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São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009
REFORMULAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: impasses e desafios para a
formação profissional em serviço social
Kátia Lima Universidade Federal Fluminense (UFF)
Larissa Dahmer Pereira
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Suelen Borges Machado Universidade Federal Fluminense (UFF)
Aline Teles Veloso Coelho
Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (ESS/UFF) RESUMO A Mesa Coordenada é composta por pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior/GEPES que apresentam os resultados parciais dos projetos de pesquisa desenvolvidos no referido Grupo criado em 2006, vinculado à Escola de Serviço Social e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense e cadastrado no CNPq e na FAPERJ. O GEPES possui, atualmente, três linhas de pesquisa:
(a) Organismos Internacionais e Política de Educação Superior na Periferia do Capitalismo;
(b) Política de Educação Superior no Brasil nos anos de neoliberalismo; (c) Mercantilização da Educação Superior e Formação Profissional dos
Assistentes Sociais. Os trabalhos têm como objetivo principal analisar os principais impasses e desafios para a formação profissional em Serviço Social em tempos de reformulação da educação superior brasileira, particularmente no que se refere a três eixos centrais:
(i) a intensificação da precarização do trabalho docente e da formação profissional nas universidades federais, no contexto de implementação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais/REUNI (Decreto 6096/07);
(ii) a ampliação do número de cursos privados em Serviço Social nos anos de neoliberalismo e os desafios para o projeto ético-político profissional;
(iii) a explosão do número de cursos privados na modalidade EaD distância em Serviço Social no Brasil no início do novo século.
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TRABALHO DOCENTE E FORMAÇÃO PROFISSIONAL NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS
Kátia Lima1
RESUMO O texto tem como objetivo analisar os impasses e desafios para a formação profissional em Serviço Social em tempos de reformulação da educação superior brasileira, particularmente no que se refere à desqualificação do trabalho docente e da formação profissional nas universidades federais, no contexto do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais/REUNI. Palavras-chave: Reformulação da educação superior, universidades públicas, formação profissional em Serviço Social.
ABSTRACT
The text has as objective analyzes the impasses and challenges for the professional formation in Social Service in times of Brazilian superior education reform, particularly in what it refers the disqualification of the educational work and professional formation in the federal universities, in the context of the Program of Support to Plans of Restructuring and Expansion of the Federal Universities. Keywords: Reform of the superior education, public universities, professional formation in Social Service.
1 INTRODUÇÃO: a reforma neoliberal da educação em processo
A reformulação da educação superior que está sendo realizada pelo governo
Lula da Silva encontra-se inserida em um processo mais amplo de reordenamento do
Estado brasileiro, caracterizado pela sistemática diluição das fronteiras entre público e
privado, a partir da materialização da noção de público não estatal operada pelas parcerias
público-privado. Esse processo atravessou o governo Cardoso, quando a educação foi
incluída no setor de atividades não-exclusivas do Estado, e está sendo aprofundado no
governo Lula da Silva, por meio de mais uma fase da reforma neoliberal da educação
superior (Neves, 2004 e Neves e Siqueira, 2006).
1 Professora da Escola de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, Doutora em Educação. [email protected]
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O intenso processo de reformulação da política de educação superior em nosso
país está ocorrendo a partir de um conjunto de ações expressas em leis, decretos e
medidas provisórias, como:
(i) o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) – Lei nº
10.861/2004;
(ii) o Decreto nº 5.205/2004, que regulamenta as parcerias entre as
universidades federais e as fundações de direito privado, viabilizando a
captação de recursos privados para financiar as atividades acadêmicas;
(iii) a Lei de Inovação Tecnológica (nº 10.973/2004) que trata do
estabelecimento de parcerias entre universidades públicas e empresas;
(iv) o Projeto de Lei nº 3.627/2004 que institui o Sistema Especial de Reserva
de Vagas;
(v) os projetos de lei e decretos que tratam da reformulação da educação
profissional e tecnológica;
(vi) o Projeto de Parceria Público-Privada (PPP) (Lei nº 11.079/2004) que
abrange um vasto conjunto de atividades governamentais;
(vii) o Programa Universidade para Todos (ProUni) – Lei nº 11.096/2005 – que
trata de “generosa” ampliação de isenção fiscal para as instituições
privadas de ensino superior;
(viii) o Projeto de Lei 7.200/06 que trata da Reforma da Educação Superior e se
encontra no Congresso Nacional;
(ix) a política de educação superior a distância, especialmente a partir da
criação da Universidade Aberta do Brasil e, mais recentemente;
(x) o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais/REUNI e o Banco de Professor-Equivalente (Lima,
2007).
A fundamentação teórica desta reformulação está expressa em algumas
nucleações básicas como
a) a noção da educação como “bem público”;
b) a diversificação das instituições de ensino superior, dos cursos e das fontes
de financiamento;
c) as concepções de desenvolvimento, expansão e avaliação da educação
superior brasileira.
A noção da educação como um descaracterizado “bem público” cria as bases
políticas e jurídicas para a diluição das fronteiras entre público e privado: se a educação é
um “bem público” e instituições públicas e privadas prestam esse serviço público (não-
estatal), está justificada, por um lado, a alocação de verbas públicas para as instituições
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privadas e a ampliação da isenção fiscal para estas instituições, e, por outro, o
financiamento privado das atividades de ensino, pesquisa e extensão das instituições
públicas. Neste sentido, o empresariamento da educação superior que foi iniciado com o
governos Collor-Itamar, ganhando nova racionalidade com o governo Cardoso, será
aprofundado no governo Lula da Silva a partir de um duplo mecanismo: a ampliação do
número de cursos privados e a privatização interna das instituições públicas. Neste
contexto, a “burguesia de serviços” educacionais sai vitoriosa com os resultados da pressão
exercida: a ampliação da isenção fiscal realizada pelo Fundo de Financiamento ao
Estudante do Ensino Superior/FIES e pelo ProUni e a possibilidade de que instituições
privadas brasileiras reconheçam diplomas de mestrado e doutorado expedidos por
instituições estrangeiras, prerrogativa que até então era exclusiva das instituições públicas.
A outra face deste empresariamento ocorre pela abertura para participação do capital
estrangeiro na educação brasileira e pelo estabelecimento de parcerias e/ou compra de
pacotes educacionais para viabilização da política de educação superior a distância
conduzida pelo governo federal.
Com relação à segunda nucleação, no interior das Instituições Federais de
Ensino Superior/IFES, o Plano de Desenvolvimento Institucional/PDI e a política de
avaliação, implementada pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior/SINAES, mantêm a lógica meritocrática e produtivista que orientou a política de
avaliação do governo Cardoso e naturaliza a privatização interna das IFES pela
diversificação das suas fontes de financiamento realizada por meio da constituição de
receitas próprias geradas com a venda de “serviços educacionais” através das fundações de
direito privado.
A diversificação das instituições de ensino superior e dos cursos será
aprofundada. Além da estruturação em universidades, centros universitários e faculdades
isoladas, a reformulação da política de educação superior apresenta os cursos seqüenciais,
os cursos de curta duração, os cursos de formação geral e formação específica e a emissão
de diplomas, certificados e atestados de aproveitamento como formas de fragmentação e
aligeiramento da formação profissional, viabilizando a quebra da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão.
Uma das mais importantes referências deste processo de certificação em larga
escala é o Programa REUNI divulgado pelo MEC em 2007 como parte do Plano de
Desenvolvimento da Educação/PDE, que traduz a concepção de desenvolvimento,
expansão e avaliação da educação superior brasileira do atual governo, o que será tratado a
seguir.
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2 UNIVERSIDADES FEDERAIS E O PROGRAMA REUNI
O PDE apresenta um conjunto de ações consideradas como prioritárias para o
governo federal2. Considerando o objetivo deste trabalho, deteremos nossas análises no
significado político-pedagógico do Decreto Presidencial 6096/07 que institui o REUNI
(Brasil/Presidência da República, 2007), do Documento intitulado “Diretrizes gerais do
Decreto 6096 - REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais”
(Brasil/MEC, 2007a.) e das Portarias Interministeriais n. 22 e 224 (Brasil, MEC/MPOG,
2007)3. O Programa REUNI foi divulgado pelo governo Lula da Silva através de um Decreto
Presidencial (6096/07) e apresenta os seguintes objetivos: elevar a taxa de conclusão dos
cursos de graduação para 90%; aumentar o número de estudantes de graduação nas
universidades federais; aumentar o número de alunos por professor em cada sala de aula
da graduação; diversificar as modalidades dos cursos de graduação, através da
flexibilização dos currículos, da criação dos cursos de curta duração e/ou ciclos (básico e
profissional) e da educação a distância, incentivando a criação de um novo sistema de
títulos e estimular a mobilidade estudantil entre as instituições de ensino. Todas estas ações
deverão ser realizadas no prazo de cinco anos.
Para cada universidade federal que aderir a este contrato de gestão com o MEC,
pois se trata de um “termo de pactuação de metas”, o governo promete um acréscimo de
recursos limitado a vinte por cento das despesas de custeio e pessoal. Entretanto, uma
análise cuidadosa do parágrafo terceiro do artigo 3o e do artigo 7º do Decreto Presidencial
deixa claro em que termos ocorrerá esta “expansão”, pois “o atendimento aos planos é
condicionado à capacidade orçamentária e operacional do MEC” e “as despesas
decorrentes deste processo devem estar circunscritas às dotações orçamentárias
consignadas anualmente ao MEC” (Brasil/Presidência da República, 2007). Para avaliarmos
a viabilidade do financiamento prometido pelo governo para cada universidade federal que
aderir ao Programa REUNI é fundamental conhecermos como tem se constituído a dotação
orçamentária da educação no governo Lula da Silva. Quando comparamos a alocação das
verbas federais com o pagamento da dívida pública e com o financiamento das áreas
sociais, fica evidente qual tem sido a prioridade do governo federal: para o pagamento dos
juros e amortizações da dívida foram alocados 30,57% dos recursos e apenas 2,57% do
Orçamento Geral da União de 2008 foram alocados para a área da educação (Auditoria
Cidadã da Dívida, 2009).
Portanto, a política de expansão do acesso à educação superior implementada
pelo governo federal expressa, portanto, uma ampliação focalizada no ensino de graduação,
2 Para aprofundar as análises sobre o PDE consultar Saviani, 2007. 3 Para conhecer as ações do PDE, consultar http://portal.mec.gov.br/index.php?option=content&task= view&id=593&Itemid=910&sistemas=1 Acesso em 04 de abril de 2008.
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sem alteração significativa do financiamento público. Para viabilizar esta política, as
Portarias Interministeriais números 22 e 224/07 (Brasil, MEC/MPOG, 2007) representam as
primeiras medidas efetivas de implementação do Decreto presidencial, constituindo, em
cada Universidade, “um instrumento de gestão administrativa de pessoal”: o banco de
professores-equivalentes. O “banco” será operacionalizado dando-se a cada docente em
exercício em 31/12/06 um peso diferenciado, segundo o seu regime de trabalho. Na medida
em que o Programa REUNI objetiva a expansão do ensino de graduação, fica evidente que
ações do governo estimulam as universidades federais à contratação de professores em
regime de trabalho de 20 horas para o trabalho em sala de aula, esvaziando o sentido do
regime de trabalho em dedicação exclusiva, base de realização da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão.
A adesão das universidades federais ao Programa REUNI implica diretamente
dois níveis de precarização: a da formação profissional e do trabalho docente. A
precarização da formação ocorre através do atendimento de um maior número de alunos
por turma, da criação de cursos de curta duração e/ou ciclos (básico e profissionalizante),
representando uma formação aligeirada e desvinculada da pesquisa. A implementação
deste Programa resultará em uma universidade desfigurada, descaracterizada enquanto tal,
transformada em “escolão de terceiro grau”, subtraída de suas funções sociais de produção
e socialização do conhecimento científico, tecnológico e cultural. Considerando a
necessidade do cumprimento das metas de “expansão” propostas no decreto, através do
aumento do número de turmas, de cursos e da relação professor-aluno em sala de aula da
graduação, e os limites orçamentários existentes, a dinâmica de contratação de professores
nas universidades deverá pautar-se no “banco de professores-equivalentes”, precarizando
ainda mais as condições de trabalho docente (Tonegutti e Martinez, 2008 e Lima, 2008).
A proposta de diversificação dos cursos de graduação, apresentada pelo
Programa REUNI não constitui, entretanto, nenhuma novidade, mas sim a reatualização das
políticas elaboradas pelo Banco Mundial para os países da periferia do capitalismo que
expressam a concepção de educação para estes países: adaptação e difusão de
conhecimentos (Leher, 1998). Analisando as bases de fundamentação teórica e política do
Programa REUNI, encontramos como referência a reformulação da educação superior
européia denominada “processo de Bolonha” que tem seu início em 1999 e prossegue no
início do novo século com a finalidade de construir um espaço europeu de educação
superior até o ano 2010, através da adoção de sistema de graus comparável; de um sistema
baseado, essencialmente, em ciclos e da promoção da mobilidade de estudantes. Um
processo que vem sofrendo duras críticas pela fragmentação da formação profissional que
realiza e pelo indicativo de formação de um promissor “mercado educacional” europeu,
facilitando a ação das empresas educacionais (Siqueira, 2009).
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Simultaneamente, o Programa REUNI é uma face do Projeto Universidade Nova
(UFBA, 2007). Apesar do REUNI e do UniNova apresentarem as mesmas argumentações e
a mesma proposta de elaboração de uma “nova arquitetura curricular” para as universidades
públicas através da organização de bacharelados interdisciplinares/BI (ciclos básico -
comum a várias áreas de conhecimento - e ciclos profissionalizantes), o UniNova na medida
em que centralizou sua proposta nesta “nova arquitetura curricular” gerou um conjunto de
críticas de reitores e demais administradores das universidades federais que reivindicavam
financiamento público para a realização das metas de expansão e reestruturação destas
instituições. O Programa REUNI, portanto, é o UniNova com (pouco) financiamento público
condicionado ao estabelecimento de metas expressas em um contrato de gestão.
Desta forma, o Programa REUNI e o Banco de professor-equivalente têm como
objetivos alterar substantivamente o sentido da universidade pública, transfigurando suas
funções sociais, reduzidas às atividades de ensino de graduação, desqualificando tanto a
formação profissional, como o trabalho docente desenvolvido nas universidades federais
brasileiras.
2.1 Reformulações político-pedagógicas em curso na Universidade Federal
Fluminense/UFF: desqualificação da formação profissional e do trabalho docente
A análise do processo de reformulação político-pedagógico em curso na UFF
está sendo realizada a partir do estudo sistemático dos principais documentos que
regulamentam as atividades acadêmicas na universidade, especialmente o Projeto
Pedagógico Institucional/PPI, o Plano de Desenvolvimento Institucional/PDI, o Projeto da
UFF de adesão ao Programa REUNI e o novo Regulamento dos Cursos de Graduação da
UFF, elaborado pelo Fórum dos Coordenadores de Curso de Graduação sob a condução da
Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos/PROAC. Na primeira fase de abordagem dos dados
disponibilizados pela universidade, analisamos os documentos referentes à política de
ensino de graduação pela relevância que adquiriram no contexto de debates da proposta da
reitoria da UFF de elaboração de um projeto de adesão da universidade ao Programa
REUNI. Tratamos especialmente, nos limites deste trabalho, da análise dos eixos centrais
do PPI, do PDI, do Projeto de Adesão da UFF ao Programa REUNI e da “Proposta de
Revisão do Regulamento dos Cursos de Graduação”.
Em Julho de 2002, a Comissão de Redação do Projeto Pedagógico
Institucional/PPI/UFF divulgou para o conjunto da universidade o resultado dos trabalhos
desenvolvidos desde outubro de 2001. O PPI constitui-se em um plano de referência para o
trabalho pedagógico desenvolvido na universidade. A partir dos princípios de autonomia,
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liberdade de ensino e pluralidade de práticas pedagógicas, considera como tarefa central da
universidade pública a produção do conhecimento e a formação de profissionais
capacitados para ingresso no mercado de trabalho em um mundo em constantes mudanças.
No item “Referenciais para o ensino na UFF”, o documento destaca a necessidade de
substituição do paradigma da disciplinaridade, que até agora conduziu o padrão de ensino e
aprendizagem na educação superior, pelo de interdisciplinaridade e/ou transdisciplinaridade,
através da flexibilização das estruturas curriculares (UFF, 2002). Esta proposta é retomada
no item “Em direção a uma dinâmica curricular integradora” que apresenta um conjunto de
atividades integradoras do processo de formação, especialmente, a pesquisa, o estágio, a
monitoria, os projetos de apoio social ao estudante, os cursos seqüenciais e a educação a
distância.
Se o PPI pode ser considerado como o documento de referência institucional
para a execução da política de ensino na Universidade, o PDI visa criar condições de
operacionalização desta política no cotidiano institucional. Em Janeiro de 2004, os
conselhos superiores da UFF aprovaram o Plano de Desenvolvimento Institucional/PDI com
o objetivo de priorizar as ações a serem realizadas pela universidade. Assim como o PPI, o
PDI parte da consideração de que estamos em um mundo em constantes mudanças,
marcado pelo “paradigma da pós-modernidade, o desgaste das utopias, o progressivo
desenvolvimento e disseminação das novas tecnologias de comunicação e a
descentralização da produção do conhecimento” (UFF, 2004, p.10). Estas mudanças
indicam um conjunto de desafios para a UFF, caracterizada, segundo o documento, pela
sistemática ampliação do número de cursos, pela qualificação de seu corpo docente e pela
crescente diversificação das fontes de recursos. Neste sentido, o PDI aponta como
prioridades institucionais a expansão da graduação, da pós-graduação e da extensão; a
interação com a sociedade e a organização interdisciplinar do ensino, da pesquisa e da
extensão. Para efetivação destas prioridades institucionais, o PDI apresenta quatro áreas
estratégicas: graduação e pós-graduação; pesquisa e extensão; gestão de pessoas e
planejamento e gestão. Destaco, destas estratégias, as seguintes ações indicadas no
documento: redução da retenção e evasão dos estudantes; estímulo à criação de cursos
noturnos; implantação de novos cursos de graduação; implementação no Núcleo de
Educação Assistida por Meios Interativos/NEAMI de um programa de apoio à utilização de
novas tecnologias educacionais na UFF; definição de políticas de inclusão social; criação de
cursos de caráter interdisciplinar e estímulo à participação da comunidade universitária na
captação de recursos financeiros para a universidade4.
4 Desde 2004, a cada ano, são elaborados programas para a utilização dos recursos do PDI no ano seguinte, sem alterar, contudo, a essência do Plano elaborado em 2003 e aprovado em 2004. Para conhecer os programas, acessar www.uff.br/pdi Acesso em 04 de abril de 2008.
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Se estas propostas já estavam presentes nos dois documentos fundamentais da
política pedagógica da UFF e já eram, portanto, prioridades institucionais, com a divulgação
em 2007 do Decreto de criação do Programa REUNI, elas serão consideradas como eixos
centrais da reformulação político-pedagógica em curso na universidade. Estes eixos serão
explicitados em dois documentos elaborados em 2007: o Projeto de Adesão da UFF ao
Programa REUNI, aprovado pelo Conselho Universitário em novembro de 2007, e o novo
Regulamento dos Cursos de Graduação da UFF, divulgada pela PROAC em 2008.
O documento que trata da adesão da UFF ao Programa REUNI indica que as
principais finalidades dos recursos do REUNI serão: a realização de concursos para
docentes e para técnico-administrativos; a distribuição de gratificações para chefias; a
atualização do Plano Diretor da UFF, especialmente no que diz respeito à infra-estrutura
física, assistência estudantil e a concessão de bolsas discentes. O documento reafirma que
estes recursos não se limitarão à graduação, mas contribuirão para a infra-estrutura da
pesquisa e da pós-graduação. Para viabilizar a expansão e reestruturação da UFF, o
documento retoma a principal meta indicada pelo Programa REUNI: a elevação da taxa de
conclusão dos cursos de graduação para 90%. Para tal, apresenta ações de combate à
evasão e de reposição das vagas ociosas. O combate à evasão será realizado através: da
criação de programa tutorial (monitoria on line); do uso da educação a distância/EAD; da
criação de cursos de férias semipresenciais e de nivelamento; da criação de uma rede
formada por estudantes dos programas de pós-graduação e da graduação (com excelente
desempenho) para orientação dos estudantes de graduação; da filmagem de aulas em
disciplinas com altos índices de reprovação; da distribuição de bolsas e da assistência
estudantil e da criação de novos cursos ou turnos (noturno) para elevação da relação
professor/aluno. No que diz respeito à reposição das vagas ociosas, indica o novo
Regulamento dos Cursos de Graduação que está sendo elaborado sob a condução da Pró-
Reitoria de Assuntos Acadêmicos/PROAC (documento que analisaremos adiante).
A leitura atenta do documento de adesão da UFF ao REUNI demonstra de que
forma ocorrerá a expansão na universidade: criação de, pelo menos, 25 cursos ou turnos,
preferencialmente no interior (pólos) e aumento do número de matrículas nos cursos de
graduação já existentes (em Niterói). Apesar do documento não fazer referência explícita
aos BI, propostos pelo UniNova, ou ciclos (básico e profissional), indicados pelo Programa
REUNI, propõe um conjunto de inovações curriculares, evidenciando a lógica de aceleração
dos cursos, e sua conseqüente desqualificação.Este aligeiramento da formação está
claramente expresso na seguinte afirmativa:
A organização dos cursos em turnos mais concentrados permitirá a
otimização de espaços físicos e, portanto, maior oferta de vagas, além de facilitar para o
aluno a organização de seu tempo. Também seria interessante perguntar qual o estímulo
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que oferecemos aos bons alunos para que aprofundem e acelerem seus estudos. Se um
estudante, por sua própria conta, estudar determinado tema, que contenha a matéria
de uma ou mais disciplinas, não existem, hoje, instrumentos para que seja
dispensado delas (...) (UFF, 2007, p.23, grifos nossos).
Duas importantes metas a serem alcançadas na revisão da estrutura acadêmica
da UFF também explicitam a lógica de aligeiramento da formação profissional: “que cada
aluno possa cursar suas disciplinas/atividades no menor número possível de turnos e que
sejam criados mecanismos de aprofundamento e aceleração de estudos para os bons
alunos” (UFF, 2007, p.23).
No item “Reorganização dos cursos de graduação” o documento critica o que
identifica como rigidez curricular: o elevado número de pré-requisitos, co-requisitos e
disciplinas obrigatórias e o baixo número de disciplinas optativas, indicando que a
reorganização dos cursos de graduação ocorrerá a partir da escolha de cada aluno por seu
próprio “itinerário formativo” e, ainda que não faça referência aos BI e aos ciclos básicos,
como já sinalizado, o documento apresenta como meta a “Integração acadêmica de áreas
afins”, ou seja, “é importante que se busque integrar academicamente áreas afins e que se
flexibilizem um pouco mais os currículos, de modo que o estudante possa ser mais
autônomo na escolha de seu itinerário formativo” (UFF, 2007, p.25).
As metas da reorganização dos cursos de graduação indicadas pelo documento
são as seguintes: que os cursos realizem alguma redução em seus pré-requisitos e co-
requisitos; que possuam alguma disciplina obrigatória em comum com outros cursos e/ou
compartilhamento de disciplinas comuns com cursos afins e, aumentem a relação entre o
número de disciplinas optativas e o número de disciplinas obrigatórias. O documento não
defende claramente a “Diversificação das modalidades de graduação” através dos BI ou
ciclos, mas realiza dois movimentos: “espalha” essa lógica de fragmentação e aligeiramento
no conjunto das estratégias de reorganização acadêmica e neste item específico
(diversificação das modalidades de graduação) indica que existem cursos da universidade
com configuração mais flexível e multidisciplinar que poderão funcionar através da oferta de
disciplinas obrigatórias comuns, o que significa, na prática, a implantação dos ciclos/BI em
alguns cursos de graduação considerados mais “flexíveis”. Em relação à estratégia de
“espalhar” a diversificação das modalidades de graduação pelas várias ações propostas,
destaco o item “Implantação de regimes curriculares e de um novo sistema de títulos” que
apresenta a possibilidade de certificação ao longo do itinerário formativo e da emissão de
diplomas quando o aluno completar o seu itinerário. Este processo de reformulação político-
pedagógica será intensificado com a aprovação do novo “Regulamento dos Cursos de
Graduação” da UFF, elaborado pelo Fórum de Coordenadores dos Cursos de Graduação,
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sob a condução da PROAC, divulgado em março de 2008. O artigo 1o do documento trata
da terminologia utilizada no Regulamento. Neste artigo são apresentadas as principais
reformulações político-pedagógicas para os cursos de graduação da UFF, especialmente:
1) o exame de proficiência e demais estratégias de “aproveitamento de estudos”
a serem realizadas pelo aluno que solicita dispensa de disciplina ou atividade
do Currículo do seu curso;
2) a revinculação, isto é, a “concessão de nova matrícula ao aluno formado,
tendo em vista o ingresso nas titulações, habilitações e ênfases e oferecidas
pelo respectivo Curso, ou em novo curso de graduação de área afim” (UFF,
2008, p.08);
3) a oferta de disciplinas e atividades a distância através do Núcleo de Educação
Assistida por Meios Interativos/NEAMI, como evidenciam os parágrafos 5 e 6
do artigo 35:
i. § 5º - Os Departamentos, através da PROAC/NEAMI poderão disponibilizar, com a autorização do Colegiado do Curso, algumas disciplinas na modalidade de ensino a distância, sendo que cada aluno poderá cursar no máximo 20% das disciplinas de seu Curso exclusivamente nesta modalidade.
ii. § 6º - As disciplinas às quais se refere o § 5º, supra, poderão ser utilizadas pelos Cursos com os seguintes objetivos: Nivelamento de estudos; Aproveitamento de estudos; Aceleração de estudos; Reforço de ensino; e Apoio didático a disciplinas do curso (UFF, 2008, p. 22, grifos nossos).
A lógica de aligeiramento da formação, entretanto, será explicitada no artigo 61
do citado documento que trata do “Aproveitamento de Estudos” a partir dos seguintes
mecanismos: dispensa de disciplinas/atividades; equivalência de disciplinas/atividades;
estudos a distância proporcionados pelos Departamentos através do NEAMI/UFF; exame de
proficiência e mobilidade acadêmica. O parágrafo 7 deste artigo apresenta, ainda, a
possibilidade de que o aluno seja dispensado de até 20% da carga horária de cada
disciplina ou atividade que tenha cursado na própria UFF ou em outra instituição de ensino
superior/IES pública ou privada, brasileira ou estrangeira.
O aluno da UFF poderá obter dispensa ou equivalência de disciplina/atividade, sempre que tenha cursado com aproveitamento, na graduação ou pós-graduação, ou através da modalidade de disciplinas isoladas, em outra Instituição de Ensino ou nesta Universidade, disciplina(s)/atividade(s) cujo(s) programa(s) seja(m) considerado(s) equivalente(s) em conteúdo, e cuja carga horária corresponda, no mínimo, a 80% da carga horária destinada à disciplina/atividade equivalente nesta Universidade (UFF, 2008, p.32, grifos nossos).
Este mesmo artigo no parágrafo 15 considera que até 40% da carga horária total
do curso poderá ser dispensada através da realização do Exame de Proficiência.
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Da análise do referido documento, destacamos a reflexão sobre o significado da
reformulação político-pedagógica que está sendo realizada na UFF e que indica na
configuração do novo Regulamento dos Cursos de Graduação a possibilidade de que 20%
das disciplinas sejam cursadas a distância, 20% da carga horária das disciplinas sejam
cursadas em outra IES, pública ou privada, brasileira ou estrangeira e que 40% da carga
horária total do curso possa ser dispensada pelo Exame de Proficiência.
3 A TÍTULO DE CONCLUSÃO
As análises dos documentos acima indicados demonstram que está em curso
uma profunda desqualificação da formação profissional e do trabalho docente realizado nas
universidades federais brasileiras. Esta desqualificação da formação e do trabalho docente,
viabilizada pelo ensino aligeirado dos cursos de graduação e por um processo de
certificação em larga escala, altera significativamente as funções sociais da universidade
pública.
Como efetivar o projeto de formação profissional historicamente construído pelas
nossas entidades nacionais (ABEPSS, CFESS/CRESS e ENESSO) pautado na
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; na unidade teoria-prática em todas as
disciplinas; na realização de pesquisa orientada, enfim, na qualificação teórica/política e
técnico-operativa em um contexto de reforma neoliberal da educação superior?
Penso nos seguintes desafios que estão lançados para todos nós: fortalecermos
os sujeitos políticos coletivos - diretórios acadêmicos, diretório central dos estudantes,
executivas de curso, seções sindicais e sindicatos nacionais e as entidades nacionais e
internacionais da categoria - e nos mantermos firmes na defesa da educação pública e
gratuita e de um projeto de formação profissional referenciado nas lutas históricas dos
trabalhadores e dos filhos dos trabalhadores deste país.
REFERÊNCIAS
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A EXPANSÃO DOS CURSOS DE SERVIÇO SOCIAL EM TEMPOS DE CONTRA-REFORMA DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO:
impactos na formação profissional em serviço social
Larissa Dahmer Pereira5
RESUMO O trabalho tem como objetivo analisar a expansão dos cursos de Serviço Social em tempos de contra-reforma do ensino superior brasileiro, através de uma caracterização da expansão dos cursos de Serviço Social no pós-1990, nas modalidades presencial e à distância. Em seguida, analisa os possíveis impactos da contra-reforma da educação superior na formação profissional em Serviço Social, problematizando a repercussão do processo em curso para a qualidade da formação e do perfil de profissional propugnado pelas Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Palavras-chave: contra-reforma do Estado, política educacional, ensino superior, formação profissional em Serviço Social.
ABSTRACT The work aims to analyze the expansion of courses in Social Service in times of counter-reform of the Brazilian higher education, through a description of the expansion of courses in Social Service in the post-1990, in the presence and distance modalities. Then examines the possible impacts of counter-reform of higher education in training in Social Service, problematized the impact of the ongoing process to quality training and professional profile advocated by the Curriculum Guidelines of the Brazilian Association of Education and Research in Social Service (AERSS). Keywords: counter-state reform, education policy, education, training in social services
I. A EXPANSÃO DOS CURSOS DE SERVIÇO SOCIAL EM TEMPOS DE CONTRA-REFORMA DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO
A profissão de Serviço Social assistiu, a partir dos anos 1990, a um explosivo
processo de expansão de seus cursos de graduação, majoritariamente privados e inseridos
em instituições não-universitárias, acompanhando as características do movimento
5 Graduada, Mestre e Doutora em Serviço Social (UFRJ). Professora Adjunta da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Superior (GEPES), vinculado à ESS/UFF. E-mail: [email protected]
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expansionista do ensino superior brasileiro6. Tal expansão pode ser apreendida com base,
particularmente, em dois eixos de ação operados pelos governos Cardoso e Lula:
(i) o primeiro, de fortalecimento do empresariamento da educação superior, que
direciona o interesse do empresariado na abertura por cursos na área de Humanas e
Ciências Sociais Aplicadas, devido aos baixos custos e alta lucratividade;
(ii) o segundo eixo relaciona-se com a necessidade de manutenção de um
consenso social em torno das reformas estruturais realizadas pelo governo federal em
absoluta consonância com as políticas dos organismos internacionais do capital.
Nessa direção, compreende-se que a criação de cursos na área de
Humanidades, como o de Serviço Social – além de proporcionar novos campos de
expansão ao capital, fundamentais na fase atual do capitalismo – responde à necessidade
de formação de intelectuais difusores de uma sociabilidade conformista e colaboracionista7.
Não é uma novidade afirmar que, historicamente, o assistente social ocupou, na
divisão sócio-técnica do trabalho, uma função intelectual8 colaboracionista com a concepção
de mundo burguesa. Esta profissão surge nos anos de 1930 e é institucionalizada como
profissão nos anos 1950, com a criação de grandes instituições assistenciais e já sob forte
influência norte-americana. Todavia, somente no pós-1964, com a contraditória política
assistencial e repressiva dos governos militares, o mercado de trabalho para os assistentes
sociais torna-se relevante. Neste contexto, há uma ampliação dos cursos de Serviço Social,
inseridos em ambientes universitários e escolas isoladas9. No entanto, o direcionamento
conservador permanece até a década de 1970 e só será contestado no bojo das lutas pela
abertura política no país.
O final da década de 1970 - em meio ao processo de (re)democratização da
sociedade brasileira – sinalizou um período de profundos questionamentos quanto à direção
social do Serviço Social. Assim, de um profissional incumbido de transformar demandas por
direitos sociais em “desajustes” e/ou “patologias sociais”, o assistente social passou a
pautar-se no reconhecimento de uma sociedade partida em classes sociais e na condição
estratégica da luta por direitos sociais.
6 Para um aprofundamento da política educacional voltada para o ensino superior nos anos 1990, cf. Lima (2007). 7 Cf. Pereira (2007b) e (2008). 8 Para Gramsci (2004), o intelectual não se resume à atividade intelectual, pois todos os homens são intelectuais e têm a capacidade de realizar atividades intelectivas. O intelectual é aquele que organiza e educa, isto é, tem a função de dirigente, de difusão da concepção de mundo da classe dominante e de manutenção do consenso em relação à ordem estabelecida. O intelectual, contudo, também pode ser orgânico à classe subalterna e contribuir para difundir uma concepção de mundo contra-hegemônica. 9 O detalhamento da criação das Escolas de Serviço Social, articulado à política educacional de cada período histórico brasileiro, encontra-se em Pereira (2008).
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O currículo de 1982 veio coroar uma nova concepção de profissão e de
formação profissional dos assistentes sociais brasileiros, buscando uma ruptura teórico-
metodológica com o histórico conservadorismo profissional10. Após mais de uma década de
vigência daquele currículo, o Serviço Social brasileiro, através das unidades de ensino em
Serviço Social e da direção da ABEPSS11, considerou fundamental realizar o processo de
revisão curricular, frente às profundas transformações societárias ocorridas no mundo do
trabalho, nas relações entre Estado e sociedade civil e na esfera da cultura
(ABESS/CEDEPSS, 1997). Assim, após dois anos de debates (1994-1996) entre as 67
unidades de ensino filiadas à ABEPSS, foram aprovadas, na Assembléia Geral
Extraordinária da ABEPSS, em 1996, as Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social
(ABESS/CEDEPSS, 1997)12. Ressalte-se que até 1994 existiam 74 unidades de ensino em
Serviço Social13: portanto, a participação dos cursos nos debates de revisão curricular
equivaleu a 90,5%, o que pode ser considerado como uma participação bastante
satisfatória.
Este movimento de aperfeiçoamento e consolidação de uma direção
progressista e de formação de profissionais críticos e competentes teórica, ética, técnica e
politicamente, desenvolveu-se sob a direção hegemônica dos cursos de Serviço Social
inseridos majoritariamente em IES universitárias, públicas e privadas confessionais14.
Apesar da maioria dos cursos de Serviço Social estar, até 1994, inserida em IES
de natureza privada, foi possível realizar uma revisão curricular na qual havia o
compromisso de manutenção de uma direção social coerente com os princípios ético-
políticos emanados pelo Código de Ética profissional de 1993 (CFESS, 1993a), bem como
por uma formação qualificada, pautada na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão. Uma das explicações para tal consenso pode ser relacionada com o fato da
maioria dos 74 cursos de Serviço Social até então existentes estar inserida em ambientes
universitários: somente 15 cursos (20,3%) encontravam-se, até 1994, em instituições não-
10 Cf. Iamamoto (1998) e (2002). 11 Até 1998 a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) era denominada de Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS), o que foi alterado após uma revisão em seu Estatuto. 12 Anteriormente a este movimento ocorreu a revisão e aprovação do novo Código de Ética, em 1993, e da Lei de Regulamentação da Profissão, no mesmo ano, ambos fruto do processo profundo de renovação profissional. Cf. CFESS (1993a) e (1993b). 13 Consideramos os cursos existentes até 1994 – o que totalizou 74 ESSs - como possíveis participantes dos debates. Aqueles autorizados e/ou em início de funcionamento entre 1994 e 1996 provavelmente não participaram dos debates promovidos pela ABEPSS. 14 Esta constatação é corroborada pela identificação dos autores dos principais documentos produzidos pela ABEPSS, majoritariamente de docentes pesquisadores das IES públicas e das privadas confessionais, particularmente as Católicas. Estas últimas possuem tradição de pesquisa, devido à peculiar história de relações entre Igreja e Estado e de participação da Igreja no ensino superior.
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universitárias, isto é, não obrigadas legalmente à realização da tríade ensino-pesquisa-
extensão15.
Contudo, desde 1995 até a atualidade, conforme já analisado, encontra-se em
movimento uma expansão vertiginosa da participação privada na criação de cursos de
ensino superior, majoritariamente em IES não-universitárias, como parte do processo de
contra-reforma do ensino superior e do Estado brasileiro de uma forma mais ampla.
A contra-reforma do ensino superior em curso insere-se no processo mais amplo
de contra-reforma do Estado brasileiro, o que significou a retirada de direitos conquistados
na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), cujo conteúdo previa uma ampla reforma
do Estado pautada em ideais democráticos e de fortalecimento dos direitos sociais. Com a
entrada dos governos civis neoliberais, a partir de 1990, o conteúdo progressista da Carta
Constitucional foi demolido cotidianamente, através da estratégia neoliberal de ajuste fiscal
e da retirada do Estado quanto à sua responsabilidade na execução das ações na área
social. No âmbito da política educacional voltada para o ensino superior o movimento foi,
portanto, de fortalecimento do empresariamento da educação e, por outro lado, de inserção
de uma lógica contábil dentro das instituições de ensino superior públicas16.
No âmbito do Serviço Social, o processo acima delineado também trouxe fortes
repercussões: entre 1995 e 2002, foram criados mais 50 cursos, sendo 90% através da
iniciativa do setor privado. Da totalidade dos cursos de Serviço Social criados, somente 15
(30%) assim o foram inseridos em ambientes universitários, expressando claramente a
política de Estado, durante os governos Cardoso, de expansão do ensino superior via setor
privado, preferencialmente com cursos de custo menor, na área de Humanas, e
dispensando a necessidade de realização de pesquisa.
Desta feita, o movimento de mercantilização do ensino superior atravessou a
formação dos assistentes sociais brasileiros no pós-1995, com uma formação
majoritariamente realizada em instituições não-universitárias e privadas particulares em
sentido estrito (Pereira, 2008).
No governo Lula – entre 2003 a junho de 2009 – 210 cursos de Serviço Social
foram criados no país, dentre os 334 cursos atualmente cadastrados no banco de dados do
INEP/MEC e em funcionamento17. A tabela seguinte expõe claramente o processo de
mercantilização da formação profissional em Serviço Social no país: se entre 1930 e 1994, a
participação dos cursos privados era da ordem de 63,5%, entre 1995 e 2002 há um “salto”
destes para a participação de 90% na totalidade dos cursos de Serviço Social criados no 15 Conforme o art. 52 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996): “As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano”. 16 Para maior aprofundamento sobre o empresariamento da educação superior, cf. Neves (2002). 17 Cabe esclarecer que existem 338 cursos cadastrados no banco de dados do INEP (INEP/MEC, 2009b), sendo que 04 deles estão categorizados como “em extinção”. Consideraremos, portanto, o universo total de 334 cursos, isto é, daqueles que se encontram em funcionamento.
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período. O processo iniciado em 1995 permaneceu no pós-2003, conforme é possível
visualizar a seguir.
Tabela 1 - Cursos de Serviço Social distribuídos segundo período de autorização e natureza
jurídica
Período Privado % Público % Total
1930-1994 47 63,5 27 36,5 74
1995-2002 45 90,0 05 10,0 50
2003-2009 191 91,0 19 9,0 210
Fonte: Tabela organizada pela autora, com base nos dados do INEP (INEP/MEC, 2009).
A tabela acima demonstra a manutenção do interesse empresarial na abertura
de cursos de Serviço Social, principalmente nos dois últimos períodos analisados (1995-
2002 e 2003-2009). Cabe destacar o crescimento de cursos públicos no último período: se
entre 1995 a 2002 foram criados 05 cursos inseridos em IES públicas, no período seguinte
(2003 a 2009) surgiram 19 novos cursos públicos. Contudo, ao considerarmos a
representação percentual dos cursos públicos – dentre a totalidade dos cursos de Serviço
Social no país -, apreende-se que esta permaneceu praticamente a mesma nos dois
períodos: 10%, entre 1995 e 2002, e 9%, entre 2003 a 2009.
Dos 19 cursos de natureza pública, criados a partir de 2003, 14 assim o foram
em universidades federais, o que se relaciona com a política do governo federal de
expansão do acesso à educação superior. Conforme já analisado por Lima (2009), o
governo federal direciona a política educacional buscando apoiar os empresários através de
ampla isenção fiscal – principalmente com o Programa Universidade para Todos (PROUNI) -
, mas também amplia o acesso à educação superior, através da criação de novos cursos em
IES federais e também com o aumento do quantitativo de alunos por turma, via Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). De
acordo com a problematização já exposta por Lima (2009), o trabalho docente nas
instituições públicas, particularmente as federais, vem sofrendo um processo contínuo de
precarização atrelado às exigências produtivistas e atravessado pela lógica mercantil, ainda
que inserido em IES públicas. Sem dúvida, a abertura de novos cursos em IES públicas e
federais é um fato positivo, porém cabe uma análise acurada das condições do trabalho
docente nestas IES, bem como do aligeiramento da formação profissional incentivado pelo
Programa REUNI. Ou seja, é preciso analisar as mudanças ocorridas no âmbito da
formação em Serviço Social, em cursos públicos e privados, considerando o quadro mais
amplo da política educacional brasileira.
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II IMPACTOS DA CONTRA-REFORMA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL
É interessante analisarmos a caracterização institucional dos 210 cursos criados
a partir de 2003, visto o peso que tais cursos têm na formação dos assistentes sociais no
país, pois correspondem a mais de 60% (62,1%) dos cursos de Serviço Social existentes no
Brasil:
(i) 91% dos cursos de Serviço Social criados a partir de 2003 são de natureza
privada, mantendo a mercantilização do ensino superior desencadeada de
forma acelerada desde o governo Cardoso;
(ii) 60% estão inseridos em IES não-universitárias, isto é, não obrigadas
legalmente à realização de pesquisa (BRASIL, 1996). Este perfil dos novos
cursos criados a partir de 2003 aponta para uma formação profissional
restrita à dimensão do ensino, sem a necessária dimensão de pesquisa,
conforme indicam as Diretrizes Curriculares da ABEPSS
(ABESS/CEDEPSS, 1997);
(iii) Mais da metade dos cursos - 59% - encontra-se inserida em IES privadas
particulares em sentido estrito, o que confirma o crescente interesse do
empresariado na abertura de cursos de Serviço Social, dada sua rápida
lucratividade e o afastamento de IES de origem confessional;
(iv) 51,4% dos cursos criados no período em análise assim o foram
concentrados na região sudeste, o que pode ser explicado por três fatores:
a) a importância econômica e a densidade populacional da região no país;
b) o maior poder aquisitivo da população para o pagamento de
mensalidades escolares; c) o fato do mercado de trabalho para os
assistentes sociais ser maior nesta região, tanto no setor público quanto no
privado;
(v) Outro dado interessante diz respeito à localização (capital ou interior) dos
novos cursos de Serviço Social criados a partir de 2003: 66,2% encontram-
se localizados em cidades do interior do país. No sudeste, que concentra
51,4% dos cursos criados a partir de 2003, cerca de 80% encontra-se em
cidades interioranas. Apreende-se, pois, que o empresariado percebeu os
municípios do interior como um mercado atraente na abertura deste tipo de
curso, cujo interesse pode ter sido suscitado a partir da Constituição
Federal de 1988, que desencadeou a criação de novos municípios e
proporcionou o processo de descentralização das políticas sociais,
ampliando a demanda por profissionais de Serviço Social;
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(vi) Especialmente no governo Lula, outra “novidade” emergiu para a profissão:
a criação de cursos de Serviço Social na modalidade de Educação à
Distância (EaD), com 11 IES ofertantes de cursos de Serviço Social na
modalidade EAD. Se elas representam 5,2% do total de cursos criados no
período, o percentual se inverte quando analisamos o quantitativo de
vagas de Serviço Social oferecidos por tais IES anualmente: as 11 IES
ofertam 46.620 vagas de Serviço Social na modalidade EAD, enquanto as
demais 199 IES18 ofertam 24.824 vagas na modalidade presencial,
anualmente. Portanto, ainda que tenha efetivamente ocorrido a abertura de
novos cursos de Serviço Social em IES federais, na modalidade
presencial, a política educacional do governo Lula, apostando na expansão
do acesso à educação superior através da EaD como uma das vias
principais, também impactou o Serviço Social. Assim, as vagas oferecidas
na modalidade EaD correspondem a quase o dobro daquelas na
modalidade presencial.
Com base na caracterização acima apresentada, gostaríamos de tecer algumas
considerações sobre os possíveis impactos na formação profissional em Serviço Social.
De acordo com o perfil dos novos cursos criados a partir de 2003, apreende-se
que a maioria formará assistentes sociais sem a dimensão da pesquisa ao longo da
formação acadêmica, pois são cursos inseridos majoritariamente em instituições privadas e
não obrigadas legalmente – por não serem universidades – à realização do tripé
indissociável entre ensino, pesquisa e extensão. Infere-se, pois, que se encontra em
processo um empobrecimento da formação e uma dissonância em relação ao perfil de
profissional proposto pelas Diretrizes Curriculares da ABEPSS (ABESS/CEDEPSS, 1997).
Além de restritos ao ensino, é fundamental destacar a precarização do trabalho
docente nas IES privadas: salas lotadas e o não pagamento de preparação de aula são
características presentes no cotidiano destes docentes. É largamente consensual que uma
relação pedagógica de qualidade – e, logo, um aprendizado de qualidade – exige tempo e
dedicação do docente a cada aluno. Como realizá-la efetivamente se cada aluno significa
uma mensalidade e, logo, deve-se, na lógica empresarial, lotar as salas de aula?
Outro ponto importante – o que também se relaciona com a qualidade da relação
pedagógica - diz respeito à orientação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC): este é
um momento primordial da formação, onde, de acordo com as Diretrizes Curriculares da
ABEPSS (ABESS/CEDEPSS, 1997), deve significar uma síntese do processo de formação
profissional. São raras as unidades privadas de ensino que possibilitam a orientação
individual de seus alunos: geralmente, as orientações são realizadas através de “turmas” de 18 Cabe destacar que não há a informação da quantidade de vagas oferecidas por duas IES no Cadastro do INEP. Portanto, as vagas contabilizadas são de 197 cursos de Serviço Social.
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TCC, o que obviamente empobrece a produção e desqualifica o trabalho docente. Esta
“opção” claramente não é dos alunos ou dos docentes: ela parte da lógica contábil que
inviabiliza o pagamento ao docente por orientações individuais.
A preferência também por especialistas e, no máximo, mestres, é outra
característica das IES privadas – principalmente as não-universitárias - devido ao
barateamento da hora-aula do especialista e/ou mestre em relação ao professor doutor19.
As considerações até aqui realizadas referem-se aos cursos privados de Serviço
Social na modalidade presencial.
Quanto aos cursos públicos e presenciais de Serviço Social, destaca-se o
processo progressivo de precarização da formação profissional, através da intensificação do
trabalho docente20, o que se relaciona com a discussão travada por Lima (2009) sobre a
contra-reforma da educação superior brasileira no governo Lula, dentre outros autores21. A
precarização do trabalho docente nas IES públicas manifesta-se de diversas formas,
brevemente analisadas a seguir.
A primeira forma de manifestação relaciona-se à quantidade dos afazeres
docentes: tarefas que anteriormente eram executadas pelo setor administrativo da
universidade, hoje cabem aos docentes. Um exemplo: para organizar um grupo de pesquisa
e ter acesso aos equipamentos e materiais necessários, o docente precisa, primeiro,
concorrer ao edital de uma determinada agência de fomento. Assim, ele deve organizar toda
a documentação exigida, além, é claro, de elaborar o seu projeto de pesquisa e entregá-los,
dentro do prazo, na agência de fomento, localizada fora da universidade. Se passar pelo
sistema de pontuações do currículo lattes e a solicitação de recursos for aprovada, este
docente terá que voltar à agência e pegar a documentação necessária para abertura da
conta em um banco. Em seguida, terá que se dirigir a um banco, abrir a conta e aguardar
receber o recurso para a compra de materiais. Ao receber o recurso, terá que comparecer a
uma loja, realizar as compras necessárias, guardar as notas fiscais e elaborar um relatório
de prestação de contas. Se algum equipamento apresentar problemas, o docente terá que
resolver, ou seja, levar o equipamento à loja autorizada para consertos. Por último, terá que
entregar este relatório à agência de fomento e agendar um horário para prestação de contas
junto à auditoria da agência.
As atividades descritas no parágrafo anterior são atividades docentes? A única
atividade efetivamente concernente a um pesquisador no processo aqui analisado é a
elaboração do projeto de pesquisa. Quando somos contratados pela universidade, assim o 19 Cf. artigo de Mezan (2005). 20 Cabe destacar que este é um tema ainda pouco pesquisado na área do Serviço Social, ou seja, as condições do trabalho docente e suas implicações para a qualidade da formação profissional em Serviço Social. A pesquisa em curso na ESS/UFF, sob a nossa coordenação, trata desta temática no âmbito dos cursos públicos e privados de Serviço Social no estado do Rio de Janeiro e tem prazo de término previsto para março de 2010. Cf. Pereira (2007a). 21 Cf., dentre outros, Pinto (2000), Mancebo (2004) e Lopes (2006).
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somos como docentes e pesquisadores: ou seja, devemos realizar projetos de pesquisa e
extensão, além de ministrar aulas e realizar orientações. Os docentes nas IES públicas
também historicamente participam de reuniões colegiadas para decisões quanto ao
funcionamento da universidade, o que fortalece a perspectiva democrática no interior da
IES. Contudo, as atividades acima descritas – que precisam ser realizadas para que um
grupo de pesquisa exista, devido à necessidade real de infra-estrutura para efetivar uma
pesquisa – não são atividades que aprendemos em nossos Mestrados e Doutorados.
Portanto, o trabalho docente encontra-se hoje atravessado por demandas de ordem
administrativa, que desvirtuam o nosso trabalho: lembremos que as horas destinadas à
operacionalização da compra de computadores poderia ser direcionada para a realização de
pesquisa. O Estado economiza recursos – o que explicita mais uma vez o ajuste fiscal
implementado nas universidades como parte da contra-reforma supracitada – com pessoal
técnico-administrativo, transferindo suas atividades para os docentes, e realiza a proeza de
desperdiçar recursos humanos que levaram anos de formação e investimento público,
desvirtuando as suas atividades, de docentes para técnico-administrativos.
O exemplo acima descrito e analisado serve-nos para ilustrar o trabalho docente,
atualmente, nas IES públicas, demonstrando a quantidade de atividades/tarefas que o
docente deve realizar, muitas fora de suas atribuições.
Outra forma de precarização que gostaríamos de salientar diz respeito à lógica
produtivista cada dia mais fortalecida dentro da universidade: o docente não é valorizado
pelo que realiza em seu cotidiano, como dar boas aulas, ser atencioso com seus alunos,
realizar orientações, pesquisar e retornar para seus alunos – e para a sociedade -, através
de uma relação didático-pedagógica de qualidade, o que adquiriu de novos conhecimentos.
Não. O que valoriza a figura do docente não é mais o seu exercício docente, mas, sim, o
quanto ele produz. Quanto - e não o que, para que – produziu nos últimos três, cinco anos?
Os artigos que produziu foram socializados no âmbito de sua universidade? Não, ninguém
na sua universidade leu o seu artigo, mas o que importa é se o artigo foi publicado em
periódicos indexados e reconhecidos pela comunidade internacional. Levemos este exemplo
para o âmbito do Serviço Social: sabemos que a maior interlocução que o Serviço Social
brasileiro tem, no âmbito internacional, estabelece-se com os países da América Latina. O
Brasil é uma referência para a América Latina, inclusive quanto ao mercado editorial e à
disponibilidade de periódicos indexados. Portanto, ao publicarmos, geralmente publicamos
em periódicos nacionais. Contudo, pelo sistema QUALIS/CAPES22, o que “vale” mais?
Publicar em um periódico internacional. Para a comunidade acadêmica, do âmbito do
Serviço Social, o que “vale” mais? E para as demais áreas, o que “vale” mais?
22 Cf. os critérios da área de Serviço Social em http://qualis.capes.gov.br/arquivos /avaliacao/webqualis/criterios2004_2006/Criterios_Qualis_2005_32.pdf
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A questão levantada relaciona-se com o sistema de pontuações adotado pelas
Câmaras Técnicas de Pesquisa no interior das próprias universidades – cujos avaliadores
são nossos pares, ou seja, docentes das universidades -, que se baseiam em uma
valoração de pontuação adotada pelas agências de fomento, como Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Estas, por sua vez, pautam seu sistema
de valoração na dinâmica das Ciências Exatas, para a contabilização da produção docente.
Ora, cabe-nos problematizar a adoção de parâmetros das Ciências Exatas para
as Ciências Humanas: nas primeiras, o conhecimento torna-se “perecível” rapidamente, pois
novas descobertas e inovações tecnológicas são descobertas a cada dia. Além disso, um
pesquisador desta área escreve um artigo de 20 páginas, que contém o conteúdo
necessário para expor suas descobertas. Na área de Humanas, a dinâmica é bastante
diferente: o conhecimento em nossa área - se elaborado com conteúdo e qualidade - é
menos “perecível”. A análise de um clássico do pensamento social, escrita no século XIX, é
extremamente válida para pensar a sociedade atual. Contudo, um pesquisador do século
XXI precisa produzir dois, três, quatro artigos ao ano para ser considerado “produtivo”. Na
área de Humanas sabemos que a produção de conhecimento não se processa na
velocidade das Ciências “duras”. Todavia, apesar de radicais diferenças, somos pautados
pela lógica de produção de conhecimento das Ciências Exatas.
Um outro exemplo bastante ilustrativo diz respeito à valoração dada ao livro,
que, no sistema CAPES, não é nada valorizado23. Ganhamos, enquanto docentes, muito
mais pontos se publicarmos um artigo em uma revista alemã de Serviço Social, que
provavelmente nenhum brasileiro lerá. Se publicamos um livro em uma editora nacional -
que será divulgado em todo país, socializando os estudos realizados e que interessam ao
público brasileiro -, o sistema CAPES valorizará mais o artigo da revista alemã. Não importa,
portanto, se o artigo é lido e nem por quem é lido e para qual finalidade, mas devemos,
enquanto pesquisadores, enquadrarmos a produção e socialização do conhecimento no
sistema WEBQUALIS/CAPES24.
Ora, qualquer pesquisador sério sabe que publicar um livro – pelo menos na
área de Humanas – exige um esforço intelectual muito mais intenso do que escrever 20, 30
páginas para uma revista. Qual é a conseqüência desta política, implementada pelas
agências governamentais, de produção e difusão do conhecimento? A tendência na área de
Humanas é de um empobrecimento da produção do conhecimento: o pesquisador, 23 A CAPES dispõe de um sistema de pontuação para periódicos e não para livros (o WEBQUALIS – cf. http://qualis.capes.gov.br/webqualis/Index.faces). Portanto, a tendência dos Programas de Pós-Graduação é, literalmente, ignorar a produção de livros, pois o sistema que pontua os Programas de Pós-Graduação (o QUALIS) não leva em consideração a produção de livro. Mais uma vez a produção de conhecimento subordina-se à de pontuação. Ninguém pergunta sobre a qualidade do que se produz, mas o quanto se produz. 24 Vale a pena conferir os artigos de Luz (2005) e Silva (2005).
25
São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009
espremido pela necessidade de se manter “produtivo” frente aos seus financiadores – passa
então a fragmentar o que ele desenvolveria de forma aprofundada em um livro, por exemplo,
em 10 artigos de 20 páginas. A perda da qualidade e a fragmentação do conhecimento é
inequívoca.
A lógica produtivista impele, ainda, a tantas outras conseqüências: se o que
“vale” mais no ranking do lattes é dar aula e orientar na Pós-Graduação, estabelece-se
assim uma clara desvalorização da graduação e ainda da orientação de Trabalhos de
Conclusão de Curso. Assim, este professor – ou melhor, na linguagem da agência de
fomento, ele não é mais um professor, ele se torna um “bolsista de produtividade A1, A2,
B1, B2”... – encharcado de alienação em seu trabalho enquanto docente, criará estratégias
que o farão dedicar-se mais às atividades de pós-graduação do que de graduação, o que
fatalmente precarizará ainda mais a formação em nível de graduação. Mas, para a política
em curso e atual de educação superior isto não é um problema, pois trata-se de certificar em
larga escala, o que não demanda formação de qualidade e nem professores no sentido
amplo e profundo do termo.
No que se refere aos cursos na modalidade EaD, a situação quanto à qualidade
da formação profissional complica-se ainda mais. A formação via Ead ocorre
fundamentalmente, como é sua proposta, através do uso de computadores, com
teleconferências e o apoio de tutores – geralmente graduados em Serviço Social – nos pólos
de apoio presencial. A pesquisa, obviamente, passa ao largo da formação. Já a dimensão
do ensino – de um ensino crítico e qualificado – torna-se extremamente fragilizada, pois um
aluno que se forma via computador, independente de sua vontade, não terá as mesmas
experiências coletivas, de possível inserção em movimentos sociais, pois toda a formação
ocorre em casa, na frente do computador ou, no máximo, no pólo de apoio presencial, com
um pequeno grupo de alunos e o tutor, longe da vivência rica e viva da instituição
universitária. Mais uma vez o impacto para a formação é claro: ao invés de uma formação
que prima pela qualidade e a preocupação em formar profissionais com sólida base teórico-
metodológica e capacidade ético-política e técnico-operativa, a direção é certificar (e não
formar) em larga escala – o que a modalidade de EAD permite e se propõe -,
desqualificando a formação e o projeto de formação profissional construído coletivamente na
década de 1990, materializado nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS (ABESS/CEDEPSS,
1997).
26
São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009
III CONCLUSÃOApós tais considerações e constatando que os cursos de Serviço Social
são majoritariamente privados, inseridos em IES não-universitárias e as vagas na
modalidade EaD serem assustadoramente significativas, cabem-nos algumas ressalvas:
(i) o setor privado – tanto na modalidade presencial quanto na de EaD – amarga
brutalmente a ociosidade de suas vagas. Traduzindo: nem todas as vagas
oferecidas e aprovadas pelo MEC são preenchidas, devido à dificuldade da
população não só de pagar as mensalidades, mas também de manter-se
durante quatro anos em uma instituição de ensino. Não à toa os governos -
dos militares, Cardoso a Lula - destinam generosas porções do orçamento
público para a isenção fiscal, na tentativa de salvar este setor de falência.
Apesar do esforço governamental, a ociosidade e a crise das privadas
permanecem25.
(ii) A taxa de conclusão em cursos privados na modalidade presencial, portanto,
não é alta, como nas públicas. Na modalidade de EaD, o próprio MEC aponta
a desistência como um fator impeditivo para a formação dos profissionais em
tais cursos26.
A partir de tais ressalvas, levantamos a hipótese de que os cursos públicos ainda
têm um papel significativo de remar contra a corrente da desqualificação da formação
profissional em Serviço Social no Brasil, apesar de constatarmos também na área pública
um processo de intensificação e precarização do trabalho docente, conforme brevemente
delineado anteriormente.
Contudo, urge a realização de pesquisas que analisem como efetivamente
ocorre a formação em Serviço Social em cursos públicos e privados, articulando a análise
com a política educacional em curso, que tem como objetivo configurar a educação superior
como mais um lucrativo campo de exploração para o capital, daí a necessidade de
expansão via IES privadas e privatização interna das IES públicas, e simultaneamente,
garantir o consenso em torno das reformas estruturais em curso no Brasil nos anos de
neoliberalismo.
Articular a análise da política educacional em curso - uma contra-reforma que
subtrai direitos, sob o discurso de uma (aparente) democratização, é fundamental lembrar, e
transforma-os em mais um espaço de mercantilização para o capital – à particularidade da
formação profissional em Serviço Social no país constitui-se, portanto, como um desafio e
uma tarefa, principalmente para subsidiar a ação política de nossas entidades político-
25 Cf. dados do último Censo da Educação Superior do INEP (INEP/MEC, 2009a). 26 O último Censo da Educação Superior traz dados bastante interessantes (INEP/MEC, 2009a). Não temos disponíveis os dados referentes ao Serviço Social (taxa de evasão e conclusão, segundo natureza jurídica dos cursos). Consideramos os dados mais gerais, da educação superior como um todo.
27
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acadêmicas - ABEPSS, CFESS/CRESS27 e ENESSO28 – com dados e informações
qualificados para a criação de projetos que afirmem, na realidade da formação cotidiana, o
perfil de profissional de Serviço Social indicado pelas Diretrizes Curriculares da ABEPSS
(ABESS/CEDEPSs, 1997).
REFERÊNCIAS
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28
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29
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CONTRA-REFORMA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: UNIRIO e o empresariamento do ensino nas IFES
Suelen Borges Machado1
RESUMO Este trabalho apresenta parte dos estudos e pesquisas realizados no GEPES/UFF sobre o processo de Contra-reforma do ensino Superior nas instituições federais de ensino superior/IFES do Estado do Rio de Janeiro, particularmente na UNIRIO. Esta contra-reforma do Ensino Superior não é algo isolado, mas faz parte de uma profunda reconfiguração do setor público realizado pela contra-reforma do Estado Brasileiro implementada nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e Luís Inácio Lula da Silva (2001-2009) e está alterando profundamente as universidades federais brasileiras. Palavras-chave: Empresariamento, ensino superior, UNIRIO.
ABSTRACT This paper presents part of the studies and research in GEPES / UFF on the process of counter-reform of higher education IFES in the state of Rio de Janeiro, particularly in UNIRIO.This counter-reform of higher education is not isolated but part of a major reconfiguration of the public sector held by the counter-reform of the Brazilian government implemented in Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) and Luis Inacio Lula da Silva (2001-2009) and is profoundly changing the Brazilian federal universities. Keywords: Business, education, UNIRIO
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo apresentar os resultados dos estudos e reflexões
construídos pelo GEPES - Grupo de Estudo e Pesquisas em Educação Superior, vinculado
à Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, ao Núcleo de Estudos,
Documentação e Dados sobre trabalho e Educação- NEDATTE- do Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFF e aos órgãos de apoio à pesquisa – CNPq e FAPERJ.
Apresenta o processo de contra-reforma da educação superior2 nas instituições
de ensino superior/IFES do Estado do Rio de Janeiro que não se desvenda em apenas uma
1 Graduanda em Serviço Social (ESS/UFF). Bolsista de Iniciação Científica CNPq. 2 Utilizamos o termo contra-reforma, com base em Lima (2007), por considerarmos que as profundas reformulações que estão sendo implementadas na política de educação superior no Brasil nos anos de neoliberalismo, ao contrário das reformas - que alteram as condições de vida dos trabalhadores, ampliando direitos, mesmo que nos marcos do capitalismo – estão destruindo direitos e transformando a educação em lucrativo setor de exploração para o capital em crise.
30
São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009
ação, mas é implementado através de um conjunto de leis, decretos e portarias desde os
anos de 1990 até o início do novo século. Esta contra-reforma não é algo isolado, mas faz
parte de uma profunda reconfiguração do setor público realizada pela contra-reforma do
Estado Brasileiro em curso desde os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e
Luís Inácio Lula da Silva (2001-2009). Contra-reforma essa que é apresentada com um
caráter humanizador cuja propaganda se dá pela “ampliação do acesso ao ensino”, a fim de
cumprir com o receituário dos organismos internacionais, como o Banco Mundial e a
UNESCO, os quais buscam novos campos de exploração para o capital em crise.
Este trabalho busca demonstrar, particularmente, o processo de contra-reforma
especificamente na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Nesta
parte da pesquisa buscamos fazer a análise de documentos institucionais, os quais
justificam a adesão da reitoria da UNIRIO à contra-reforma, e analisar uma das facetas
desta contra reforma que são as Parcerias Público-Privadas/PPP, ou seja, o
empresariamento da educação realizado pelas fundações ditas de apoio/ fundações de
direito privado presentes nas IFES com o objetivo de captar recursos públicos e privados
realizando parcerias que se dão em troca da venda do conhecimento como serviço
produzido em grupos de pesquisa e em cursos de especialização pagos (pós-Graduação
Lato Sensu) dentro de uma universidade pública.
Esta fase de coleta de dados empíricos se divide em dois momentos, no primeiro
se busca conhecer o perfil da UNIRIO, como número de discentes de graduação, de pós-
graduação, de docentes, quantidade de Centros Acadêmicos, cursos, grupos de pesquisas,
verificação de cursos à distância, e análise dos documentos da instituição. No segundo
momento realizaremos entrevistas com os docentes, discentes e demais sujeitos da
universidade para conhecermos o processo de implantação da contra-reforma na UNIRIO.
Esta pesquisa encontra-se em andamento, os dados aqui apresentados referem-se ao
primeiro momento da pesquisa.
2. DESENVOLVIMENTO
O final do século XX foi marcado pela crise do capital, suas características
principais foram as altas taxas de inflação e baixas taxas de crescimento. Para sair desta
crise, os países centrais (a tríade EUA, Europa e Japão) os quais conduzem os organismos
internacionais (Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, Fundo Monetário
Internacional, Organização das Nações Unidas), impuseram algumas medidas aos países
capitalistas dependentes que foram a reestruturação da esfera da produção, o
reordenamento da função dos estados e a propagação do neoliberalismo. Como
conseqüência, houve a redução da participação financeira do Estado na área social e o
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aprofundamento da dependência dos estados nacionais periféricos aos países do centro do
capitalismo (SIQUEIRA, 2004).
Por estar instalada uma crise econômica, os países centrais exigiam que a
dívida que os países dependentes possuíam com eles fossem quitadas, os organismos
internacionais consideravam que só continuariam realizando empréstimos se os países
periféricos aceitassem seu receituário, se realizassem a contra-reforma do Estado e
reconfigurassem profundamente as áreas sociais. Segundo estes sujeitos políticos coletivos
do capital, os países periféricos precisariam se incluir na “sociedade da informação” e
absorver as tecnologias da informação e da comunicação3 só assim eles alcançariam o
desenvolvimento. Os países centrais viam na educação um novo campo de exploração para
o capital nos países periféricos, já que estes países possuem baixos níveis de
escolarização. A educação e outras políticas públicas deixam de ser vistas como um direito
público gratuito para serem concebidas como serviço podendo ser negociado no “mercado
educacional” (NEVES, 2004; NEVES; SIQUEIRA, 2006).
Em meados de 1990, a sociabilidade adotada pelo capital - o neoliberalismo-
passa a ser questionada por estes mesmos intelectuais orgânicos do capital na medida em
que estes sujeitos políticos coletivos começaram a observar o aumento das desigualdades
econômicas e sociais e a necessidade de implementação de ações para garantir a coesão
social em torno do projeto burguês. Surge então uma nova sociabilidade burguesa, a partir
do discurso sobre a necessidade de um “capitalismo mais humanizado” – com base na
pauta de ação política da Terceira Via - onde a sociedade civil deveria se responsabilizar
pelos problemas sociais, e o papel do Estado seria investir em programas sociais
focalizados, e nas outras áreas públicas caberia a ele o papel de fiscalizar as ações dos
setores privados e estabelecer parcerias com estes setores (Neves, 2005). Ao mercado
caberia continuar seu processo de exploração e em algumas áreas participar em conjunto
com o Estado nas políticas e programas sociais, privatizando assim os serviços públicos
através das parcerias público-privado. No âmbito da educação superior há uma grande
abertura para o capital privado a fim de realizar parcerias e explorar a produção das
universidades (LIMA, 2007).
A contra-reforma da educação superior aparece no novo projeto burguês de
sociabilidade sob um discurso “humanizador” e “democratizador” onde a expansão
quantitativa se mostra como um simples pretexto para o aprofundamento da exploração
capitalista, na medida em que esta expansão do acesso ocorre através da ampliação do
número de cursos e instituições de ensino superior/IES privadas e da privatização interna
das IES públicas. Assim, além da política de privatização pelo aumento das IES privadas, os
países periféricos como o Brasil implementam políticas de diversificação das Instituições de
3 Para uma análise crítica da noção de “sociedade da informação”, consultar, Lima, 2007.
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Ensino Superior (IES) e dos cursos e a diversificação das fontes de financiamento da
educação superior (LIMA, 2007).
Neste contexto, a contra-reforma altera profundamente as IFES’s na medida em
que um processo de aligeiramento da formação e a transformação destes IES em “escolões
de terceiro grau” passa a se constituir uma política em processo. Leis, decretos, portarias
são postos para legalizar/operacionalizar a contra reforma da educação superior como a Lei
de Inovação Tecnológica 10.973 de 02/12/04, o Decreto do REUNI 6.096 de 24/04/07, o
Decreto 5.622 de 19/12/05 que dispõe sobre a educação à distância (EAD), o PL 7.200 de
12/06/06, a Lei 8.666 de 21/06/93 que aprova licitações e contratos do setor privado com a
administração pública; a Lei 11.079 de 30/12/04 que institui as normas para a licitação e
contrato de parceria público-privada na administração pública e o Decreto 6.129 de
20/06/2007 que dispõe sobre a vinculação das fundações com o setor público.
A UNIRIO como as demais IFES que aderiram ao REUNI(apesar das
resistências e denúncias do movimento docente e do movimento estudantil) faz parte do
processo caracterizado acima.
3 O REUNI na UNIRIO
No site da Unirio as informações e documentos sobre o Reuni são de fácil
acesso ao contrário de outras IFES, sua divulgação é feita acriticamente permanecendo
nele um discurso de “inclusão” quantitativa. Na cartilha divulgada no site - “Reuni: Saiba o
que é” as informações apresentadas analisam a pequena porcentagem de jovens que
freqüentam o a educação superior; afirmando que as universidades federais não recebem
investimentos, sendo então o Reuni uma oportunidade para a reversão deste quadro.
Em 2006 foi elaborado e aprovado o Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI). Este documento traça um pouco da história da Unirio e das crises vivenciadas pelas
universidades públicas. O PDI tenta mostrar a luta por uma universidade gratuita e
democrática financiada por investimentos públicos. Possui um discurso “humanitário”,
afirmando que a universidade precisa se fortalecer para promover a consolidação de uma
“sociedade mais justa e igualitária”, seus princípios baseiam-se na justiça social e no senso
de cidadania, seguindo diretrizes da UNESCO. Porém, o PDI parece se dividir em idéias
opostas no momento em que apresenta os Eixos, Objetivos e Metas, pois o discurso de uma
universidade pública financiada com investimentos públicos se modifica quando no Eixo 3
propõe-se parcerias com organizações públicas e privadas, nacionais e internacionais.
No Eixo 2, objetivo 2.7 há a meta de incentivar o empreendedorismo, criando
dentro da universidade empresas juniores, as quais oferecem seus serviços como outra
empresa qualquer, sendo esta com baixos custos, privatizando deste modo o espaço
33
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público. Além disso, no Eixo 1, objetivo 1.2, busca-se ampliar os cursos de pós-graduação e
consolidar os cursos Lato sensu (pagos) como cursos Stricto sensu em acadêmicos ou
profissionais. Os cursos de pós-graduação Lato sensu da Unirio em geral são cursos
privados, cursos pagos dentro de uma universidade pública que não garante gratuidade no
ensino, somente na graduação conforme exposto nos Sinalizadores Acadêmicos do PDI
pág.13, se contradizendo com seu princípio básico “A universidade deve ser pública, gratuita
e primar pela qualidade acadêmica com compromisso social”.
Se a Unirio busca aprimorar sua qualidade, como ela poderia explicar a Meta
1.1.3 que trata de disciplinas de graduação à distância cursadas (integral ou parcialmente);
ou então conforme apresentação do Reuni disposta no site que propõe metas para 5 anos
de elevação da taxa de conclusão da graduação presencial para 90% e elevação da relação
professor/aluno para 18; ou até quando propõe a mobilidade estudantil conforme disposto
no projeto de adesão apresentado ao MEC usando como estratégias a disposição de
disciplinas transversais para estudantes de diferentes áreas de conhecimento para
preencher vaga.
O Projeto Político Pedagógico (PPI) não possui diretrizes pedagógicas muito
distantes das propostas do PDI. Seu “discurso humanitário” será expresso pela afirmação da
busca por uma universidade mais próxima da realidade social, de processos de ampliação
do acesso e de inclusão, justiça social e cidadania, com base nas propostas da UNESCO.
A Unirio possuía em 2008: 595 docentes; 5262 discentes de graduação, 429
discentes de pós-graduação (Stricto sensu), 18 cursos de graduação: 13 Bacharelados e 5
licenciaturas (7 noturnos), 11 cursos Stricto sensu, Cerca de 40 cursos Lato sensu (1 MBA),
3 cursos à distância (sendo 1 de pós graduação), 5 pró-reitorias e 5 Centros Acadêmicos.
A Unirio possui ainda duas Fundações de Apoio:
FUNRIO FURJ
A FUNRIO é responsável por estabelecer cooperação técnica e científica com outras instituições nacionais e estrangeiras, para seleção e capacitação de pessoal, avaliação educacional, acreditação institucional, administração e gerenciamento em serviço de saúde (Estatuto da FUNRIO, Art. 2º, Inc.VI), além de dar apoio à pesquisa ensino e assistência à escola de medicina do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da UNIRIO. A FUNRIO também é a fundação responsável pelos cursos de especialização Lato sensu e MBA.
A FURJ se declara também como fundação de apoio, responsável pela manutenção da estrutura do Hospital Gaffrée e Guinle, mas não se resume a esta função.
Em relação ao processo de privatização interno, destacamos a quantidade de
cursos pagos no interior da universidade, conforme quadro abaixo.
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Pós Lato Sensu - Cursos Lato sensu por Centros Acadêmicos e seus
respectivos valores:
CCBS:
Tabela 1- Cursos Lato sensu CCBS
CURSOS OFERECIDOS Valor Total
Alergologia e Imunologia R$3600,00
Anatomia Patológica R$3600,00
Biologia Aquática R$3000,00
Cancerologia Clínica R$4800,00
Cardiologia R$4800,00
Cirurgia Geral R$6000,00
Cirurgia Vascular e Angiologia R$6000,00
Clínica Médica R$3600,00
Dermatologia R$6000,00
Endocrinologia R$6000,00
Enfermagem Neonatal R$3000,00
Gastroenterologia R$4800,00
Ginecologia R$3600,00
Ginecologia Endócrina e da Reprodução R$1800,00
Homeopatia R$6000,00
Mastologia R$1800,00
Medicina Familiar e Comunitária R$4800,00
Nefrologia R$4800,00
Neurologia R$7200,00
Nutrição Clínica e Pediátrica R$3000,00
Obstetrícia R$2400,00
Otorrinolaringologia R$7200,00
Pediatria R$6000,00
Pneumologia Pediátrica R$3600,00
Pneumologia R$4800,00
Psiquiatria R$7200,00
Reumatologia R$4800,00
Tocoginecologia R$4800,00
Biologia Aquática 360hxR$250,00 = R$2500,00
Bioquímica do Exercício 18 meses = R$5862,00
Medicina do Tráfego 12 meses x R$600,00 = R$7200,00
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Além destes dados apresentados na tabela 1 pode-se lembrar que a Escola de
Enfermagem Alfredo Pinto participa do projeto de mobilidade estudantil, a qual possui
extensão e parceria com a Universidade Pública de Valladolid/Universidade Pública de
Navarra (Espanha). Segundo a Escola de Enfermagem, seus esforços através
implementação de uma nova forma de gestão que vai de encontro com a nova política
adotada pela Reitoria da UNIRIO, tem sido a busca por sua inclusão num “contexto global
competitivo e complexo”. A Unirio também faz parte do Grupo de Tordesilhas (Universidades
do Brasil, de Portugal e da Espanha), que por sua vez participa da mesma lógica do Tratado
de Bolonha. Uma interessante referência desta participação no Grupo de Tordesilhas
acompanhando a lógica de competitividade, responsabilidade social (caráter humanizador) e
privatização pode ser encontrada na oferta de bolsas de pesquisa para professores
doutores, bolsas estas financiadas pela Fundação Carolina, uma fundação espanhola
“socialmente responsável” do Grupo Santander, portanto, financiada por um banco,
evidenciando de que forma está estabelecida a diversificação das fontes de financiamento
das atividades acadêmicas desenvolvidas nesta IFES. O professor pesquisador por meio
desta bolsa realiza sua pesquisa em uma das universidades espanholas, sendo que o maior
número de vagas destina-se a universidades de Ensino à Distância ou a Instituições
Privadas de Ensino, de acordo com o edital do programa de bolsas, o professor pesquisador
deve se dedicar em tempo integral à pesquisa, e ao fim desta deverá deixar com a
instituição financiadora o resumo do que foi pesquisado, o produto de seu conhecimento.
CCET:
Tabela 2- Curso Lato sensu CCET
MBA em Gestão de Negócios e Inteligência Competitiva da Unirio; Valor Total:
R$11.250,00
• Curso de graduação à distância de Matemática desenvolvido pelo CCET
(gratuito)
O CCET possui 3 núcleos de pesquisa/extensão subordinados ao Departamento
de Informática: o Núcleo de Pesquisa e Prática em Tecnologia- NP2Tec; Núcleo de
Inteligência e Gestão-NIG e o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Sistemas (em
construção).
O 1° núcleo (NP2Tec) tenta fazer a interlocução entre Ensino Superior, Pesquisa
Acadêmica e mercado de trabalho. Este processo aparece para a empresa como um serviço
produzido com mão-de-obra barata, já que o discente vende seu conhecimento privatizando-
o, dando assim direito de posse ao capital.
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Este Núcleo coordena um curso de Pós- Graduação Lato sensu em Gerência
de Processos de Negócios, e seis cursos de extensão, tendo como público alvo
profissionais do ramo de informática. O 2°núcleo (NIG) não é tão diferente do NP2Tec, já
que esse vende diretamente seus serviços para clientes. O NIG é responsável pelo MBA da
Unirio. O CCET possui também uma Empresa Júnior, a Uiriotec Consultoria, composta e
gerida pelos discentes, esta empresa vende seus serviços de informática para as empresas.
CLA:
Tabela 3- Curso Lato sensu CLA
Pós-Graduação Lato sensu em Educação Estética 10 meses x R$200,00= R$2000,00
Pós-Graduação Lato sensu em Teatro Musicado: 12 meses= R$4060,00
Como vimos, o “discurso humanitário” da Unirio omite os objetivos e metas de
seu PDI e o desmonte da educação pública, gratuita e de qualidade através das ações
fragmentadas da contra-reforma da educação, que privatizam o espaço público e ampliam
as ações dos empresários da educação, duas faces de um mesmo projeto neoliberal de
educação.
A Expansão
Tabela 4- Novos cursos
Na tabela acima podemos observar outro item da contra-reforma na Unirio que
trata sobre o aceleramento da formação profissional, nota-se na legenda que para os cursos
a serem abertos haverá, segundo a tabela disposta no projeto de adesão da unirio ao
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REUNI, enviado ao MEC, cursos com habilitações mistas classificados como “Licenciatura
em Ciências Matemáticas e da Natureza”, onde o aluno possuiria duas qualificações no
mesmo período uma única graduação. Pode-se questionar esta formação, já que as
instituições de ensino básico têm priorizado a contratação de professores que possuam
formação em uma área específica.
O projeto de adesão ao Reuni enviado ao MEC apresenta um quadro
orçamentário proporcional à expansão da universidade, porém assim como o “discurso
humanitário” do PDI articulado as metas privatistas do referido documento.
3 CONCLUSÃO
Frente a estes dados fica evidente que mesmo sendo a UNIRIO uma
universidade pequena, ela está operando a contra-reforma da educação superior.
Analisando os documentos institucionais, percebemos um crescente empresariamento da
educação na UNIRIO, sua transformação de direito em promissor “serviço educacional” a
ser negociado por uma universidade pública.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto 6.129, de 20 de Junho de 2007. Dispõe sobre a vinculação das entidades integrantes da Administração Pública federal indireta. Brasília, 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6129.htm . Acesso 31 de outubro de 2008; _________. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil _03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 31 de outubro de 2008. _________. Presidência da República. Casa Civil. Lei 11.079 de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Brasília, 2004. Disponível em: http://www.sintunesp.org.br/ refuniv/Lei%2011079-04_30-12-04%20-%20PPP.htm. Acesso em 31 de outubro de 2008; _________. Presidência da República. Lei 8.666, de 21 de Junho de 1993. Estabelece normas gerais sobre licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília, 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/ LEIS/L8666cons.htm . Acesso em 31 de outubro de 2008; ESTATUTO. Fundação de Apoio à Pesquisa, Ensino e Assistência à Escola de Medicina e Cirurgia e ao Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (FUNRIO). Disponível em www.funrio.org.br . Acesso em 01 de outubro de 2008; Fundação de Apoio à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro- UNIRIO. A Instituição. Principais Convênios, Projetos e Parcerias. Disponível em www.furj.com.br . Acesso em 01 de outubro de 2008.
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LIMA, Kátia. Contra-Reforma da educação superior: de FHC a LULA/ Kátia Lima.- São Paulo: Xamã, 2007; NEVES, Lucia M. W. (org). Reforma universitária do governo Lula: reflexões para o debate. SP: Xamã, 2004. NEVES, Lucia M. W e SIQUEIRA, A. Educação superior: uma reforma em processo. SP: Xamã, 2006. PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UNIRIO). Informações sobre a pós-graduação Lato sensu. Disponível em www.unirio.br. Acesso em 15, 17 de setembro; 25, 28, 29 de outubro de 2008. SIQUEIRA, Ângela C. de A regulamentação do enfoque comercial no setor educacional via OMC/GATS. In Revista Brasileira de Educação, Anped,nº 26, 2004. UNIRIOTEC CONSULTORIA. Empresa Júnior da UNIRIO. A Empresa. Disponível em www.uniriotec.com/empresa.php . Acesso em 15, 16, 17, 23, 24, 25, 27, 28, 29 de Abril. CAROLINA, FUNDACIÓN. Programa: Movilidad de profesores de universidades públicas brasileñas. Disponível Em: http://gestion.fundacioncarolina.es/ candidato/becas/ ficha/ficha .asp?Id_Programa=1560. Acesso em 05/05/09.
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POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA E SERVIÇO SOCIAL1
Aline Teles Veloso Coelho2 Juliana Carino Rafaela Vieira
Tereza Cristina M. Farias
RESUMO O trabalho ora apresentado objetiva analisar o processo de formação profissional em Serviço Social, tendo como finalidade conhecer a realidade da educação superior brasileira e o processo de mercantilização neste nível de ensino a partir da década de 1990, na qual, em um contexto mundial ocorre a reformulação das políticas sociais. Tal análise foi desenvolvida a partir do levantamento dos dados disponíveis no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC), relacionando-os com estudos bibliográficos que abordam as temáticas política educacional e Serviço Social. Palavras-chave: capitalismo, educação superior, formação profissional, Serviço Social.
ABSTRACT
The work prays presented aims to analyse the process of professional formation in Social Service, having like finality knows the reality of the superior Brazilian education and the process of mercantilização in this level of teaching from the decade of 1990, in which, in a world-wide context setorial takes place to reformulation of the social politics. Such an analysis was developed from the lifting of the data available in the National Institute of Studies and You investigate Education (INEP/MEC), connecting them with bibliographical studies that board the themes: education politics and Social Service. Key words: capitalism, high education, professional formation, Social Service
1 Trabalho apresentado na IV Jornada Internacional de Políticas Públicas – Neoliberalismo e lutas sociais: perspectivas para as políticas públicas, realizada de 25 a 28 de agosto de 2009, na Universidade Federal do Maranhão, São Luis – MA. O trabalho compõe a mesa coordenada Reformulação da educação superior brasileira: impasses e desafios para a formação profissional em Serviço Social, foi orientado pela professora Larissa Dahmer Pereira e é fruto dos grupo de estudos de Iniciação Científica, realizado ao longo de 2008 e 2009/01. 2 Graduandas da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (ESS/UFF) e integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (GEPES/UFF/Niterói), na qualidade de bolsistas de Iniciação Científica financiadas pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e pela Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos (PROAC/UFF).
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1 INTRODUÇÂO
O trabalho ora apresentado consiste em uma análise acerca da política
educacional brasileira, em especial aquela voltada ao nível superior de ensino, e a relação
da mesma com a expansão dos cursos privados de Serviço Social.
A proposta é apresentar o papel da educação superior na sociedade capitalista,
os elementos centrais do processo de mercantilização da educação superior e os seus
rebatimentos no processo de formação profissional em Serviço Social, na particularidade
brasileira.
Segundo Shiroma et al. (2004) as políticas públicas de caráter social são
estrategicamente importantes para o Estado capitalista. Por um lado, contribuem para
ampliar os mecanismos de cooptação e controle social; por outro, mostram-se como uma
resposta às lutas da classe trabalhadora. Dessa forma, as políticas educacionais expressam
essa mesma contradição.
Primeiramente, problematizaremos como a educação torna-se funcional ao
processo de acumulação capitalista e, logo, aos interesses da classe dominante. Em
sequência, o debate exposto aborda o ensino superior no Brasil. Analisaremos de que forma
e com qual finalidade se processam as reformas nesse nível de ensino a partir do regime
militar, sobretudo na década de 1990. Em seguida abordaremos como o discurso ideológico
de democratização de acesso ao ensino superior é apresentado no Censo da Educação
Superior de 2007 (INEP/MEC, 2009).
Em um terceiro momento, apresentaremos a síntese do movimento que permitiu
o surgimento desta profissão, bem como o processo de renovação que ocorre no interior da
profissão relacionando com o movimento histórico da sociedade brasileira. Logo após
indicamos o crescimento dos cursos privados da área das Ciências Humanas,
particularmente os de Serviço Social, e os seus rebatimentos na qualidade da formação
profissional. Finalmente, abordaremos o processo de expansão dos cursos de Serviço
Social no Brasil, em especial no setor privado, forte indicativo do interesse mercantil que
essa área desperta nos empresários da educação.
2 EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CAPITALISMO, A PARTICULARIDADE BRASILEIRA E A
EXPANSÃO DOS CURSOS DE SERVIÇO SOCIAL VIA SETOR PRIVADO
Neste tópico analisamos de forma sucinta a função da educação superior. Para
tanto, apoiamo-nos em Frigotto (2006), que aborda a função do sistema escolar no
capitalismo. Para esse autor, a classe dominante busca ajustar os requisitos educacionais
ao mercado de trabalho, reduzindo o processo educativo à produção de habilidades
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São Luís – MA, 25 a 28 de agosto 2009
intelectuais e desenvolvimento de determinadas atitudes, as quais geram capacidade de
trabalho e produção. Nesse sentido, a educação é vista como qualquer outro investimento e,
mais do que isso, é separada do político, do social, do filosófico e do ético, sendo definida
pelos critérios do mercado (Frigotto, 2006). Torna-se, dessa forma, uma mercadoria, ao
passo que o aluno transforma-se em um consumidor. Há, então, a transmutação da
educação como direito, em educação como um “serviço” comercial (Pereira, 2008).
Segundo Pereira (2008), capital e trabalho possuem concepções distintas acerca
da função social da escola. Para o capital, “a educação constitui-se como um poderoso
instrumento da ideologia hegemônica, de 'domesticação' ao status quo” (Pereira, 2008: 47).
Assim, após a Revolução Francesa, a educação teve o papel de manter o consenso,
apoiada em uma concepção de mundo burguesa. Já no século XX, o acesso à escola foi
ampliado, a partir das lutas da classe trabalhadora. Cabe ressaltar que esta também se
constitui numa demanda do capital, devido à necessidade de formação de um homem
adequado ao padrão de produção e consumo fordista.
A segunda questão deste debate se refere à lógica dominante capitalista que
exige a adequação da formação e (re)qualificação da força de trabalho. Para o
desenvolvimento das novas “competências” requeridas pela reestruturação produtiva são
necessários níveis sempre superiores de escolarização. Esta, por sua vez, é buscada por
aqueles que procuram se manter ou se inserir em um mercado de trabalho cada vez mais
excludente.
No contexto mundial, a educação superior acompanhou o movimento do
capitalismo em seu estágio monopolista, passando de direito social a mais uma mercadoria
no pós 1970. Neste processo, a política social encontrava-se subordinada à política
econômica favorecendo o processo de internacionalização do capital. Com isso, ocorre a
redução de investimentos nos serviços públicos, dentre eles, a educação (Pereira, 2008)
No Brasil, observamos que a expansão do ensino superior privado está
relacionada à política em desenvolvimento do regime militar, que repassa os investimentos
destinados às políticas sociais setoriais para acumulação direta do capital. A precarização
do setor escolar propicia a abertura para o processo de privatização da área. Isto porque a
esfera educacional, para o sistema capitalista, é importante por promover as propostas de
reprodução da força de trabalho e formação de intelectuais que colaborem com a ordem do
capital (LIMA, 2007).
As políticas educacionais do regime militar tinham dois objetivos principais:
ampliar a oferta do ensino fundamental, garantindo, assim, força de trabalho com
qualificação mínima, apta a um processo produtivo ainda pouco exigente; e criar as
condições para a formação de recursos humanos qualificados, através da expansão do
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ensino superior, de modo a favorecer o processo de modernização conservadora3 do país.
Assim sendo, houve a proliferação de universidade federais em vários estados, mas, além
disso, cresceram também, de forma indiscriminada, as instituições de ensino superior (IES)
privadas, sem nenhum controle governamental (SHIROMA et al., 2004).
Lima (2007), ao analisar a política educacional voltada para o ensino superior
nos governos Cardoso e Lula, afirma que houve uma adequação deste nível de ensino a fim
de atender às necessidades do modo de produção capitalista em seu estágio atual. O
processo de expansão do setor privado – em curso desde o regime militar - promove um
novo sentido a este nível educacional e às políticas sociais de uma forma ampla, dando
abertura à exploração dos empresários nesta área.
Neste sentido, observamos que a mercantilização da educação superior
brasileira é marcada pela necessidade de inserção dos países periféricos na economia
mundial através da privatização interna das universidades públicas e da abertura para a
criação de novas instituições de ensino superior (IES) privadas como um elemento
ideológico constitutivo do projeto neoliberal, que reduz a responsabilidade do Estado no que
diz respeito às políticas sociais e possibilita a criação de novos espaços mercantilizados
(Lima, 2007).
Na década de 1990 ocorre o período da implantação da política neoliberal
propiciando assim a intensificação na privatização das políticas setoriais, seja através do
fortalecimento do setor privado, seja através da precarização do setor público. Todo este
processo iniciou no governo Collor, aprofundou-se nos dois governos de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002) e teve continuidade no governo Lula da Silva (2003-2010),
promovendo uma reformulação da educação superior no país, rumo à mercantilização deste
nível de ensino. (LIMA, 2007).
A aceleração da mercantilização do ensino superior no país foi, contudo, desde
Cardoso, defendida com base no discurso ídeopolítico da “Terceira-via” pela
“democratização do acesso” ao ensino superior. Entretanto, a forma de “democratização”
tem ocorrido, nos governos Cardoso e Lula, através do fortalecimento do setor privado de
ensino (LIMA, 2007).
O Censo da Educação Superior de 2007 (INEP/MEC, 2009) permite visualizar a
permanência da política de expansão do ensino superior através do setor privado. O Censo
contou com a participação de 2.281 Instituições de Ensino Superior (IES), sendo 89% de
natureza jurídica privada e 11%, pública. O número de IES privada é alarmante, mostrando
como a política de educação superior permanece fortalecendo a lógica mercantil.
3 Sobre o processo de modernização conservadora no Brasil, desencadeado a partir do golpe militar de 1964, cf. Netto (1996).
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Fonte: gráfico organizado pelas autoras com base nos dados do INEP/MEC (2009).
Gráfico 1 - Evolução segundo natureza jurídica das instituições em 2007
Observamos no gráfico abaixo (Gráfico 2) que, no ano de 2007, num universo
total de 2.281 IES, 1.095 encontram-se localizadas na região sudeste, isto é, 48%. Este
dado é significativo comparado com as demais regiões do país e pode ser explicado pela
presença majoritária de empresas nesta região e maior renda da população, o que atrai o
setor privado educacional na abertura de novas IES.
Fonte: gráfico organizado pelas autoras com base nos dados do INEP/MEC (2009). Gráfico 2 - Instituições de Ensino Superior segundo regiões do Brasil em 2007
Conforme é possível observar, a expansão das IES ocorre via setor privado,
localizadas majoritariamente na região sudeste. Este processo também impacta a formação
dos assistentes sociais no país.
IES segundo regiões brasileiras 2007
140; 6%422; 19%
1.095; 48%
375; 16%
249; 11%
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
IES segundo natureza jurídica - Brasil 2007
Pública; 249; 11%
Privada; 2.032; 89%
Pública Privada
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O objetivo da pesquisa em curso foca a formação profissional em Serviço Social
relacionada ao processo de aprofundamento da privatização do ensino superior no país.
Cabe destacar que o Serviço Social, criado a partir dos anos 1930, foi uma das profissões
necessárias ao desenvolvimento capitalista no país, contribuindo com o aumento da
produtividade social do trabalhador e promovendo a “harmonia social”4. Assim, estes
profissionais foram requisitados a executar e implementar políticas sociais em diversas
áreas.
Pereira (2008) aborda o processo de crescimento do setor privado na abertura
de novos cursos de Serviço Social. Esta autora mostra que, a partir de 1964, os empresários
da educação superior interessaram-se pela abertura de cursos de Serviço Social, criando
neste período 61,3% dos cursos de Serviço Social e provocando a diminuição da
participação estatal (22,6%) e das instituições confessionais (16,1%).
É importante destacar que os cursos superiores abertos em IES privada
geralmente pertencem ao campo das Ciências Humanas, isto porque exigem menos
recursos, proporcionando maiores ganhos aos empresários do ensino. Neste contexto, o
curso de Serviço Social, sendo menos custoso, promove maior lucratividade ao
empresariado.
Pereira (2008) demonstrou o abrupto crescimento dos cursos de Serviço Social
no país, criados, majoritariamente, a partir de 1995 em IES privadas e não-universitárias até
2002. Porém, ao analisarmos o quantitativo de cursos de Serviço Social criados entre 2003
e 2009, constatamos que esse processo permanece em ascensão.
Tabela 1 - Cursos de Serviço Social distribuídos segundo período de autorização e natureza jurídica
Período Privado % Público % Total
1930-1994 47 63,5 27 36,5 74
1995-2002 45 90,0 05 10,0 50
2003-2009 191 91,0 19 9,0 210
Fonte: tabela organizada por Pereira (2009).
A partir do gráfico acima, constatamos que os cursos de Serviço Social criados
de 2003 até 2009 perfazem um total de 210, sendo que 191 (91%) são de natureza privada
e somente 19 (9%) de natureza pública.
Esses dados confirmam o alarmante processo de expansão e mercantilização
dos cursos de Serviço Social no Brasil. Cabe ressaltar que este faz parte de um processo
muito mais amplo, englobando a educação superior brasileira como um todo, através do
notório incentivo do Estado à expansão do setor privado, conforme abordado. 4 Sobre a história do Serviço Social no país, cf. Iamamoto e Carvalho (2007).
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3 CONCLUSÃO
Estas breves reflexões demonstram o processo de privatização na política
educacional em seu nível superior, principalmente a partir da reformulação da educação em
curso implementada historicamente em nosso país.
Vale destacar que o processo de mercantilização do ensino superior provocou
modificações na rotina de trabalho docente, intensificando-o, e este fator influenciou na
qualidade e nas condições de formação profissional, principalmente quando nos reportamos
para o âmbito das IES privadas, sendo estas isentas dos procedimentos de aprendizagem
que articulam o ensino, pesquisa e extensão.
Daí a relevância e atualidade de analisarmos o processo de mercantilização do
ensino superior, que cada vez afirma que a educação superior é um “produto”, e, portanto,
vendável aos consumidores, descaracterizando totalmente esta política setorial que, de
acordo com a Constituição Federal de 1988, é concebida como um direito5.
Em síntese, o papel fundamental da educação superior no capitalismo é
propiciar a formação de intelectuais colaboracionistas e acríticos à ordem do capital, para a
disseminação ideológica do capital, além de ser mais um campo de exploração que, por sua
vez, contribui para o processo de acumulação capitalista. Neste sentido, é fundamental a
pesquisa sobre a formação profissional dos assistentes sociais, articulada à análise da
política educacional.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. FRIGOTTO, G. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômico-social e capitalista. São Paulo: Cortez, 2006. IAMAMOTO, M. V. e CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez; CELATS, 2007. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS / MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (INEP/MEC). Cadastro Nacional de Instituições de Ensino Superior. Disponível em http://www.educaçãosuperior.inep.gov.br/ Acesso em Abril de 2009. ______. Censo da Educação Superior de 2007. Disponível em http://www.inep.gov .br/download/superior/censo/2007/Resumo_tecnico_2007.pdf Acesso em Abril/2009. 5 A Constituição Federal de 1988, no Capítulo III - da Educação, da Cultura e do Desporto, na Seção I – Educação aborda a questão da gratuidade, bem como, do acesso ao nível superior, sendo estes dever do Estado: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. [...] Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...]V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; [...]”.
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LIMA, K. R. de S. Contra-reforma na educação superior: de FHC a Lula. São Paulo: Xamã, 2007. NETTO, J.P. Ditadura e Serviço Social - uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1996. PEREIRA, L. D. Impactos da contra-reforma da educação superior na formação profissional em Serviço Social. Trabalho apresentado à IV Jornada Internacional de Políticas Públicas – Neoliberalismo e lutas sociais: perspectivas para as políticas públicas, a realizar-se de 25 a 28 de agosto de 2009, na Universidade Federal do Maranhão, São Luis – MA. Niterói, ESS/UFF, 2009 (no prelo). ______. Educação e Serviço Social: do confessionalismo ao empresariamento da formação profissional. São Paulo: Xamã, 2008. _______. Ensino Superior e Serviço Social: uma análise da direção social e das condições da formação profissional no estado do Rio de Janeiro. Niterói: Universidade Federal Fluminense/Escola de Serviço Social, Projeto de Pesquisa, 2007. SHIROMA, E. O.; MORAES, M. C.; EVANGELISTA, O. Política educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.