sentenÇa: conceito e efeitos – abordagem zetÉtica
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SENTENÇA:
CONCEITO E EFEITOS – ABORDAGEM ZETÉTICA
Flávio Barroso Braga Júnior*
RESUMO
Este presente estudo tem como objeto o conceito de sentença e seus efeitos. Buscar-se-á aqui, contribuir por meio de uma análise zetética dos conceitos atribuídos à sentença ao longo dos tempos, bem como para a elucidação de novas vertentes de análise quanto ao fato de ela (a sentença) pôr ou não a termo o processo, os seus critérios de conceituação e seus efeitos na práxis forense. Para isso, será realizada uma análise da evolução histórica Processual Civil, desde as fontes do Direito Processual, e do primeiro Diploma Processual Brasileiro de 1939, passando ao atual Código de Processo Civil Brasileiro, sua opção conceitual de sentença e finalizando com as três etapas da reforma do Processo Civil até a entrada em vigor da referida Lei 11.232/2005, perpassando pela ideia de capítulo de sentença. Entendemos, preliminarmente, que a adoção de um critério de conteúdo ou topológico pode comprometer a fase recursal. Então, por meio de uma pesquisa qualitativa, pela análise bibliográfica, pretende-se elucidar informações que permitam contribuir para o esclarecimento do problema em questão.
Palavras-chave: Conceito de sentença. Critério de conteúdo. Critério topológico.
ABSTRACT
The present study is a subject the concept of judgement and its effects. Find here, help through an analysis of the concepts zetetic allocated to judgement over time, and to the elucidation of new strands of analysis about the fact it (sentence) calling or not to end the process, their criteria for the concept and its effects on forensic practice. For this, review their historical evolution Civil Procedure, since the sources of Procedural Law, the first Brazilian Diploma Procedure, 1939, passing current Brazilian Code of Civil Procedure, its conceptual option of sentencing and ending with the three stages of reform of Civil Procedure to Entry into force of that law 11.232/2005, perpassando chapter of the idea of judgement. We believe, preliminarily, that the adoption of a criterion for content and topological, may undermine the appeal stage. Then through a qualitative research, find, by the literature review, elucidate information allowing contribute to the clarification of the problem at hand.
Keywords: Concept of sentence. Discretion of content. Topological criterion.
* Bacharel em Direito. Especializando em Sociologia, Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina.
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1 INTRODUÇÃO
A evolução social, com suas decorrentes implicações, exige constante
aperfeiçoamento das formas de controle coletivo. Nota-se que após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, o início da vigência do Código Civil de 2002 e as Reformas do
Processo Civil, que há acentuada preocupação dos operadores do Direito com a morosidade
do processo historicamente qualificado como instrumento utilizado pelo Estado para a
solução dos conflitos de interesses gerais e a paz social.
O autor de uma pretensão, ao procurar os préstimos de um advogado, e este, por sua
vez, ajuíza a demanda; anseia obter sentença de mérito que coloque fim ao conflito
estabelecido no plano extrajudicial. Dessa forma, muito mais do que uma sentença, o autor
anseia, principalmente, conviver com seus efeitos, sob pena de o referido pronunciamento ser
marcado pela pecha da imprestabilidade, não passando de adorno a ser colecionado pelo
demandante.
Diante da impossibilidade da sociedade brasileira de conviver com a realidade
processual deficiente, instituições comprometidas com a qualidade dos serviços forenses, a
exemplo do Instituto Brasileiro de Direito Processual, apresentaram projetos de modificações
do Código de Processo Civil, em complemento à evolução social e à busca da paz social. O
movimento reformista iniciou-se em meados da década de 90. Dentre eles se destaca o que
resultou na aprovação de Lei 11.232/2005, impondo profundas modificações no panorama da
execução.
A presente pesquisa tem por escopo empreender o estudo do conceito de sentença
acerca da novel legislação – Lei 11.232/2005 – e seus efeitos, em uma abordagem zetética, ou
seja, um levantamento doutrinário com critérios metodológicos necessários à sua delimitação
conceitual, com a vigência da Lei 11.232/2005 e seus efeitos, aproximando os elementos
doutrinários com os elementos normativos pragmáticos da práxis forense.
Assim sendo, contemplar-se-ão características de uma pesquisa predominantemente
qualitativa, buscando analisar e organizar conceitos doutrinários provenientes de uma revisão
bibliográfica sobre o conceito de sentença e a relação com seus efeitos.
O universo temporal previsto para este estudo transcorrerá desde o conceito de
sentença no Código de Processo Civil de 1939, passando pelo Código de Processo Civil 1973,
até a entrada em vigência da Lei 11.232/2005 de 22 de dezembro de 2005. Justifica-se tal
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delimitação por se tratar de um período no qual ocorreram significativas mudanças na
legislação nacional a respeito do tema, tratando sentença como ato do juiz.
Este estudo busca, ainda, contribuir para a produção de conhecimento com base na
doutrina, buscando novos direcionamentos para um conceito pragmático de sentença a partir
de seus efeitos, a fim de que, em sede de recurso, crie-se a segurança jurídica a que todo
jurisdicionado tem direito.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A história processual civil brasileira só se inicia propriamente com o surgimento do
Regulamento 737, que cuidava do processo nas causas comerciais. Somente depois de
proclamada a República, com o Decreto 763, passam as disposições do Regulamento 737 a
serem aplicadas também nas causas cíveis.
O Regulamento 737 vigorou até a promulgação da Constituição Federal de 1891, que
inovou com a dualidade da Justiça Federal e Justiça Estadual, e atribuiu também aos Estados
Membros da Federação competência para legislar sobre matéria processual.
A Constituição Republicana de 1934 restabeleceu a unidade do direito processual,
que passou a ser de competência privativa da União. No entanto, os projetos de codificação da
época não vingaram. Em 1937, por meio de um golpe de Estado, o então Presidente da
República, Getúlio Vargas, outorgou uma nova Constituição, em que manteve, em seu art. 16,
XVI, a competência privativa da União para legislar sobre processo.
Com isso, o governo organizou uma comissão de juristas encarregados daquela tarefa
de preparar um anteprojeto de Código de Processo Civil, mas devido às divergências surgidas
pela primeira comissão, uma nova foi formada, e após ampla discussão, foi aprovado o
Código de Processo Civil pelo Decreto-lei nº 1608, de 18 de setembro de 1939.
As décadas se passaram e foi possível constatar os grandes e graves defeitos que o
diploma processual de 1939 apresentava. No tocante a sua aplicação, obrigou a criação de leis
extravagantes no sentido de complementar ou até mesmo de modificar profundamente o
referido diploma, o que era recebido com críticas da doutrina exigindo por uma reformulação
da legislação processual.
O então Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, em conjunto com José Frederico
Marques, ambos Professores da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco – USP –
receberam do Governo Federal o encargo de elaborar um novo Código de Processo Civil, que,
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após a análise de uma comissão e de ter sido submetido ao crivo do Congresso, foi aprovado e
promulgado, com várias modificações, pela Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
O Código de Processo Civil de 1973 sofreu diversas e significantes alterações até a
década de 90. As mais importantes e profundas, porém, aconteceram entre os anos de 1994 a
2002 e de 2005 a 2006 – as chamadas Reformas do Código de Processo Civil. Deu-se de
forma gradativa por meio da edição de diversos dispositivos legais, cada qual tratando de um
determinado instituto ou setor do Código de Processo Civil. Essas reformas pode ser dividida
em três minirreformas, em fases distintas, cada uma de extrema importância para o
desenvolvimento de nossa legislação processual.
A primeira, ocorrida entre 1994 e 1995, disciplinou a citação postal; permitiu a
emenda da peça inicial antes da citação; simplificou a ação de usucapião e consignação em
pagamento; introduziu a antecipação de tutela (espécie de medida urgente que se distingue das
ações cautelares pela satisfação imediata); a tutela das obrigações de fazer e não-fazer – artigo
461; audiência preliminar, artigo 331 – Lei 8.952/94. Incluiu no livro IV o rito monitório,
reformulou o recurso de agravo contra decisões interlocutórias, Lei 9.139/1995, procedimento
sumário pela Lei 9.245/95. Foi dada disciplina totalmente nova à arbitragem, revogando os
institutos que tratavam do tema no Código de Processo Civil; modificou-se por completo o
Juizado de Pequenas Causas, que passou a ser conhecido por Juizados Especiais de Causas
Cíveis de Menor Complexidade etc...
Já a segunda minirreforma, ocorrida entre 2001 e 2002, foi mais ampla. Visou
modificar algumas lacunas e imprecisões levadas a efeito com a reforma. Ficou conhecida
como reforma da reforma. Modificou a regência de recursos como a remessa ex officio, o
agravo, a apelação e os embargos infringentes, reduzindo em muito o espectro de cabimento
deste último (Lei 10.352/2001).
E finalmente, a terceira e maior de todas as minirreformas que ocorreram entre 2005
e 2006 reduziu o âmbito de cabimento do agravo de instrumento, fixando o agravo retido
como regra geral (Lei 11.187/2005); eliminou o processo de execução fundado em título
judicial, incorporando-o como fase no processo de conhecimento, sob o título de
cumprimento de sentença, alterou o artigo 162 (Lei 11.232/2005); criou a possibilidade de o
tribunal, durante a apreciação do recurso de apelação, sanear nulidades relativas, em vez de
cassar a sentença e devolver ao juízo a quo; instituiu, também, a súmula impeditiva de
recursos (Lei 11.276/2006).
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3 SENTENÇA – CONCEITOS E APRECIAÇÕES DOUTRINARIAS
Sentença, como conceitua o dicionário Aurélio, em seu verbete, “do latim sententia
– expressão que encerra um sentido geral ou um princípio ou verdade moral máxima;
julgamento proferido por juiz, tribunal ou arbítrio(s); veredicto; qualquer despacho ou
decisão” (FERREIRA, 1986, p. 1288). Dessa forma, explica-se porque mesmo em outras
línguas, sua grafia é muito semelhante, dada a sua origem.
Nesse sentido, como alude o inesquecível Professor Plácido e Silva, sentença:
Vem do latim 'sententia' (modo de ver, parecer, decisão), a rigor da técnica jurídica, em amplo conceito, sentença designa a decisão, a resolução, ou a solução dada por uma autoridade a toda e qualquer questão submetida à sua jurisdição. Assim, toda sentença importa num julgamento, seja quando implica numa solução dada à questão suscitada, ou quando se mostra uma resolução da autoridade, que a profere (SILVA, 2001, p. 745)
Tratando-se da conceituação baseada em termos latinos em que sentença seria o ato
pelo qual o juiz declara o que sente, James Goldschimdt (2003, p. 154) definia sentença como
declaração de vontade emitida pelo juiz a qual resulta de uma atividade mental.
O mestre italiano Chiovenda (2002, p. 229) conceitua sentença como “o
pronunciamento sobre a demanda de mérito e, mais precisamente, o provimento do juiz que
afirma existente ou inexistente a vontade concreta de lei alegada na lide”.
Outro expoente italiano, Liebman (1986, p. 124), na época do Diploma de 1939,
conceituava sentença como o “ato mais importante e mais solene do processo”. De certo
deveria ser, pois o referido diploma determina-lhe rigorosamente a sua forma – prevista no
artigo 280 do Código de Processo Civil 1939 – e atribui-lhe o seu efeito de coisa julgada –
previsto no artigo 287 do Código de Processo Civil 1939. O inesquecível mestre em sua obra
tinha a preocupação de distinguir as decisões definitivas, que são as que decidem, no todo ou
em parte, o mérito da causa e recebem o nome de sentença, e cujo meio recursal era o de
apelação – no artigo 820 do Código de Processo Civil 1939, das decisões terminativas que
não resolvem o mérito; mas põe termo ao processo por um defeito de sua constituição, ou do
procedimento, ou por qualquer outro motivo que torne impossível a decisão do mérito da
causa e, em regra, eram passivas de agravo de petição – artigo. 846 do Código de Processo
Civil 1939.
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Ovídio Araújo Baptista de Silva (2002, p. 200), em sua obra, conceitua sentença no
capítulo dos atos processuais na seção atos do juiz, como definição dada pelo Código de
Processo Civil, sendo o “ato jurisdicional por excelência e consiste no provimento por meio
do qual o juiz põe termo ao processo decidindo ou não o mérito da causa”. Nota-se que sua
conceituação é baseada nos ensinamentos de Liebman, conforme o parágrafo acima.
Assim, sentença sempre foi conhecida como ato de inteligência e de vontade do
magistrado (SANTOS, 1999, p. 10), que reflete o que o prolator sente em relação aos fatos e
ao direito a ser aplicado na solução do litígio submetido à sua apreciação.
Antes do início da vigência da Lei 11.232/2005, doutrinadores, distantes da
conceituação nos termos latinos, conceituam sentença como “ato final do juiz que encerra o
procedimento em primeiro grau de jurisdição, com ou sem julgamento de mérito – artigo 162,
§ 1°” (ALVIM, 2005, p. 531). E completavam:
Tanto é sentença aquela prolatada com base no artigo 267 – extinção do processo sem julgamento de mérito, quanto aquela proferida com base no artigo 269, I – julgamento da causa, como, ainda, a que seja enunciada com base no artigo 269, II a V – atos autocompositivos (ALVIM, 2005, p. 531).
Utilizando a conceituação, com base no dispositivo legal, Vicente Greco Filho (1999,
p. 239), da sua definição contida no art. 162, § 1°, expõe que “sentença é o ato do juiz que põe
termo ao processo, decidindo, ou não, o mérito da causa”. Segundo o referido autor, com essa
definição, o legislador conceituou sentença não só pelo seu conteúdo, mas pelos efeitos que
produz no processo, destacando a sua relevância em sede de recurso.
Com a mesma definição, José Frederico Marques (1987, p. 21; 2001, p. 46) utiliza a
mesma conceituação legal e reproduz a disposição contida no art. 162, § 1°, ou seja, “sentença
é o ato do juiz que põe termo ao processo, decidindo, ou não, o mérito da causa”.
Outros doutrinares, a exemplo Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 561),
conceituam sentença como expoente último da tutela jurisdicional, fazendo referência à
conceituação de Pontes de Miranda (1998, p. 395), para o qual sentença “é emitida como
prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação jurídica processual, quando
a parte ou as partes vierem a juízo, isto é, exercem a prestação à tutela jurídica”.
A Professora Teresa Arruda Alvim Wambier (1997, p. 22), antes da reforma aqui
comentada, sustentava ser necessária, para se encontrar a essência de uma sentença, uma
incursão dos artigos 267 e 269 do mesmo diploma processual em seu conceito.
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Partindo da doutrina que em sua parte, após a entrada da vigência da Lei
11.232/2005, passou a defender que o conceito de sentença deveria levar em conta o conteúdo
do ato decisório e não o fato de pôr ou não termo ao processo ou ao procedimento, Tereza
Arruda Alvim Wambier, já o defendia, muito antes da reforma. Afirmava que o importante
das sentenças “é o seu conteúdo, preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa, que as
distingue dos demais pronunciamentos do juiz”, referindo, neste sentido, os artigos 267 e 269
do Código de Processo Civil (ALVIM WAMBIER, 1997, p. 30), como já defendia Alfredo
Rocco, que utiliza o critério de conteúdo para conceituar sentença: “[...] em suma, nenhuma
condição extrínseca caracteriza a sentença; mas a caracteriza e a diferencia das outras espécies
de atos do juiz o seu conteúdo” (ALVIM WAMBIER, 1997, p. 8).
E após a referida legislação, ratifica:
Somente se considerará sentença o pronunciamento que resolver a lide (CPC, art. 269) ou declarar que isso não é possível (art. 267) em relação à integralidade das ações ajuizadas ou daquelas que remanesceram, depois que parte delas tiver sido julgada, no mesmo processo. (ALVIM WAMBIER, 2006, p. 112)
O Professor Luiz Rodrigues Wambier adotava o conceito de sentença como
“o pronunciamento judicial que tem por conteúdo o estabelecido nos arts. 267 e 269 do CPC e
que tem por efeito principal o de pôr fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição e,
em não havendo recurso, também ao processo” (WAMBIER et al., 2005, p. 526).
Com a entrada da vigência da Lei 11.232/2005, o Professor Wambier (2007, p. 497)
passou a defender que o conceito de sentença fora parcialmente reformulado e deixa de ser
identificada exclusivamente pela aptidão de pôr fim ao processo com as ressalvas do
cumprimento de sentença, que passa a ser fase do processo. Sentença passa a ser o
reconhecimento, ou não, do julgamento de mérito (WAMBIER, 2007, p. 498). E afirma que
“a mudança da redação do dispositivo legal definidor de sentença, a rigor, destinou-se apenas
a torná-lo literalmente mais consentâneo com a interpretação que lhe era dada” (WAMBIER
2007, p. 498). Finaliza completando que “os atos enquadráveis na noção de sentença
continuam sendo os mesmos” (WAMBIER, 2007, p. 498).
No mesmo entendimento do Professor Wambier, para o pernambucano Misael
Montenegro Filho (2006, p. 548), sentença é o “pronunciamento do juiz que resolve ou não
mérito, operando a pretendida solução do conflito de interesses instaurados”. O referido autor
critica a nova redação sob o ponto de vista da divisão bifásica do atual processo de
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conhecimento, sugerindo que a redação e a conceituação deveriam ser que a sentença “é o ato
do magistrado que resolve ou não o mérito” (MONTENEGRO, 2006, p. 548).
Para os conterrâneos do Professor Wambier, os Professores Luiz Guilherme
Marinoni e Sergio Cruz Arenhart, em obra conjunta, afirmam que a Lei 11.232/2005 alterou o
conceito de sentença com uma nova sistemática legal, que permite satisfazer o autor com a
fase de cumprimento de sentença e não mais com execução de título judicial (MARINONI;
ARENHART, 2007, p. 403).
Para esses doutrinadores, a novidade da Lei 11.232/2005 está na existência da
sentença de mérito, ou seja, a adoção do critério de conteúdo, dessa forma, não extinguiria o
processo, pois este continuaria durante o cumprimento de sentença; somente colocaria fim à
fase de conhecimento. E ressaltam que nenhum ato que trate do mérito no interior da fase de
conhecimento pode ser tratado como sentença, mas sim os caracterizados por seu conteúdo
decisório na fase de conhecimento (MARINONI; ARENHART, 2007, p. 404).
Iniciando com as implicações de que um novo conceito de sentença possa surgir,
cumpre ressaltar o comentário de Athos Gusmão Carneiro, integrante da comissão de reforma
do Código de Processo Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e autor do
anteprojeto que resultou na Lei nº. 11.232/2005. É enfático em afirmar que:
[...] a definição agora adotada suscitará críticas; todavia, impende reconhecer a imensa dificuldade em conceituar, de forma precisa, a ‘sentença’. Talvez houvesse sido melhor que o Código definisse apenas o despacho e a decisão interlocutória, deixando à doutrina a definição de sentença. (CARNEIRO, 2007, p. 118)
Desta feita, segundo a conceituação dos doutrinadores trazida à colação, a novel
legislação processual firmou tal conceito, definindo a sentença por seu conteúdo, reafirmando,
segundo alguns doutrinadores, o conceito já inerente ao próprio ato, e corrigindo, para outros,
o equívoco do dispositivo legal anterior, que optava pelo critério dos efeitos do
pronunciamento jurisdicional. Os efeitos não fazem parte do ato, mas estão à parte dele, em
momento posterior. Os efeitos do ato, ou outra condição extrínseca sua, não definem sua
natureza.
Então, constata-se que não é a localização da decisão no curso do procedimento ou a
sua forma a característica definidora da sentença. Não dependo do momento processual no
qual ela foi proferida. Mas sim se Colocou fim ao processo ou não, privilegiando o seu
conteúdo, seja terminativa (sem resolução de mérito) ou definitiva (com resolução de mérito).
O atual artigo 162, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil, definiu que será
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sentença quando abranger as hipóteses dos artigos 267 ou 269. A sentença põe fim, com
resolução do mérito ou não, a uma ou todas as lides ou demandas expostas em um processo
independente de pôr termo ao processo ou à totalidade da fase de conhecimento.
4 PROBLEMÁTICA SENTIDA
Diante do exposto no tópico anterior, qual seria o problema da conceituação
doutrinária pelo critério de conteúdo da sentença, que é objeto desta pesquisa? E por via
reflexa, quais os efeitos dessa conceituação na práxis forense? Demonstrar que uma possível
impropriedade conceitual de sentença pode ameaçar a segurança jurídica que é necessária ao
devido processo legal para resolução de conflitos dos jurisdicionados, pelo poder jurisdicional
do Estado.
Iniciando a problemática, partindo da leitura do Código de Processo Civil Brasileiro
de 1939, pode-se concluir que o legislador pátrio, nas lições de Liebman, partiu do
pressuposto da existência de uma distinção entre os provimentos e as decisões do juiz,
tratando-a como atos.
O artigo 820 desse diploma estabeleceu um remédio recursal adequado a cada
provimento. Considerava como provimento os atos do juiz: as sentenças definitivas às quais
caberia o recurso de apelação e, salvo os casos de agravo na forma de instrumento no artigo
842 – rol taxativo – dezessete itens, ou agravo no auto do processo no artigo 845, caberia
recurso de agravo de petição para enfrentar as sentenças terminativas – artigo 846. Há de se
ressaltar que esse diploma não contemplava a previsão genérica para a interposição de recurso
de agravo contra toda e qualquer decisão interlocutória, como é previsto em tempo atuais.
Nesse diploma 1939, a distinção entre os provimentos, sentenças terminativas e
sentenças definitivas não era tão cristalina, como pressupôs seu legislador, de modo que a
sistemática adotada na época gerou uma série de dificuldades na práxis forense para os
operadores do Direito, como no caso de uma sentença fundada em prescrição ou decadência,
na qual não era julgado mérito. Assim o remédio recursal seria agravar ou apelar?
E como forma de mitigar essa problemática vindo, aliás, expressamente previsto no
artigo 810 do referido diploma, o princípio da fungibilidade recursal passou a ser
extremamente utilizado.
O Código Buzaid, visando sanar, também, esse tipo de confusão gerada pela letra da
lei anterior, distinguiu no artigo 162 do então novo diploma, o que denominou de atos do juiz
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no processo, separando-os em: despachos, decisões interlocutórias e sentenças. E nos artigos
504, 513 e 522, do novo diploma, estabeleceu os remédios recursais assim: os despachos
seriam irrecorríveis; as sentenças, sejam elas definitivas ou terminativas, seriam apeláveis; e
as decisões interlocutórias, agraváveis. Ou seja, o legislador correlacionou diretamente o
remédio recursal ao ato decisório do juiz. Dessa forma, os recursos passaram a ser típicos e
por sua vez unirrecorríveis, ou seja, para cada tipo de decisão caberá apenas um único recurso
que lhe for relacionado naquele momento processual.
Nesse tratamento dado pelo legislador do Código de Processo Civil de 1973, segundo
o Professor Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 209), há uma impropriedade em considerar
que os únicos atos praticados pelo juiz no processo são aqueles descritos no artigo 162,
quando, na realidade, há outros atos do juiz no processo. Cite-se, por exemplo, o de presidir
as audiências. Assim, o que o artigo 162 define são os pronunciamentos ou provimentos do
juiz e não seus atos.
O Professor Dinamarco, em nota na tradução de obra Enrico Tulio Liebman (1986, p.
241), delimita que o ideal seria “definir sentença como ato cujo efeito processual é a extinção
do processo, sabendo-se que esse efeito será ou não produzido efetivamente, na dependência
conforme o vencido permitia ou impeça que ela passe em julgado”, adotando um critério
topológico, também defendido pelo Professor José Carlos Barbosa Moreira (1974, p. 139).
A doutrina sempre relacionou a palavra sentença à sua origem, ou seja, aos termos
latinos sententia e sentire. Portanto, sentença seria o ato pelo qual o juiz declara o que sente.
Nessa linha, James Goldschimdt (2003, p. 154) definia sentença como declaração de vontade
emitida pelo juiz que resulta de uma atividade mental.
Distante do paralelismo semiótico ou metafísico, o juiz, ao sentenciar, não declara o
que sente, mas, sim, aplica o direito ao caso concreto. Assim, as lições do mestre italiano
Giuseppe Chiovenda, ensina que o juiz não só declara o direito, mas como também impõe a
vontade concreta da lei pelo Estado, em especial, pelo Poder Judiciário (CHIOVENDA, 2002,
p. 37). De plano, descarta-se essa primeira tentativa de conceituação de sentença por meio da
sua etiologia.
Antes da nova redação do parágrafo único do artigo 162 do Código de Processo Civil
pela Lei 11.232/2005, já se discutiu muito na doutrina a imprecisão do conceito de sentença.
Para Professor Arruda Alvim, por exemplo, sentença é conceituada como o “ato final do juiz
que encerra o procedimento em primeiro grau de jurisdição, com ou sem julgamento de
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mérito” (ALVIM, 2005, p. 533). Logo, a sentença nunca pôs realmente o processo a termo. A
fase recursal manteria a litispendência e naturalmente o processo continuaria.
Na realidade, o que põe termo ao processo e ao procedimento é o esgotamento da via
recursal e não a sentença (ASSIS, 2005, p. 433). A extinção do processo pode vir a ser um dos
efeitos da sentença somente se ela não for questionada em vias recursais.
Dessa forma, “a sentença põe, no máximo, a termo, o procedimento em primeiro
grau, mas não ao processo” (WAMBIER et al., 2005, p. 529). Este conceito é adotado por
muitos doutrinadores seguindo o entendimento do Professor Luiz Rodrigues Wambier, na
vigência da redação anterior do parágrafo único do artigo 162 do Código de Processo Civil.
Mas esse conceito poderia ser desafiado em função do que se dispõe nos artigos 296,
463 e 518 do Código de Processo Civil, na medida em que os mesmos permitem a prática de
atos pelo juízo monocrático, mesmo após ter este proferido a sentença, de modo que, nem o
procedimento de primeiro grau encontraria fim com a sentença, como afirma o citado
doutrinador no parágrafo anterior.
Partindo-se da idéia inicial de que a sentença é o ato do juiz que põe a termo o
processo ou a termo o procedimento em primeiro grau em confronto ao teor do artigo 463 do
Código de Processo Civil, cria-se um paradigma: não seriam atos do juiz as convalidações de
nulidades, erros materiais ou atos inexistentes que venham a atingir as sentenças? Ato que
permite ao próprio juiz prolator, em circunstâncias particularíssimas descritas nos dois incisos
desse mesmo artigo, corrigir a sentença ex officio ou em sede de embargos declaratórios,
lembrando que os embargos de declaração prestam-se a: elucidar a obscuridade (quando não
há clareza); afastar a contradição (diante de julgado com incerteza em função de proposições
inconciliáveis); e/ou suprimir a omissão (em casos em que não foi apreciada questão ou
determinado pedido) e não devem ter efeitos infringentes, ou melhor, não devem ser usados
quando visarem, exclusivamente, à modificação do julgado.
Note-se que o artigo em questão – artigo 463 do Código de Processo Civil – não faz
menção às sentenças terminativas, só às de mérito. Assim, em relação a estas, haveria, em
princípio, uma impossibilidade genérica de revisão ou uma possibilidade total de modificação
pelo juiz. Essa situação, que foi afastada pela jurisprudência, culminou com a redação do
artigo 296 do Código de Processo Civil dada pela Lei 8.952/94, na primeira minirreforma.
De qualquer forma, nos casos dos artigos 296 e 463 do Código de Processo Civil,
acima mencionados, os atos posteriores à sentença apenas prolongam o procedimento de
primeiro grau, visando com isso, tão somente, a correção da própria sentença que contenha
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uma das imperfeições acima definidas. Assim, o conceito “ato que põe fim ao procedimento
em primeiro grau” mantém-se coerente, mas impróprio, como defende o Professor
WAMBIER (2007, p. 496).
Portanto, em um silogismo, o problema talvez esteja no artigo 518 do Código de
Processo Civil, que permite ao juiz, na fase recursal, decidir em que efeitos será recebido o
recurso de apelação eventualmente interposto, bem como examinar se está presente seu
pressuposto de admissibilidade. Contudo, seria este artigo um impeditivo ao conceito ora
definido, na medida em que permitiria um prolongamento do procedimento em primeiro
grau? Acreditando previamente que não, já que, prolatada e eventualmente corrigida a
sentença, restam praticados todos os atos possíveis relativos à atividade do juiz em primeiro
grau. A partir daí, os atos que o juiz vir a praticar, em verdade, são atos preparatórios para a
remessa dos autos ao segundo grau de jurisdição, mantendo-se a coerência do sistema.
Conseqüentemente, qual seria o verdadeiro problema da conceituação de sentença?
Iniciando pela conceituação doutrinária que, após a última minirreforma passou a defender
que o conceito de sentença deveria levar em conta o conteúdo do ato decisório e não o fato de
pôr ou não termo ao processo ou ao procedimento. Nessa linha, Teresa Arruda Alvim
Wambier define sentença como “o ato que põe fim ao processo ou ao procedimento em
primeiro grau e que tenha por conteúdo uma das matérias dos artigos 267 e 269 do Código de
Processo Civil” (ALVIM WAMBIER, 1997, p. 25).
Logo, ao que parece, em função de toda essa nova discussão doutrinária acerca do
conceito de sentença, o legislador optou por alterá-lo nessa terceira etapa da reforma do
Código de Processo Civil. Isso daria impressão de que realmente o conceito de sentença foi
alterado, adotando-se o critério de conteúdo, e não o critério topológico como base, ou seja,
não mais o critério de pôr fim a qualquer fase ou procedimento algum do processo, mas sim
caracterizada por seu conteúdo decisório.
Se a interpretação dada à nova redação do parágrafo único do artigo 162 de Código
de Processo Civil for o critério de conteúdo, existirão conseqüências para os recursos que
talvez tenham passado despercebidas tanto ao legislador quanto para aqueles que adotam esse
conceito. Possivelmente, uma quantidade imensurável de recursos deixarão de ser conhecidos
pelos Tribunais, gerando por sua vez uma insegurança jurídica aos jurisdicionado que, grosso
modo, perderiam o direito de recorrer. A menos que seja utilizado o princípio da fungibilidade
recursal, como no Código de Processo Civil de 1939, que não possui mais tal previsão legal
no diploma vigente.
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Dessa maneira, é possível elucidar tal problemática com o seguinte exemplo: o
provimento sentença que excluir um dos litisconsortes do pólo passivo de uma demanda
qualquer até o advento da lei em questão deveria ser considerado como decisão interlocutória,
já que não colocava termo ao processo que prossegue perante os demais litisconsortes.
Portanto, seria combatida com o recurso de agravo na forma de instrumento. Assim, apesar do
processo prosseguir com relação aos demais, certamente com relação ao litisconsorte
excluído, aquela decisão teria, em função do novo parágrafo primeiro do artigo 162, natureza
jurídica de sentença, porque, certamente, seu conteúdo seria o do artigo 267 (por exemplo, se
fundada em ilegitimidade passiva de parte) ou do artigo 269 (se fundada em prescrição ou
decadência).
Considerando esse provimento, com a conceituação doutrinária que adota o critério
de conteúdo, seria então uma sentença, e o remédio recursal utilizado pelo autor da demanda
(parte interessada na manutenção daquele réu excluído do pólo passivo), seria por recurso de
apelação e não mais por recurso de agravo. Dessa forma, uma nova modalidade que não está
prevista no Código de Processo Civil seria a apelação de instrumento, pois o processo tem que
prosseguir com relação aos demais réus, e a apelação do autor deve seguir para o Tribunal
para ser julgada. Para tanto, deveria ser tirado instrumento dos autos? Ou será que os autos
seguiriam com a apelação e seriam tirados autos suplementares para prosseguimento do feito
em primeiro grau?
Imaginando mais do que isso. Se, nesse mesmo caso, o magistrado tenha proferido
tal decisão em despacho saneador, momento em que também indeferiu a prova pericial
requerida por um dos litisconsortes passivos não excluídos, pergunta-se: o autor,
inconformado com a exclusão de um dos réus do pólo passivo, deveria apelar desse
provimento? E os demais réus, mantidos no pólo passivo, inconformados com o
indeferimento da prova pericial requerida, deveriam agravar deste mesmo provimento? Seria
o fim do princípio da unirrecorribilidade recursal?
A saída talvez seja ignorar o princípio da unirrecorribilidade recursal e começar a
pensar em capítulos desse provimento sentença. Assim, cada capítulo seria um tipo de
recurso: um atacável por apelação e outro por agravo (DINAMARCO, 2004, p. 42), ou
manter-se-ia o princípio e admitir-se-ia que ambos apelassem deste provimento? Ou será que
a melhor saída seriam determinar que ambos agravassem do mesmo? Ficaria aberto campo
fértil para a utilização da fungibilidade recursal?
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De qualquer forma, são questões recentes e não se sabe, ainda, quais serão os rumos
da jurisprudência. Acredita-se que uma abordagem zetética sobre o tema possa veredar uma
solução pragmática. Delimitam-se, então, algumas questões que contemplem e direcionem o
objeto desse estudo, a saber:
- qual o critério a adotar para conceituar sentença? O critério de conteúdo ou
critério topológico?
- quais os efeitos dessas conceituações na práxis forense?
- seria o fim do princípio da unirrecorribilidade ou da taxatividade recursal?
- volta-se a uma utilização mais difundida, do princípio da fungibilidade
recursal?
- seria o caso da possibilidade da aplicação da teoria dos capítulos da sentença?
5 PRINCÍPIOS RECURSAIS
Recurso é um remédio processual que permite a impugnação das decisões judiciais
dentro da mesma relação jurídica processual. Nas lições de Dinamarco, é “ato de
inconformismo, mediante o qual a parte pede nova decisão diferente daquela que lhe
desagrada” (DINAMARCO, 2003, p. 105). Assim, o recurso é visto como “uma extensão do
direito de ação ou de defesa, e portanto, apenas prolonga a vida do processo e a litispendência
existente, dentro da mesma relação processual” (WAMBIER et al., 2005, p. 578).
O sistema recursal pátrio possui alguns princípios bastante orientadores. Dentro do
nosso tema de pesquisa, é necessário explicar esses princípios e quais suas aplicações ou
efeitos a partir do conceito de sentença.
5.1 Princípio da Taxatividade
Em suma, o princípio da taxatividade pode ser entendido como sendo a explícita
proibição à criação de novos recursos ou a modificar, extinguir recursos pelas partes, ou pelos
magistrados, ou leis municipais, estaduais ou, ainda, regimento internos de tribunal.
Considera-se que tão-somente os recursos previstos no ordenamento jurídico, e criados em
consonância com o procedimento legislativo estabelecido, podem ser utilizados com o fim de
se reformar as decisões judiciais.
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Nestes termos, a Constituição Federal em seu artigo 22, inciso I é clara quando trata
da competência exclusiva da União em legislar em matéria processual. O rol de recursos é
aquela taxativamente prevista em lei processual (Código de Processo Civil no título X do
livro I). Portanto, o rol legal é exaustivo e taxativo e cada decisão poderá ser impugnada de
acordo com os recursos previstos no ordenamento jurídico.
Considerando a conceituação doutrinária de sentença pelo critério de conteúdo e
elucidação do exemplo utilizado na problemática, a nova modalidade que não está prevista no
Código de Processo Civil seria a apelação de instrumento, pois o processo tem que prosseguir
com relação aos demais réus e a apelação do autor deve seguir para o Tribunal para ser
julgada. Para tanto, deveriam ser tiradas cópias dos autos para formar um instrumento ou os
autos seguiriam com a apelação, e seriam tirados autos suplementares para prosseguimento do
feito em primeiro grau.
Afronta o princípio da recursal da taxatividade como aludido acima, ou diante desse
cenário, no mínimo conflituoso, seria possível defender a existência de dúvida objetiva na
doutrina acerca da natureza jurídica do provimento e, conseqüentemente, do recurso cabível
em tais situações, o que permite, então, afirmar categoricamente a possibilidade de ser
aplicado aqui o princípio da fungibilidade recursal.
5.2 Princípio da Fungibilidade
O princípio tem sua provável origem no direito alemão, levando-se em conta a
possibilidade de o juiz proferir uma decisão equivocada em sua forma. Com base nela, a parte
poderia interpor um recurso não adequado, também conhecido como princípio do maior favor.
Assim, era admitido tanto o recurso interposto contra a decisão de formato incorreto, quanto
aquele interposto contra a decisão que seria a correta (JORGE, 2007, p. 230).
O uso do princípio da fungibilidade recursal no ordenamento pátrio está e sempre
esteve diretamente ligado à idéia de que a proliferação de recursos pode gerar certas situações
em que as partes terão dificuldade em definir qual o recurso cabível. Se essa dificuldade
resultar da lei ou da conduta do juiz, a parte não poderia ser prejudicada, daí a tomada de um
recurso por outro.
Quando da edição do Código de Processo Civil de 1939, diante da dificuldade em
manejar o sistema recursal ali proposto, adotou-se expressamente o princípio da fungibilidade
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recursal, chamado por Nelson Nery Júnior. de “promiscuidade recursal” (NERY JÚNIOR;
NERY, 2006, p. 109).
O artigo 810 lia-se que: “Salvo hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será
prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à
Câmara, ou Turma, a que competir o julgamento”. A expressão chave neste artigo e que
marca pelo entendimento jurisprudencial pátrio sobre o tema desde então, além do erro
grosseiro, parece ser a má-fé, o que se verificará quando tratarmos da questão dos prazos
recursais.
O grande problema do Código de Processo Civil de 1939 estava, então, na idéia de
má-fé. Em que medida seria possível aferir se a parte estava ou não agindo de má-fé? Tratava-
se de conceito eminentemente casuístico e subjetivo. A doutrina e a jurisprudência à época do
antigo diploma processual jamais chegaram a um consenso sobre a questão, que acabou
mesmo no casuísmo. Vale dizer que era voz corrente na doutrina que uma das formas de
identificar se a parte agia ou não de má-fé estava no prazo para o manejo do recurso, ou seja,
se a parte havia escolhido justamente o recurso de prazo maior e se utilizado de todo o prazo
recursal, sobejando, portanto, o prazo do recurso que seria considerado como o correto
(ALVIM WAMBIER, 1997, p. 109; NERY JÚNIOR; NERY, 2006, p. 113). Assim, podemos
notar que a realidade à época não era muito diferente do que se experimenta atualmente.
Alfredo Buzaid, ao redigir o código atual, visando sanar esse tipo de confusão na
interposição dos recursos, que foi gerada pela letra da lei anterior, distinguiu no art. 162 o que
denominou de atos do juiz no processo. Separou-os em despachos, decisões interlocutórias e
sentenças e, em seguida, nos artigos 504, 513 e 522, estabeleceu que os despachos seriam
irrecorríveis, as sentenças apeláveis e as decisões interlocutórias agraváveis, ou seja,
correlacionou diretamente o recurso ao ato do juiz. Desta forma, os recursos passaram a ser
típicos e de interposição simplificada.
Com base nisso, muitos entenderam, logo no início da vigência do novo código, que
não seria mais possível o manejo do princípio em função de sua absoluta desnecessidade
(ALVIM WAMBIER, 1997, p. 232; NERY JÚNIOR; NERY, 2006, p. 15).
Entende Barbosa Moreira (2005, p. 205) que a sistemática adotada por Buzaid, no
diploma de 1973, não eliminaria qualquer erro grosseiro na escolha do recurso e que o ideal
seria manter a redação do art. 810 do diploma 1939 de forma mais clara, pois mesmo não
expresso o princípio continuava a prevalecer, aliás, como é próprio dos princípios que não
demandam previsão expressa na lei para sua aplicação. Isso porque se percebeu que, mesmo
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na nova sistemática, ainda existiam diversas situações em que permanecia dúvida sobre o
recurso cabível. Atualmente, então, admite-se a aplicação do princípio da fungibilidade, mas
desde que a parte não tenha incorrido em erro grosseiro, ou seja, deve haver dúvida objetiva
na doutrina ou na jurisprudência acerca do recurso a ser interposto naquela situação, como se
propõe o caso em estudo.
5.2.1 Aplicabilidade na problemática sentida
Retomando nosso problema de pesquisa, as alterações oriundas da Lei 11.232/2005
fez surgir problemática ainda não superada pela doutrina e jurisprudência a respeito da
recorribilidade de cada decisão, ressaltando ainda mais importância aos princípios da
fungibilidade recursal e instrumentalidade processual civil.
O interesse no princípio da fungibilidade recursal certamente será retomado em
função da conceituação doutrinária de sentença à luz do critério de conteúdo. Ao que nos
parece, o intuito do legislador era o de, diante das demais modificações oriundas desta lei,
principalmente com a extinção do processo autônomo de execução de sentença condenatória,
substituído pela fase de cumprimento da sentença “dentro” do processo de conhecimento,
adaptar o conceito de sentença que, portanto, deixou de pôr fim ao processo. Eis então a
mudança no artigo 463, no sentido de que o juiz não mais acaba o ofício jurisdicional com a
sentença porque deverá cumpri-la ainda.
Como visto no capítulo anterior, o entendimento que a sentença não leva a termo o
processo, mas ao procedimento em primeiro grau (WAMBIER et al., 2007, p. 529). Mas
diante dessa mudança na sua redação, modificará bastante o cenário recursal, uma vez que a
sentença, agora, não seria mais aquela que põe fim à fase de conhecimento do procedimento
em primeiro grau, como seria a redação se o legislador reformista tivesse adotado o critério
topológico/funcional. Outrossim, parte da doutrina adota o critério de conteúdo. Sentença,
agora, seria caracterizada por seu conteúdo, e não mais por ter posto fim a procedimento
algum (ASSIS, 2006, p. 20-21).
Se a interpretação dada ao artigo for essa, existirão conseqüências graves para os
recursos, as quais talvez tenham passado despercebidas ao legislador da Lei 11.232/2005, de
modo que, certamente, um número elevado de recursos poderá não ser conhecido, a não ser
que seja utilizado o princípio da fungibilidade recursal.
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5.3 Princípio da Unirrecorribilidade
Doutrinariamente conhecido também como princípio da unicidade ou da
singularidade. Entende-se neste princípio que para cada ato judicial recorrível existe um
recurso próprio previsto no ordenamento jurídico, ensejando-se a conclusão de que, em regra,
é vedado à parte utilizar-se de mais de um recurso para impugnar o mesmo ato decisório, ou
seja, para cada tipo de decisão caberá apenas um único recurso que lhe for relacionado
naquele momento processual. No diploma de 1939, era previsto expressamente no artigo 809.
Exceção estaria quando a mesma questão fosse decidida com fundamento
constitucional e infraconstitucional. Desta, caberia Recurso Especial e Extraordinário.
A finalidade básica deste princípio é evitar que as partes possam ter a liberdade
irrestrita de escolha, de acordo com os seus próprios interesses, dos recursos a serem
utilizados no decorrer da lide.
Mas diante a problemática sobre o conceito de sentença utilizando o critério de
conteúdo, imaginado o caso aludido acima em que o magistrado tenha proferido tal decisão
em despacho saneador, momento em que também indeferiu a prova pericial requerida por um
dos litisconsortes passivos não excluídos, pergunta-se: o autor, inconformado com a exclusão
de um dos réus do pólo passivo, deveria apelar desse provimento? A decisão teria, em função
do novo parágrafo primeiro do artigo 162, natureza jurídica de sentença, porque seu conteúdo
seria o do artigo 267 (por exemplo, se fundada em ilegitimidade passiva de parte) ou do artigo
269 (se fundada em prescrição ou decadência). E os demais réus, mantidos no polo passivo,
inconformados com o indeferimento da prova pericial requerida, deveriam agravar deste
mesmo provimento? Ou realmente é o fim do princípio da unirrecorribilidade recursal, dada a
conceituação de sentença por critério de conteúdo?
A solução, a nosso ver, é começar a pensar em uma teoria baseada nos ensinamentos
de Liebman (DINAMARCO, 2005, p. 666), que consiste em decompor cada provimento do
dispositivo como partes autônomas da sentença, além de tratar cada item desse provimento
decomposto como um capítulo. Assim, cada capítulo seria um tipo de recurso, ou seja, um
capítulo atacável pelo recurso de apelação e outro capítulo atacado pelo recurso de agravo.
Dessa forma, prossegue-se aqui um amadurecimento acadêmico e científico acerca da teoria
dos capítulos da sentença, difundida pelo Professor Dinamarco (2004, p. 42).
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6 CAPÍTULOS DA SENTENÇA
Capítulos da sentença, no dizer do Professor Dinamarco (2005, p. 663), são “as
partes que ideologicamente se decompõe o decisório de uma sentença ou acórdão, cada uma
delas contendo o julgamento de uma pretensão distinta.”
Note que o afamado jurista confina a ideia de capítulos ao decisório não a
estendendo à motivação. Ainda, segundo o jurista paulista, no mínimo dois são os preceitos
contidos na sentença: o julgamento do pedido do autor e aquele relativo aos custos financeiros
do processo, não importando a natureza jurídica do capítulo que julga a questão principal. O
capítulo da sentença que trata da sucumbência será sempre condenatório e importará em título
executivo judicial.
Quando o objeto do processo, o pedido, for composto, o julgamento de cada um
deles corresponderá a um capítulo da sentença. Assim, se a parte pede a reintegração de posse
sobre determinado imóvel e a indenização pelos prejuízos causados pelo agente esbulhador, e
o juiz, na sentença, determina a reintegração, mas rejeita o pedido indenizatório, então, no
mérito, existem dois capítulos diversos: um julgado totalmente procedente (reintegração) e
outro totalmente improcedente (indenização). Cada um desses capítulos terá significado e
dimensões próprias, produzindo seus próprios efeitos.
O julgamento da reconvenção, por exemplo, corresponderia a um outro capítulo da
sentença. E partindo deste marco conceitual, sobre os capítulos da sentença, talvez seja
importante perguntar: qual a utilidade em se separar a sentença em capítulos?
Essa separação, em capítulos, parece ser extremamente útil no que diz respeito aos
limites dos recursos, à nulidade da sentença, à distribuição dos encargos da sucumbência, aos
limites da coisa julgada e ao cumprimento de sentença. No entanto, o tema pertence não aos
recursos ou ao cumprimento de sentença, mas sim à própria teoria sobre a sentença.
No tocante à teoria da sentença, o Professor Dinamarco (2004, p. 35) é o único que
trata capítulos da sentença com essa ênfase, desvinculando-o da teoria dos recursos. No
Brasil, não há expressa previsão legal quanto aos capítulos de sentença, diferentemente do que
ocorre no direito italiano. Por essa razão, vem da Itália a doutrina inicial. A partir de Liebman,
o conceito de capítulos de sentença foi substancialmente alargado para incluir as decisões
sobre o processo também.
Ele afirma a existência de diversos corpos simples, ou unidades elementares
justapostas no invólucro de uma só sentença, quando o juiz decide imperativamente mediante
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a rejeição de uma preliminar impeditiva do julgamento do mérito e decide, também
imperativamente, sobre a procedência ou improcedência da demanda em julgamento
(DINAMARCO, 2004, p. 60).
Pelo pensamento de Liebman, seria possível haver capítulos de sentença sem que os
mesmos decorressem sobre o mérito, mas acolhendo preliminares, por exemplo. Não
abarcariam, os capítulos de sentença, a solução de questões, pois que são regidos pelo direito
positivo italiano (DINAMARCO, 2004, p. 62).
6.1 A Importância Prática dos Capítulos da Sentença
Para os operadores do Direito, atentar-se aos capítulos da sentença é de suma
importância, muito além da sua aplicabilidade nos recursos. No exemplo suscitado no capítulo
“Problemática Sentida”, sobre o caso do magistrado que proferiu decisão em despacho
saneador, excluindo um dos litisconsortes do polo passivo de uma demanda, momento em que
também indeferiu a prova pericial requerida por um dos litisconsortes passivos não excluídos.
Pergunta-se: o autor, inconformado com a exclusão de um dos réus do polo passivo, deveria
apelar a esse provimento? E os demais réus, mantidos no polo passivo, inconformados com o
indeferimento da prova pericial requerida, deveriam agravar deste mesmo provimento?
Longe de uma discussão sobre prescrição ou decadência e seus efeitos, o diploma
adjetivo, com as alterações da Lei 11.232/2005, e a doutrina que adota o critério de conteúdo
para conceituar sentença, dando como causas de extinção de mérito com julgamento de
mérito. Assim, diante de todo o exposto, o magistrado deve acolher cada uma em momentos
diferentes em seu pronunciamento a respeito para o momento da sentença, mas dessa maneira
iria contra o disposto no artigo 459 do Código de Processo Civil, ou seja, todas as questões
relacionadas ao mérito devem ser julgadas em um ato só (DINAMARCO, 2005, p. 671).
Assim é na sentença em que o magistrado acolhe, rejeita, em todo ou em parte, as
pretensões do autor, em consonância com o princípio da unidade da sentença. O magistrado
deve julgar, e não decidir o mérito em uma sentença, a qual deve ser decomposta em partes
autônomas, de modo que cada item seja um capítulo (artigo 478, III), e este, desafiado por um
recurso (DINAMARCO, 2005, p. 667).
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se, após revisão bibliográfica acerca do conceito de sentença, que sua definição
mostra-se viciosa e alvo de muitas críticas doutrinárias. Uma delas é quando o Código de
Processo Civil de 1973 trata como “atos” os pronunciamentos do magistrado que são
divididos em três parágrafos no artigo 162, cada qual com sua conceituação. Definiu-se
sentença no parágrafo primeiro como: “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo,
decidindo ou não o mérito da causa”; conceituou-se decisão interlocutória no parágrafo
segundo como: “o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente” e, por
fim, no parágrafo terceiro, conceituou-se, de maneira equivocada (como vimos nos capítulos
anteriores), a denominação de despacho como “todos os outros atos do juiz praticados no
processo, cujo respeito à lei não estabeleceu outra forma”.
Percebe-se ainda que o legislador, na tentativa de mitigar os conflitos oriundos do
Diploma Adjetivo de 39, não obteve total êxito em elaborar uma nomenclatura isenta de
imprecisões. A sentença, ao que parece, nunca realmente põe o processo a termo. No máximo
põe a termo o procedimento em primeiro grau, haja vista que a fase recursal manteria
naturalmente a litispendência e o processo continuaria. O que realmente põe termo ao
processo e ao procedimento é o esgotamento da via recursal, e não a sentença.
Mas, independente de tais objeções, o referido conceito vigorado por três décadas
trazia uma relativa segurança na determinação do recurso cabível. Baseando o conceito de
sentença em um critério puramente topológico – não substancial – o que interessava não era o
conteúdo do ato decisório, e sim a pura e simples localização que o situa no itinerário do feito,
pondo fim ao procedimento de conhecimento em primeiro grau.
Na estrutura do Diploma de 1973, a sentença, em tese, assinalava um ponto final no
processo de conhecimento, independente do seu prosseguimento ou não em vias recursais,
mas reconhecia ou não o direito do autor.
A cisão formalmente estabelecida entre o processo de conhecimento e o de execução,
nos casos em que este havia necessidade de seguir-se àquele para satisfação do autor desta
demanda, dava compreensão do significado da sentença no instante final da atividade
cognitiva do órgão judicial, reiterando o critério topológico.
A terceira etapa da minirreforma do Processo Civil modificou profundamente a
estrutura do Código no tocante à relação entre a atividade de cognição e a executiva. Com a
Lei 11.232/2005, de acordo com a nova sistemática, os atos executivos constantes no livro II
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devem ser praticados no prosseguimento do processo em que o julgou, sem solução da sua
continuidade. Em outros termos, passa a haver um só processo, no qual se realizam
sucessivamente a atividade cognitiva e a executiva.
Saliente-se que as mudanças ocorridas em nada influem na distinção ontológica entre
as duas atividades. Cognição e execução constituem segmentos diferentes da função
jurisdicional. A lei pode combiná-las de forma variável, até traçar ou não fronteiras mais ou
menos nítidas entre as receptivas funções. Ou ainda, inserir no bojo de qualquer uma delas
atos típicos da outra, dar precedência a esta sobre aquela, juntar, separar ou entremear
conforme lhe parecer mais conveniente do ponto de vista prático. Mas a lei não pode ir
contrária à natureza das coisas, nem torná-las iguais.
Ao modificar a sistemática para suprir a separação entre a atividade cognitiva, que
tem a sentença como o seu ponto culminante, e a atividade executiva ordenada à efetivação do
julgamento, já não seria possível manter a redação do parágrafo primeiro do artigo 162.
Coerentemente, no projeto de que se originou a Lei 11.232/2005, propunha-se substituir esse
texto pelo seguinte: “sentença é ato do juiz proferido conforme os artigos 267 e 269”.
Deixando de fundar-se em critério topológico para ligar-se ao conteúdo do ato. Nessa
perspectiva, a dualidade de referências – aos artigos 267 e 269 – reflete a variação possível
desse conteúdo.
O projeto que originou a Lei 11.232/2005 e foi aprovado pela Câmara dos Deputados
sem alteração no tocante à nova redação do artigo 162, §1º do Código de Processo Civil
(como exposto no parágrafo acima), não agradou o Senado Federal, que emendou o texto,
oferecendo o teor que fora aprovado: “sentença é o ato do juiz que implica algumas das
situações previstas nos artigos 267 e 269 desta Lei”.
A redação legislativa é um atributo de alta responsabilidade, um exercício técnico
que não pode comportar vícios, atribuindo assim, máxima clareza. A leitura do texto legal
deve conter e transmitir informações que correspondam com fidelidade, não possibilitando
dúvidas e dificuldades interpretativas. Aliás, muitas das complicações processuais seriam
evitadas com grande benefício à duração da lide, se os magistrados não se vissem desafiados,
a cada momento, a decifrar enigmas.
São importantes as considerações que vêm à mente de quem lê a nova redação do
artigo 162, §1º, emendado pelo Senado Federal. A nova redação utiliza o verbo “implicar”,
que, segundo o dicionário Aurélio, pode aduzir vários significados, como aborrecer ou zangar
alguém; por exemplo: “Fulano implica sempre com Beltrano”. Dentre outras acepções em que
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implicar é transitivo direto, uma nos leva a: “dar a entender, fazer pressupor”; outra, “trazer
como consequência, envolver importar”. Nenhuma das duas permite uma conclusão sobre o
teor do artigo 162, §1º. Como exemplo o inciso I do artigo 269 do qual o magistrado acolhe
ou rejeita o pedido do autor, a sentença não irá pressupor, nem trazer como consequência o
acolhimento ou rejeição do pedido. É ela mesma que acolhe ou rejeita. Trata-se, como alguns
doutrinadores a defendem com o conteúdo de sentença, não de um antecedente nem de um
corolário seu.
Do mesmo modo, não há justificativas plausíveis para o uso da palavra “situação” no
texto emendado. Assim, conclui-se que as alterações oriundas da Lei 11.232/2005, com a
nova definição e conceituação de sentença, não refletem o fenômeno decisório com
fidelidade.
Ocorre que, muito embora as mudanças procedidas, a terminologia continuou
imperfeita e passível de críticas: no artigo 269, o legislador, para adequá-lo ao novo conceito
da sentença, retirou o termo “extinção do processo”; entretanto no artigo 267, o legislador
generalizou os casos ali presentes e manteve a alusão à “extinção”, sendo que nestes casos
tampouco o procedimento estará finalizado, eis que ainda poderá o processo ter seguimento
para execução das verbas sucumbências. Da mesma forma, não há extinção do processo, por
exemplo, no caso de reconhecimento da incompetência absoluta (267, IV, parágrafo 2º do
Código de Processo Civil), eis que os autos serão remetidos ao juízo competente. Sem falar
que ambos os artigos, 267 e 269, permaneceram sob o título “Da Extinção do Processo”.
Mas se o ato, apesar de seu conteúdo encontrar correspondência nas hipóteses dos
artigos 267 ou 269, não tiver posto fim ao processo, aquele será uma decisão interlocutória e
não uma sentença. Em termos pragmáticos, na determinação do recurso cabível prevalecerá
não propriamente o conteúdo do ato, mas o efeito que tem sobre o processo.
O conceito de sentença para manter a coerência com a nova sistemática, mas sem
criar dificuldades na práxis forense, não pode ater-se exclusivamente a único critério. Há de
se adotar um critério misto para conceituar sentença, como alguns doutrinadores já defendem.
A sentença é um dos atos do magistrado, conforme tem como um dos seus conteúdos as
matérias versadas nos artigos 267 e 269, e ao mesmo tempo, põe fim ao procedimento de
conhecimento em primeiro grau. Sem dúvida pecerbe-se que era essa a intenção, além de dar
celeridade ao processo, com reforma trazida pela Lei 11232/2005.
Mas o ponto crucial sobre o conceito de sentença e adoção do critério de conteúdo
nos parece ser a questão da recorribilidade. No princípio da taxatividade, pode ser entendida
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como sendo a explícita proibição à criação de novos recursos. O Código prevê os recursos de
agravo na modalidade instrumento e retida, e apelação como impugnações das decisões de
primeiro grau.
Assim, pode-se repelir a “inovação” doutrinária da nova modalidade recursal: a
apelação de instrumento, que consiste em tirar cópias dos autos para formar um instrumento,
ou os autos seguiriam com a apelação e seriam tirados autos suplementares para prosseguir
em relação aos demais réus, e a “apelação” do autor deve seguir para o Tribunal para ser
julgada. Pois a adoção desta inovação doutrinária afrontaria o inciso I do artigo 22 da
Constituição Federal, o qual estabelece como competência exclusiva da União em legislar em
matéria processual.
Diante do abandono do total do critério topológico e adoção pura do critério de
conteúdo, teremos conseqüências graves para os recursos que talvez tenham passado
despercebidas ao legislador da Lei 11.232/2005, no sentindo de que uma quantidade
imensurável de recursos deixará de ser conhecida. A não ser que uma utilização mais
difundida do princípio da fungibilidade recursal, como previsto no diploma de 39 e no vigente
diploma está diretamente ligado à ideia de que a proliferação de recursos poderá gerar certas
situações em que as partes terão dificuldade em definir qual o recurso cabível. Se essa
dificuldade resultar da lei ou da conduta do juiz, a parte não poderia ser prejudicada, daí a
tomada de um recurso por outro.
Quanto ao fim do princípio da singularidade ou unirrecorribilidade recursal, previsto
expressamente no diploma de 1939, não se consagrou no atual diploma, mas é ensinado nos
bancos acadêmicos e difundido doutrinariamente, do qual para cada ato judicial recorrível
existe um recurso próprio previsto no ordenamento jurídico. Enseja-se a conclusão de que, em
regra, para cada tipo de decisão caberá apenas um único recurso relacionado àquele momento
processual.
Com a adoção do critério de conteúdo, para conceituação de sentença, diante da
problemática apresentada, o referido princípio pode estar ameaçado, pois de um provimento
judicial a luz de seu conteúdo não conseguiria restringir a liberdade de escolha do recurso,
uma vez que este recurso “impróprio”, não conhecido, dará ensejo a outro recurso sob a
alegação de cerceamento de defesa. E diante deste cenário e da ausência de sua previsão
expressa no atual diploma o seria o fim deste princípio.
Isso a menos que, em um uso mais difundido da teoria dos capítulos da sentença, o
operador do Direito decompuser o decisório de uma sentença em partes, capítulos, contendo o
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julgamento de uma pretensão distinta. Cada capítulo da sentença terá significado e dimensões
próprias, produzindo seus próprios efeitos, e impugnado cada um com um tipo de recurso
adequado, mantendo coerência ao princípio da unirrecorribilidade recursal. Sem esquecer da
adoção de um critério misto, conteúdo mais topológico, para conceituar sentença, assim
restringidas as inúmeras dificuldades que um critério de conteúdo puro pode trazer à tutela
jurisdicional no devido processo legal.
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