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CENTENÁRIO DA ABOLIÇÃO
Denise Maria de Souza Bispo1
O ensaio propõe apresentar fontes que colocam o Centenário da Abolição em Sergipe,
encontradas durante a pesquisa que desenvolvo no Mestrado em História da
Universidade Federal de Sergipe sobre os antecedentes da lei 10639/03 no estado de
Sergipe tendo como delimitação temporal os anos de 1980 -2003. Inicialmente notamos
muitas às iniciativas na década de 80 para reconhecer os implicativos do racismo e da
discriminação voltada para a população negra ocasionada principalmente pelos
resquícios do processo de escravidão ocorrido no Brasil.
Palavras-chave: Abolição, história, racismo.
Os elementos apontados no ensaio fazem parte das discussões colocadas no texto da
dissertação desenvolvida no Programa de Pós-graduação em História - UFS o que aqui
se apresenta foram localizados para a escrita do segundo capítulo da dissertação que
ainda está em processo de construção. As articulações sobre o Centenário da Abolição
em Sergipe mostram leituras importantes para compreendermos a articulação dos
sujeitos e instituições durante o período selecionado.
Muitas ações foram realizadas na década de 80 como o reconhecimento por decreto2 em
1984 da Serra da Barriga, local do antigo Quilombo dos Palmares como patrimônio
histórico do país; realização das comemorações do Centenário da Abolição que motiva a
criação a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura para apoiar
questões ligadas às populações negras destacando principalmente na coordenação do
reconhecimento das comunidades quilombolas para cumprir um das prerrogativas
colocadas pela Constituição de 1988 nos Ato das Disposições Constitucionais
1 Graduada em História pela Universidade Estadual da Bahia – UNEB. Especialista em História
Cultural pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Mestranda do de Pós-graduação em História – UFS.
E-mail: [email protected]. Orientador: Prof. Dr. Petrônio José Domingues. 2 Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 que organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm. Acesso
em 12/04/2014.
2
Transitórias (ADCT) em seu artigo 683.
De acordo com a cronologia presente no Livro História do Movimento Negro no Brasil
o ano de 1988 contou com a criação de instituições importantes até atualidade para lidar
com as questões do negro dentre eles o Instituto da Mulher Negra - Gêledes em São
Paulo; criação do Projeto Vida de Negro no Maranhão; fundação da União de Negros
pela Igualdade (UNEGRO) Salvador; Criação da fundação Cultural Palmares,
Realização da Marcha contra a Farsa da Abolição, o I Encontro Estadual da Mulher
Negra no Rio de Janeiro, realização do Encontro de Comunidades Negras Rurais do
Maranhão.4
Também nos anos 80 houve momentos de reorganização e mobilização do movimento
negro que centrou suas reivindicações principalmente na desconstrução do mito da
democracia racial para pressionar o Poder Público para a observação dos problemas
relacionados à população negra existente no Brasil. (MOEHLECKE, p. 204).
As iniciativas para celebrar o Centenário da Abolição foram originadas da portaria n°
059, de 13/02/86. Uma das propostas do Centenário era contribuir para a “superação de
uma vez o preconceito que toma o negro (como alias também o índio) sempre no
passado, como objeto fixo, quase arqueológico.” Sendo estabelecidos “critérios como
apoiar direta ou indiretamente as perspectivas de nacionalizar a questão do negro por
meio de avaliação do desempenho do negro no pós-abolição” bem como eixos e ação
com iniciativas de caráter permanente com a criação5 de “centros de estudos, de
3 A Constituição Federal de 1988, assim coloca em seu texto “aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” dentre outras questões ligadas à população negra.
Fonte: Constituição Federal da República do Brasil - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Disponível em:
http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/ADC1988_05.10.1988/ADC1988.s
htm. Acesso em 02/04/2014. 4 ALBERTI, Verena e PEREIRA, Almicar Araújo (orgs). História do movimento negro no Brasil:
depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas: CPDOC -FGV, 2007. p. 480. 5 Uma das iniciativas do período foi o Memorial Zumbi na Serra Da Barriga no município de
3
pesquisa e os de documentação e registro e os de ensino, pedagógicos e didáticos – com
efeitos de médio e longo prazo,” bem como iniciativas de caráter transitório como a
realização de simpósios, festivais, congressos restritos ao ano de 1988.6 De acordo com
o documento o Centenário da Abolição:
dará à sociedade brasileira uma oportunidade preciosa: avaliar nossos
quase quinhentos anos de história. O escravismo, a abolição e o longo
processo de subalternização do negro que se lhe segui, não são com
efeito, episódios acessórios de formação brasileira, mas o seu próprio
desdobramento. Como no Centenário da Independência ou, mais
recentemente no Cinqüentenário da Semana de Arte Moderna, o que
se porá em discussão são caminhos da civilização brasileira.7
Outra proposição colocada foi à necessidade de se perceber a relação do escravismo
com as continuidades presentes nos 100 anos de escravidão passados que ainda são
latentes na sociedade brasileira quando observamos que o povo destituído da década de
80 “os sem-terra de agora descendem dos escravos despossuídos de ontem.” 8 Posições
sobre a mudança de construções sobre o negro também são notadas quando o negro
marginalizado, atônito e despreparado para o mercado de trabalho capitalista e
embebido em uma cultuara de festa observados em muitos estudos que coisificava o
sujeito negro dão espaço a uma presença diferenciada representada principalmente na
década de 1930 com uma agitação por meio de organizações negras que o discurso
produzido para o negro em pauta, pois na medida em que se “protestava contra a
marcação dos papéis – ‘o lugar de negro’ – exigia tratamento igualitário, iniciando,
timidamente, uma revisão da sua história que daria frutos depois.” Inicialmente o estado
brasileiro por meio do mito da democracia racial tenta elaborar mecanismo que
neutralizem esses conflitos raciais e observem a benevolência da escravidão brasileira e
União dos Palmares, Alagoas. Outra proposta sugerida foi a reedição de clássicos da problemática negra
tal como Manoel Quirino, Cruz e Souza, e publicação da História do Movimento Negro no Brasil. 6 Centenário da Abolição: Considerações e propostas. pp. 8-10. Documentação enviada pelo
Ministério da Cultura (MINC) para o Núcleo de Estudos afro-brasileiros NEAB – UFS. Arquivo do
NEAB. Caixa 01 – 1986-1997. Correspondência expedidas e recebidas. Malote: Correspondência
expedidas e recebidas – 1988. Diversos. 7 Idem. p. 01 8 Ibidem. p. 02
4
as categorias das classes sociais e que impediam o desenvolvimento tanto de negro
como de brancos pobres. No entanto a década de 70 com a ascensão de negros que
começam a ingressar em melhores postos de trabalho (principalmente professores,
militares e servidores públicos em geral) começam a questionar a não existência de um
tratamento igualitário entre negros e brancos influenciados em especial pelos
movimentos políticos ideológicos africanos e afro-americamos.9
Para a organização das Comemorações do Centenário foi instituído um Grupo de
Trabalho Interministerial representado pelos Ministérios da Cultura, Educação, Justiça,
Interior, Planejamento, Ciência e Tecnologia e das Relações Exteriores. Sendo o
Ministério da Cultura responsável por constituir uma “Coordenação encarregada de
centralizar as questões pertinentes ao Centenário da Abolição” (p.10). Dentro dessa
coordenação houve a colaboração da coordenadora do NEAB – UFS10 que realizou
algumas atividades durante o Centenário da Abolição. De acordo com a portaria de 10
de julho de 1987 observamos em alguns de seus incisos que:
V - Tal comissão teve por obrigação apresentar ao Ministério da
Cultura (MINC) no prazo de 60 dias proposta circunstanciada ao
evento e atividades permanentes a serem implementadas por ocasião
do Centenário da Abolição da Escravatura do Brasil. VI - Aspectos
observados na Comissão: "o caráter pluriétnico da sociedade brasileira;
a recuperação da verdade histórica sobre a escravidão no Brasil; a
promoção de eventos que evidenciem a decisiva contribuição do negro
a formação sociocultural do Brasil; a realização de atividades
destinadas a preservar bens e manifestações culturais ligadas a historia
do negro no Brasil; a desmistificação do preconceito racial; o apoio a
todas as iniciativas que tenham por objetivo a ascensão cultural, social,
econômica e política do na sociedade brasileira."
9 Ibidem. p. 04 10 Diário Oficial - quinta feira, 16 de julho de 1987 - Ministério da Cultura - participação da
coordenadora do NEAB – UFS, além de outros pesquisadores no Conselho Consultivo que acompanhou
as atividades da Comissão do Programa Nacional do Centenário da Abolição - PORTARIA Nº 314, de 14
de julho de 1987 - Termos do Decreto n 94326, de 13 de maio de 1987. Arquivo do NEAB. Caixa 01 –
1986-1997. Correspondência expedidas e recebidas. Malote: Correspondência expedidas e recebidas –
1988. Diversos.
5
Segundo o Programa Nacional do Centenário da Abolição da Escravatura11 deveriam
acontecer atividades de janeiro a dezembro do ano de 1988 em diferentes cidades
brasileiras. Dentro das comemorações também foram lançadas moedas para referenciar
o Centenário da Abolição como é apresentado abaixo:
Ilustração 01: Anverso da moeda de 100 cruzados com mulher negra,
homem negro, criança negra e inscrições do CENTENÁRIO DA
ABOLIÇÃO, 1888 1988 e AXÉ.12
1. 1. Centenário da Abolição em Sergipe nos jornais de 1988
Carvalho13 aponta o sentido que o dia 13 de maio assumiu no momento do centenário.
Para o autor, ele pode ser dividido em três momentos: o primeiro – o 13 de maio
tradicional, o da doação da liberdade, representado pelo ato da coroa que na figura da
princesa Isabel libertou os escravizados; o segundo – o 13 de maio maldito, do engodo,
o do golpe branco de cortar a ascensão do negro, o qual deve ser substituído pelo 20 de
novembro, dia da morte de Zumbi, e que significa a resistência contra a ordem vigente
da escravidão; e o 13 de maio crítico que observa a ação dos grupos populares,
incluindo a reação dos próprios escravizados motivadores da ação do governo geral de
abolir o escravismo, motivado pela revisão da historiografia sobre a escravidão.
Em Sergipe, alguns espaços foram dedicados à divulgação e reflexão das
Comemorações do Centenário da Abolição, como a divulgação de eventos, publicação
11 Programa Nacional do Centenário da Abolição da Escravatura. Arquivo do NEAB. Caixa 01 –
1986-1997. Correspondência expedidas e recebidas. Malote: Correspondência expedidas e recebidas –
1988. Diversos. pp. 01-08. 12 Disponível em: http://www.moedasdobrasil.com.br/catalogo.asp?s=88&xm=78. Acesso em
07/05/2014. 13 Especial 100 anos de abolição. Folhetim – Folha de São Paulo – Sexta 13 de maio de 1988. Nº
588. José Murilo de Carvalho. A Abolição aboliu o quê?. p. B.8. Arquivo do NEAB. Caixa 02 – 1985-
1989. Publicações e jornais. Malote: Publicações e jornais. Diversos – 1988.
6
de textos com informações críticas sobre a comemoração dos 100 anos e informações a
respeito das questões do negro sergipano, e também a divulgação de trabalhos de
estudiosos que na década de 80 discutiram a escravidão e a pós-abolição.
O Jornal Gazeta de Sergipe, de 13 de maio de 1998, apresentou posições sobre a
comemoração da abolição, de um lado um grupo que valorizava a data como importante
pela evocação da lei áurea e o outro segmento, principalmente ligado às entidades
negras, propôs o 20 de novembro e a figura de Zumbi como uma data que deve ser
referenciada e comemorada pelo seu significado simbólico. O artigo também apresentou
questões históricas sobre a participação do negro no cultivo agrícola, o que pode ter sido
um dos motivos para o seu aprisionamento no século XIV, apontou pontos relevantes
sobre a chegada dos escravizados, que segundo a informação colocada de cada negro
vivo que chegou aos portos cinco morrerão durante a viagem por doenças, castigos ou
por causa das condições nos navios negreiros; dialogando inclusive com a contribuição
dos negros para o desenvolvimento das ações que sustentou economicamente por muito
tempo a colônia. O processo contra a escravatura também é lembrado por meio da
figura de Castro Alves, pela sua poesia, ao lado de outros poetas. No texto, observam-se
também reflexões a respeito da necessidade da pesquisa sobre os 100 anos depois da
abolição da escravatura "quando os negros entregues à própria sorte tentaram sobreviver
nos campos e na cidade, sem o gozo legal da cidadania conquistada pela lei Áurea."
Segundo o autor, o:
Brasil deve aos brasileiros uma investigação mais ampla, o estudo
mais acurado, o debate mais aberto, sobre o day afther, para que a
história do negro não fique restrita aos períodos da escravatura, nem
que as questões do negro não fiquem restritas ao aspecto racial do
problema. O drama social tem, muitas vezes, intensidade opressora
que bate seguramente, com o sofrer de antes e por isso mesmo não
deve ser descartado nem deixado de lado. O negro continua
discriminado, fatidicamente pobre, enfrentando toda sorte e
dificuldades. E este 'é um dado que 'e preciso resgatar, para que a
história seja completa. O centenário da Abolição, ao tempo em que
remete ao sentido festivo da liberdade, deve igualmente sugerir o
7
compromisso sério do estudo de tudo aquilo que houve nesses 100
anos passados.14
Tais colocações mostram o compasso das críticas realizadas em Sergipe e em outros
estados que tinham as organizações dos movimentos sociais negros e que manifestaram
suas indignações e demandas que não foram resolvidas nesses 100 anos do processo de
abolição da escravatura. Várias manifestações foram realizadas, dentre elas debates,
encontros, passeatas15, panfletagem, distribuição de cartilhas apresentando problemas
ligados à população negra que deveriam ser pensados pelos poderes públicos após as
comemorações do centenário. Uma leitura apresentada foi uma cartilha16 produzida
pelo Movimento Negro Unificado - MNU, Ilê Aiyê, Grupo Ginga de Salvador que
apresenta críticas relacionadas ao negro durante os 100 anos de abolição para apresentar
a real situação do negro e a luta do povo negro para o processo de “liberdade” onde
aponta à seguinte prerrogativa:
nossos antepassados lutaram, todos os dias, para a sua libertação. Se
não fosse essa luta não existiria abolição. O maior exemplo de luta
organizada do negro para a libertação foram os quilombos e as
revoltas. 100 anos após assinatura da lei que abolia, oficialmente, o
trabalho escravo, continuamos na luta pelo direito de cidadania no
Brasil. Direito ao trabalho, à terra e moradia, à saúde e à educação.
14 Jornal Gazeta de Sergipe -1988 - meses: Abril a junho. Caderno Opinião. Editorial, Aracaju, 13
de maio de 1988. Artigo 100 anos de abolição. Pág. 03. PASTA - N° 55-A 96. 15 Segundo notícia Racismo mostra sua cara com repressão presente no Jornal Mutirão. A marcha
Nada mudou, vamos mudar foi realizada no dia 11 de maio de 1988 com cerca de 10 mil que marcharam
até a Central do Brasil, em protesto contra a Farsa da Abolição onde entidades da comunidade negra,
principalmente do Rio de Janeiro e centrais sindicais e partidos políticos de esquerda queriam mostrar seu
repúdio “pela mentira do 13 de maio, cujo o centenário os poderosos de hoje tanto se empenham em
comemorar.” Outro fato ocorrido nesse protesto foi a quantidade de policiais deslocados para cobrir a
marcha e a não chegada dos participantes a Central do Brasil, um dos impedimentos para a chegada na
Central do Brasil, segundo nota oficial da segurança, seria a informação de que o patrono do Exército
Duque de Caxias seria alvo das manifestações. Informação retirada do Jornal Mutirão – O negro e sua
luta. Ano I, nº 7 – Rio 1988. p. 4 e 5. Arquivo do NEAB. Caixa 02 – 1985-1989. Publicações e jornais.
Malote: Diversos – 1988. O livro organizado por Verena Alberti e Almicar Araújo Pereira, História do
movimento negro no Brasil: depoimentos ao CPDOC publicado em 2007 apresenta uma fala sobre a
crítica a Duque de Caxias. p. 262-263. 16 COLINA, Paulo. 13 de maio . A princesa esqueceu de assinar nossa Carteira de Trabalho.
Movimento Negro Unificado, Ilê Aiyê, Grupo Ginga – Maio, 1988. As ilustrações abaixo foram
produzidas por Nildão e estão na página 6 da cartilha. Arquivo do NEAB. Caixa 02 – 1985-1989.
Publicações e jornais. Malote: Diversos – 1988.
8
Esses direitos são negados à maioria da população brasileira e, em
especial, a nós negros que temos de viver num sistema racista onde os
bens materiais e culturais produzidos por nós, são usufruídos por uma
minoria branca, herdeira dos senhores de engenho. (COLINA, Paulo.
1988. p. 01)
As imagens colocadas no texto também colocam a crítica desenvolvida pelo movimento
negro para questionar a abolição da escravatura comemorada em 1988.
No entanto,
mesmo com
todas as
críticas
ocasionadas
às
Comemorações do Centenário da Abolição de 1988, devemos observar as possibilidades
apresentadas no processo do centenário, como a observação e o reconhecimento do
Brasil como um país que passou por um processo longo de escravidão e que tinha e tem
reflexos do processo de exploração e exclusão dentro sociedade brasileira. Outros
resultados foram a criação da Fundação Palmares, bem como a divulgação de pesquisas
sobre a escravidão que, consequentemente, criou caminhos para que novas leituras a
respeito do negro fossem realizadas com mudanças no olhar historiográfico sobre a
construção da História do negro no Brasil, colocando-o como sujeito ativo do processo
de libertação da escravidão e da preservação de práticas e modos de vida característicos
da cultura negra existente em terras brasileiras.17
17
Muitas produções foram apresentadas pelos incentivos causados pelo Programa do Centenário
da Abolição, bem como a valorização de pesquisas que estavam sendo realizadas sobre o negro no Brasil
que possivelmente contribuíram para observar lacunas colocadas sobre negro no processo de construção
da História do Brasil. Autores como Clóvis Moura, Joel Rufino, Décio Freitas, João José Reis, Eduardo
Silva, Robert Slenes, dentre outros que apontaram novas pistas para a leitura sobre o negro e suas
Ilustração 03: Abolição ligada ao preconceito
que os descendentes dos escravizados sofrem
na sociedade brasileira no pós- abolição.
Ilustração 02: Crítica a posição do negro no
pós-abolição sem direitos de segurança
trabalhista.
9
Já no Jornal da Cidade encontrou-se a nota de capa “100 anos de Abolição com
protestos” com informações sobre o centenário da abolição e o protesto realizado pelo
Grupo Cultural Unidos do Quilombo, no dia 13 de maio, um dia de manifestações
contra o racismo. Data comemorada com festividades e debates sobre a causa negra. A
nota cita também eventos que foram realizados pela prefeitura de Laranjeiras junto com
o governo do estado através da FUNDESC, organizou-se uma programação para
comemorar o centenário com realização de missa em "Ação de Graças na Igreja de São
Benedito", realização de Conferência no Centro de tradição onde falou-se sobre o Negro
no Contexto Socioeconômico de Sergipe.18 No entanto, no interior do jornal não
encontramos maiores informações sobre a nota de capa.
Essa edição ainda contou com uma reportagem especial sobre a abolição da escravatura,
com um texto de página inteira, intitulado A trajetória do negro em 100 anos de
abolição, na sessão Caderno Nacional, o 13 de maio de 1988, dia de Comemoração do
Centenário da Abolição foi noticiado como feriado nacional – com um pronunciamento
do presidente José Sarney em rede nacional de radio e televisão, além da realização de
muitos eventos. De acordo com a fala do ministro da Cultura Celso Furtado presente no
texto, a proposta do programa de Centenário da Abolição:
é que a sociedade abra espaço expressamente para a ascensão da
população negra. Cada escola, por exemplo, tem que ter um regime
especial para os estudantes negros. É preciso tratar desiguais de forma
desigual. Enfático, observa o ministro que o Brasil precisa ver, nesse
momento histórico, “que o negro escravo contribuiu de forma
fundamental para o desenvolvimento da economia nacional. (...)
aprendi que foram os escravos negros que trouxeram a metalúrgica
para o Brasil, não foram os europeus. As principais fundições de ferro
no Brasil foram trazidas da África. Isto tudo se ignora quando se
estuda historia.” 19
contribuições para a compreensão da História do Brasil. 18 Jornal da Cidade, Aracaju (Sergipe), 13 e 14 de maio de 1988 - Sábado e Domingo. ANO XVII-
N° 4.761. 100 anos de Abolição com protestos. p. 1. Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Epifânio
Dória. 19 Idem. Jornal da Cidade, Aracaju (Sergipe), 13 e 14 de maio de 1988 - ANO XVII- N° 4.761. A
10
Há crítica dos militantes do SOS Racismo do Rio – Sérgio Thomaz dos Santos – que
coloca o dia 13 de maio como um dia de manifestações nos principais pontos turísticos
do Rio, uma estratégia para mostrar aos turistas e moradores como o "Brasil ainda é um
dos países mais racistas do ocidente e que aqui a abolição não se consumou na prática."
E a colocação da pesquisadora Moema Toscano, presidente do Centro da Mulher,
engajada nas questões sobre a mulher negra e que aponta as diferenças e a existência de
uma burguesia negra, uma classe média negra, que segundo ela, não sofre as
discriminações que a maioria do contingente negro sofre diariamente20. Os projetos de
Abdias do Nascimento em relação a constituinte são também citados e sua articulação
nas esferas públicas, na luta contra o racismo e como a estrutura social deve ser mudada
na formação de moldes escolares que combatam o racismo desde a educação infantil.
Nessa trajetória, localizamos as contribuições de Joel Rufino, escritor de livros que
discutem valores e práticas da comunidade negra voltadas, em sua maioria, para
crianças e adolescentes. O projeto desenvolvido por ele também é citado como modelo
que favorece a redução da evasão de alunos negros, realizado na escola Juvenil Tia
Ciata no Rio de Janeiro, o qual ofereceu orientações pedagógicas aos professores e
direcionamentos para o trabalho com livros que não reforcem apenas a valorização dos
referenciais brancos na formação da identidade da criança. Foi identificado, nesse
período ainda, um balanço sobre os debates feitos em São Paulo junto à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da USP e a publicação de coletâneas sobre o papel dos
negros na economia paulista pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE).
Além de caminhadas com a participação de delegações da África e dos Estados Unidos
em alusão à luta sobre o dia 13 de maio.
Algumas cidades se mostraram contrárias às comemorações do centenário, em seguida
trajetória do negro em 100 anos de abolição. p. 10. Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Epifânio Dória. 20 Discordando da posição da autora, muitos estudos apontam que mesmo os negros que ascendem
socialmente passam por momentos de discriminação na medida em que a cor da pele no caso do brasileiro
é o motivo para as manifestações do racismo.
11
citaremos algumas, expondo seus motivos e opiniões, porque para muitas não é um dia
de comemorações e sim de reivindicações.
Salvador é um dos lugares que se colocou contra as comemorações do dia 13 de maio,
para os entrevistados o dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi, é que deveria ser
comemorado, justamente pela condição em que o negro foi colocado depois da abolição,
“pois os negros saíam das senzalas para os guetos”. Segundo o sociólogo Lino Almeida,
“comemorar o centenário da falsa abolição é brincar com a gente", tanto que no dia 12
de maio foi realizada uma contestação contra o 13 de maio. De acordo com o secretário
de cultura do Estado da Bahia na época, o 100 anos de abolição sem assumir o que nós
temos de negro, nos obriga a repensar, no ano do centenário, o porquê a comunidade
negra está insatisfeita com o 13 de maio, já que a história do Brasil nega as
contribuições oferecidas pela cultura africana.
Alagoas também apontou sua insatisfação e "avaliaram que no 13 de maio 1888, a
princesa Izabel foi pressionada pelo poder econômico para assinar a lei Áurea" e por
esse motivo a data do centenário deveria ser um dia de reflexão e não de comemoração,
um dia nacional de luta contra o racismo, na medida em que, como afirma a enfermeira
Maria do Socorro, "os negros não estão mais nas senzalas, mas estão nas periferias das
cidades, nas favelas sem oportunidade ou no campo trabalhando por um salário
escravo".
Minas Gerais, consequentemente, criticou as comemorações do centenário, para o
movimento negro unificado a Lei Áurea não significa a integração do negro na
sociedade. A líder do Movimento negro mineiro disse que "o racismo continua sendo
um instrumento de opressão, exploração econômica, controle e dominação social".
Em Pernambuco, foram observadas críticas ao centenário da abolição quando eram
vistas as necessidades de ações críticas durante sua passagem e Josafá Mota, um dos
12
lideres do Movimento Negro, informou que "tanto a Lei Áurea quanto a Afonso Arinos
não expressam suficientemente as manifestações do racismo e nem do negro". Lembra
(...), por exemplo, o cenário em que foi aprovada a lei Afonso Arinos, uma resposta aos
Estados Unidos pela discriminação21 sofrida por uma bailarina22 norte- americana para
apresentar uma imagem de que negros e brancos vivem igualmente no Brasil.
O Ceará protestou com o slogan contestatório "Negros, o 13 de maio não é nosso dia" e
com os questionamentos do professor de História da Universidade do Ceará, Eurípedes
Funes, quem desmontou o mito da democracia racial, para ele “a existência da Lei
Afonso Arinos só veio demonstrar a persistência do preconceito e das desigualdades
socioeconômicas entre brancos e negros no Brasil. Num país onde não existe
preconceito, qual a necessidade de uma lei que assegure a igualdade de direitos entre
negros e brancos?".
Para o Espírito Santo, por meio da figura do diretor do centro de Estudo da cultura
Negra, Luís Carlos Oliveira, “Não são 100 anos de Abolição. São 100 anos da Lei
Áurea.” Para ele “durante todo esse tempo o branco conseguiu impor a ideologia de que
o negro é inferior e para acabar com essa discriminação é preciso que essa ideologia
seja substituída pela igualdade”. Para Joaquim Beato, capixaba, membro da Comissão
do centenário da Abolição criada pelo Ministério da Cultura afirma que as
comemorações do centenário têm aspectos positivos, na medida em que é legitima e
21 Katherine Dunham foi barrada em um Hotel em São Paulo, em 1951, por ser negra, esse fato
repercutiu mundialmente e apresentou e abalou a imagem do Brasil da democracia racial, onde negros e
brancos viviam cordialmente, obrigando ao governo brasileiro aprovar a Lei Afonso Arinos. 22 Katherine Dunham (1909 – 2006) era norte-americana dançarina, coreógrafa, antropóloga pela
Universidade de Chicago e ativista social, em suas coreografias utilizava os elementos das culturas da
diáspora Africana, foram trabalhados para refletir a expressão de culturas principalmente as de origem
negras onde as origens européias eram unânimes. Foi uma das primeiras a utilizar uma coreografia étnica
e valorizar o patrimônio africano e buscar as raízes da dança negra, rituais e ritmos afro-americanos,
revolucionando a dança norte-americana na década de 1930. “Ela também foi politicamente ativa em
ambas as questões de direitos nacionais e internacionais e ganhou as manchetes nacionais e
internacionais, encenando uma greve de fome de 47 dias em 1993, com a idade de 82 anos para protestar
contra a política de repatriação do governo dos EUA para imigrantes haitianos. Ela tentou levantar a
consciência das pessoas nos Estados Unidos sobre os problemas no Haiti.” Disponível em:
http://kdcah.org/katherine-dunham-biography/. Acesso em: 14/02/2014.
13
expõe uma discussão que foi tabu durante muito tempo. De acordo com o sociólogo a
“conscientização tem que estar presente tanto no negro quanto no branco, porque os
etnos das raças é uma só, sobretudo porque não há condições, no mundo, de se construir
uma nação com uma só raça”.
Já o historiador Joaquim Felizardo, secretário municipal de cultura de Porto Alegre,
observa a abolição a como a questão social mais importante da pré-república atrelada a
um erro apontado por André Rebouças, que foi a época, a falta da reforma agrária que
impediu a integração de 700 mil libertos e na medida em que a abolição poderia
promover um avanço social, econômico, político, promoveu, segundo ele, uma
regressão feudal. E os negros, assim como os pobres não integrados a sociedade, foram
marginalizados por dependência econômica, social e política ao branco.
Sergipe aparece com a fala da coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro da
UFS, observa continuidades na vida dos libertos e dos bóias-frias que não têm suas
condições de sobrevivência alteradas com a abolição, pois continuam em situações
deploráveis de sobrevivência. E aponta que o Centenário em Sergipe apresentou um fato
inusitado que é o fechamento da entidade cultural voltada para o trabalho dos artistas
negros A casa de Cultura Afro-brasileira pela falta de recursos financeiros para sua
manutenção.
A cidade de João Pessoa, por meio de Maria Yara Campos, do chefe do Departamento
de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba, apresentou a realização de
eventos para debater as questões do escravismo e do racismo dentro das comemorações
do centenário da Abolição e alertou a necessidade dos negros conscientizarem-se do seu
papel de sujeito na história e de que se tem uma história que foi apagada, mas que
precisa ser recontada e “que a história contada não é a história verdadeira do negro”.
Para ela “a riqueza do Brasil foi constituída pelos negros descendente de africanos, que
de acordo com o IBGE, representam hoje 4% da população, ou seja, em torno de 60
14
milhões de brasileiros, o que deixa de ser uma minoria, pois é uma maioria".23
As informações sobre a trajetória dos negros nos dão um panorama de como as questões
do negro estavam presentes em alguns espaços, sendo necessário observarmos as
posições de representantes de diferentes esferas sobre os 100 anos de abolição e o
espaço de reflexão que deveria ser colocado para a sociedade brasileira e não apenas
comemorações, as quais não mudariam em nada as questões dos negros e dos pobres
existentes no período da escravidão e que ainda tem resquícios muito fortes na sua pós-
abolição, como o racismo e as dificuldades sociais motivadas pela divisão injusta dos
bens sociais.
Outro artigo presente no Segundo Caderno do Jornal Gazeta de Sergipe24 intitulado
Uma avaliação sobre o Centenário da Abolição reedita o texto discutido anteriormente,
o qual apresentou falas de diferentes representantes, dentre eles o Ministro da Cultura
quem apontou as contribuições dos negros negligenciadas ao conhecimento, expressões
de militantes e estudiosos sobre as questões do negro, mostrando um panorama das
questões do negro em diferentes estados.
O artigo do Jornal de Sergipe25 Negros acham que não têm o que comemorar, produzido
por José Araújo, assinalou o fechamento da Casa de Cultura Afro-sergipana26 por falta
de apoio do governo, esta que funcionava a mais de 20 anos e a realização pelo Neab de
debates e mesas redondas antes do dia 13 de maio para que a data “passe em branco.”
23 Idem. Jornal da Cidade, Aracaju (Sergipe), 13 e 14 de maio de 1988 - ANO XVII- N° 4.761. A
trajetória do negro em 100 anos de abolição. p. 10. Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Epifânio Dória. 24 Aracaju, 13 e 14 de maio de 1988. PP. 9 e 10. 25
Aracaju, sexta-feira e sábado 13 e 14 de maio de 1988. Arquivo do NEAB. Caixa 02 – 1985-
1989. Publicações e jornais. Malote: Publicações e jornais. Diversos – 1988. 26 De acordo com informações do jornal observado a Casa de Cultura foi fundada em 1968, pelo
ativista e ator negro Severo D' Acelino que protagonizou o filme Chico Rey (1985). Segundo seu
fundador o objetivo da entidade era “estudar e divulgar a cultura em Sergipe”, dizendo ainda que, nesses
20 anos, tiveram como projeto o Tombamento do Terreiro Filhos de obá, localizado em Laranjeiras; o
resgate da história do herói negro sergipano, João Mulungu; a introdução da disciplina sobre a cultura
negra no currículo de primeiro grau da rede estadual de ensino.
15
Informa também sobre a abertura da exposição promovida pelo Arquivo Público
Estadual de Sergipe a respeito de documentos alusivos à escravidão em Sergipe e o ato
público realizado pela União dos Negros de Aracaju (UNA) no calçadão da João Pessoa,
na tarde do dia 11 de maio, por não reconhecer o “13 de maio, dia da libertação dos
negros no Brasil”, o que está presente na fala de um dos membros da UNA, Pedro Neto,
“a libertação dos negros em nosso país, foi fruto da luta sangrenta desencadeada em
vários quilombos contra os Senhores de Escravos e não uma dádiva da Princesa Izabel”.
O fechamento da Casa de Cultura é priorizado nas informações por ser a entidade, um
espaço de observação das práticas de racismo e apoio que estava sendo fechado, um fato
notado foi a discriminação de mulheres negras no mercado de trabalho, levado ao
delegado Regional do Trabalho pelo fundador da entidade sob a alegação de boa
aparência que exclui a mulher negra do trabalho formal. A professora Maria Nele –
NEAB foi lembrada por meio da realização do ciclo de debates, tendo como um dos
temas “A Escravidão e a Abolição em Sergipe”.
No Jornal da Manhã27 de 13 e 14 de maio de 1988, encontramos reportagens e notas
sobre o centenário, sendo esse o jornal que mais noticiou sobre o negro no período
alusivo ao centenário. Logo na primeira página, encontramos a manchete Abolição: A
festa da origem brasileira, onde são apresentados eventos ocorridos durante uma
semana, todos ligados à comemoração do Centenário da Abolição, organizados pelo
Serviço Social do Comércio – SESC e a Universidade Federal de Sergipe. Segundo o
jornalista Luís Melo, nas festividades ocorridas em Aracaju, os negros mostraram suas
danças típicas, foram realizadas palestras com a participação de professores, dentre eles
Fernando Lins, Beatriz Cruz e Ronaldo Nunes para discutir as questões do negro no
contexto nacional. O Jornal da Manhã reserva um espaço considerável para apresentar
o 13 de maio de 1988, dedicando espaço para reportagem especial “onde estudiosos
sobre a causa do negro falaram sobre liberdade, recriminaram a discriminação e
destacou-se a cultura, luta e revolta, porque os 100 anos de liberdade, ainda segundo
27 Jornal da Manhã – Aracaju, Sexta e Sábado, 13 e 14 de maio de 1988. Nº 609. Pasta n° 37-A,
Ano 1988. Meses – Abril a junho. Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Epifânio Dória.
16
esses estudiosos “não foram suficientes para apagar a marca da dor e da exploração dos
escravos.”
No mesmo jornal, analisamos no texto de Jorge Mirandôla o enunciado de como a
decretação da liberdade assinada pela princesa Izabel foi um ato de renúncia dos
Braganças, já que a atividade escravista sustentava a economia nacional e a sua
decretação iria determinar conflitos no cenário nacional e consequentemente acerca de
poderes da família real. O autor também assinala críticas sobre a postura de
discriminação de acordo com a cor da pele, para ele, por ser da religião espírita, o que
deve ser observado nas relações humanas são as virtudes, o seu interior e a riqueza de
seus sentimentos, de sua alma. Tal opinião é a deixa para o texto Abolição que discute o
centenário da abolição da escravatura comemorado no Brasil e sobre a necessidade de
se refletir no "13 de maio, data oficial que livrou os negros da escravidão" e não apenas
existir festas e homenagens, pelo motivo da não existência de razões, já que outras
formas de preconceitos e de marginalização dos negros persistem no Brasil "herdados
do ranço senhorial dos canaviais e da casa grande dos senhores de engenho, o
preconceito sobre a raça que foi o esteio do desenvolvimento brasileiro”, apontando no
texto a contribuição de estudiosos sergipanos sobre a escravidão e a contribuição do
negros em Sergipe, com registros sobre os engenhos e a "saga dos negros" inclusive as
revoltas e a formação dos quilombos:
neste 13 de maio, na comemoração do Centenário da abolição,
compreendida hoje não apenas como um ato pessoal e magnânimo da
princesa Isabel, mas como o coroamento de toda uma luta travada
pelos negros e por todos os que se engajaram nesse movimento de
libertação e democrático, cujos nomes estão inscritos na história do
Brasil, mas cujo a maioria permanece no anonimato. A nação
brasileira, ao lado do dever de lutar contra todas as formas de
preconceito racial que ainda restam, tem também a obrigação de dar
graças a Deus de que da formação e do nosso povo tenha participação
relevante e decisiva a pujante, inteligente e criativa raça negra28.
28 A Abolição - Jornal da Manhã – Aracaju, Sexta e Sábado, 13 e 14 de maio de 1988. Nº 609.
Pasta n° 37-A, Ano 1988. Meses – Abril a junho. Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Epifânio Dória.
P.2
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No caderno Especial, temos Centenário da Abolição: a luta continua29, nesse espaço
observamos críticas às posições do negro na sociedade de 1988 que não são muito
diferentes da situação de 1888. Antônio Faro cita que pesquisas "comprovam que 100
anos não bastam para apagar a marca de dor e exploração de 400 anos de escravidão",
diante do racismo oculto nos costumes e nos valores ainda burgueses que empurram a
população negra. De acordo com o autor, 30% das crianças negras morreram antes de
completar cinco anos de idade e 70% da população carcerária seria de cor preta, sendo
esses fatos motivados pelo o que nosso modelo econômico reservou desde o início da
escravatura até os dias atuais "uma posição marginalizada para o negro, que não é
suficiente para lhe garantir uma vida digna como homem”. Ele também apresenta
posicionamento de pesquisadores como Nele dos Santos, a qual observa que para
"resolver o racismo temos que passar pelos problemas das classes sociais", ou seja, na
medida em que for resolvida a pobreza e a exploração econômica, a discriminação do
negro não existirá. Ressaltou que o esforço do negro para alcançar posições na
sociedade pode levá-lo ao processo de embranquecimento e ao afastamento de sua
identidade cultural, sendo esse um risco. Na colocação do professor Nunes Linhares foi
observada a relação do racismo com as formas de produção. Além das colocações do
professor e do estudante de História colaborador do NEAB, Ronaldo Acioli Silveira, nas
quais se observou a existência de destaque de sujeitos negros na sociedade brasileira
seja na música, na política, etc., mas que a exploração do negro continua para a maioria
da população negra brasileira. Destacando que:
a abolição não foi conquista dos negros, mas uma necessidade do
sistema. Nesse contexto as leis não bastam. É necessário que existam a
necessidade de conquistas de espaço de consciência do que ele tem
para dar a sociedade. Isso só acontece a partir do momento, que
entendemos as potencialidades que todos têm e devem ser exploradas
em beneficio da sociedade.
29 FARO, Antônio. Centenário da Abolição: a luta continua. Jornal da Manhã – Aracaju, Sexta e
Sábado, 13 e 14 de maio de 1989. Nº 609. Pasta n° 37-A, Ano 1988. Meses – Abril a junho. Acervo da
Hemeroteca da Biblioteca Epifânio Dória. P. 6
18
Em meio às notícias, também foi observada a manifestação Cem anos sem abolição,
realizada pelo UNA (União dos Negros de Aracaju), o percurso foi do Centro de
Criatividade até a Praça Fausto Cardoso com o intuito de protestar contra a situação do
negro e as comemorações do centenário. Para o presidente da UNA, Carlos Alberto
Santos, “se for feita uma análise do papel do negro na sociedade. (...) Continuamos
sendo a mão de obra mais barata, as maiores vítimas da violência policial e as mulheres
negras continuam sendo massacradas como empregadas domésticas ou
subempregadas”. De acordo com Maria Angélica de Oliveira – do Conselho de Estudos
afro-brasileiros da Secretaria Estadual de Educação – “o 13 de maio é uma oportunidade
de gerar consciência sólida. (....) É a hora de passar para todos nas escolas e nas
universidades, toda a potencialidade da raça negra e aproveitar dela toda a riqueza vinda
da África e absorvida pelo Brasil na língua, na arte, na religião e nos costumes.”
A segunda reportagem do Caderno Especial, denominada Uma conquista dos que
acreditam na justiça, indicou a percepção do negro como sujeito do seu próprio
processo, citou-se a influência de negros como Martin Luter King, nos Estados Unidos,
o Bispo da África do Sul, Desmon Tutu, e no Brasil Zumbi dos Palmares e a Negra
Anastácia. Trazendo para o processo de escravidão, o autor apresenta "que a abolição
foi produto crescente da inquietação do negro", embora não sejam retratados os livros
didáticos, muitos foram os episódios que comprovam a organização dos negros contra o
sistema escravista. Uma das maiores representações sobre tal vertente são os quilombos,
com destaque para o Quilombo dos Palmares.
Em Sergipe, as pesquisas do professor Francisco Carlos Teixeira (UFRJ) observou que,
em 1867, quilombos foram localizados "em Neópolis, antiga Vila Nova, Capela e
Rosário e no ano de 1869 foram localizados em Laranjeiras e Divina Pastora. Segundo
ele, em 1871, houve ataques de negros em Rosário e em Laranjeiras. O ano de 1873 foi
marcado por conflitos com os quilombos de Divina Pastora, Capela e Japaratuba e o de
19
1874 pelos os de Riachão e Rosário." No sub tópico da notícia intitulada “Abolição o
que significa?” observa-se as colocações da professora do Departamento de História da
UFS, Nele dos Santos, sobre a autoafirmação da cultura negra no mercado e como
elementos identitários da cultura negra, utilizados anteriormente como modismo, têm
espaço cada vez mais crescente em cidades como Salvador, por exemplo. Há a
afirmação também que a realidade de Sergipe ainda está muito longe desse processo de
autoafirmação identitária, na proporção que para a professora "o negro sergipano não
tem consciência, ele está muito parado no tempo e no espaço. Até tem vergonha de ser
negro, quando começa a se embranquecer um pouquinho com sua ascensão social".30
Os jornais que circularam em Aracaju e observados colocam informações diversificadas
sobre as Comemorações do Centenário da Abolição, desde pequenas notas que
reafirmam as posições da democracia racial vivida no Brasil de 1988 a reportagens que
questionam tais comemorações, ao passo que a situação do negro não mudou muito
nesses cem anos de abolição, pela emergência da assistência à população negra liberta
em 1888, contudo sem planos de inserção, participação e educação para a grande massa
de escravizados, retirados das senzalas e expostos a uma vida sem direitos básicos de
sobrevivência garantidos.
Em Sergipe, o que chama atenção no Centenário foi o fechamento da Casa de Cultura
Afro-Sergipana, fato noticiado no pleno momento em que deveria ter o apoio para o
desenvolvimento contínuo de suas atividades, por ser um espaço que aglutinava
referências às questões do negro no estado. Os protestos de grupos sociais ligados ao
movimento negro e sujeitos da sociedade civil também aconteceram, mostrando o
compasso do movimento negro sergipano com as ações dos movimentos negros no
Brasil. Alguns acontecimentos marcaram tal momento e foram noticiados, como os
encontros e debates sobre o negro realizados com a participação de entidades e do
30 FARO, Antônio. Uma conquista dos que acreditam na justiça. Jornal da Manhã – Aracaju, Sexta
e Sábado, 13 e 14 de maio de 1988. Nº 609. Pasta n° 37-A, Ano 1988. Meses – Abril a junho. P .7.
Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Epifânio Dória.
20
NEAB, exposições de documentos sobre a escravidão, palestras com foco na escravidão
em Sergipe e a condição do negro. Eventos de cunho nacional também foram realizados
no estado, tendo a cidade de Laranjeiras como um palco das comemorações oficiais
sobre o centenário.
Considerações finais:
Em relação às notícias dos jornais foi possível notar os três momentos colocados por
José Murilo de Carvalho nas fontes observadas o questionamento do movimento negro
a partir de suas ações para negar o 13 de maio e refletir sobre a condição do negro
nesses 100 anos da falsa de abolição; a posição de Universidades que formularam
eventos para refletir a condição do negro, com a observação de estudos que
acrescentavam novos olhares sobre o período da escravidão e a sua pós-abolição; e a
posição da grande maioria da população brasileira, a veneração da princesa que
alforriou os negros da condição de exploração que viviam durante a escravidão. 31
Por esse sentido, a abolição em si não instituiu uma possibilidade concreta e segura de
mudança social para os negros, na medida em que a “casa grande” continua sendo as
mesmas e as “senzalas” dos pobres continuam a ter uma cor igual as das “senzalas”
durante a escravidão. Na comparação do autor o processo de emancipação e
participação dos negros norte-americanos para a construção de seus direitos civis nos
Estados Unidos a educação "base do exercício da cidadania moderna" e levada em
consideração tanto que um número significativo de negro foi absolvido em escolas e
31
A discussão de Carvalho sobre as barreiras que o negro liberto devia vencer desde a de cor da
pele, econômica, educacional dentro de um sistema social em que moralmente a escravidão foi
extremamente “instituida” por aproximadamente 400 anos. Aponta que durante a abolição "o ex-escravo
das fazendas via-se interligado a propriedade rural, analfabeto, expropriado, sujeito aos senhores da terra"
enquanto o ex-escravo urbano aumentava a fila do proletariado despreparado para das cidades exposto a
um sistema político que não lhe dava espaço para o seu desenvolvimento enquanto cidadão e o via como
um "bestializado." Especial 100 anos de abolição. Folhetim – Folha de São Paulo – Sexta 13 de maio de
1988. Nº 588. José Murilo de Carvalho. A Abolição aboliu o quê?. p. B.8-9. Arquivo do NEAB. Caixa 02
– 1985-1989. Publicações e jornais. Malote: Publicações e jornais. Diversos – 1988.
21
universidades voltadas para a formação dos libertos.32
Sobre as comemorações do Centenário da Abolição Sueli Carneiro comenta:
em 1988 o movimento negro brasileiro deu a resposta adequada ao
Estado Brasileiro, as tentativas de manipular o sentido do Centenário
da Abolição. Aquilo que a gente havia definido anos atrás como uma
data de denúncia, acho que agente havia feito isso cabalmente no
contexto do centenário. Tanto que, no Rio, a repressão que foi em
torno da Marcha contra a Farsa da Abolição é a medida de quanto à
gente conseguiu confrontar aquela tentativa de mistificação das
condições em que se deu a Abolição.33
Por fim, a organização dos sujeitos sejam em esferas civis, entidades ligadas às questões
da população negra, partidos políticos são instrumentos catalisadores para que o
problema do negro mesmo que tardiamente seja reconhecido pelos poderes públicos
como um problema social que precisa de políticas públicas na medida em que
possivelmente o governo Brasil durante muito tempo foi conivente com a escravidão e a
aboliu sem formular a inserção concreta do negro excluído do processo de construção
de uma cidadania quando direitos a saúde, educação, moradia, igualdade de
oportunidades lhe foram negados e conquistas aos poucos pelos agentes que
reconheceram a necessidade de pensá-los para atribuir direitos essências negados.
REFERÊNCIAS:
32
De acordo com Carvalho, enquanto no Brasil a inserção do negro no espaço educacional não foi
uma ação contundente visto o expressivo número de analfabetos negros analfabetos no Brasil no pós-
abolição. A assistência aos ex-escravos não foi uma posposta da monarquia e da república vindoura que
baseadas no darwinismo social agravou a questão de ser negro o Brasil. Como enfatiza "a abolição aboliu
muito pouco. A distância que separava o ex-escravo da condição de cidadão era enorme, como continua
enorme até hoje a distância que separa a população negra da mesma condição." CARVALHO, José
Murilo de. A Abolição aboliu o quê?. p. B.8-9. Folhetim – Folha de São Paulo – Sexta 13 de maio de
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22
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