O Processo Sincrético e o Novo Conceito Legal de Sentença
Thiago Graça Couto Advogado, Associado da Covac Sociedade de Advogados, Pós‐Graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC‐Rio.
Sincretismo significa a fusão de dois ou mais elementos em um só. É uma tendência no Direito
Processual Civil Brasileiro a unificação de todas as etapas processuais, de forma a se prestar a
tutela jurisdicional com maior agilidade, simplicidade e efetividade.
Este entendimento, foi inaugurado em 1994, onde foi incorporado pelo legislador ao processo
de conhecimento, a chamada antecipação de tutela1 (Art. 273 do CPC) e a sentença
mandamental e executiva (Art. 461 do CPC). Em 2002, foi adotado a mesma sistemática para as
obrigações de entega de coisa (Art. 461‐A). Em 2005, ocorreu a maior modificação, eis que a Lei
11.232/2005, introduziu o Cumprimento de Sentença, que consiste na execução das decisões
condenatórias a pagamento de quantia certa no próprio processo em que foram exaradas.
Ainda que este sincretismo seja mais evidente na unificação dos processos de cognição e de
execução, é preciso destacar que, por conta da fungibilidade2 das tutelas de urgência3, o
procedimento cautelar é cada vez menos utilizado.
Apesar do Art. 273 §7.º do CPC prever a fungibilidade apenas em uma via, jurisprudência e
doutrina já estão quase pacificados no sentido de entender que a fugibilidade também ocorre
nos casos em que uma cautelar é interposta quando se deveria requerer antencipação de tutela
em processo de conhecimento. Nas palavras de Nelson Nery Jr4, caso o autor ajuíze ação
cautelar incidental, mas o juiz verifique ser caso de tutela antecipada, deverá transformar o
pedido cautelar em pedido de tutela antecipada.
1 Esta expressão não é técnica para exprimir a tutela do Art. 273, eis que uma medida cautelar também pressupõe uma antecipação de tutela. 2 Fungibilidade significa que o autor não será prejudicado por ter feito pedido fora da técnica processual. 3 O processo cautelar incidental praticamente acabou, eis que uma produção antecipada de provas, por exemplo, pode ser mais eficientemente obtida através de um pedido no próprio processo de conhecimento, ao invés de se ajuizar uma cautelar para tanto. 4 JUNIOR, Nelson Nery. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Ed. RT, 2007. Pg 531.
E assim não poderia deixar de ser. A mens legis por detrás de tais modificações, é exatamente
promover uma simplificação processual, transformando os processos cautelares e de liquidação
e execução em simples etapas do processo de conhecimento, agilizando e tornando mais
efetiva a prestação jurisdicional.
Após a modificação do Art. 461 do CPC trazida com a Lei 8.952/19945, já se tornou possível a
execução de sentença na mesma relação processual originária, o que causou grande
irressignação doutrinária com relação ao então conceito legal de sentença.
O antigo §1.ª do Art. 162 do Código de Processo Civil, dizia que sentença é o ato pelo qual o juiz
põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. Esta definição foi por muito tempo
suficiente, e certamente ajudou a reduzir a insegurança jurídica com relação a indentificação do
recurso apropriado para guerrear os atos jurisdicionais.
Ocorre que com as seguidas reformas do Código de Processo Civil, multiplicaram‐se os casos de
sincretismo processual, onde uma sentença de mérito não mais significava a extinção do
processo em que fosse exarada.
Por este motivo, se fez necessária a alteração do do Art. 162 §1.º do CPC, que passou a dispor
da seguinte forma:
Art. 162.
§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts.
267 e 269 desta Lei.
Ainda que a nova redação não seja perfeita6, certamente o novo conceito se demonstra mais
coerente com as recentes mudanças do sistema processual brasileiro. Verifica‐se que, agora, a
5 O Art. 461 do CPC, alterado pela Lei 8.952/94, definiu que a tutela das obrigações de fazer e não fazer teriam sentença executada no mesmo processo em que foi proferida. 6 Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini argumentam que mesmo nos casos do Art. 269 do CPC, onde foi mantida a expressão “extinção do processo”, poderá haver prosseguimento do processo a fim de que se execute, na fase de cumprimento, as verbas de sucumbência.
sentença é caracterizada pelo conteúdo do pronunciamento do juiz e não mais apenas por sua
aptidão de pôr fim ao processo.
Não obstante, é importante ressaltar, que com a dita alteração, nada se alterou no sistema
recursal do processo civil brasileiro. As sentenças continuam a ser classificadas em
terminativas, quando proferidas com sustentáculo no Art. 267 do CPC, e definitivas, quando
prolatadas com base nos casos elencados pelo Art. 269 do CPC.
Referência Bibliográfica
JUNIOR, Nelson Nery. Código de Processo Civil Comentado. 10.ª Ed. São Paulo: Ed. RT, 2007.
MARINONI, Luiz Guilherme.; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil Vol. 2: Processo
de Conhecimento. 7.ª Ed. São Paulo: Ed. RT, 2008.
NEGRÃO, Theotônio.; GOUVÊA, José Roberto. Código de Processo Civil e Legislação Processual
em Vigor. 40.ª Ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2008.
WAMBIER, Luiz Rodrigues.; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de.; TALAMINI, Eduardo. Curso
Avançado de Processo Civil V. 1. 9.ª Ed. São Paulo: Ed. RT, 2008.
A definição defendida por Tereza Arruda Alvim é de que Sentença é o ato do juiz que tem por conteúdo qualquer das hipóteses do Art. 267 e 269. Desta feita, o que importa é o conteúdo, pouco importando suas consequências. Cássio Scarpinella Bueno entende que sentença é a decisão que, tendo por conteúdo os Arts. 267 e 269, representa o fim da etapa cognitiva do processo em primeira instância. Para Fredie Didier Jr, sentença é o ato que encerra o procedimento na fase de conhecimento ou de execução em primeira instância. Já Alexandre Câmara, aduz que sentença é o ato pelo qual o juiz põe fim a um módulo processual, resolvendo ou não o mérito da causa. Para Ronaldo Cramer, sentença é o ato do juiz que tem por conteúdo qualquer uma das hipóteses dos Arts. 267 e 269 e dá a solução processual. A solução processual ocorre quando a questão principal é resolvida.