na maior parte dosambientes, são fortemente "diluídas" por outros tipos departículas. Em meio marinho, nas áreas com taxas deacumulação muito pequenas, a concentração destaspartículas é, obviamente, maior. As suas dimensões variam,normalmente, entre 10 e 1500m.

As partículas cosmogénicas são essencialmente de trêstipos:

a) Esférulas férricas, com diâmetros, em geral, da ordem de30m, e que têm altos teores de Ferro e Níquel;

b) Côndrulos silicatados, com diâmetros que variam entre30m e 125m, e que, na sua composição, apresentam olivina,augite e piroxenas ferromagnesianas;

c) Micro-Tectites, que são pequenas partículas de vidro,geralmente com diâmetros inferiores a 1,5mm, e queapresentam forma tipicamente alongada, frequentementelacrimiforme, e cuja composição é dominada pela sílica(tendo, em geral, entre 70% a 90% de SiO2).

d) Tectites, com 2 a 4cm de diâmetro, frequentemente emassociação com microtectites.

Fig. 100 - Tectites

Nalgumas áreas oceânicas ocorrem na coluna sedimentardispostas em níveis com 20 a 40cm de espessura econcentrações que variam entre 1 a 10 exemplares por cm3.Estes níveis de microtectites têm idades diferenciadas: 700000 anos na Australásia (coincidente com a inversãomagnética de Bruhnes-Matayama), 1,1 milhões de anos naCosta do Marfim (ligeiramente mais antiga do que ainversão magnética de Jaramillo); 35 milhões de anos naAmérica do Norte. Baseados nesta sincronia, alguns autoressugerem que as inversões magnéticas poderiam ter sidocausadas por impactes meteoríticos.

VIII.6. Taxas de acumulação

As taxas de acumulação dos sedimentos marinhos,independentemente dos tipos de partículas que oscompõem, são muito diversificadas. Embora a variabilidadeseja muito elevada, podem considerar-se o seguintes valoresmédios:

Tabela 17 - Taxas de acumulação de sedimentos marinhos

Tipo desedimento Área

Taxa deacumulação

(mm / 1000 anos)

Plataformacontinental

50 a 100

Vertente continental 50 a 1000

Rampa continental 50 a 1000

Planície abissal(turbiditos)

50 a 1000

Planície abissal 1 a 10

SedimentosTerrígenos

Argilas pelágicas <1

Sedimentoscarbonatados

10 a 30SedimentosBiogénicos

Sedimentos siliciosos 1 a 5

Nódulos 0,001 a 0,004Sedimentosautigénicos Sedimentos

metalíferos0,02 ?


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