-
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM
CARACTERSTICAS EPIDEMIOLGICAS DOS BITOS FETAIS E NEONATAIS
PRECOCES DE FILHOS DE PACIENTES COM NEAR MISS
DANIELE MARIN NARDELLO
ARACAJU
2016
-
DANIELE MARIN NARDELLO
CARACTERSTICAS EPIDEMILOGICAS DOS BITOS FETAIS E NEONATAIS
PRECOCES DE FILHOS DE PACIENTES COM NEAR MISS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Enfermagem da Universidade Federal de
Sergipe como requisito parcial obteno do grau de
Mestre em Enfermagem.
Orientao: Profa. Dr Alzira Maria DAvila Nery
Guimares.
ARACAJU
2016
-
FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA BISAU UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
N223
Nardello, Daniele Marin Caractersticas epidemiolgicas dos bitos fetais e neonatais precoces de filhos de pacientes com near mis / Daniele Marin Nardello ; orientadora Alzira Maria DAvila Nery Guimares. Aracaju, 2016.
95 f. il. Dissertao (mestrado em Enfermagem) Universidade
Federal de Sergipe, 2016.
1. Relaes materno-fetais. 2. Complicaes na gravidez. 3. Epidemiologia. 4. Morte fetal. 5. Morte perinatal. I. Guimares, Alzira Maria DAvila Nery, orient. II. Ttulo.
CDU 616-083
-
DANIELE MARIN NARDELLO
CARACTERSTICAS EPIDEMILOGICAS DOS BITOS FETAIS E NEONATAIS
PRECOCES DE FILHOS DE PACIENTES COM NEAR MISS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Enfermagem da Universidade Federal de
Sergipe como requisito parcial obteno do grau de
Mestre em Enfermagem.
Orientao: Profa. Dr Alzira Maria DAvila Nery
Guimares.
Aprovado em: ___/___/____.
COMIT DE AVALIAO PARECER / ASSINATURA
Prof. Dra. Alzira
Guimares
Parecer____________________________________________________
Assinatura______________________________
Prof. Dra.
Cristiane Gois
Parecer___________________________________________________
Assinatura______________________________
Prof. Dr.
Ricardo Gurgel
Parecer___________________________________________________
Assinatura_____________________________
-
Dedico essa dissertao a Andr
Stefferson Nardello Silva, meu filho
amado, que possamos colher os frutos
de nosso trabalho, sem esquecer das
principais razes que nos inspiram.
-
AGRADECIMENTOS
Agradeo primeiramente a DEUS, por dar-me fora, capacidade, discernimento nos
momentos difceis, sabedoria nas decises e principalmente luz para iluminar meus passos
nesta trajetria; sem isso, esse sonho no seria realizado.
minha famlia, em especial meu marido Charles Stefferson e meu filho Andr, pela
dedicao, carinho e incentivo, por ajudar-me a chegar at aqui, por muitas vezes renunciar
seus sonhos para realizar o meu, por muitas vezes compreender a ausncia nestes dois anos
de estudos. Obrigado por acreditarem na minha capacidade de vencer e hoje podermos
compartilhar a nossa vitria. Amo vocs!
Aos meus pais e irmos, que, mesmo distantes, sempre estiveram presentes, auxiliando-me
nos momentos de estresse, pelos conselhos e pelas risadas at em momentos que isto era
quase impossvel. Agradeo pelo carinho e compreenso.
minha orientadora Alzira Maria DAvila Nery Guimares, pela amizade, disponibilidade,
compreenso e confiana. Seu incentivo, sua fora e seu conhecimento foram indispensveis
para a realizao deste trabalho.
Ao estatstico karo Daniel Barreto, que realizou as anlises do banco de dados da pesquisa
com comprometimento e preocupao em todos os detalhes. Muito obrigada!
Aos acadmicos de Medicina da Universidade Federal de Sergipe: Ana Brbara, Rebeca
Yasmin, Luz Vincius, Luis Fabiano, Rafael, Victor Hugo, Lucas Varjo, Lucas Feitosa,
Sergio Ricardo, Wendel, Ana Lusa, Nicolas, Thayana, Francis, Jlio, Fernanda, Inay,
Caroline, Guilherme, Jssica, Vincius, Larissa, Leonardo, Bruna e Marlia. s acadmicas
voluntrias da Faculdade Estcio de Sergipe: Daniele Amorim, Emanuela e Vanessa, por
estarem comprometidas com o projeto, comparecendo nos trs turnos nas duas
maternidades, sempre presentes e nunca deixando escapar nada. Muito obrigada pela
dedicao! Sem vocs a pesquisa no seria realizada; juntos somos fortes e juntos somos o
Grupo de pesquisa do Near Miss, para sempre em meu corao. Sucesso a todos!
-
s mulheres deste estudo, meu eterno agradecimento e reconhecimento, pois, mesmo
passando por um momento to difcil, aceitaram participar desta pesquisa e foram
compreensivas, colaborando com as perguntas do extenso questionrio. Muito Obrigada!
Vocs foram as peas-chave para o meu estudo.
s minhas colegas do mestrado: Mirian Geisa, Gabriela Menezes, Gabryella Garibalde,
Tatiane, Simonize, Pabliane, Adriana, Aline e Luzineide, pelo carinho e pela presena nos
momentos alegres e tristes com a mesma intensidade, os quais sempre sero lembrados com
saudades.
-
O sucesso nasce do querer, da determinao e
persistncia em se chegar a um objetivo. Mesmo
no atingindo o alvo, quem busca e vence
obstculos, no mnimo far coisas admirveis.
Jos de Alencar
-
RESUMO
Objetivo: Identificar as caractersticas epidemiolgicas dos bitos fetais e neonatais
precoces em pacientes com near miss materno e os fatores associados a este desfecho.
Mtodo: Estudo transversal, cuja populao foi composta por 79 mulheres com
caractersticas de near miss (NM), identificadas no perodo de um ano, e dos seus
respectivos recm-nascidos. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e investigao
dos pronturios. As variveis foram analisadas por meio de frequncias simples e percentual.
Para avaliar associao entre as variveis, utilizou-se o teste Exato de Fisher. Para anlise
multivariada, foi usado o mapa perceptual construdo a partir da anlise de correspondncia
mltipla e utilizadas as variveis que foram significativas a 20%. Resultados: Entre as mes
classificadas com NM, as desordens hipertensivas (pr-eclmpsia grave, eclmpsia,
hipertenso) totalizaram 32 casos (40,5%) e, destes, 14 (58,3%) tiveram desfecho fetal e
neonatal adverso (DFNA) com p-valor =0,046. A maior prevalncia de DFNA foi
proveniente de parto cesreo (20, 83,3%), de mulheres com dois a trs filhos (11, 45,8%) e
sem natimortos anteriores (17, 70,8%), verificando-se significncia para esta ltima varivel
p =0,038. Na anlise dos DFNA, foi observada significncia estatstica para os recm-
nascidos admitidos na UTIN (17, 70,8%, p
-
ABSTRACT
Objective: To identify the epidemiological characteristics of early fetal and neonatal deaths
in maternal near miss patients and the associated elements to this outcome. Method: Cross-
sectional study including 79 women with features near miss, identified in a one-year period,
and their newborns. Semi-structured interviews and the study of patients records were
conducted. The variables were analyzed through simple frequency and percentage. To
evaluate the association between those variables, the Fishers Exact Test was used. For the
multivariate analysis the perceptual map constructed from the multiple correspondence
examination was used, using the variables that were significant to 20%. Results: Amongst
the near miss mothers, hypertensive disorders (severe pre-eclampsia, eclampsia,
hypertension) totalized 32 cases (40,5%) and, of those, 14 (58,3%) had fetal and neonatal
adverse outcome (p 0,046). The highest prevalence of fetal and neonatal adverse outcome
was derived from cesarean delivery (20, 83,3%), of women with 2 or 3 children (11, 45,8%),
and without previous stillbirths (17, 70,8%), this last variable with significance p 0,038. In
the fetal and neonatal adverse outcome analysis significant levels were verified in newborns
admitted in Neonatal Intensive Care Unit (17, 70,8%, p < 0,001); children with gestational
age < 32 weeks (10, 41,6%, p < 0,001); birth weight < 2500 (16, 66,7%, p 0,001); APGAR
score at 5 minutes < 7 (9, 52,9%, p < 0,001); neonatal asphyxia, 9 (50,00%, p < 0,001); and
early respiratory distress syndrome, 13 (72,2%, p 0,002). Conclusion: The characteristic of
early fetal and neonatal deaths in maternal near miss patients had a close association with
fetal and neonatal adverse outcome. Among the mothers with hypertensive disorders the
significant characteristics to the outcome in newborns were prematurity, neonatal asphyxia
and early respiratory distress syndrome.
Key words: Maternal-Fetal Relations; Pregnancy Complications; Epidemiology; Fetal
Death; Perinatal Death.
-
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIG Adequado para a idade gestacional
CID Classificao internacional de doenas
COFEN Conselho Federal de Enfermagem
DPP Deslocamento prematuro de placenta
DFNA Desfecho fetal e neonatal adverso
GIG Gigante para a idade gestacional
HELLP Hemolytic anemia, Elevated Liver enzyme, Low Platelet count (Sndrome
caracterizada por: Hemlise, Enzimas hepticas elevadas, Baixa contagem de plaquetas)
HGS Hospital Gabriel Soares
HSI Hospital Santa Isabel
HUSE Hospital de Urgncia de Sergipe
MMG Morbidade Materna Grave
MNSL Maternidade Nossa Senhora de Lourdes
NM near miss
NMM near miss materno
NMN near miss neonatal
NV nascidos vivos
ODM Objetivo de desenvolvimento do milnio
OMS Organizao Mundial de Sade
ONU Organizao das Naes Unidas
PAS Presso arterial sistlica
PAD Presso arterial diastlica
PCR Parada cardiorrespiratria
PIG Pequeno para a idade gestacional
PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica
PICC - Peripherally Inserted Central Venous Catheter (Cateter venoso central de insero
perifrica de longa permanncia)
REBEN Revista Brasileira de Enfermagem
RENOSPE Rede Norte Nordeste de Sade Perinatal
RMM Razo de mortalidade materna
RP Razo de prevalncia
SE Sergipe
SM Salrio mnimo
SMS Secretaria Municipal de Sade
SUS Sistema nico de Sade
UFS Universidade Federal de Sergipe
UTI Unidade de tratamento intensivo
UTIN Unidade de tratamento intensivo neonatal
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hem%C3%B3lisehttps://pt.wikipedia.org/wiki/Enzimas_hep%C3%A1ticashttps://pt.wikipedia.org/wiki/Plaquetas
-
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuio dos critrios de near miss materno segundo desfecho neonatal
adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015...........................................................................
39
Tabela 2 Distribuio das desordens obsttricas dos near miss materno segundo
desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015.............................................
40
Tabela 3 Distribuio dos aspectos sociodemogrficos e relativos gestao e parto
dos casos de near miss materno segundo desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE,
Brasil, 2014-2015...............................................................................................................
42
Tabela 4 Distribuio das caractersticas e dos diagnsticos mdicos dos recm-
nascidos segundo os casos de near miss materno e o desfecho neonatal adverso.
Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015.........................................................................................
44
-
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Mapa percentual construdo a partir da Anlise de Correspondncia
Mltipla utilizando as variveis que foram significativas a 20%......................................
45
-
SUMRIO
1 INTRODUO..................................................................................................... 14
2 REVISO DE LITERATURA............................................................................. 17
3 OBJETIVOS.......................................................................................................... 30
3.1 Objetivo Geral................................................................................................... 30
3.2 Objetivos Especficos........................................................................................ 30
4 CASUSTICA E MTODOS............................................................................... 31
4.1 Tipo e local de estudo......................................................................................... 31
4.2 Populao do estudo.......................................................................................... 32
4.3 Classificao e critrios adotados...................................................................... 32
4.4 Critrios de excluso.......................................................................................... 32
4.5 Instrumento para coleta de dados....................................................................... 33
4.6 Sistemtica para a coleta dos dados................................................................... 33
4.7 Variveis do estudo............................................................................................ 34
4.8 Construo, digitao do banco de dados e anlise estatstica........................... 34
4.9 Consideraes ticas........................................................................................... 35
4.10 Metodologia dos resultados, discusso e concluso......................................... 35
5 ARTIGO CIENTFICO......................................................................................... 36
6 REFERNCIAS.................................................................................................... 54
Apndice A Manual do entrevistador.................................................................... 59
Apndice B Formulrio para preenchimento de dados......................................... 73
Apndice C Termo de consentimento livre e esclarecido..................................... 84
Anexo A Aprovao do Comit de tica.............................................................. 85
Anexo B Instrues aos autores da REBEN......................................................... 88
Anexo C Check list para submisso na REBEN................................................... 93
-
14
1 INTRODUO
Em 2013, foram estimadas 800 mortes de mulheres diariamente em todo o mundo
por complicaes da gravidez e do nascimento da criana, o que contabilizou 289.000 bitos
registrados naquele ano. Quase todas essas mortes ocorreram em ambiente de baixa renda;
entretanto, a maioria poderia ter sido evitada (WHO, 2014). Em 2015, o nmero de bitos
maternos registrados chegou a 303.000 (WHO, 2016).
A diminuio das mortes maternas uma das principais metas discutidas em
conferncias internacionais atuais, e a sua reduo em trs quartos at 2015 foi apresentado
como o Objetivo de Desenvolvimento do Milnio (ODM) de nmero cinco pela
Organizao das Naes Unidas (WHO, 2008).
Globalmente, a taxa de mortalidade materna diminuiu 47,0% ao longo das ltimas
duas dcadas, passando de 400 para 210 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos entre
1990 e 2010. O Relatrio dos ODM 2013 j sinalizou que as aes conjuntas dos governos
nacionais e da comunidade internacional esto sendo implementadas; no entanto, para o
cumprimento da meta de reduo da mortalidade, h necessidade de intervenes aceleradas
e forte apoio de polticas direcionadas s mulheres e s crianas (ONU, 2013).
Em virtude da reduo das mortes maternas, em especial nos pases desenvolvidos, o
estudo das situaes que podem levar ao bito materno tem sido utilizado com frequncia
cada vez maior como forma de avaliao da qualidade da assistncia. Estas situaes de
morbidade materna grave, que acontecem em consequncia de alguma complicao no ciclo
grvido-puerperal, podem levar morte quando no so assistidas de forma adequada e tm
magnitude sempre superior da morte materna (FILIPPI; RONSMANS, 2006).
Em realidade, as mortes maternas constituem apenas a ponta de um iceberg de
morbidade grave relacionada gestao, parto e puerprio. Estima-se que dez milhes de
mulheres apresentem complicaes graves da gestao a cada ano, e que sua incidncia no
seja muito diferente nos pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Por outro lado, o
-
15
modo como as complicaes so percebidas e tratadas podem ser responsveis pelas
enormes diferenas nas razes de morte materna (SOUZA, 2008).
A despeito da melhoria das condies sociais e econmicas observadas no Brasil nas
duas ltimas dcadas, a Razo de Mortalidade Materna (RMM) ainda elevada em nosso
pas. Segundo dados da Organizao Mundial de Sade (OMS), em 1990, ocorreram 120
decessos maternos para 100.000 nascidos vivos (NV) no territrio nacional, e em 2013,
ocorreram 69 mortes maternas por 100.000 NV (WHO, 2014). Dados mais atuais no Brasil
apontam que a taxa de mortalidade materna caiu em 55,0%, passando de 141 para 64 bitos
por 100 mil nascidos vivos (BRASIL, 2014); porm, esses dados revelam que a mortalidade
materna no Brasil ainda muito alta e preocupante, e que a reduo no atinge resultados
significantes em curto prazo.
Os casos relativos a near miss maternos (NMM) ou seja, de mulheres que no ciclo
gravdico puerperal estiveram muito prximas da morte, mas que conseguiram por alguma
razo sobreviver podem ocorrer com uma frequncia significativamente maior do que os
bitos maternos e so, dessa forma, utilizados atualmente para avaliar no apenas a
incidncia das complicaes que so ameaadoras da vida da mulher, mas tambm a
qualidade da ateno obsttrica (OLIVEIRA, COSTA, 2013).
Em 2009, a Organizao Mundial de Sade definiu o termo NMM como sendo a
mulher que quase morreu, mas sobreviveu a uma complicao que ocorreu na gravidez,
parto ou at 42 dias aps a gestao (SAY et al, 2009, p. 289). O estudo desses casos tem
sido utilizado para reconhecer os pontos crticos referentes assistncia obsttrica e para
identificar quais os verdadeiros fatores responsveis pelo desencadeamento, o que favorece
o desenvolvimento de aes preventivas, capazes de influenciar o processo evolutivo que
pode levar morte materna (GALVO, 2014). Com o objetivo de facilitar o seu uso na
rotina e monitoramento da assistncia obsttrica, a OMS estabeleceu critrios que
identificam um caso de NM. Estes critrios foram categorizados em clnicos, laboratoriais e
de manejo (SAY et al, 2009).
Condies maternas da gestao e do parto podem influenciar nas condies fetais e
neonatais, de tal modo que o NMM pode contribuir para a elevao da morbimortalidade
perinatal. Sua associao com eventos perinatais adversos so extremamente fortes. Alm do
-
16
bito fetal aumentado de mulheres identificadas com NM, verifica-se que os recm-
nascidos, filhos dessas mulheres, apresentam um maior risco de morte e de necessidade de
cuidados intensivos (OLIVEIRA, COSTA, 2013).
Da mesma forma como na sade materna, a aplicao de um conceito de near miss
ao contexto neonatal pode ser uma importante ferramenta para avaliao do sistema de
sade. As mesmas vantagens da utilizao dos casos de NM materno em comparao com o
estudo de bitos maternos se aplicam avaliao da qualidade do atendimento e
identificao de fatores remediveis do sistema de sade para o aprimoramento do
atendimento aos recm-nascidos (SAY, 2010).
Apesar de no haver uma definio padro ou critrios de identificao com
consenso internacional para os casos de near miss neonatal (NMN) (AVENANT, 2009), no
Brasil, um estudo abrangendo dados das diversas regies do pas apresentou um conceito de
NMN. Seus indicadores foram utilizados e considerados aplicveis, fornecendo informaes
que poderiam ser teis para uma avaliao preliminar da qualidade do atendimento e, assim,
estabelecer prioridades para outras avaliaes mais complexas, promovendo a melhoria da
ateno sade dos recm-nascidos (PILEGGI et al., 2010; PILEGGI-CASTRO et al.,
2014).
NM , portanto, uma temtica muito atual. Estudos vm sendo desenvolvidos nos
ltimos anos; entretanto, poucas so as pesquisas que se referem s complicaes perinatais
entre esses pacientes, assim como os que relacionam o NMM morte fetal e neonatal
precoce. Este estudo se torna indito, pois nenhuma pesquisa foi realizada no estado de
Sergipe relacionada ao tema. Assim, foram levantados os seguintes questionamentos: Quais
as caractersticas epidemiolgicas dos bitos fetais e neonatais precoces entre pacientes com
NMM? Quais os fatores associados a este desfecho?
Com base no exposto, considera-se de extrema relevncia um estudo mais
aprofundado sobre esta temtica na realidade do estado de Sergipe, vez que visa melhorar a
assistncia prestada s gestantes com NM e, com isso, contribuir para a reduo do nmero
de bitos fetais e neonatais no estado de Sergipe.
-
17
2 REVISO DE LITERATURA
A mortalidade materna considerada um bom indicador para avaliar as condies de
sade de uma populao. Razes de mortalidade materna elevadas so indicativas de
precrias condies socioeconmicas, baixo grau de informao e escolaridade, dinmicas
familiares em que a violncia est presente e, sobretudo, dificuldades de acesso a servios de
sade de boa qualidade (BRASIL, 2011).
O risco de uma mulher, em um pas em desenvolvimento, morrer de uma causa
materna cerca de 23 vezes maior em comparao com uma mulher que vive em um pas
desenvolvido. A mortalidade materna um indicador de sade que mostra grandes
disparidades entre regies ricas e pobres, urbanas e rurais de um determinado pas, bem
como serve de comparao com outros pases (WHO, 2014).
Pode-se presumir que, em pases desenvolvidos, em face da baixssima incidncia do
evento, a dificuldade em mensurar adequadamente a mortalidade materna e entender as
razes que levaram a este desfecho ainda maior. Dessa forma, para obter-se uma amostra
grande o suficiente para identificar tendncias na qualidade da assistncia sade materna,
ou das doenas que culminam na morte materna, seriam necessrios vrios anos
(PATTINSON, 2009).
A definio de morte materna est expressa, segundo a Classificao Internacional
de Doenas 10 reviso (CID 10), como:
A morte da mulher quando grvida ou at 42 dias aps o
parto, independentemente de sua durao ou do local de implantao, por qualquer causa relacionada ou agravada pela gestao ou por seu manejo, excluindo-se
as causas acidentais ou incidentais (OMS, 2000, p. 691).
-
18
A diferena da RMM extremamente grande entre as regies do planeta, variando de
9 (nove) por 100.000 nascidos vivos em pases desenvolvidos a 905 por 100.000 nascidos
vivos na frica Subsaariana, onde ocorre a maioria dos bitos maternos. A Amrica Latina
apresenta nmeros intermedirios, com RMM de 132 por 100.000 nascidos vivos (HILL et
al, 2007).
No Brasil, as razes de mortalidade materna mantm-se ainda inaceitavelmente
elevadas, cerca de 10 vezes mais altas se comparadas aos pases de mais alta renda. Apesar
de ainda elevada, o pas vivenciou uma melhora no quadro geral de mortalidade materna nas
ltimas duas dcadas. A razo de mortalidade materna caiu de 143,2/100.000NV em 1990
para 64,8/100.000NV em 2011 (CECATTI,et al, 2015). Neste contexto, a RMM varia em
diferentes regies do pas, sendo no Norte e Nordeste do pas os maiores ndices de morte
materna. Um estudo recente realizado no estado de Sergipe verificou que a RMM foi de
104,6 casos/100.000 NV maior que a mdia do pas (GALVO et al, 2014).
A preocupao do governo brasileiro com a morte materna est expressa no plano de
ao 2004-2007 da Poltica Nacional de Ateno Integral Sade da Mulher, que objetivava
reduzir em 15,0% a RMM nas capitais brasileiras e implantar comits de morte materna em
todos os estados e em municpios com populao superior a 50.000 habitantes (BRASIL,
2004).
O Brasil, como signatrio das Metas de Desenvolvimento do Milnio, tem
implementado aes visando aprimorar a vigilncia da morte materna, em especial por meio
da implantao dos Comits de Mortalidade Materna, o que vem ocorrendo desde 1987.
Essa poltica foi reafirmada em 2004 com o Pacto Nacional pela Reduo da Mortalidade
Materna e Neonatal. Em 2005, todos os 27 estados da federao encontravam-se com
comits estaduais de morte materna implantados (BRASIL, 2007).
Compreender a extenso e as causas de morte materna tem sido insuficiente para
atingir os ODM. Em um estudo realizado na Argentina, com o objetivo de apresentar um
modelo para abordar o near miss, concluiu-se que a gesto do conhecimento importante
para a reorientao das polticas, programas e cuidados de sade; alm disso, a interao
entre as pessoas, as comunidades e o sistema de sade deve ser reforada a fim de melhorar
os resultados dos programas de sade da mulher (KAROLINSKI et al, 2015).
-
19
No municpio de Aracaju (SE) foi implantado, em 1991, o Comit de Mortalidade
Materna, atualmente sediado na Secretaria Municipal de Sade (SMS) do municpio.
composto por gestores e funcionrios de instituies de sade (hospitais, maternidades e
unidades bsicas de sade) e realiza reunies regulares visando analisar, individualmente, os
casos de morte materna ocorridos no municpio, a fim de detectar possveis falhas no
processo assistencial (GALVO, 2012).
Uma das falhas nesse processo a subinformao e o sub-registro, que dificultam o
monitoramento do nvel e da tendncia da mortalidade materna. Com o intuito de melhorar o
registro da morte materna, o Ministrio da Sade tornou-a evento de notificao
compulsria, o que ocorreu atravs da Portaria n 653, de 28 de maio de 2003 (BRASIL,
2007).
Neste contexto, o estudo do NMM alinha-se aos esforos governamentais em atingir
as metas de reduo da morte materna. O evento NM est prximo da morte materna, tem
maior incidncia que a mesma e permite que a prpria paciente seja a fonte de informaes
sobre o agravo. Por estes motivos, a possibilidade da morte materna configura,
possivelmente, um evento de importncia para a ampliao dos conhecimentos acerca dos
fatores de risco para o bito materno (ZYLBERSZTAJN, 2007).
O interesse em quadros de complicao grave que pudessem culminar na morte
materna foi viabilizado atravs da adaptao, para as cincias mdicas, de um conceito
desenvolvido pela indstria aeronutica para descrever incidentes de aproximao indevida
de aeronaves nas operaes de controle de trfego areo. O conceito de quase perda na
sua forma original em ingls, near miss referia-se s situaes onde o choque de aeronaves
durante o voo esteve muito prximo a ocorrer, mas que somente no ocorreu por um bom
julgamento ou sorte (STONES et al, 1991).
Do ponto de vista militar, o conceito NM refere-se ao projtil balstico que erra por
pouco o seu alvo. Adaptando-se o primeiro desses conceitos para a temtica do estudo da
morbidade materna, o termo NM foi introduzido por Stones et al (1991) e faz referncia
situao em que mulheres apresentam complicaes potencialmente letais durante a
gravidez, parto e puerprio, e somente sobrevivem por acaso ou devido ao bom cuidado
hospitalar (STONES et al, 1991).
-
20
Os primeiros estudos sobre o tema apresentavam algumas variaes na definio do
NMM. Segundo Filippi et al. (2000, p. 311), o termo NM definido como uma grave
complicao obsttrica que impe imediata interveno mdica a fim de impedir a morte
materna. Prual et al. (2000, p. 595) descreveram o NMM como qualquer gestante ou
purpera que recentemente deu luz, tendo necessitado de atendimento imediato e que
sobreviveu pelo acaso ou cuidados recebidos no hospital. J Mantel et al. (1998, p. 987)
definem este evento como uma gestante com doena grave que teria falecido caso no
tivesse tido sorte e/ou bom tratamento ao seu lado.
A concluso que se apreende das definies acima expostas que, para
caracterizao de evento NM, necessrio no somente a presena de doena ou
complicao no ciclo grvido-puerperal levando morbidade materna grave, mas tambm a
existncia de alguma forma de tratamento ou cuidado especial para que no houvesse
evoluo para morte (PEREIRA, 2011).
Do ponto de vista conceitual, existe um espectro de gravidade clnica que possui em
suas extremidades, de um lado, a gravidez saudvel e, de outro, o bito materno. A partir
dessa situao normal, a paciente pode evoluir com o desenvolvimento de situaes de
gravidade leve, moderada e intensa. A concepo que os fatores de risco que culminam no
prognstico mais desfavorvel possvel no caso, a morte materna so os mesmos que
determinam o NM. O termo NM refere-se a uma situao de complicao obsttrica grave e
potencialmente tratvel, e o termo morbidade materna grave refere-se a uma situao um
pouco menos grave que a anterior. (GELLER et al., 2002).
A grande vantagem em se estudar os casos de NM justamente a sua frequncia,
que, em nmero absoluto de casos, superior em relao aos casos de morte materna
(aproximadamente trs a quatro vezes mais frequente), somando ao fato de que a prpria
paciente capaz de fornecer informaes muito mais completas e consistentes sobre a
problemtica enfrentada (PATTINSON; HALL, 2003).
Foi realizado um estudo transversal com um componente de caso-controle para
identificar as mulheres grvidas que estavam em risco de Morbidade Materna Grave (MMG)
e NM nos dois hospitais de referncia de maternidade do Estado de Sergipe, Nordeste do
Brasil, entre junho de 2011 e maio de 2012. Neste perodo, ocorreram 16.243 partos, 1.102
-
21
casos MMG, 77 casos NM e 17 mortes maternas. A prevalncia total de MMG + NM foi de
72,6 casos/1.000 NV; os casos de mortalidade versus NM foi de 4,5 casos/1 morte materna
(GALVO et al, 2014).
Outro estudo que teve como objetivo determinar os fatores de risco para MMG e NM
em gestantes e purperas, realizado na Maternidade do Hospital Dom Malan, em Petrolina,
no Nordeste do Brasil, no perodo entre maio e agosto de 2011, identificou um total de 2.291
pronturios, com trs mortes maternas, 400 casos de MMG (17,5%), bem como 24 registros
de NM (1%) (PACHECO; KATZ, 2014).
At o ano de 2009, em reunio do grupo de estudos em mortalidade e morbidade
materna para a OMS, que definiu os critrios para MMG e para NM, existiu grande
controvrsia sobre a operacionalizao da definio desses casos. Inicialmente, alguns
pesquisadores adotavam os critrios de Mantel et al. (1998), que eram baseados na
ocorrncia de disfuno orgnica materna; outros elegiam os critrios de Waterstone,
Bewley e Wolfe (2001), que levavam em conta a presena de determinadas doenas como,
por exemplo, a eclmpsia (GALVO et al, 2012).
Os critrios selecionados devem ser facilmente aplicveis e, ao mesmo tempo,
permitir comparaes entre diferentes servios, reas e pases (VINCENT et al, 1998). A
OMS iniciou um processo de consenso para definio e o desenvolvimento de um conjunto
de critrios para MMG e NM, a fim de facilitar o seu uso de rotina para a monitorizao e
melhoria da qualidade do cuidado obsttrico. Esse processo foi desenvolvido e baseado nos
mesmos princpios da classificao de morte materna (WHO, 2008).
Com o objetivo de facilitar o seu uso na rotina e monitorizaro da assistncia
obsttrica, a Organizao Mundial de Sade (OMS) estabeleceu critrios que identificam o
NM, os quais foram categorizados em clnicos, laboratoriais e de manejo. Teoricamente,
estes critrios podem ser usados em qualquer nvel hospitalar, seja de baixa, mdia ou alta
complexidade (SAY et al, 2009).
A adoo dos critrios da OMS para a identificao dos casos de NMM um mtodo
eficaz, conforme a concluso de um estudo de pr-validao realizado em Campinas, So
Paulo. Concluiu-se que os critrios permitem a avaliao da gravidade da complicao e,
consequentemente, a construo de um plano de cuidados e tomada de deciso, alm de
-
22
oferecer suporte para o uso de tais parmetros em todo o mundo (CECATTI, et al, 2011). As
subdivises desses critrios esto expostas no quadro abaixo apresentado.
Quadro 01 Critrios definidos pela Organizao Mundial de Sade (OMS) para NMM
Clnicos
Laboratoriais Manejo
Perda de conscincia > 12
horas
Saturao de O2
60min.
Uso contnuo de drogas
vasoativas
Perda de conscincia e
ausncia de pulso
PaO2/FiO2 < 200 mmHg Histerectomia aps
infeco ou hemorragia
Ictercia na presena de
pr-eclmpsia
Bilirrubina > 6,0 mg/dl Transfuso >= 5 unidades
de hemcias
Convulses no
controladas
Trombocitopenia aguda
(= 60 min no
relacionada a anestesia
Frequncia respiratria
>40 ou 5 Ressuscitao
cardiopulmonar
Cianose aguda PH < 7,1
Gasping Creatinina >= 3,5mg/dl
Choque
Distrbio da coagulao
Acidente vascular
cerebral
As definies desses critrios de NMM tiveram como base as preconizadas pela
OMS (SAY et al, 2009), que definiu a maior parte desses critrios.
a. Critrios clnicos:
Perda de conscincia > 12 horas (definida como um escore < 10 na escala de coma
de Glasgow);
Perda de conscincia e ausncia de pulso (definida como um escore < 10 na escala de
coma de Glasgow e ausncia de pulso ou batimento cardaco);
-
23
Ictercia na presena de pr-eclmpsia; (Pr-eclmpsia definida como a presena de
hipertenso associada proteinria. Hipertenso definida como Presso Arterial
Sistlica (PAS) 140mmHg e/ou Presso Arterial Diastlica (PAD) 90mmHg em
pelo menos duas ocasies, com intervalo de 4 a 6 horas aps a 20 semana de
gestao. Proteinria definida como a excreo de 300mg ou mais de protenas em
24 horas, ou 1 + na proteinria de fita, em pelo menos duas medidas com intervalo
de 4 a 6 horas);
Convulses no controladas (condio em que o crebro est em estado de convulso
contnua);
Oligria no responsiva a fluidos e diurticos (dbito urinrio < 30mL/h por 4 horas
ou < 400mL/24 horas);
Frequncia respiratria > 40 ou 2L);
Distrbio da coagulao (falncia da coagulao avaliada pelo teste de coagulao
ou pela ausncia de coagulao aps 7 a 10 minutos);
Acidente vascular cerebral. (dficit neurolgico de causa cerebrovascular que
persiste por mais de 24 horas).
b. Critrios laboratoriais: Estes no foram definidos pela OMS, por se tratar de
critrios claros de resultados de exames.
c. Critrios de manejo:
Uso contnuo de drogas vasoativas (uso contnuo de qualquer dose de dopamina,
epinefrina ou norepinefrina);
Os demais critrios de manejo no foram definidos por se tratar de intervenes
claras da equipe de sade.
Os casos de morbidade materna so menos graves e representam uma situao que
precede as situaes NM. Os critrios para MMG (Quadro 02) tambm foram definidos pela
OMS em 2009, e so expostos da seguinte forma: desordens hemorrgicas; desordens
-
24
hipertensivas; outras desordens sistmicas; indicadores de procedimentos invasivos. Alguns
critrios se assemelham com os critrios de NM, porm com menor gravidade (SAY, 2009).
Quadro 02 Critrios definidos pela OMS para MMG
Desordens
hemorrgicas
Desordens
hipertensivas
Outras desordens
sistmicas
Indicadores de
procedimentos
invasivos
Deslocamento
prematuro de
placenta (DPP)
Pr-eclmpsia grave Endometrite Transfuso
sangunea (at, no
mximo, 4 bolsas de
concentrado de
hemcias)
Acretismo
placentrio
(placenta acreta,
percreta ou increta)
Eclmpsia Edema pulmonar Acesso venoso
central
Prenhez ectpica Hipertenso severa Falncia respiratria Histerectomia
Hemorragia ps-
parto
Encefalopatia
hipertensiva
Sepse Admisso em UTI
Rotura uterina Sndrome de HELLP
(hemlise, alteraes de
enzimas hepticas e
plaquetopenia)
Choque Tempo de internao
prolongado (>7 dias
ps parto)
Crise tireotxica Falha de intubao
anestsica
Trombocitopenia
(
-
25
vantagens semelhantes utilizao da abordagem dos casos de NMM em comparao com o
estudo de bitos maternos, uma vez que, devido ao fato de o nmero de sobreviventes
identificados ser at quatro vezes maior do que o nmero de bitos de recm-nascidos (RN),
o nmero de casos dos quais se pode coletar informaes maior em avaliaes de casos de
NMN (PILLEGI et al., 2010).
O termo NMN no tem uma definio padro ou critrios estabelecidos para os
casos; assim, os poucos estudos encontrados na literatura no so uniformes e muitos
definem NMN a partir de uma doena especfica ou disfuno orgnica dos RN (SKINNER
et al., 2005; AVENANT, 2009). Uma definio operacional de NMN foi desenvolvida com
base nas duas principais causas de bito neonatal precoce: prematuridade e asfixia perinatal.
Desta forma, um caso de NMN seria um RN que apresentasse qualquer uma das condies
de risco ao nascimento (Apgar menor que sete no 5o minuto, idade gestacional menor que 30
semanas, peso menor que 1.500g) e no fosse a bito at o sexto dia de vida (PILLEGI et al.,
2010).
O conceito de NMN tem sido utilizado no contexto de condies graves desde os
anos setenta, tais como casos graves de ictercia, encefalopatia ou sndrome da quase morte
sbita (BHUTHANI, 2009). Seu uso constitui-se em uma ferramenta para aprimorar o
atendimento clnico aos RN; contudo, o seu uso no tem sido generalizado e consistente. A
mesma vantagem da utilizao da abordagem dos casos de NM, em comparao com o
estudo de bitos maternos, se aplica avaliao da qualidade do atendimento e
identificao de fatores remediveis do sistema de sade para o aprimoramento do
atendimento aos recm-nascidos (SAY, 2010).
Atualmente, 2/3 dos bitos infantis ocorrem no 1 ms de vida (mortalidade
neonatal), e em torno de 50% de todos os bitos no 1 ano de vida ocorrem na 1 semana
(mortalidade neonatal precoce). A importncia cada vez maior do componente neonatal
precoce na constituio da mortalidade infantil tem gerado muitos estudos sobre as causas e
fatores determinantes das mortes neste perodo (GARCIA; SANTANA, 2011;
NASCIMENTO et al., 2012; KASSAR et al., 2013).
Um estudo de coorte sobre mortalidade neonatal realizado recentemente no Brasil
evidenciou, alm da associao entre a mortalidade neonatal com o muito baixo peso ao
-
26
nascer, o uso de ventilao mecnica, malformao congnita, asfixia ao nascer,
apresentao plvica, e, ainda, com a inadequao da assistncia ao pr-natal e ao parto
(LANSKY et al., 2014). Estudo que avaliou os preditores do bito neonatal, em uma srie
histrica de nascidos vivos num hospital do Nordeste brasileiro, evidenciou tendncia de
aumento na proporo de RN's com baixo peso ao nascer e prematuridade, corroborando
com os outros estudos citados anteriormente; no entanto, acrescentou o Apgar menor que 7,
parto cesreo e problemas na qualidade do pr-natal (VANDERLEI et al., 2010).
vlido ressaltar que a maioria absoluta de partos ocorre em ambiente hospitalar
(98,4%); no entanto, os resultados so insatisfatrios se comparados a outras partes do
mundo que alcanam coeficientes menores de mortalidade neonatal e infantil. Esta situao
tem sido denominada de "paradoxo perinatal brasileiro", em que h intensa medicalizao
do parto e nascimento com manuteno de taxas elevadas de morbimortalidade materna e
perinatal, possivelmente relacionadas baixa qualidade da assistncia e utilizao de
prticas obsoletas e iatrognicas que podem repercutir sobre os resultados perinatais
(LANSKY et al., 2014).
No que diz respeito assistncia neonatal de maior complexidade, encontram-se em
ascenso os estudos multicntricos das redes neonatais. Em linhas gerais, buscam analisar os
dados de morbidade e mortalidade de diversas unidades neonatais e so capazes de retratar,
em tempo real, a morbidade e mortalidade neonatal em centros com caractersticas
especficas, comparando estes dados aos nacionais e internacionais (HORBAR et al., 2010).
No Brasil, foi fundada a Rede de Pesquisas Neonatais, envolvendo servios de
neonatologia do Sul-Sudeste representantes das regies com menores taxas de mortalidade
do pas. No entanto, reconhecendo-se que as maiores taxas de mortalidade neonatal
encontram-se nas regies Norte e Nordeste do pas, surgiu a Rede Norte-Nordeste de Sade
Perinatal (RENOSPE), que possui como objetivos principais promover a melhoria do
desempenho das unidades neonatais de mdio e alto riscos e reduzir a morbi-mortalidade
evitvel na regio Norte-Nordeste do pas (SILVA, 2013).
Em 2014, Pillegi e colaboradores desenvolveram e validaram marcadores da
morbidade neonatal grave para identificao dos casos de NMN. Os marcadores pragmticos
(peso ao nascer < 1.750g, Apgar no 5 minuto
-
27
desenvolvidos com dados do Inqurito Global sobre Sade Materna e Perinatal, da
Organizao Mundial de Sade, e validados com dados da Pesquisa Multinacional em Sade
Materna e Neonatal, da Organizao Mundial de Sade. (PILLEGI, CASTRO et al., 2014).
Em recente pesquisa brasileira, um indicador de morbidade neonatal NM tambm foi
testado e cinco variveis foram escolhidas para compor o indicador neonatal NM: peso ao
nascer < 1500g, Apgar < 7 no 5o minuto de vida, uso de ventilao mecnica, idade
gestacional < 32 semanas e relato de malformao congnita. A morbidade neonatal near
miss mostrou elevadas sensibilidade e especificidade, o que indica que este indicador com
base nas cinco variveis pode ser utilizado para monitorar a "quase morte" NM no perodo
neonatal (SILVA et al., 2014).
Como o nmero de sobreviventes aproximadamente quatro vezes o nmero de
mortes, e principalmente em locais onde a taxa de mortalidade neonatal baixa, concluses
e relatrios em sade materna seriam mais rpidos se o NMN fosse estudado (MUKWEVO;
AVENANT; PATTINSON, 2007). Asfixia intraparto e trauma obsttrico constituem o
maior grupo de sobreviventes e onde a investigao adicional sobre as circunstncias da
gravidez e do parto pode ser necessria. A maioria desses bebs no iria a bito, mas a
presena de asfixia e suas sequelas tambm poderiam apontar srias deficincias no cuidado
obsttrico (AVENANT, 2009).
Condies maternas da gestao e do parto influenciam nas condies fetais e
neonatais. (PELGGI, 2010). Neste sentido, o NMM condio em que a mulher se encontra
criticamente doente alm de aumentar a morbidade materna, pode tambm contribuir com
a elevao da morbimortalidade perinatal. Sua associao com eventos perinatais adversos
esperada e muito forte (SAY, et al, 2009).
Alm do risco aumentado de bito fetal, os recm-nascidos de mulheres com NM
apresentam maior risco de morrer na primeira semana de vida, de necessitar de cuidados em
uma unidade de tratamento intensivo (UTI) ou de ser pequenos para a idade gestacional
(FILIPPI, 2007).
Uma pesquisa da OMS comparou 2.952 casos de NMM com 94.083 mulheres que
no apresentavam tal morbidade, e encontrou um risco aproximadamente quatro vezes maior
de bito fetal e bito neonatal entre os casos de NM. No entanto, os critrios de NM
utilizados (admisso em UTI, transfuso sangunea, histerectomia, eclmpsia, complicaes
-
28
renais ou cardacas) foram diferentes do recomendado pela OMS (SOUZA; CECATTI,
2010).
Em um estudo realizado em Recife PE, foram includos 246 casos de NM. Entre as
mulheres do estudo, os distrbios hipertensivos ocorreram em 62,7%, a sndrome HELLP
em 41,2% e os critrios laboratoriais de NM em 59,6%. Foram evidenciados nesse estudo 48
(19,5%) bitos fetais e 19 (7,7%) bitos neonatais. Aps a anlise estatstica, as variveis
que permaneceram associadas aos bitos fetais e neonatais foram: pr-eclmpsia grave,
DPP, endometrite, cesariana, prematuridade e os critrios laboratoriais de NMM. Como
concluso, os autores relatam que elevada a ocorrncia de bitos fetais e neonatais entre as
pacientes com NMM. Entre essas mulheres, foi observado uma sobreposio de fatores que
contribuem para esse desfecho fatal. Em nosso estudo, aquelas que apresentaram pr-
eclmpsia grave, deslocamento prematuro de placenta (DPP), endometrite, parto prematuro
ou critrios laboratoriais tiveram associao positiva com os bitos (OLIVEIRA; COSTA,
2013).
Em uma reviso sistemtica de literatura, foram estudadas mulheres que sofriam de
distrbios hipertensivos na gravidez. A incidncia de pr-eclmpsia, eclmpsia e hipertenso
arterial crnica foi de 2,16%, 0,28% e 0,29%, respectivamente. Os casos de NMM
registrados foram oito vezes mais frequentes em mulheres com pr-eclmpsia, aumentando
para at 60 vezes mais frequentes em mulheres com eclmpsia quando comparados a
mulheres sem essa condio. No geral, 8.542 (2,73%) mulheres, de um total de 313 030 no
banco de dados, foram registradas como portadoras de qualquer desordem hipertensiva
durante a gravidez, o parto e/ou perodos iniciais do ps-parto. Destas, 914 mulheres
(0,29%) apresentaram hipertenso crnica; 6.753 (2,16%), pr-eclmpsia; e 875 (0,28%)
tiveram eclmpsia. As chances de mulheres e bebs que morram ou desenvolvam
complicaes graves so particularmente elevadas quando h pr-eclmpsia e eclmpsia
(ABALOS et al, 2014).
Um estudo transversal de partos em 359 instituies participantes, em 29 pases,
(frica, sia, Amrica Latina e Oriente Mdio), realizado entre maio de 2010 e dezembro
de 2011, incluiu 314.692 mulheres. Uma anlise sobre as mortes maternas e NMM verificou
que entre 308.392 partos nicos, houve 5.462 mortes fetais tardias e 2.528 bitos neonatais
precoces. A taxa de morte fetal tardia mdia foi de 6,6 por mil partos (intervalo interquartil
4,2-26,8 por 1000 partos), e a taxa de mortalidade neonatal precoce mdia foi de 7,5 por mil
nascidos vivos (intervalo interquartil 4,5-10,7 por 1000 nascidos vivos) considerando que
-
29
apenas 7,0% das mulheres tiveram uma complicao potencialmente fatal, 85,6% das mortes
fetais tardias maceradas, 86,5% das mortes fetais tardias frescas, e 88,6% dos bitos
neonatais precoces ocorreram na presena de pelo menos uma dessas complicaes
(VOGEL; SOUZA, 2014).
Musooko (2014) sugere que, para melhorar a sobrevida neonatal, deve-se
incrementar as estratgias para garantir a disponibilidade de assistncia obsttrica e neonatal,
assim como os encaminhamentos oportunos de mulheres com complicaes de parto, o
acompanhamento durante o parto adequado, treinamento de equipes em reanimao neonatal
e melhoria dos cuidados de recm-nascidos asfixiados. Aponta, ainda, que a inadequada
monitorizao cardaca fetal durante o trabalho foi associada com um aumento de seis vezes
o risco de morte neonatal precoce nestes recm-nascidos, enquanto o desconforto
respiratrio foi associado com um aumento de 30 vezes no risco de morte neonatal precoce.
-
30
3 OBJETIVO
3.1 Objetivo Geral
Identificar as caractersticas epidemiolgicas dos bitos fetais e neonatais precoces,
de pacientes filhos de mes com NMM, e os fatores associados a esse desfecho.
3.2 Objetivos Especficos
Identificar caractersticas sociodemogrfica da sade reprodutiva e aspectos clnicos
de pacientes filhos de mes com NMM, cujos filhos foram a bito (fetal e neonatal
precoce);
Identificar caractersticas clnicas dos bitos fetais e neonatais precoces de filhos de
pacientes com NMM;
Analisar fatores associados aos bitos fetais e neonatais em mulheres com NMM.
-
31
4 CASUSTICA E MTODOS
4.1 Tipo e local de estudo
Esta pesquisa caracteriza-se por ser um estudo de corte transversal, realizada em
Aracaju, capital do estado de Sergipe. O municpio de Aracaju possui uma populao de
571.149 habitantes, localiza-se no litoral do Nordeste brasileiro e possui uma rea de
181,857 km (IBGE, 2010).
O local do estudo foram trs maternidades do municpio de Aracaju, sendo duas
conveniadas ao Sistema nico de Sade (SUS) Hospital Santa Isabel (HSI) e Maternidade
Nossa Senhora de Lourdes (MNSL) e uma maternidade privada que atende gestantes
provenientes da categoria de internao particular e de operadoras de sade (Hospital
Gabriel Soares HGS).
A MNSL a referncia estadual para alto risco materno, mas ocasionalmente
tambm atende aos partos de baixo risco. Realiza em mdia 350 partos/ms, dispe de 62
leitos de enfermaria e UTI neonatal, porm funciona sem UTI materna. Nessa maternidade,
pacientes com indicao de UTI aguardam remoo externa, que pode ser para UTI do
Hospital Santa Isabel, UTI do Hospital de Cirurgia ou do Hospital de Urgncia de Sergipe
(HUSE), a depender da disponibilidade de vaga dessas instituies (GALVO, 2012).
O HSI realiza, em mdia, 800 partos/ms e referncia para baixo e mdio risco
obsttrico; para o municpio de Aracaju, eventualmente mantm purperas de alto risco
internadas. Dispe de 90 leitos de enfermaria, Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
(UTIN) e UTI materna, sendo a nica no estado com 10 leitos.
O Hospital Gabriel Soares (nome comercial de HAPVIDA) um hospital privado,
fundado h menos de 10 anos, que atende somente pacientes conveniados e particulares das
mais diversas reas da medicina. Reserva 6 leitos para atendimento obsttrico, realiza em
-
32
mdia 45 partos/ms, possui uma UTIN com 5 leitos e uma UTI Peditrica com 2 leitos.
Possui tambm uma UTI adulta com 3 leitos.
Essas maternidades atendem o estado de Sergipe e tambm municpios de outros
estados, como Alagoas e Bahia, em vista do acesso ser mais vivel. No estado de Sergipe,
nasce anualmente uma mdia de 35.000 nascidos vivos a grande maioria em uma dessas
trs maternidades acima mencionadas (DATASUS, 2012).
4.2 Populao do estudo
A populao do estudo foi composta por gestantes, parturientes e purperas (at 42
dias ps-parto) que preencheram pelo menos um dos critrios de NM preconizados pela
OMS (SAY et al, 2009) e que se internaram em uma dessas trs maternidades de Sergipe,
localizadas em Aracaju, no perodo de 15 de setembro de 2014 a 15 de setembro de 2015.
4.3 Classificao e critrios adotados
Consideraram-se como desfecho fetal e neonatal precoce adverso (DFNA), os casos
de bitos fetais e neonatais precoce, que se referem a 22 semanas de gestao at 7 dias aps
o nascimento. Para anlise do DFNA, foram excludos os casos de NMM associados ao
abortamento, doena trofoblstica gestacional e gravidez ectpica, uma vez que essas
situaes no englobam fetos viveis. Os casos de gestaes gemelares foram contabilizados
como dois desfechos de bito fetal e neonatal precoce.
4.4 Critrios de excluso
Foram excludas da pesquisa as mulheres com procedncia de outros estados; as que
apresentaram aborto ou fetos no viveis com idade gestacional menor que 20 semanas; e
aquelas que at 42 dias da data do parto vierem a bito.
-
33
4.5 Instrumento para coleta dos dados
O instrumento para coleta de dados englobou trs projetos inseridos no grupo de
estudos sobre NM, e foi constitudo por 70 perguntas abertas e 60 perguntas fechadas,
totalizando 130 questes. O formulrio possui folha de identificao, dados de pronturio
(dados da internao da me e relativos ao RN), critrios do RN para NMN (caso), dados
relativos ao parto, dados do bito, critrios do NMM e entrevista que contemplam dados da
me, dados relativos renda, gestao e parto (Apndice B).
4.6 Sistemtica para a coleta dos dados
Esta pesquisa fez parte de um projeto maior, inserido no Grupo de Estudos sobre
Near Miss, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que conta com 26 alunos da
graduao de medicina (destes, 20 recebiam bolsa do PIBIC e os demais eram voluntrios).
e mais duas mestrandas de Cincias da Sade, coordenados por Professores do
Departamento de Medicina e Enfermagem.
Foi elaborado um cronograma para a coleta de dados, assim como um manual
explicativo referente s questes que foram investigadas (Apndice A), com explicao clara
dos critrios para NM, preconizados pela OMS, a fim de orientar os pesquisadores na busca
ativa dessas gestantes quando estavam no campo.
O treinamento dos alunos se deu a partir de 2 meses antes de ser iniciada a coleta,
com reunies para dirimir dvidas sobre o projeto, o formulrio utilizado, os critrios e a
sistematizao da coleta. Foi disponibilizada uma cpia do manual da coleta para cada aluno
(Apndice A) e criado um e-mail prprio para todos os membros da pesquisa, bem como um
grupo de conversas instantneas via celular.
A pesquisa se desenvolveu nos sete dias da semana, nos turnos da manh, tarde e
eventualmente a noite, por um perodo de um ano. O projeto piloto iniciou no dia 15 de
setembro de 2014, com durao de um ms, com acompanhamento das mestrandas, que
supervisionavam os alunos em suas escalas, a fim de orient-los no campo prtico da coleta.
-
34
Inicialmente, realizou-se a busca nos pronturios das mulheres admitidas nos locais de
estudo e a anlise do pronturio do recm-nascido.
O formulrio para complementar as informaes foi aplicado para mulheres que
preenchessem os critrios de incluso dos sujeitos desta pesquisa. Aps 30 dias, os alunos
passaram a desenvolver a pesquisa sozinhos, porm sempre com a superviso de uma
mestranda escalada, para verificar nas maternidades a operacionalizao da pesquisa. Com a
aplicao do piloto, observou-se que no haveria necessidade de modificao do formulrio,
motivo pelo qual o nico caso de NMM neste perodo foi includo na pesquisa.
4.7 Variveis do estudo
As variveis estudadas buscaram identificar diversos aspectos que podem ocorrer no
curso de cada gestao e o desfecho de todos os RN. Capt-las de forma completa foi de
extrema importncia para a consistncia da pesquisa, que contou com as seguintes variveis:
critrios de NMM (critrios clnicos, laboratoriais e de manejo), caractersticas das
desordens obsttricas dos NMM (doena pr-existente, desordens hemorrgicas, desordens
hipertensivas, outras desordens sistmicas ou associadas, uso de medicamento para a doena
identificada), variveis sociodemogrficas (idade da NMM, cor/raa, situao conjugal,
escolaridade, renda familiar), variveis relativas gestao e parto (pr-natal, nmero de
consultas, tipo de parto, paridade, natimortos anteriores, local de admisso do RN), e
tambm caractersticas do RN (idade gestacional em semanas, sexo do RN, peso ao nascer,
Apgar de 5 min, tamanho do RN, risco para hipoglicemia, hipoglicemia, asfixia neonatal,
desconforto respiratrio precoce).
4.8 Construo, digitao do banco de dados e anlise estatstica
A construo do banco e digitao dos dados foi realizada pela pesquisadora, com
auxlio de um estatstico. As variveis foram descritas por meio de frequncias simples e
percentual. Para avaliar associao entre as variveis, utilizou-se o teste Exato de Fisher.
Para avaliar a intensidade desta associao, foram ajustadas as razes de prevalncia brutas.
-
35
Para anlise multivariada, utilizou-se o mapa perceptual construdo a partir da Anlise de
Correspondncia Mltipla, fazendo uso das variveis que foram significativas a 20%. Essa
margem foi escolhida para melhor visualizao de possveis associaes. Para todas as
anlises, utilizou-se o nvel de significncia de 5% e o software utilizado foi R Core Team
2015.
4.9 Consideraes ticas
Este estudo foi aprovado pelo Comit de tica da Universidade Federal de Sergipe
(CAAE: 27416214.8.0000.5546), em 11 de agosto de 2014 (Anexo A), assim como foi
autorizada a coleta de dados desta pesquisa pelas trs maternidades.
4.10 Metodologia dos resultados, discusses e concluso
Os resultados, discusso e concluso da pesquisa foram apresentados no modelo de
artigo cientfico, direcionados para a publicao na Revista Brasileira de Enfermagem
(REBEN), com o objetivo de disponibilizar para o mundo acadmico informaes relevantes
sobre a temtica NM que podero contribuir para a rea de sade materna e infantil. As
instrues para os autores foram seguidas conforme disponibilizado pela revista (Anexo B) e
pelo check list auxiliar submisso (Anexo C).
-
36
5 ARTIGO CIENTFICO
bitos fetais e neonatais de filhos de mes classificadas com near miss
Objetivo: Identificar os aspectos epidemiolgicos dos bitos fetais e neonatais precoces em
filhos de pacientes classificadas com near miss materno e os fatores associados a este
desfecho. Mtodo: Estudo transversal realizado com 79 mulheres identificadas com near
miss e seus recm-nascidos. As variveis foram analisadas utilizando-se o teste Exato de
Fisher. Os fatores de risco foram estimados a partir das razes de chances no ajustadas e
ajustadas, e por meio de anlise de correspondncia mltipla, com significncia para p <
0,05. Resultados: As desordens hipertensivas totalizaram 40,5%; destas, 58,3% tiveram
desfecho fetal e neonatal adverso. Foi significante para o desfecho os recm-nascidos
admitidos na Unidade Terapia Intensiva Neonatal (70,8%), idade gestacional < 32 semanas
(41,6%), peso ao nascer < 2500 (66,7%), asfixia neonatal (50%) e desconforto respiratrio
precoce (72,2%). Concluso: As caractersticas significantes para o desfecho entre os
recm-nascidos foram a prematuridade, asfixia neonatal e desconforto respiratrio precoce.
Descritores: Complicaes na Gravidez; Morte Fetal; Morte Perinatal.
Key words: Pregnancy Complications; Fetal Death; Perinatal Death.
Palabras clave: Complicaciones del Embarazo; Muerte Fetal; Muerte Perinatal.
Introduo
A reduo do nmero absoluto de morte materna levou ao interesse em estudar os
nveis e as causas da morbidade materna grave e os casos de near miss maternos (NMM), ou
seja, a mulher que quase morreu, mas sobreviveu a uma complicao que ocorreu na
gravidez, parto ou at 42 dias aps a gestao1, cuja frequncia apresenta-se vrias vezes
superior da morte materna e permite que a prpria paciente seja a fonte de informaes
sobre o agravo. Essa condio til, atualmente, para avaliar tambm a qualidade da
ateno obsttrica2-3.
Condies maternas da gestao e parto podem influenciar nas condies fetais e
neonatais, de tal modo que o NMM pode contribuir para a elevao da morbimortalidade
perinatal, sendo relatada na literatura uma associao extremamente forte com eventos
perinatais adversos que podem levar a bitos fetais e neonatais 3-4.
-
37
Estudos sobre near miss (NM) vm sendo desenvolvidos com frequncia nos ltimos
anos, entretanto, poucas so as pesquisas que se referem s complicaes perinatais entre
esses pacientes, assim como os que relacionam o NMM, a morte fetal e neonatal precoce.
Pesquisas recentes realizadas no Brasil e China sobre essa relao revelam que as mes que
tiveram complicaes obsttricas tm risco aumentado para bito fetal e neonatal, bem como
para a prematuridade e para asfixia neonatal3,5.
Neste contexto, o desfecho fetal e neonatal adverso (DFNA) entre as pacientes com
NM ainda precisa ser explorado. Os recm-nascidos (RN) que estiveram prximos da morte
por prematuridade extrema ou asfixia neonatal, cujas mes foram NMM, tambm
necessitam de ateno especial3.
A denominao near miss neonatal (NMN) para esses RN teve como base o conceito
de NMM e se refere a um recm-nascido que apresenta uma complicao grave durante os
primeiros dias de vida, quase foi a bito, mas sobreviveu durante o perodo neonatal. Apesar
dos critrios ainda no serem um consenso, os mais utilizados so aqueles que apresentam
qualquer uma das condies de risco ao nascimento (Apgar menor que 7 no 5o minuto, idade
gestacional menor que 30 semanas, peso menor que 1.500g) e no for a bito at o sexto dia
de vida4.
Este estudo teve como objetivo identificar os aspectos epidemiolgicos dos bitos
fetais e neonatais precoces em pacientes com NMM e os fatores associados ao seu desfecho.
Mtodo
A pesquisa caracteriza-se por ser de corte transversal, realizado no perodo de
setembro de 2014 a setembro de 2015, em maternidades do municpio de Aracaju, capital do
estado de Sergipe, Brasil. A coleta dos dados se desenvolveu nos sete dias da semana, nos
turnos da manh, tarde e eventualmente noite.
A populao do estudo foi composta por gestantes, parturientes e purperas que
preencheram pelo menos um dos critrios de NM preconizados pela OMS1: critrios clnicos
(cianose aguda, gasping, frequncia respiratria > 40 ou < 6/ipm, choque, oligria no
responsiva a fluidos ou diurticos, distrbios da coagulao, perda da conscincia por 12
horas ou mais, perda da conscincia e ausncia de pulso ou batimento cardaco, acidente
vascular cerebral, convulso no controlada, ictercia na presena de pr-eclmpsia),
laboratoriais [SO2 < 90% por 60 minutos ou mais, PaO2/FiO2 < 200mmHg, creatinina
3,5mg/dL, bilirrubinas 6,0mg/dL, pH < 7,1, lactato > 5, trombocitopenia aguda (< 50.000),
perda da conscincia e presena de glicose e cetona na urina] e de manejo (uso de drogas
-
38
vasoativas, histerectomia por infeco ou hemorragia, transfuso 5 unidades de
concentrado de hemcias, intubao e ventilao por 60 minutos no relacionada
anestesia, dilise para insuficincia renal aguda, parada cardiorrespiratria), alm dos recm-
nascidos dessas pacientes.
Inicialmente, realizou-se a busca nos pronturios das mulheres admitidas nos locais
de estudo e anlise do pronturio do recm-nascido. Um formulrio para complementar as
informaes foi aplicado para mulheres que preencheram os critrios de incluso e aceitaram
participar desta pesquisa.
Consideraram-se como desfecho fetal e neonatal adverso (DFNA) os casos de bitos
fetais e neonatais precoce e os casos de NMN. Foram excludos os casos de NMM
associados ao abortamento, doena trofoblstica gestacional e gravidez ectpica, uma vez
que essas situaes no englobam fetos viveis.
As variveis estudadas foram: critrios de NMM (critrios clnicos, laboratoriais e de
manejo), caractersticas das desordens obsttricas dos NMM (doena pr-existente,
desordens hemorrgicas, desordens hipertensivas, outras desordens sistmicas ou associadas,
uso de medicamento para a doena identificada), variveis sociodemogrficas (idade da
NMM, cor/raa, situao conjugal, escolaridade, renda familiar), variveis relativas
gestao e parto (pr-natal, nmero de consultas, tipo de parto, paridade, natimortos
anteriores, local de admisso do RN) e caractersticas do RN (idade gestacional em semanas,
sexo do RN, peso ao nascer, Apgar de 5 min, tamanho RN, asfixia neonatal, desconforto
respiratrio precoce).
Os dados foram analisados no Programa Estatstico R Core Team 2015. Foram
calculadas as medidas centrais para as variveis contnuas e medidas de frequncias para as
variveis categricas. Para verificar a associao das variveis, utilizou-se o teste exato de
Fisher, e, na avaliao das intensidades dos fatores de risco, foram estimadas as razes de
chances no ajustadas e ajustadas com seus respectivos intervalos de confiana. Foram
considerados significantes os valores com p < 0,05. Para a construo do mapa percentual,
foi utilizada a anlise de correspondncia mltipla entre as variveis, cujo nvel de
significncia associado ao DFNA foi inferior a 20%. Essa margem foi escolhida para melhor
visualizao de possveis associaes.
Este estudo foi aprovado pelo Comit de tica da Universidade Federal de Sergipe
(CAAE: 27416214.8.0000.5546), em 11 de agosto de 2014.
-
39
Resultados
No perodo do estudo, foram contabilizados 16.549 partos no municpio de Aracaju,
todos provenientes de mulheres residentes no estado de Sergipe. Foram identificados 79
casos de NMM, sendo o nmero de bitos maternos registrados nesse perodo de 17 bitos.
A taxa de mortalidade materna da populao em questo ficou em 102,7 casos/100.000
nascidos vivos (NV); a taxa de incidncia de NMM foi de 4,7 casos/1.000 NV; a razo de
NMM:MM foi de 4,5:1 indicando que o nmero de casos de NMM foi 4,5 vezes maior
que o nmero de MM. Foram identificados 24 DFNA, sendo 7 bitos fetais, 01 bito
neonatal precoce e 16 NMN.
Na tabela 1, est apresentada a distribuio dos casos de NMM, conforme os critrios
preconizados pela OMS, bem como a relao com os DFNA. Entre os critrios de NMM, os
clnicos foram os que tiveram maior prevalncia, com 62 casos (78,5%); os DFNA dessas
mes foram 19 (31%). Mes que apresentaram critrios de manejo somaram 46 (58,2%); os
DFNA, 15 casos (33%). Os critrios laboratoriais estiveram presentes em 18 casos (22,8%)
e, destes, 7 (39%) foram DFNA.
Tabela 1 Distribuio dos critrios de near miss materno segundo desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015
Desfecho Fetal
Neonatal Adverso
NMM* Sim No p-valor
n % n % n %
Clnico Sim 62 (78,5) 19 (31) 43 (69) 1,000 No 17 (21,5) 5 (29) 12 (71)
Laboratorial Sim 18 (22,8) 7 (39) 11 (61) 0,392
No 61 (77,2) 17 (28) 44 (72) Manejo Sim 46 (58,2) 15 (33) 31 (67) 0,399
No 33 (41,8) 9 (14) 55 (86) *Near Miss Materno
Referente s desordens obsttricas dos casos de NM (tabela 2), foi verificado que 20
mulheres (25,3%) apresentaram doenas pr-existentes, sendo que 9 (37,5%) tiveram
DFNA. As desordens hemorrgicas (deslocamento prematuro de placenta, ruptura uterina,
distrbio da coagulao) estiveram presentes em 29 (36,7%) mulheres e, destas, 7 (29,2%)
com DFNA. As desordens hipertensivas (pr-eclmpsia grave, eclmpsia, hipertenso)
totalizaram 32 casos (40,5%) e, destes, 14 (58,3%) foram DFNA, com significncia p-valor
=0,046. Outras desordens sistmicas ou associadas (anemia falciforme, sfilis, diabetes,
-
40
cardiopatia, aplasia de medula, lpus, infeco do trato urinrio) perfizeram 27 mulheres,
(34,2%) e, destas, 5 (10,8%) apresentaram filhos com DFNA.
Tabela 2 Distribuio das desordens obsttricas dos near miss materno segundo desfecho
neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015
Desfecho Fetal
Neonatal Adverso
NMM* Sim No p-valor RP** (IC95%)
n % n % n %
Doena preexistente
Sim 20 (25,3) 9 (37,5) 11 (20) 0,158 1,77 (0,92-3,40) No 59 (74,7) 15 (62,5) 44 (80) Desordens
Hemorrgicas
Sim 29 (36,7) 7 (29,2) 22 (40) 0,450 0,71 (0,33-1,51)
No 50 (63,3) 17 (70,8) 33 (60)
Desordens
Hipertensivas
Sim 32 (40,5) 14 (58,3) 18 (32,7) 0,046 2,06 (1,05-4,04)
No 47 (59,5) 10 (41,7) 37 (76,3)
Outras desordens
sistmicas ou
associadas
Sim 27 (34,2) 5 (10,8) 22 (40) 0,125 0,51 (0,21-1,21)
No 52 (65,8) 19 (79,2) 33 (60)
Utilizou medicamento
para a doena
identificada
Sim 27 (34,2) 11 (45,8) 16 (29,1) 0,198 1,63 (0,85-3,14) No 52 (65,8) 13 (54,2) 39 (70,9)
*Near Miss Materno **Razo de prevalncia
Os aspectos sociodemogrficos e relativos gestao e parto esto apresentados na
tabela 3. Dos casos de near miss materno identificados, 49 (62,0%) estavam contidos na
faixa etria de 20 a 35 anos, porm 18 casos (22,8%) ocorreram em mes adolescentes.
Verificou-se que 12 (50,0%) de DFNA encontravam-se entre mulheres de 20 a 35 anos de
idade. A maior frequncia de DFNA foi identificada nas mulheres no brancas (19, 79,2%);
com situao conjugal com companheiro (22, 91,7%); escolaridade > 8 anos (12, 52,2%); e
portadoras de renda familiar < 3 salrios mnimos (22, 91,7%).
Foi observado que 22 (91,7%) casos de DFNA foram oriundos de mulheres que
tiveram assistncia pr-natal, com nmero de consultas < 6 (13, 54,2%). A maior
prevalncia de DFNA foi proveniente de parto cesreo 20 (83,3%), de mulheres com 2 a 3
filhos (11, 45,8%) e sem natimortos anteriores (17, 70,8%), tendo sido constatada
-
41
significncia estatstica para esta ltima varivel p 0,038 , RP 0,43 (0,23-0,82). Os RN
admitidos com DFNA na UTIN foram 17 (70,8%) e tiveram significncia p
-
42
Tabela 3 Distribuio dos aspectos sociodemogrficos e relativos gestao e parto dos casos de near miss materno segundo desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015
Desfecho Fetal
Neonatal Adverso
NMM* Sim No p-valor RP** (IC95%)
n % n % n %
Idade da NMM*
35 12 (15,2) 5 (20,8) 7 (12,7) Cor/Raa
Branca 11 (13,9) 5 (20,8) 6 (10,9) 0,295 1,63 (0,77-3,45) No Branca 68 (86,1) 19 (79,2) 49 (89,1) Situao Conjugal
Com companheiro 70 (88,6) 22 (91,7) 48 (87,3) 0,715 1,41 (0,40-5,04) Sem companheiro 9 (11,4) 2 (8,3) 7 (12,7) Escolaridade
8 anos 37 (50) 11 (47,8) 26 (51) 1,000 0,92 (0,46-1,81) >8 anos 37 (50) 12 (52,2) 25 (49) Renda familiar em
Salrio Mnimo
-
43
Na tabela 4, observa-se que 30 (38,0%) das mulheres classificadas com NM tiveram
parto prematuro, assim como os RN do sexo feminino contabilizaram 41 (51,9%); filhos
com peso ao nascer < 2500 gramas somaram 29 (36,7%); APGAR < 7, no quinto minuto, 9
(12,5%); e RN PIG e GIG, 6 (7,6%) e 9 (11,4%), respectivamente. Foi observado que 28
(38,4%) dos filhos dessas mulheres apresentaram desconforto respiratrio precoce.
Na anlise dos DFNA, foi identificada significncia estatstica para crianas
provenientes de idade gestacional < 32 semanas (10, 41,6%), p
-
44
Tabela 4 Distribuio das caractersticas e dos diagnsticos mdicos dos recm-nascidos segundo os casos de near miss materno e o desfecho neonatal adverso. Aracaju, SE, Brasil, 2014-2015
Desfecho Fetal
Neonatal Adverso
NMM* Sim No p-valor RP** (IC95%)
n % n % n %
Idade Gestacional em
Semanas
-
45
Figura 1 Mapa percentual construdo a partir da Anlise de Correspondncia Mltipla
utilizando as variveis que foram significativas a 20%.
Discusso
Neste estudo, a taxa de mortalidade materna, a taxa de incidncia de NMM e a razo
de NMM:MM foram semelhantes aos identificados em um estudo realizado h dois anos em
Sergipe6, o que indica que a reduo dos nmeros de bitos maternos e NM um processo
lento e que requer polticas pblicas condizentes e atuantes, aliadas a uma vigilncia de
qualidade. Mesmo os resultados estando em um padro abaixo do preconizado pela OMS,
ainda apresenta melhores resultados quando comparado aos de outros pases, onde foi
observado em um estudo realizado na Palestina, Lbano, Egito e Sria uma maior
prevalncia para NMM e MM7.
Entre os DFNA, a proporo dos bitos fetais, neonatal precoce e casos de NMN foi
similar a um estudo realizado em Recife, no Brasil, sendo prevalentes os bitos fetais em
relao aos neonatais3. Uma pesquisa realizada na Frana concluiu que a mortalidade
-
46
perinatal ocorre principalmente no tero, e isso pode estar relacionado com complicaes
obsttricas8.
Entre os critrios de NMM, os critrios clnicos foram os que tiveram a maior
prevalncia; resultados idnticos foram evidenciados em uma pesquisa multicntrica no
Brasil9. Os critrios laboratoriais ocorreram em menor nmero de casos (18 mulheres,
22,8%); no entanto, foi responsvel pela maior porcentagem dos DFNA (39%). Em outros
dois estudos, na regio Nordeste do Brasil, os critrios laboratoriais tambm se destacaram,
pois apresentaram associao positiva com os bitos registrados3,10.
Das mes que apresentaram doenas pr-existentes, 37,5% tiveram DFNA (anemia
falciforme, sfilis, diabetes, cardiopatia, aplasia de medula, lpus). Em um estudo realizado
em 29 pases, verificou-se que a mortalidade perinatal foi significativamente aumentada
quando a paciente apresentava anemia grave11.
As desordens hemorrgicas (deslocamento prematuro de placenta, ruptura uterina,
distrbio da coagulao) estiveram presentes em 36,7% das mulheres e, destas, 29,2% com
DFNA. Complicaes relacionadas hemorragia foram as condies mais frequentes entre
casos near miss materno em outros estudos7,12. Em uma pesquisa desenvolvida no Brasil, a
hemorragia intra-parto ocorreu em apenas 8,0% das mulheres, porm foi responsvel por
18,2% de NMM e 10% dos casos de morte materna. Isso indica que os casos mais graves de
NM esto relacionados aos distrbios hemorrgicos13.
As desordens hipertensivas (pr-eclmpsia grave, eclmpsia, hipertenso) totalizaram
40,5% e, destas, 58,3% tiveram DFNA, com significncia estatstica. Os distrbios
hipertensivos foram prevalente nos casos de NMM em outros estudos realizados no
Brasil3,14-15 apresentando uma relao forte com a prematuridade. O mesmo ocorreu neste
estudo, uma vez que a hipertenso apresentou significncia estatstica para o DFNA.
Resultado idntico foi encontrado na pesquisa desenvolvida por Oliveira e Costa, em Recife-
PE/ Brasil, que refere que a sobreposio do NMM e pr-eclmpsia grave traduziu-se em
uma forte associao com DFNA, sendo trs vezes maior se comparada s mes sem pr-
eclmpsia3.
Essa maior frequncia dos distrbios hipertensivos entre os casos de NMM e sua
associao com DFNA sugere a necessidade de melhorias na assistncia pr-natal, visando
identificao precoce e adoo de medidas que evitem a progresso para complicaes e
que minimizem as repercusses sobre o feto. Considera-se isso factvel, j que foi observado
que em pases desenvolvidos houve uma reduo dos casos de distrbios hipertensivos (e
-
47
no so eles que aparecem como principal condio materna associada ao NM, mas sim as
desordens hemorrgicas)16.
Dos casos de NMM identificados, a maioria estava na faixa etria de 20 a 35 anos,
bem como os DFNA o que difere de outros estudos realizados no Brasil e nos pases
nrdicos, onde o NMM esteve associado com a idade materna de 35 anos ou mais9,17. Neste
estudo, a maior prevalncia de casos de NM relacionados paridade foram de primigestas.
Isto tem a ver com as desordens hipertensivas que so mais frequentes na primeira gestao.
Com isso, as divergncias em relao paridade podem ser observadas em diferentes pases.
No estudo em Recife, 44,7% dos casos ocorreram em primparas e as desordens
hipertensivas foram prevalentes10; j nos pases nrdicos, a taxa de paridade foi mais elevada
e a maior frequncia foi de distrbios hemorrgicos17.
A maior prevalncia de DFNA foi proveniente de parto cesreo, o mesmo ocorrendo
nos demais estudos sobre NM3,18. Acredita-se que esta predominncia tenha relao com as
complicaes na gravidez e intervenes necessrias para evitar os bitos. Um estudo
realizado na Holanda contestou a vertente que a cesariana aumenta em cinco vezes a chance
de uma mulher tornar-se um caso de near miss, j que essa associao pode sofrer influncia
de fatores de confuso, sendo questionvel se a cesariana um fator de risco para near miss,
ou se , na verdade, uma consequncia dessa condio19, tornando-se, em alguns casos, um
fator de proteo ao DFNA.
Verificou-se que a maior parte dos DFNA eram provenientes de mulheres que
tiveram assistncia pr-natal, com um nmero de consultas < 6. Esse resultado pode ser
justificado pela prematuridade, pois pode no existir tempo suficiente para a me realizar
mais consultas. Uma pesquisa desenvolvida na Amrica Latina e Caribe em mulheres com
assistncia pr-natal com nmero de consulta inferior a seis, devido a complicaes na
gestao e interrupo da mesma, tiveram taxas de mortalidade mais elevadas e com maior
frequncia de casos NM e bitos fetais e neonatais15. Em outros estudos, na China e no
Brasil, foi referido que as complicaes na gravidez resultam em ndices mais elevados de
morte fetal e neonatal, prematuridade, morte no parto5,20.
Neste estudo, o histrico de natimortos anteriores foi fator de risco para o DFNA,
com resultado significante estatisticamente. Em um estudo na Nigria, tambm foi
encontrado esse fator de risco para natimorto21. Isso pode sugerir que, havendo caso de
natimorto anterior no histrico reprodutivo da mulher, isso aumenta em duas vezes a chance
de ter DFNA em uma prxima gestao.
-
48
Os RN admitidos com DFNA na UTIN tiveram resultados estatisticamente
significantes. Os estudos existentes sobre admisso em UTI identificaram os principais
motivos para a admisso22-23, porm so insuficientes os estudos que avaliam o local de
admisso dos RN de mes com NM. Em Joinville, SC, foram evidenciados como fatores de
risco para a admisso na UTIN: o baixo peso ao nascer, Apgar com 5 minutos < 7 e
prematuridade22. No Paran, o diagnstico mais frequente foi a prematuridade (49,5%)23.
Todas essas caractersticas esto relacionadas ao DFNA e tiveram resultados significantes
para esta pesquisa.
Verifica-se que 38,0% das mulheres NM tiveram parto prematuro; os DFNA dessas
mes tiveram resultados significantes estatisticamente para crianas de idade gestacional <
32 semanas (41,6%) e peso ao nascer < 2500 (66,7%). A relao entre essas variveis so
referidas como extremamente fortes, j que um RN prematuro tambm ter baixo peso. A
prematuridade citada como a principal caracterstica nos estudos que relacionam o NMM
com os RN3,23.
Entre os filhos das mulheres com NMM, houve tambm uma frequncia considervel
de recm-nascidos com hipxia grave (Apgar no quinto min < 7) e asfixia neonatal3. Na
Nigria, os bitos neonatais precoces tiveram principal relao com a asfixia durante o
parto21. Na Finlndia, um estudo verificou que os resultados neonatais, aps as complicaes
maternas, foi o bito elevado e na maioria dos casos, sendo 80,0% ligados ruptura uterina,
o que aumenta o risco de asfixia perinatal grave24. Neste estudo, a asfixia neonatal tambm
apresentou significncia para o DFNA.
Foi observado que o desconforto respiratrio precoce apresentou resultados
significantes para o DFNA. Em uma pesquisa desenvolvida no Chile, foi relatada a sndrome
da angstia respiratria como principal causa de morte. O uso de corticoides e surfactante
resultou na reduo da mortalidade25. Em um estudo realizado em Belo Horizonte, as taxas
de morte decorrentes da asfixia/hipxia e a morte fetal no especificada foram crescentes
com o aumento da rea de risco, isto , constatou-se que as mortes perinatais se distribuam
de forma diferenciada em relao ao espao e s vulnerabilidades sociais e que, por
conseguinte, o enfrentamento desse complexo problema requer o estabelecimento de
parcerias intersetoriais26.
Considera-se como limitao deste estudo o registro, algumas vezes, incompleto dos
pronturios das pacientes, bem como a no realizao de exames em casos de complicaes
obsttricas, o que poderia dificultar a identificao dos critrios de NM. Porm, como a
coleta de dados foi realizada diariamente e em todos os turnos, observavam-se, in loco,
-
49
critrios que contemplavam a incluso da purpera no estudo, mesmo sem estar relatado no
pronturio.
Como contribuio, a pesquisa pretende proporcionar uma reflexo sobre a
assistncia prestada s gestantes com near miss, colaborando para uma reduo do nmero
de bitos fetais e neonatais. Vale ressaltar que esta pesquisa indita no estado de Sergipe,
uma vez que no existe outro estudo que aborde essa temtica.
Concluso
As caractersticas dos bitos fetais e neonatais precoces em pacientes com NMM
tiveram associao forte com o desfecho fetal e neonatal adverso. Nas mes com desordens
hipertensivas, as caractersticas significantes para o desfecho entre os recm-nascidos foram
a prematuridade, asfixia neonatal e desconforto respiratrio precoce.
Referncias
1. Say L, Souza JP, Pattinson RC. Maternal near miss: towards a standard tool for
monitoring quality of maternal health care. Best pract. res., Clin. obstet. gynaecol. [Internet].
2009[cited 2016 jan 4];23(3):287-96. Available from:
http://www.bestpracticeobgyn.com/article/S1521-6934(09)00008-X/abstract. Referenced in
doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2009.01.007.
2. Ronsmans C. Severe acute maternal morbidity in low-income countries. Best pract. res.,
Clin. obstet. gynaecol. [Internet]. 2009[cited 2016 jan 6];23(3):305-16. Available from:
http://www.bestpracticeobgyn.com/article/S1521-6934(09)00002-9/abstract. Referenced in
doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2009.01.001.
3. Oliveira LC, Costa AAR. bitos fetais e neonatais entre casos de near miss materno. Rev.
Assoc. Med. Bras. [Internet]. 2013[cited 2016 jan 6];59(5):487-94. Available from:
http://ramb.elsevier.es/pt/bitos-fetais-e-neonatais-entre/articulo/90249380/. Referenced in
doi: 10.1016/j.ramb.2013.08.004.
4. Pileggi C, Souza JP, Cecatti JG, Fandes A. Neonatal near miss approach in the 2005
WHO Global Survey Brazil. J. pediatr. [Internet]. 2010[cited 2016 jan 8];86(1):21-6.
Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-
75572010000100005&script=sci_arttext&tlng=ES. Referenced in doi:
http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572010000100005.
http://www.bestpracticeobgyn.com/article/S1521-6934(09)00008-X/abstracthttp://dx.doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2009.01.007http://dx.doi.org/10.1016/j.bpobgyn.2009.01.001http://ramb.elsevier.es/pt/bitos-fetais-e-neonatais-entre/articulo/90249380/http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572010000100005&script=sci_arttext&tlng=EShttp://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572010000100005&script=sci_arttext&tlng=ES
-
50
5. Sun L, Yue H, Sun B, Han L, Tian Z, Qi M, et al. Estimation of high risk pregnancy
contributing to perinatal morbidity and mortality from a birth population-based regional
survey in 2010 in China. BMC pregnancy childbirth. [Internet]. 2014[cited 2016 jan
10];14(1):338. Available from:
http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-338.
Referenced in doi: 10.1186/1471-2393-14-338.
6. Galvo LPL, Alvim-Pereira F, de Mendona CMM, Menezes FEF, do Nascimento GKA,
Ribeiro Jr RF et al. The prevalence of severe maternal morbidity and near miss and
associated factors in Sergipe, Northeast Brazil. BMC pregnancy childbirth. [Internet].
2014[cited 2016 jan 14];14(1):25. Available from:
http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-25.
Referenced in doi: 10.1186/1471-2393-14-25.
7. Bashour H, Saad-Haddad G, DeJong J, Ramadan MC, Hassan S, Breebaart M, et al. A
cross sectional study of maternal near-miss cases in major public hospitals in Egypt,
Lebanon, Palestine and Syria. BMC pregnancy childbirth. [Internet]. 2015[cited 2016 jan
15];15(1):1. Available from:
http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12884-015-0733-7.
Referenced in doi: 10.1186/s12884-015-0733-7.
8. Boisram T, Sanans N, Fritz G, Boudier E, Viville B, Aissi G, et al. Abruptio placentae.
Diagnosis, management and maternal-fetal prognosis: a retrospective study of 100 cases.
Gynecol. obstet. fertil. [Internet]. 2014[cited 2016 jan 15];42(2):78-83. Available from:
http://europepmc.org/abstract/med/24309032. Referenced in doi:
10.1016/j.gyobfe.2013.06.012.
9. Dias MAB, Domingues RMSM, Schilithz AOC, Nakamura PM, Diniz CSG, Brum IR, et
al. Incidncia do near miss materno no parto e ps-parto hospitalar: dados da pesquisa
Nascer no Brasil. Cad. sade pblica. [Internet]. 2014[cited 2016 jan 16];30(Suppl 1):169-
81. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2014001300022&lng=pt. Referenced in doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-
311X00154213.
10. Oliveira LC, Costa AARD. Maternal near miss in the intensive care unit: clinical and
epidemiological aspects. Rev. bras. ter. intensiva. [Internet]. 2015[cited 2016 jan
16];27(3):220-27. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
507X2015000300220&script=sci_arttext&tlng=pt. Referenced in doi:
http://dx.doi.org/10.5935/0103-507X.20150033.
http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-338http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2393-14-25http://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12884-015-0733-7http://europepmc.org/abstract/med/24309032
-
51
11. Vogel JP, Souza JP, Mori R, Morisaki N, Lumbiganon P, Laopaiboon M, et al. Maternal
complications and perinatal mortality: findings of the World Health Organization
Multicountry Survey on Maternal and Newborn Health. BJOG: An International Journal of
Obstetrics & Gynaecology. [Internet]. 2014[c