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Carla Brandalise
EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA
EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DAEXTREMA DIREITA EUROPIA
Carla Brandalise*
1 . Introduo
Quando o Front National (Frente Nacional-
FN) francs, formao liderada por Jean-Marie
Le Pen e classificada como de extrema direita no
spectrum partidrio, obteve uma surpreendente
votao nas eleies de junho de 1984 mais de
2 milhes de eleitores concederam seu voto ao
slogan Europes des patries , muitos analistas
polticos minimizaram o fato.1 Na ocasio, o
sucesso do FN foi considerado efmero, um
alarme falso, dado que o passado histrico da
Frana, com os resqucios ainda latentes do
regime de Vichy, havia deixado clara a sua lio.
A lembrana mesma da barbrie nazista selaria
uma espcie de consenso de refutao extrema
direita. A Repblica francesa estaria, assim,
imune a esse gnero do poltico.2
Depois, todas as consultas eleitorais
confirmaram a implantao do FN na sociedade
francesa.3 Subestimado outrora, soube adquirir
uma estatura nacional e se difundiu no pas como
uma fora poltica consistente, capaz de renovar
e diversificar suas bases sociais. No princpio
de 1998, parcela da direita clssica considerava
mesmo plausvel uma associao eleitoral com o FN4, momento em que o ento Presidente
da Frana, Jacques Chirac, viu-se constrangido a repudiar esse tipo de acordo, lembrando os
verdadeiros valores da Repblica francesa.5 Longe estavam os primeiros ensaios do partido,
quando era impossvel ao FN reunir, por exemplo, as quinhentas assinaturas de eleitos
locais, necessrias para a apresentao de um candidato eleio presidencial de 1981.
Rev. Cena Int. 7 (1): 50-82 [2005]* Doutora em Histria Poltica, Institut dtudes Politiques de Paris. Professora do Departamento de Histria daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Resumo
Em meados dos anos de 1980, mostra-se
visvel, na Europa ocidental, a ascenso
de movimentos e de partidos situados
extrema direita do quadro poltico, entre
os quais torna-se emblemtico o Front
National francs de Jean-Marie Le Pen.
Este artigo pretende, primeiro, oferecer
um arcabouo conceitual de tal processo
poltico, aplicando-o, em seguida,
periodizao e anlise do extremismo
de direita europeu no ps-Segunda
Guerra; segundo, demonstrar que esse
tipo de manifestao poltica jamais
desapareceu por completo do cenrio
europeu do ps-Segunda Guerra,
revelando evidentes, embora episdicos,
sinais de vitalidade.
Abstract
By the middle of 1980s, the rise in
Western Europe of far-right political
parties and movements was visible, with
Jean-Marie Le Pens Front National being
emblematic. This article is meant, on the
one hand, to conceptualize this political
branch and explore some elements
capable of explaining its presence in the
current European juncture; on the other
hand, to demonstrate that, historically,
this variety of politics has never
completely vanished from the European
post-World War II scene, revealing evident
and episodic signs of vitality throughout
the decades.
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Inesperadamente, o movimento se autoconsumiu em dezembro de 1998 quando o
FN desencadeia o seu aparente suicdio poltico com o violento confronto interno entre
Jean-Marie Le Pen e o seu at ento sucessor natural, Bruno Mgret. Este ltimo, com seu
estilo nacional-tecnocrtico, defendia a efetiva conquista do poder pelo deslocamento do
FN para o espao das direitas tradicionais com a inoculao de uma temtica de extrema
direita quelas. Os partidrios de Mgret consideravam que a velha guarda composta
fundamentalmente dos ex-Indochina, os monarquistas e os catlicos tradicionais
representavam um freio respeitabilidade e modernidade. O partido, ento, se divide e
Mgret (o Nabot-Lon, segundo o apelido dado por Le Pen) funda a sua prpria agremiao,
o Mouvement National-Front National (MNFN). A sano popular se manifesta por ocasio
das eleies europias de junho de 1999 FN: 5,7%; MNFN: 3,3%. Mesmo com 9% do
eleitorado francs persistindo em seu voto a formaes de extrema direita, a imprensa
francesa comemorou o episdio como o fim da era Front National, tentando ignorar que as
idias de Le Pen estavam, de fato, acima do prprio Le Pen6, dado que os fatores de propulso
e interpelao desses movimentos extremistas no haviam de forma alguma desaparecido,
como, por exemplo, a xenofobia, o desemprego e as tenses sociais de conotao tnica.
Beneficiado por uma campanha partidria particularmente virulenta e por uma
especial diviso esquerda, que se apresenta com cinco candidatos, Jean-Marie Le Pen
conquista sua passagem ao segundo turno das eleies presidenciais francesas de 2002,
junto com Jacques Chirac. Lionel Jospin, deixado para trs, anuncia a sua retirada da vida
poltica. Mesmo sofrendo uma esmagadora derrota no pleito final das eleies presidenciais,
a extrema direita demonstrou claramente que as potencialidades polticas dessa corrente
foram enterradas rpido demais pelos analistas. Mais do que isso: Le Pen comprovou ter
ultrapassado os limites sociolgicos tradicionais da extrema direita.7
Essa presena eleitoral no se restringe Frana, reproduzindo-se em vrios pases
europeus, em alguns de forma ainda marginal, em outros com real representatividade. Em
uma Europa ocidental exasperada pelos problemas de suas periferias urbanas, crescimento
da insegurana, crise de desestruturao industrial e interrogao de identidades regionais,
em que o descrdito da f universal no progresso das sociedades varreu certezas adquiridas,
o FN no constitui uma mera exceo francesa. Entretanto, ela representou at ento o modelo
mais bem sucedido, servindo como referencial s manifestaes congneres em outras
naes. Em nenhum outro pas da Europa uma fora atual de extrema direita conseguiu se
estabelecer em um tal nvel de representao eleitoral por tanto tempo. Com o FN, assiste-
se, pela primeira vez em um sistema democrtico a um verdadeiro enraizamento eleitoral
de durao prolongada para um partido com esse perfil doutrinrio.
Em tal conjuntura, em que o FN aparece no seu pice, a proposta central deste artigo
recuperar, pelo seu evidente valor explicativo, a latente e episdica trajetria histrica da
extrema direita a partir do ps-Segunda Guerra Mundial europeu, considerada em suas
mltiplas variaes enquanto formaes partidrias relativamente distintas. Uma primeira
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parte do artigo destina-se a uma pequena reflexo conceitual a propsito dessa variante do
poltico; uma segunda parte, observa os momentos mais intensos de suas manifestaes,
dirigindo o enfoque para a fase mais recente, que se magnifica nas duas ltimas dcadas.
De fato, essa vertente poltica jamais desapareceu por completo com a derrocada do
nazi-fascismo. Muito pelo contrrio, j nos primrdios da reestruturao europia, tambm
o extremismo de direita, com maior ou menor sucesso, recongregava as sua foras.
Confrontada com as turbulncias que pontualmente sacudiram o continente europeu, a
extrema direita mostrou-se atenta e capaz de instrumentalizar tais tenses sciopolticas
em favor de seu futuro poltico. Em meio a distrbios da representao poltica, quando o
sistema em vigor no se mostrava apto a sustentar um bom funcionamento das instituies
democrticas, ela revivia ressentimentos e dios. Prosperava em relao direta com a
incapacidade dos partidos tradicionais de propor solues eficientes s dificuldades dos
deserdados. Certo tambm que, a partir da metade dos anos 1980, a extrema direita
obteve um indito reconhecimento pblico.
2. Reflexes conceituais acerca da extrema direita
Antes de mapear a trajetria mais visvel dessa manifestao poltica na Europa
ocidental nos ltimos cinqenta anos, seria interessante precisar um pouco mais esse vago
e intensamente mediatizado conceito extrema direita. Objetivo rduo, pois alm de fazer
parte desses termos polissmicos de difcil apreenso8, a prpria definio clssica de
direita e esquerda tendeu progressivamente a uma relativa homogeneizao, a uma
convergncia ideolgica. Em funo de uma certa expectativa comum, na contraposio,
entre outros fatores, ao prprio fascismo, os grandes partidos social-democratas e seus
adversrios da direita liberal ou conservadora acabaram por defender, de formas variadas e
com solues alternativas, valores semelhantes. H mais de trs dcadas, junto ao
afrouxamento e descaracterizao dos princpios de oposio, o que se observa em meio s
agremiaes partidrias clssicas o estabelecimento de um conjunto bastante prximo de
polticas pblicas e de eleio de prioridades: o desenvolvimento da proteo social; a
afirmao das classes mdias; a universalizao das oportunidades; a redistribuio das
riquezas pela via de impostos; a promoo do setor tercirio; a aceitao das lgicas de
mercado, do desaparecimento das medidas protecionistas e do enfraquecimento das margens
nacionais de regulamentaes econmica e social. Os grandes partidos de governo europeus
migraram para o centro do quadro partidrio e a esquerda tradicional acabou perdendo
terreno de interlocuo junto ao operariado, abandonado a uma esquerda mais radical ou
extrema direita.9 Da mesma forma, o deslocamento da direita ao centro abriu espao s
direitas perifricas. Nessas circunstncias, em um movimento perverso, coube de fato aos
extremismos marcar a diferena nos momentos, to freqentes, de dilacerao do corpo
poltico-social. Assim, parece ser evidente que o sucesso eleitoral recente da extrema direita
encontra respaldo em uma aparentemente durvel crise dos sistemas polticos tradicionais.
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H algum tempo, ao analisar a emergncia de novos atores na cena poltica, os
estudiosos tm procurado levar em considerao as disfunes dos prprios sistemas de
partidos enquanto condio essencial apario desses competidores recm-chegados. E
isso para evitar que a compreenso dos fatores que possibilitam o surgimento e o sucesso
de partidos perifricos se mantenha restrita ao quadro de valores ou o universo de atitudes
dos eleitores. Nesse ponto, torna-se necessrio verificar se os eleitores encontram, em
determinado momento, alternativas, escolhas credveis, satisfatrias e, sobretudo, renovadas
em meio s ofertas eleitorais normalmente em cena.10
Ora, a histria recente dos sistemas de partidos europeus ocidentais revela justamente
certa carncia de renovao, marcada em especial pela tendncia de cooperao entre os
partidos dominantes, com base em um modelo de democracia consensual. Nesse ltimo
quadro encontram-se pases como a Noruega, a Dinamarca, a ustria, a Blgica, os Pases
Baixos. No longo perodo de desenvolvimento econmico e estabilidade social do ps-1945
(os Trinta Gloriosos), a busca de compromissos e a formao de coalizes (a exemplo da
Proporzdemokratie austraca e do Consociativismo italiano) entre os partidos moderados,
com vistas governabilidade e ao controle da excessiva fragmentao poltica, gerou um
certo grau de equilbrio do sistema. Mas isso se fez s custas de uma saudvel alternncia.
Ainda, a gradual tomada em monoplio do poder em escala nacional, regional e local pelos
partidos tradicionais praticamente aboliu a distncia necessria entre partido e Estado de
governos. Ao popularizar a crtica inrcia dos partidos clssicos e ao se pretender apresentar
como a real alternativa, a extrema direita soube se beneficiar dessa situao.11 A letargia
dos partidos dominantes aparece reforada aos olhos da opinio pblica medida que as
respostas em matria econmica, poltica e social formuladas por essas mesmas formaes
partidrias no se revelam necessariamente convincentes e eficazes. justamente nesse
espao que a extrema direita procura se imiscuir ao julgar propor um projeto baseado em
um novo pacto de solidariedade em torno da nao e do nacionalismo, com forte
exclusivismo scio-cultural e protecionismo econmico. Torna-se recorrente para a extrema
direita o slogan da preferncia nacional; por meio de propostas demaggicas e simplistas
difunde-se a idia de um modelo alternativo de redistribuio da renda e riqueza internas.
Em ltima instncia, o critrio de acesso aos recursos nacionais seria ditado pela xenofobia.
As dificuldades quanto determinao de um conjunto de caractersticas consensuais
na construo do conceito de extrema direita se manifestam j no contedo emocional negativo
que envolve o fenmeno. A maioria dos partidos e organizaes resiste sua classificao
nessa rea do poltico. O prprio FN se intitula direita nacional, social e popular, recusando
a definio de extrema direita, pois esse termo a associaria abusivamente ao nazismo e ao
colaboracionismo.12 Desde a sua fundao em outubro de 1972, alis, a organizao se define
como a nica verdadeira detentora dos valores da direita, afirmando o desprezo formal de
toda a relao com a ideologia adversria; ser de direita, escreve Le Pen, significa antes de
tudo se recusar a ser de esquerda.13
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Na evoluo do cenrio poltico, alm do mais, existe no uma, mas vrias extremas
direitas na medida em que o termo engloba formaes que respondem a exigncias
contextuais, com inspiraes e objetivos diversos, seno contraditrios. Cada expresso
extrema direita contm novidades, mas tambm um fundo histrico cumulativo.
Tomando o caso da Frana, J. C. Petitfils esclarece que historicamente, a extrema direita
aparece em 1789, ao mesmo tempo que a diviso direita-esquerda. Ela ento constituda
de todos que, rejeitando em bloco a Revoluo, desejam um retorno praticamente completo
ao Antigo Regime.14 Essa ordem contra-revolucionria, anti-1789, considera a Revoluo
como uma punio de Deus, dado que o povo francs falhara na preservao da verdadeira
f crist. Durante todo o sculo XIX, com o apoio da igreja catlica, ela manteve uma crtica
acirrada ao liberalismo republicano, defendendo os liames monarquistas. No fim do sculo
XIX, por ocasio do Affaire Dreyfus e o lanamento da Ao Francesa de Charles Maurras
que era antes de tudo um nacionalista , essa mesma velha direita contra-revolucionria
passa por um rejuvenescimento. Por sua vez, os herdeiros da escola maurrasiana serviro
em 1940 a um regime que lhes convm, a Revoluo Nacional do Marechal Ptain.
Nos anos de 1880, surge uma segunda tradio de extrema direita, vinculada a era de
massas. O violento ataque ao regime em vigor se faz atravs de um chefe carismtico, o
general Boulanger. A inteno no mais a restaurao monrquica, mas a criao de um
governo forte baseado no apelo ao povo, fonte de toda a autoridade. Nesse mesmo contexto,
sob a tutela de Edouard Drumond, desenvolve-se uma corrente anti-semita, que encontra o
seu pblico preferencial nas fileiras de um catolicismo popular e nos militantes do
anticapitalismo provenientes das classes mdias urbanas. Acusava-se, ento, a Repblica
parlamentar de judeu-manica.
A partir de 1920, uma terceira tendncia se define, o fascismo. O Estado totalitrio
havia sido esboado por Mussolini e seus colaboradores. Alguns pequenos grupos franceses
o tomam como modelo; os lderes, a exemplo de Pierre Drieu La Rochelle e Robert Brasillach,
atacam a democracia na defesa dos regimes autoritrios. Nas dcadas de 1930-40, por sua
vez, a extrema direita francesa torna-se um mosaico complexo, envolvendo contra-
revolucionrios da Action Franaise, integristas catlicos, populistas das Ligas, obcecados
com o anti-semitismo, campees da Frana dos franceses ou anticomunistas antes de tudo.15
Aps a Segunda Guerra Mundial, a extrema direita encontrar na perpetuao e readaptao
dessas idias a maior parte de sua inspirao.16
Na conjugao de um substrato histrico comum, na anlise doutrinal e na
compreenso do papel desses movimentos no sistema poltico possvel a identificao de
certos traos semelhantes, passveis de englobar o conjunto dspare numa definio. Sem
dvida, importante ressaltar que essas formaes extremistas apresentam um corpo
ideolgico fludo e adaptvel s circunstncias do momento, o que, alis, garante a sua
perpetuao ao longo da histria.
A extrema direita no um mero prolongamento radicalizado da direita dita clssica,
com cuja viso de mundo rompe, rejeitando os valores fundamentais da clivagem direita-
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esquerda democrticos, vistos como ideais decadentes. Aspira, ao invs, o desmantelamento
do sistema em vigor e a edificao de uma nova ordem com base em seus princpios.17 No
se reconhecendo necessariamente na sociedade aberta e em suas instituies, deseja um
regime autoritrio e hierarquizado, com um executivo forte e um chefe carismtico. Imagina
uma organizao social fundada na considerada bvia e natural desigualdade entre os grupos
tnicos,18 dando origem instaurao do governo dos melhores, com o estrito controle da
sociedade. Nega os direitos da oposio, as reorientaes advindas da vontade da maioria,
o debate de idias. Em busca da homogeneizao de comportamentos, cria a figura mtica do
inimigo pblico, ora o judeu, ora o imigrante estrangeiro. Fundamenta, assim, no discurso
identitrio, no ethnos, contra o multiculturalismo, grande parte da sua interpelao ideolgica
coletividade. Mostrava-se anticomunista e mais recentemente ataca o materialismo
capitalista simbolizado pelos Estados Unidos; critica a globalizao e a formao da
Comunidade Europia.
O extremismo de direita objetiva criar uma sociedade orgnica, supostamente
harmnica, distante dos conflitos de classe, promovendo a restaurao dos costumes, da
famlia, da autoridade paternal e masculina.19 Concebendo a nao como entidade suprema,
a compreenso do que seria o interesse superior dessa ltima necessariamente anterior ao
exerccio das liberdades. O patriotismo transformado num nacionalismo exacerbado.
Apresentando-se em geral como revolucionria, entende assegurar uma identidade perdida
no passado, a continuidade com uma poca urea. Ela no se reduz a uma classe ou categoria
social, mas atinge um alvo privilegiado, as classes mdias baixas, com freqncia atingida
sobremaneira em perodos de desestruturao social. Atualmente, seu pblico ainda mais
vasto. Engloba, inclusive, camadas populares que votavam geralmente esquerda. possvel
ainda fazer uma dupla distino: a extrema direita, na qual os representantes aceitam a
competio eleitoral, mesmo que apenas taticamente; a ultradireita, que congrega os grupos
avessos a qualquer participao poltica democrtica.
Observando ainda o FN como exemplo dentro da pluralidade da extrema direita deve-se
acrescentar que, no fim dos anos 1980, o partido rompeu com as bases mais radicais, importantes
em sua organizao inicial. Buscando a respeitabilidade, Le Pen se declara democrata, afirma o
valor da instituio parlamentar e a designao do chefe do executivo pela nao. Pretende
regenerar o pas com base na Constituio de 1958, revisando-a em termos de um regime
presidencialista. Hostiliza, porm, a classe poltica; busca a recuperao e a purificao da
identidade francesa, o que fomenta sua xenofobia. Exalta o culto ao chefe, ordem e fora;
enaltece a vitalidade do corpo. Sustenta a formao de uma elite governativa e de um sindicato
nacional despolitizado. Almeja o Estado forte, mas rejeita o estatismo em matria econmica.20
3. Fases histricas da extrema direita
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, tendncias de extrema direita comeam a se
redelinear, em um contexto histrico naturalmente diferenciado. No desenvolvimento das
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novas manifestaes, observam-se alguns estgios de evoluo, os quais podem ser
constatados na anlise de pases onde a presena das mesmas revelou-se especialmente
significativa, como na Alemanha, na Itlia e, em certa medida, na Frana. Para acompanhar
esse fenmeno, a periodizao proposta por Klaus Von Beyme21 parece mostrar-se
operacional. Esta prope trs etapas: a fase do imediato ps-guerra; a fase caracterizada por
um extremismo de direita do tipo pujadista; a fase marcada por ampla crise scio-econmica,
cujos efeitos preponderantes so o desemprego e a xenofobia.
3.1. O imediato ps-guerra
Nos primeiros anos do ps-guerra, o reagrupamento da extrema direita foi mais
intenso na Alemanha e na Itlia. O controle exercido pelos Aliados na regio alem; a
reconstruo e estabilizao econmica gerenciada a partir dos anos de 1950; a depurao
realizada na Itlia pelo prprio governo antifascista italiano e pelo movimento de Resistncia
sob controle do PCI; a tomada de conscincia de boa parcela da populao sobre os horrores
da guerra dificultara, seno obstaculizara, qualquer possvel ameaa de restaurao fascista.
No entanto, esses acontecimentos no impediram que certa movimentao de um
extremismo de direita de relativa importncia se fizesse presente, a exemplo do Deutsche
Rechtspartei (DRP), na Alemanha, e do Uomo Qualunque e do Movimento Social Italiano
(MSI), na Itlia.
A desastrosa situao scio-econmica alem aps a derrota, marcada pela falta de
alimentos e de moradia, com um alto ndice de desemprego, revela-se um poderoso fomentador
das organizaes extremistas de direita novamente fundadas.22 Ignorando os acordos de
Postdam, em se estabelecera que a Alemanha ser tratada como uma entidade econmica
nica e ter tanto quanto possvel uniformidade de tratamento23, rapidamente chega-se a
uma gesto regionalizada, sob o controle individual das potncias ocupantes. A nao alem
vivencia uma ampla desorganizao em seus parmetros. Acrescenta-se o descontentamento
com a punio dos colaboradores do nacional-socialismo, criticada por aplicar-se duramente
sobre os pequenos funcionrios, enquanto os escales mais graduados escapam a
condenaes pesadas. Uma srie de abusos e erros cometida, a despeito das medidas
dspares adotadas nas quatro zonas de ocupao. Os membros das instituies de ensino,
por exemplo, sofrem perseguies, enquanto muitos empresrios ou quadros do Estado
no so interpelados. A insatisfao com o processo geral de desnazificao e reeducao
para a democracia conduzido pelos Aliados manifestada numa sondagem realizada em
agosto de 1948 pelos americanos nas zonas ocidentais: 9% das pessoas interrogadas julgam
a desnazificao uma chicana dos vencedores, 31% a consideram intil e mal dirigida,
39% afirmam ser ela necessria mas mal feita, enfim somente 4% a estimam justa e eficaz.24
A questo dos refugiados agrava o problema. Com a delimitao da nova Alemanha
pelos Aliados, algumas regies povoadas h sculos quase que exclusivamente por alemes,
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como a Pomernia e a Prssia oriental, passam ao domnio da Polnia e da Unio Sovitica.
A populao alem expulsa em condies particularmente difceis, centenas de milhares
fogem para finalmente se instalar no lado oeste. Em meio a perdas de referncias territoriais,
ideolgicas e de mal-estar social, as formaes radicais de direita inspiram sua propaganda
na afirmao dos valores nacionalistas, lembrando o sucesso econmico do regime nazista
e colocando em dvida a sua verdadeira culpa no conflito mundial. Atravs da poltica de
licenas dos Aliados, isto , de uma certa liberdade de reorganizao poltica, multiplicam-
se os pequenos grupos. Entre estes, o Deutsch Rechtspartei, fundado em 1946, obteve alguns
bons resultados nas primeiras eleies ao Bundestag, com 5 de seus representantes no
parlamento federal. Agindo com prudncia, o novo partido procura demonstrar um
conservadorismo respeitoso democracia, mas, na realidade, suas concepes se distanciam
muito pouco da doutrina nazista, inclusive no que diz respeito ao anti-semitismo.
Nesses mesmos anos, incentivados pela prpria tenso Leste-Oeste, medidas para
sanear a economia alem so tomadas pelos Aliados, a exemplo do Plano Marshall, em
1947, e da reforma monetria, em 1948, que retiram o pas da grave crise j no incio dos
anos 1950. As excepcionais condies econmicas que se seguiram tornam possvel a
crescente satisfao dos interesses de parte substancial da comunidade alem, a exemplo
da ajuda financeira e estrutural s classes mdias e do aperfeioamento e expanso do sistema
de benefcios sociais. De 1950 a 1956, a Repblica Federal v seu produto nacional bruto
progredir a uma cadncia de 9% ao ano.25 A situao criou uma ampla legitimidade em
torno do poder constitudo e a integrao de foras crticas ao sistema, onde a maioria
daqueles que haviam trabalhado para a mquina estatal nazista voltaram aos seus empregos
pblicos em melhores condies de trabalho. As prprias elites dirigentes do Terceiro Reich
retomaram, desde 1955, os postos de comando. Nesse ano, 100% dos generais, 50% dos
altos funcionrios, 33% dos responsveis econmicos ocupam as mesmas funes que
ocupavam entre 1940 e 1944. Na nova dcada, o nmero dos que ainda se consideravam
vtimas da desnazificao se restringiu a menos de 5% e se manteve nesse patamar at o
comeo dos anos 1960.
Outro fator fundamental para o descrdito da extrema direita foi a consolidao
poltica da coligao conservadora CDU (Christliche Demokratische Union)-CSU (Christliche
Soziale Union), qual em 1949 confiada a direo do governo federal. A CDU fora formada
ainda no perodo da resistncia. Como diretriz, um certo nmero de seus militantes assumira
o compromisso de constituir na Alemanha liberada uma organizao que seria reservada
no mais estritamente aos catlicos, mas interconfessional. Por sua vez, a CSU era um partido
independente ligado defesa da autonomia da Baviera. Na prosperidade agora instaurada,
os valores defendidos pela extrema direita mostram-se desacreditados, como a apologia do
Reich, do princpio do lder carismtico e absoluto, da nao militarizada e do senso de
sacrifcio. J a coligao, com suas figuras de integrao (como o pai do Milagre Econmico,
Ludwig Erhard26) e seu pragmatismo (prioridade reconstruo, busca do bem-estar coletivo
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pelo aumento dos bens materiais e de consumo), encontra grande receptividade junto
populao. Em 1957, a extrema direita deixa de ser representada no Budestag, dissuadida
pela lei eleitoral de julho que estabelecia uma margem mnima de 5 % dos votos para a
obteno de uma vaga de deputado.27
Ao contrrio da Alemanha, subjugada em termos polticos, a Itlia manteve o essencial
de sua soberania interna graas inverso de alianas de 1943. Em seguida, a Resistncia
uma das mais combativas e reprimidas da Europa permitiu um distanciamento suficiente
do nazi-fascismo, bem como garantiu o estatuto da Itlia nas negociaes de paz. A prpria
depurao no foi, como no caso alemo, efetuada pelos Aliados e sim pelos antifascistas
italianos, o que a revestiu de maior eficcia e tambm de exacerbada violncia. O pas
encontrava-se, porm, devastado. A indstria, obsoleta aps anos de protecionismo fascista,
enfrentava problemas para se adaptar aos tempos de paz. Mesmo assim, as circunstncias
mostraram-se favorveis reconstruo italiana. Como nos anos crticos do primeiro ps-
guerra, a Itlia faz largo uso do capital americano. Contribuem ainda os enormes recursos
de mo-de-obra do sul que se deslocam em massa s industrias do norte, e a descoberta de
uma fonte de energia a preo reduzido. A despeito dos pesados desequilbrios regionais, o
crescimento econmico do pas atinge um ritmo jamais registrado. Politicamente, a Itlia
atinge uma fase de estabilidade com a era Gaspari, que expulsa os comunistas do governo
em 1947 e fixa eleies para abril de 1948. Chamado a escolher entre a Democracia Crist
(Dc) e uma aliana social-comunista, o pas concede ampla margem ao partido catlico
(48,5 % dos votos). A Dc atravessa em diagonal toda a sociedade italiana. Como afirma
Srgio Romano, nas suas fileiras ela rene moderados de origem liberal, oportunistas,
catlicos democrticos, catlicos integristas e, enfim, massas populares que respondem
docilmente s indicaes da Igreja.28 Desde o fim dos anos 1940, Gaspari no hesita em
fazer do anticomunismo o elemento primordial de solidariedade em torno ao seu governo.
A Dc se manter sem maiores sobressaltos no poder at meados de 1960.
De qualquer forma, tais condies no impediram o reagrupamento dos herdeiros
espirituais da Repblica de Sal. Em dezembro de 1946, foi fundado o Movimento Social
Italiano (MSI) por iniciativa de jovens ex-combatentes da fase final do governo Mussolini,
a exemplo de Giorgio Almirante, que atuara como editor do dirio fascista Tevere. Nessa
iniciativa, foram sustentados pelos antigos dignatrios do regime deposto. O MSI apresenta-
se como o nico movimento a conservar os princpios do fascismo segundo a verso
elaborada no manifesto-programa de 1944, por ocasio do I Congresso do Partido Fascista
Republicano, ou seja, a recuperar as concepes do fascismo movimento:29 a tendncia
revolucionria, a defesa da socializao, o desprezo pelo leque democracia, comunismo,
capitalismo, burguesia. A negao do iderio do fascismo regime, ocorre a partir da leitura
feita pelos jovens fundadores. Segundo esta, a ltima forma de fascismo, enquanto uma
impostao burguesa, clerical, moderada e conservadora, seria responsvel pela sua prpria
destruio.30
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Em seus primeiros tempos, o MSI viu-se obrigado a dividir espao com outras
organizaes temporariamente fortalecidas, como a Uomo Qualunque, criada pelo jornalista
Guglielmo Giannini, que obteve 5,3% dos votos em 1946 para a Assemblia Constituinte,
ou seja, 30 cadeiras em 556. Subsidiada por certos meios bancrios inquietos com a ascenso
da esquerda e reagrupando sobretudo funcionrios do sul, o movimento fazia apelo ao
ressentimento das vtimas da depurao e ao desejo da pequena burguesia em obter melhores
condies de vida. Atravs de campanhas difamatrias, classificava o Estado democrtico
como decadente. Sucesso de curta durao. Melhor estruturado, logo em seguida o MSI
praticamente monopoliza as inclinaes extremistas. Mantendo at meados de 1951 uma
postura intransigente, o MSI beneficia-se da indulgncia dos elementos reacionrios da
Democracia Crist, os quais acreditavam ser necessria a presena de uma fora de interveno
anticomunista no oficialmente reconhecida.
A sobrevivncia do MSI no sistema poltico do ps-guerra exigia, no entanto, a legtima
adeso participao partidria, longe de comportamentos clandestinos e violentos. O
movimento passa ento a invocar o passado com cautela. A presena territorial do partido
j permitia a apresentao de candidatos prprios em todas as circunscries eleitorais. A
inteno era consolidar o MSI na arena parlamentar, aliando-se aos monarquistas e aos
liberais para formar um governo de Unio Nacional. Tal estratgia provoca um sensvel
crescimento nas eleies de maio de 1953 (1.500.000 de votos e 29 deputados).31 Por fim, as
alas mais radicais, inconformadas com os rumos da organizao, provocam algumas cises
que deterioram a potencialidade do partido.
Por sua vez, na Frana, onde a extrema direita ocupou uma posio no desprezvel
na fase da Ocupao, essa vertente poltica sofre, no imediato ps-guerra, uma forte retrao.
Fenmeno devido, sobretudo, depurao extrajudiciria, perda de seus lderes maiores
e hostilidade pblica quanto aos seus princpios. O fato de a Frana ter sado dividida,
porm vitoriosa, da guerra, permitiu uma crtica contundente extrema.direita, condenada
por ter se instalado em Vichy, proporcionado a esse regime uma tonalidade especfica e
fornecido inmeros colaboradores aos inimigos. Tendo a aventura autoritria terminado, as
lideranas da extrema direita foram julgadas como traidoras e punidas.32 Reduzida a seus
prprios crculos clandestinos, a extrema direita toma como bandeira de unio e
sobrevivncia a memria acusatria da depurao, com a apologia de seus mrtires. O culto
derrota era capaz no somente, segundo Jean-Pierre Rioux, de reunir fervorosamente
vichystas mal inocentados, fanticos retardatrios da nova ordem e tradicionalistas
desorientados, mas tambm provocar a adeso, nessa piedade cultivada, de jovens que
substituam seus pais com toda a impunidade ideolgica e sem nenhuma sano histrica.33
Os novos ideais ultrapassam a defesa dos velhos temas, como o culto ao chefe, o
corporativismo pr-industrial, a xenofobia, o anticomunismo. Trata-se agora de promover a
renovao nacional, a ao clandestina, as operaes fsicas e intelectuais de comando.
A ao concreta resta, no entanto, marginal e minoritria.
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EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA
3.2 Extremismo de direita do tipo pujadista
A segunda fase de emergncia da extrema direita, retomando a periodizao
estabelecida por Klaus Von Beyme, caracteriza-se por um recrudescimento momentneo
dessa vertente sob a predominncia de um modelo especifico, o pujadismo francs.
Genericamente, o mesmo representa uma reao contra a possvel perda de status dos
grupos da pequena burguesia e, como tal, era latente em muitos pases europeus.34
A acelerao das mudanas econmicas e o aumento da presso fiscal desencadeiam
na Frana, no princpio dos anos de 1950, um vasto movimento de contestao das classes
mdias, sobretudo entre arteses, pequenos comerciantes e pequenos produtores agrcolas.
Para agrupar os descontentes, foi fundada, em 1953, a Unio de Defesa dos Comerciantes e
Arteses (UDCA) sob a liderana de Pierre Poujade.35 A rpida difuso da UDCA, bem como
o seu carter antifiscal, respondem a uma situao conjuntural especfica. Durante os anos
de penria e inflao da guerra e do imediato ps-guerra expandira-se o nmero de pequenos
negcios comerciais. A partir de 1950-52, com a retomada do desenvolvimento econmico,
se faz sentir a concorrncia das grandes lojas de departamentos com sucursais mltiplas. O
prprio sistema fiscal, alm de se tornar mais pesado, aperfeioa seus mtodos de controle
e de represso a fraudes. As zonas rurais arcaicas e suas cidadelas so especialmente afetadas,
constituindo o pblico preferencial da Unio. J. P. Rioux analisa a natureza da nova
organizao: preciso interpret-la como uma dessas irrupes da velha revolta dos
pequenos contra os grandes que se exprime em gritos violentos (...), a mobilizao dos
retardatrios e dos rejeitados que sonham em manter a estrutura tradicional da economia
francesa.36 Longe, portanto, dos investimentos macios, da concentrao de capital e do
consumo em larga escala e do lucro rpido. Em sua cruzada, Poujade defende a perspectiva
corporativista e exprime uma viso dual do mundo. De um lado, os franceses honestos e
solidamente enraizados que almejam apenas viver dos frutos do seu trabalho; de outro, os
trustes aptridas e os polticos corruptos que no reconhecem os interesses do pas.
Lanando-se politicamente na campanha eleitoral de 1955, seu momento de apogeu,
a Unio acusa a esquerda de utilizar a misria do povo para fins polticos e a direita de
pactuar com os grandes grupos financeiros e com o patronato explorador. Por fim, o governo
em vigor responsabilizado por pilhar os fundos pblicos e por liquidar com o Imprio
francs. A formao assume-se como anticapitalista, antiparlamentar e contra o dirigismo
burocrtico. Parcela dos militantes no hesita em utilizar a violncia e a perturbar as reunies
pblicas dos adversrios. Mesmo sem um programa coerente, a UDCA ataca as instituies
da IV Republica e apia a Arglia francesa; seu discurso incorpora um acirrado
anticomunismo e anti-semitismo. A Unio alarga as suas bases, atrai nostlgicos da
colaborao e novos nacionalistas radicais como o jovem Jean-Marie Le Pen.37 Ao mesmo
tempo, estreita relaes com os reacionrios de Alger. Poujade assume o papel temporrio
de congregador das tendncias de extrema direita.
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EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA
Em janeiro de 1956, os candidatos UDCA esto presentes em 82 departamentos,
conquistando 2.600.000 eleitores e 51 deputados, 65% dos quais so arteses e comerciantes.
Revelando seu carter, o movimento obtm um fraco desempenho nas grandes cidades e
nas regies em expanso no norte e leste da Frana. Servidores pblicos, profissionais
liberais, empresrios, operrios ignoram a Unio. A votao concentra-se nas zonas do Midi
e do interior do oeste. Aps o episdico sucesso, o pujadismo no sobrevive s divises e
rupturas que se seguem. Da mesma forma, o advento de Charles De Gaulle, em 1958, capta
a seu favor o nacionalismo e as tendncias autoritrias de parte da opinio pblica francesa.
A concluso da guerra da Arglia, enfim, marca o refluxo da extrema direita francesa.38
Na Alemanha dos anos 1960, as bases poltico-ideolgicas estabelecidas pela coalizo
no poder sob a liderana do chanceler Adenauer (CDU-CSU) sofrem forte contestao. A
dura fase consagrada inteiramente reconstruo do pas havia sido superada de forma
favorvel. Um quadro diferenciado de aspiraes sociais se faz sentir. Novas liberdades e
novos direitos vinham de encontro aos valores baseados na austeridade e no esquecimento
consentido do regime nazista. Era preciso enfrentar o passado. Os jovens esperam se
desembaraar do moralismo da gerao precedente pelo alargamento da democracia e pela
afirmao resoluta contra os estigmas do sistema totalitrio. A crise de confiana em relao
Democracia Crist, que provoca enfim a demisso de Adenauer em 1963, trazia consigo a
exigncia da reconquista ou da redescoberta de uma identidade nacional sadia. A extrema
direita encontra justamente no debate sobre a questo nacional um alento de expanso.
A potencialidade da extrema direita alem recuara a partir da segunda metade dos
anos 1950. Nesses novos tempos, intelectuais extremistas elaboram uma estratgia moral e
ideolgica alternativa, estabelecendo as bases para construir um outro partido. A ocasio
apresenta-se na viva controvrsia surgida com a publicao em 1962 do livro de David L.
Hoggan, A Guerra Forada (Der Erzwungene Krieg), obra revisionista, na qual o autor
rejeita a tese da culpa exclusiva da Alemanha nacional-socialista no desencadeamento da
Segunda Guerra Mundial, denunciando a Polnia e a Gr-Bretanha como as principais
responsveis. A nova avaliao das causas da guerra provoca a reabilitao de certos valores,
como a defesa da ordem e da organizao militar enquanto modelos para a sociedade, a
rejeio do liberalismo transnacional, a procura da identidade nacional nos diversos Reich
e o violento anticomunismo. Em torno da popularidade de Hoggan, congregam-se crculos,
partidos e organizaes fundando o Nationaldemokratische Partei Deutschlands (NPD),
tendo o veterano Deutsche Rechtspartei (DRP) atuao decisiva. A direo do partido recm-
criado amplamente composta de antigos membros do DRP. Nesse conglomerado, as diversas
formaes julgam manter sua autonomia e tomam como objetivo imediato as eleies ao
Bundestag de 1965. No programa partidrio reivindica-se o retorno Alemanha dos
territrios perdidos a leste; o restabelecimento da honra do soldado alemo; a construo
de um Estado forte; o primado do coletivo sobre o individual; a reviso da Histria; a
imposio de ideais educativos novos juventude.39 Tentando manter uma certa moderao
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discursiva a fim de evitar a clandestinidade, o NPD procura aumentar suas bases eleitorais
envolvendo uma clientela pequeno-burguesa. Profisses de racismo e de anti-semitismo
so eliminadas, mas incorpora-se a defesa do esquecimento do passado e a anistia geral, a
eliminao da luta de classes, o apoio aos interesses das classes mdias, a limitao da
imigrao estrangeira. Em 1967, o partido dispe de 30 mil adeptos.
Dois outros decisivos fatores atuam na nova propulso da direita extremista na
Alemanha. Primeiro, com o fim da era Adenauer, os democrata-cristos reagem formando
uma coalizo com os social-democratas do SPD. O espao poltico de contestao se reduz
e transfere-se para fora da arena parlamentar, favorecendo os extremos.40 Segundo, a economia
alem enfrenta um perodo de refluxo em meados dos anos 60, elemento conjuntural que
fornece a tnica dos adeptos de ltima hora extrema direita. Conforme Pierre Milza,
encontra-se neste partido, em maioria, os representantes dos pequenos proprietrios rurais,
membros das classes mdias e profissionais liberais, operrios qualificados e pequenos
empresrios, em outros termos, indivduos ameaados pelas transformaes recentes da
economia alem. 41 Aps a expanso, entre 1953 e 1963, a RFA entrara em uma fase de
crescimento moderado. A indstria no pode mais dispor da ampla reserva de mo-de-
obra, tendo o movimento de refugiados se esgotado e o crescimento natural da populao
diminudo. Torna-se premente a convocao de trabalhadores estrangeiros. Turcos, italianos,
iugoslavos e gregos formam a grande maioria. A figura ameaadora do imigrante
prontamente incorporada no discurso da direita extremista.
Ao mesmo tempo, as empresas devem adaptar-se entrada em vigor do Mercado
Comum. A implantao de grandes empresas americanas modifica as condies de
concorrncia. O processo de concentrao desbanca os pequenos negcios. Alguns setores
superam as dificuldades, outras enfrentam grave crise, como a minerao, a siderurgia, a
construo naval, o setor txtil. As medidas visando o saneamento da economia provocam
recesso, baixam a produo e triplicam o desemprego em 1966. Os camponeses, por sua
vez, insistem na manuteno dos privilgios e das subvenes. A economia social de
mercado de Erhard abandonada em favor de uma planificao de despesas e investimentos
j em 1965-66. A partir de 1968 ocorre uma vigorosa retomada industrial e agrcola, a extrema
direita observa uma parte considervel do seu pblico recentemente adquirido abandonar
suas fileiras. A prpria coalizo dos partidos democratas se desloca de forma preferencial
direita do spectrum poltico. Nas eleies de setembro de 1969, o NPD obtm menos de 4%
dos votos, insuficientes para uma representao no Bundestag.42
Na Itlia, por mais de uma dcada, o MSI encontrara-se dividido em vrias faces,
pautado por uma rivalidade que enfraquecia irremediavelmente o partido. Durante esses
anos, a organizao permanece margem do sistema poltico, malgrado os esforos para
creditar-se como uma organizao responsvel, nacionalista e pr-sistema.43 Aps a derrota
de 1960, o MSI perdera, inclusive, o monoplio da representao de extrema direita, com o
desenvolvimento de grupos independentes, de jovens radicais.
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Entre 1968 e 1974, o MSI alcana uma nova e passageira fase de sucesso eleitoral, em
que a crise da Democracia Crist, as dificuldades econmicas de algumas reas do pas, as
tenses sociais e a violncia poltica parecem fornecer possibilidades e iniciativas ao
partido.44 Alm disso, o impasse em que se encontra o MSI comea a ser superado com a
mudana de liderana ocorrida no princpio de 1969. Atravs de um plebiscito, Giorgio
Almirante reconduzido direo do movimento. Eleio significativa, pois o novo lder
era o mais forte oposicionista antiga administrao conservadora e adversrio tenaz da
estratgia ento dominante de aproximao com a Democracia Crist. Almirante realiza
uma srie de inovaes, como a reestruturao interna do partido, a renovao dos quadros
e, sobretudo, a reafirmao ideolgica. Aspira-se hegemonizao de toda a rea da direita
moderada e radical. Para tanto, atenuam-se os contornos discursivos mais nostlgicos com
declaraes favorveis aos mtodos democrticos. O MSI se apresenta no momento das
eleies como o partido da ordem e da disciplina, nica opo sria s instituies partidrias
governamentais. Ao mesmo tempo, em uma estratgia dupla, o movimento refora seu ncleo
duro ideolgico, assumindo o papel de grande defensor da sociedade italiana contra o inimigo
mximo, o comunismo. Opta-se pelo uso da violncia, sob a justificativa da defesa dos
valores morais do Ocidente. Trata-se de uma ofensiva contra-revolucionria baseada na
utilizao de milcias com sentido missionrio.
Os acontecimentos so, ento, benficos ao MSI. Aps uma certa estabilidade poltica
entre 1963 e 1968, a Democracia Crist confrontada a um movimento contestatrio, onde
se questiona a prpria organizao da sociedade em seu conjunto. Durante sua vigncia, o
governo de Aldo Moro fora obrigado a enfrentar, sem grandes sucessos, dois obstculos de
peso: em primeiro lugar, a desacelerao do crescimento da economia; em segundo, as crises
sociais engendradas pelas rpidas transformaes da Itlia. A poca do milagre econmico
foi tambm o perodo em que o pas sofreu profundas desfiguraes. Especulao imobiliria
desenfreada, aumento excessivo das migraes internas, transferncia da mo-de-obra da
agricultura para a indstria, do Sul para o Norte. Crescimento desigual, onde a poro
meridional do pas permanece pouco desenvolvida; declnio do papel da agricultura na
economia em favor da nova vaga de concentrao industrial. Constituio de um novo
proletariado, ainda marcado pela origem rural e receptivo ao discurso da extrema esquerda.
Nessa situao conturbada, um espao abre-se aos grupos que assumem a defesa da ordem
tradicional. O MSI torna-se, momentaneamente, o intrprete daqueles setores afetados de
alguma forma pela mobilizao e pela contestao social. Nas eleies gerais de 1972, o
movimento obtm 8,7% (3 milhes de votos, 56 deputados e 26 senadores) do sufrgio nacional,
com forte representao em Roma (18%) e nas regies do sul mais abandonadas pelo poder
pblico. A maioria do eleitorado compe-se de empregados do comrcio e pequenos funcionrios.
O triunfo poltico no ameniza, no entanto, as verdadeiras dificuldades do partido.
O MSI vtima de sua prpria duplicidade, qual seja, a tentativa de conciliar a atenuao da
identidade fascista atravs da insero partidria democrtica e a manuteno do contato
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com as bases militantes radicais. Logo a direo do MSI perde o controle dessas alas
extremistas. Com a formao de um Governo de Solidariedade Nacional, entre 1976 e 1979,
e a definio do arco constitucional de partidos, o MSI excludo das relaes polticas
parlamentares. A organizao entra em refluxo, seu eleitorado estabiliza-se em torno de 5 a
6% (5,1% nas legislativas de 1979 e 6,4% nas europias de 1984).45
3.3. Os tempos recentes
Por fim, conforme a periodizao de Von Beyme, uma terceira fase de ascenso de
um extremismo de direita na Europa ocidental foi causado pelo desemprego e a xenofobia
no fim de um longo perodo de prosperidade46 O autor aponta o FN de Le Pen como o
exemplo mais significativo desse fenmeno.
Em meados de 1980 assiste-se a uma nova onda de propagao da direita extrema.
De fato, na Frana o fenmeno assumiu contornos mais definidos, mas esteve tambm
presente com maior ou menor intensidade em vrios pases. Todos esses movimentos, a
despeito das importantes especificidades nacionais e, mesmo regionais, apresentam em
comum a hostilidade aos estrangeiros e respondem a uma deteriorao das relaes scio-
econmicas. Mesmo na Sua, s vezes apresentada como modelo de tolerncia social, alguns
partidos basearam suas campanhas no cego combate imigrao, como os Democratas suos
de Rudolf Keller e o Partido da Liberdade. Ambos se opuseram s leis anti-racistas votadas
em 1994. At a Unio Democrtica de Christoph Blocher, que no se enquadra na extrema
direita, sustenta um discurso xenfobo.47 Nos pases escandinavos, tidos historicamente
como voltados integrao dos imigrantes, surgem organizaes com esse perfil. O Partido
Progressista noruegus (Fremskrittspartiet), dirigido por Carl I. Hagen, atingiu 12% e 6 eleitos
nas municipais de 1995;48 em 1997 obteve 20% nas eleies legislativas, combatendo os
direitos concedidos aos Lapons. Nas eleies de setembro de 2001, conquista 14,7% dos
votos e se impe como terceira grande fora nacional atrs dos Trabalhistas e Conservadores.
Na Dinamarca, o lder Pia Kjaersgaard soube aproveitar a insatisfao crescente em relao
ao governo social-democrata, no poder desde 1993, e obteve para o seu partido, o Dansk
Folkeparti, 12% dos votos nas legislativas de novembro de 2001.49
A Blgica, marcada por suas fronteiras lingsticas, observou o agravamento da
rivalidade entre flamands e wallons. O Vlaams Blok (VB), partido de extrema direita fundado
em 1978, fez dessa ciso o argumento central de sua campanha. Segundo o presidente da
formao, Franck Vanhecke, os wallons roubam a nossa prosperidade e os nossos empregos,
nos sabotam deliberadamente, vivem s nossas custas e mordem em seguida a mo que os
alimentou; eles no merecem mais a nossa solidariedade.50 Como soluo, o lder prega a
independncia da regio de Flandres, fixando a capital em Bruxelas. O VB ataca com a
mesma ferocidade os cerca de 780.000 no-europeus que vivem no pas, provenientes
sobretudo do Marrocos, da Turquia e da frica meridional. Utiliza para tanto a formula
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EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA
clssica imigrao/desemprego/insegurana. O programa do partido prev a expulso dos
clandestinos, dos criminosos e dos imigrantes no-europeus desempregados h mais de
trs meses. J os imigrantes que trabalham legalmente seriam desencorajados a permanecer
no pas atravs de medidas como a diminuio da assistncia social e familiar. Em paralelo,
seria criada uma separao em matria de ensino nas escolas, objetivando uma melhor
adaptao das crianas no seu retorno ptria de origem. Quanto liberdade de culto, o Isl
deveria ser excludo por ser antagnico cultura da Blgica e da Europa.
A partir das eleies de novembro de 1991, o VB entra para o Parlamento e torna-se
um coadjuvante no equilbrio poltico do pas. O partido progride de 2% dos votos em 1987
para 8% em 1991. Seus eleitores so essencialmente indivduos das classes mdias, sobretudo
pequenos comerciantes; tambm atrai operrios. Nas legislativas de maio de 1995, a formao
obtm 12%, em especial na regio flamande, onde, alis, o nmero de imigrantes bem
menor em relao ao conjunto da populao belga. Em Anturpia, seu grande reduto, a
votao atinge 28%, cidade que elegia como deputado desde 1978, o antigo lder do VB,
Karel Dillen.51 Em maro de 2000, o Vlaams Blok obtm uma nova e no negligencivel
vitria nas eleies municipais da cidade de Anturpia, com 33% dos votos. Demonstrando
sua consolidao, em maio de 2003, nas eleies gerais o VB contemplado com 11,6% do
sufrgio e 18 cadeiras no Kamer, tendo na regio de Flandres obtido 18,1% dos votos. Nas
eleies europias de 2004, o VB atinge 14,3% dos votos.52
A Inglaterra, por sua vez, foi o primeiro pas da Europa do ps-guerra a testemunhar
atos de xenofobia. J em 1958, a violncia racial passa a ser uma questo poltica em decorrncia
dos ataques de alguns jovens em Londres e em Nottingham contra trabalhadores de Trinidade.
Essa primazia se reproduz no desenvolvimento prematuro de uma formao de extrema
direita empregando um discurso e um programa abertamente racistas. Criado em 1967, o
National Front (NF) no chega, entretanto, a se impor plenamente nem mesmo ao longo de
vrios anos. Nas eleies de 1976, sua votao total atinge menos de 1%, mas em algumas
localidades o partido supera essa marca: Leicester (18,5%); Bradfort (12,3%). Em 1978, o NF
se desestrutura e, por dcadas, nenhuma organizao pareceu alcanar algum sucesso eleitoral.
Segundo argumentao de Didier Lapeyronnie, particularidades da Inglaterra
inviabilizariam o desenvolvimento da extrema direita: sua insularidade permitiria um melhor
controle de fronteiras, as leis de aquisio da cidadania e de permisso de residncia estariam
entre as mais severas da Europa, o bipartidarismo com a alternncia monopolizada do poder
entre conservadores e trabalhistas a protegeria de extremismos visveis, existiria um precoce
consenso dos dois grandes partidos sobre a restrio da imigrao. Mas, para o autor, acima
de tudo, estaria a relao que o governo estabelece com suas comunidades de imigrantes.
Em territrio ingls no se teria por objetivo, como na Frana, a integrao, a insero
individual sobre a base de uma privatizao de identidades culturais. A Inglaterra, ao
contrrio, recusaria a assimilao. Ao contrrio, defende que a preservao da identidade
cultural pode levar idia de igualdade na separao.53 No pretenderia, dessa maneira,
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transformar forosamente os imigrantes em ingleses em nome do reconhecimento de
diferenas identitrias irreconciliveis.
Contrariando em certa medida essa perspectiva otimista, volta a aparecer na Inglaterra
uma extrema direita com algum grau de visibilidade, o British National Party (BNP). Liderado
por Nick Griffin, o partido obtm 3 conselheiros municipais na grande periferia de
Manchester nas eleies locais de maio de 2002. Griffin adotou como estratgia a
remodelagem de seu movimento afastando-o de conotaes e imagens de grupo neonazista,
a fim de capitalizar as tenses raciais que eclodiram em 2001 na forma de violentos conflitos
em Oldham e Burnley.54 Confirmando seu relativo apelo pblico, em junho de 2004, o BNP
conquista 3 cadeiras em Epping Forest e 4 em Bradford. Na mesma ocasio, para o escrutnio
europeu, garante 4,9% dos votos.55
Na Itlia e na ustria uma etapa mais avanada foi atingida na medida em que as
direitas extremistas chegaram participao de governo. Na ustria, Jrg Haider fez do
Freiheitliche Partei sterreichs (FP) o mais importante partido de extrema direita da Europa
em termos de votos proporcionais, ao atingir cerca de um milho de eleitores. Cultivando
uma xenofobia virulenta, o lder no hesitava em classificar os ex-Waffen. SS de gente honesta,
que d provas de carter e que tem a coragem de se manter fiis s suas convices at hoje,
mesmo remando contra a mar.56 Haider denunciava os velhos partidos, a corrupo, a
burocracia. Hostilizava os trabalhadores imigrados e as minorias no-austracas. Alm disso,
seu discurso alimentava-se da reao de parcela da populao frente chegada dos refugiados
do Leste europeu. Os resultados do FP surpreenderam. Em maio de 1989, Haider eleito
governador da Carntia com 29% dos votos, liderando uma coalizo regional com o Partido
Conservador Austraco (VP). O sucesso mantido no pas: 17% nas eleies legislativas
de 1990; 23% nas legislativas de 1994; 27,6% nas europias de 1996; 26,7% nas legislativas
de 1999. Em fevereiro de 2000, o partido participa na constituio da nova coalizo de
governo schwarz-blau VP-FP sob a direo do chanceler conservador Wolfgang Schssel,
obtendo ministrios. Frente s presses da opinio pblica interna como externa e aos
prprios conflitos vividos pela coalizo, a aliana rompida em setembro de 2002. As eleies
antecipadas, convocadas para novembro de 2002, anunciam o declnio nacional do FP,
que obtm 10,2%.57
No final dos anos 1980, aps dcadas de governo Democrata Cristo e Socialista, o
sistema partidrio italiano degenerara em um conjunto clientelista, onde grande parte da
riqueza nacional foi desviada para permitir aos partidos financiar suas organizaes e suas
campanhas eleitorais, distribuir favores polticos, recompensar os amigos, estender e
consolidar seus poderes.58 Reflexo da situao, a Itlia encontra dificuldades econmicas
ainda maiores para enfrentar os novos desafios da concorrncia internacional. Como
resultado do desejo de mudanas que se difunde no pas, criam-se ou reestruturam-se foras
polticas alternativas ao quadro tradicional. Na Itlia do norte tomam forma movimentos
regionais e autonomistas. A Liga Lombarda de Umberto Bossi elege, em 1987, dois
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6767 Carla Brandalise
EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA
representantes ao parlamento. Em termos de propaganda, banaliza o sentimento xenfobo.
A figura do outro, entretanto, a do prprio compatriota do Mezzogiorno, com quem se
recusa a dividir dos recursos nacionais.59
Por outro lado, o contexto criado permite que o Partido Comunista passe a desempenhar
o papel de organizao partidria isenta. At aquele momento, se mantivera distante das
instncias governamentais. Reconvertendo-se em Partido Democrtico da Esquerda (PDs),
sua votao torna-se significativa, sobretudo na Itlia central e meridional. Na contraposio
ao avano do PDs, toma novo flego o j veterano MSI, agora sob a direo de Gianfranco Fini.
O partido far uma reestria fulgurante no cenrio poltico, demonstrando a sua fora latente.
Nas eleies de 1993, atinge 16,4% dos votos nacionais; nas cidades de Roma e Npoles, Fini
e Alessandra Mussolini (neta do Duce) obtm respectivamente 46,9% e 44,3% da votao.
Na emergncia poltica do empresrio Silvio Berlusconi, forma-se a Forza Italiana,
que inscreve nos seus quadros o MSI e a Liga do Norte. Eleito Berlusconi no pleito de
maro de 1994, a Itlia torna-se o primeiro pas da Europa a contar com ministros neofascistas
em um governo do ps-guerra (5 ministros e 12 secretrios de Estado). Essa ascenso ao
poder permite tambm a participao nos Conselhos europeus. Em meio aos rumos
favorveis, Fini transforma o MSI em Allianza Nazionale (AN). A pretenso era alterar a
imagem pblica do partido atenuando a herana fascista. Para tanto, promove-se a excluso
dos velhos dirigentes mais comprometidos do ponto de vista histrico-idelogico.60 Em
suas declaraes, Fini tenta explicar o carter supostamente renovado do partido: Ns no
somos fascistas, nem antifascistas, nem neofascistas, mas ps-fascistas.61 Por ocasio das
eleies legislativas de 1996, obtm slidos 15,7% dos votos. Em maio de 2001, a AN rene
12% dos votos e 99 cadeiras na Camera dei Deputati; nas eleies europias de junho de
2004, o partido recolhe 11,5% do total da votao.62
Aps alguns anos de atuao marginal, a extrema direita alem adquire uma sbita
visibilidade com o Republikaner (REPs). O partido fora fundado em 1983, mas sua
emergncia se deve tenacidade de Franz Schnhuber, um ex-SS que assume a presidncia
da organizao em 1985. O lder afirma o respeito Constituio, renega a ideologia nazista
e defende a Reunificao. Rejeita, entretanto, a CEE, pois esta desviaria a RFA da outra
Alemanha, alm de favorecer a imigrao turca pela ao do Mercado Comum. O partido
ainda condena a corrupo, as drogas, o isl turco, os refugiados do Leste.63 Nas eleies
europias de 1989, o REPs atinge 7,1% dos votos, no mesmo ano conquista 7,5% no pleito
para o Senado. O nvel de votao do partido se mantm at 1993 (8,3% nas municipais).
Controlado pela polcia e reprimido em suas manifestaes racistas, o REPs perde espao
para uma gama de formaes extremistas, reforadas ou surgidas em funo das srias
dificuldades sociais de adaptao realidade ps-muro.
O fosso econmico e psicolgico que dificulta a convivncia entre os alemes do
leste e do oeste agrava a prvia escalada de violncia e faz aumentar a hostilidade contra os
cerca de 7 milhes de estrangeiros que vivem na Alemanha. Em 1992, foram registrados
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2.276 atentados, com 17 mortes. Contabilizou-se 82 organizaes de extrema direita, com
um nmero provvel de militantes entre 40 a 65 mil, dentre os quais 3 mil neonazistas.64
Tabus do ps-guerra so rompidos e temas banidos restaurados, como o da pureza do
sangue alemo. Os responsveis pelos atentados, geralmente jovens entre 16 e 21 anos,
parecem realizar na prtica o que parcela da populao incentiva pelo silncio. A pesquisa
efetuada pelo Instituto Sinus Stadie, a partir da anlise de atitudes de longa durao, constata
a permanncia, na Alemanha, de atitudes xenfobas e anti-semitas em 10 a 20% da sociedade.
Por que esse sentimento no se traduz na consolidao interna de uma organizao partidria
como o FN de Le Pen? O escritor Lothar Baier ensaia uma resposta : esses partidos existem
e em certos momentos souberam atrair votos. Mas jamais conseguiram se unir para formar
um movimento coerente. Nenhum dos lderes soube se impor como chefe e congregador,
contrariamente ao que soube fazer Le Pen. Depois que seu movimento saiu da sombra, no
comeo dos anos 1980, ele permaneceu como lder incontestado.65
Perplexos, ao longo dos anos e com muita dificuldade, os analistas polticos franceses
vm tentando chegar a um consenso sobre as circunstncias que teriam promovido o slido
estabelecimento e o sucesso continuado do FN, tornando-o particular no contexto europeu.
Para o cientista poltico, Pierre Martin, talvez a questo deva ser reportada ao fato de que na
Frana, mas tambm na Blgica e na ustria, a criao de inimigos pblicos, como o judeu,
obteve amplo apoio, sem jamais ter sido verdadeiramente deslegitimada, como o foi na
Alemanha: desenvolveu-se, a partir de 1945, um discurso segundo o qual toda a
responsabilidade da poltica racista francesa repousava sobre as autoridades alems. A
figura de um novo alvo discriminatrio o trabalhador estrangeiro pode, assim, surgir
com certa impunidade e alimentar o FN.66
O historiador Ren Rmond considera que a singularidade do FN resulta em parte
da diferena de sistemas polticos. O multipartidarismo francs incita cada tendncia a
formar um partido independente, enquanto na maior parte dos outros pases o regime
eleitoral restritivo, obrigando a coabitao: os extremos existem da mesma forma, mas a
sua visibilidade ocultada pela integrao em uma coalizo.67 O que intriga Rmond ,
antes, entender como a Frana pode produzir a perenizao do FN na medida em que no
passado foi o pas europeu a receber e assimilar o maior nmero de estrangeiros,
transformando-os rapidamente em cidados como os demais.68 Trata-se de tentar explicar
a presena de uma forte direita na ptria dos direitos do homem. As respostas fornecidas
pelo historiador so vrias. Primeira: como foi na Frana que surgiu uma organizao poltica
inspirada no Iluminismo, nada mais normal que a prpria contra-revoluo se desenvolva
no mesmo ambiente. Ao longo da histria esta bipolaridade teria se confirmado. Segunda:
os franceses estariam menos imunizados contra movimentos autoritrios, pois no
vivenciaram, como a Itlia e a Alemanha, regimes de ordem totalitria e de excluso
sistemtica. A terceira e ltima explicao, no entanto, a que parece dar melhor margem
de reflexo. A construo histrica da nao francesa teria sido feita pela violenta submisso
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dos particularismos provinciais. Em decorrncia, a identidade nacional repousa desde
sempre na slida unidade, mesmo na unicidade. No momento, a Frana estaria sendo
chamada a confrontar justamente a reivindicao da diferena. Essa noo, para alguns,
parece ameaar a cultura francesa. Promover o multiculturalismo, preservando a identidade
cultural dos imigrados e das minorias, se revelaria de difcil discernimento.69
O historiador Jacques Julliard concorda com Rmond de que ilusria a caracterizao
do FN como uma mera exceo francesa, pois numa configurao poltica como a alem ou
inglesa, o lepenismo seria menos aparente, integrado no aparato dos partidos tradicionais.
Na Inglaterra, a parte mais extremista do Partido Conservador no estaria muito distante
das idias do FN em relao imigrao e na Alemanha. Sobre esse tema, o Chanceler Kohl
tomou posies que o enviariam na Frana ao inferno do Front National.70
Pierre Bourdieu denuncia a poltica de alianas e de legitimao dos temas do FN,
efetivada pelos lderes da direita parlamentar ao longo dos anos,71 mas tambm a incapacidade
do conjunto dos partidos tradicionais de elaborar um acordo explcito sobre a imigrao e o
racismo. Bourdieu lembra como a questo do estatuto que a Frana concede aos estrangeiros
ou os projetos relativos situao dos mesmos foram assuntos praticamente excludos dos
debates polticos entre os candidatos eleio presidencial de 1995: No necessrio ser
grand clerc para descobrir nesse silncio, e mesmo nos discursos, que eles no tm grande
coisa a opor ao discurso xenfobo, o qual, h anos, atua no sentido de transformar em dio
a desesperana da sociedade.72
Por fim, o cientista poltico Pascal Perrineau argumenta que a sociedade francesa,
ao contrrio de suas vizinhas europias, tomou conscincia tardiamente, mas com forte
intensidade, da durabilidade da crise econmica e social. Coadunaria-se o fato de que
durante toda a dcada de 1970, os partidos tanto de esquerda quanto de direita no
formularam nenhuma pedagogia da crise. Justamente nos anos 1982-1983, a opinio pblica
teria despertado frente dimenso das mutaes estruturais em curso, quando h mais de
dez anos o fenmeno estava presente. Ao mesmo tempo, a vitria da esquerda em 1981,
baseada em um programa de transformaes radicais, suscitara grandes expectativas. O
impasse do socialismo francesa provocara vivas reaes e frustraes. A direita clssica,
mal recuperada da derrota, demoniza a esquerda, acusando-a de marxizao da sociedade.
Esta mesma direita vai, ento, banalizar o binmio imigrao/insegurana. O caminho estaria
aberto para a legitimao das idias e dos homens de extrema direita. Em 1984, assiste-se
emergncia eleitoral do FN, conclui Perrineau.73
Nos anos de reconstruo e de desenvolvimento da economia europia do ps-
Segunda Guerra Mundial, a maior parte dos pases industrializados fez amplo uso de
trabalhadores imigrados como soluo parcial para estimular o crescimento interno, visando
a minimizar as presses inflacionrias e a controlar a flutuao conjuntural de emprego.
Aps a crise do petrleo de 1973 e as dificuldades econmicas subseqentes, os governos
reavaliaram a pertinncia de suas polticas de imigrao.74 No geral, pretendeu-se a no-
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renovao do visto de trabalho. O objetivo era o de que os imigrados voltassem aos seus
pases de origem. Dada a situao econmica ainda pior nesses pases, a maioria dos
imigrantes resistiu ao repatriamento; ao mesmo tempo, os constrangimentos polticos
tornavam sua expulso brutal impossvel. Para uma parte considervel foi concedida a
possibilidade de permanncia, mas no de cidadania, ou seja, de legtima integrao no
pas. Face a presses internas, esses imigrantes puderam, inclusive, trazer seus familiares.
Entre 1945 e 1973, o tema da imigrao na Frana no assume maior relevncia no
debate poltico. A partir de 1974, a questo torna-se recorrente e permeia as primeiras
tentativas de estabelecer uma poltica de assimilao para alguns e de repatriamento para
outros. Em 1977, um acordo negociado com a Arglia, que prev a volta de 500.000 argelianos
em 5 anos.
A chegada ao poder da esquerda, em 1981, marca uma virada na poltica de imigrao,
menos hostil aos estrangeiros j presentes no pas: a idia de retorno abandonada;
regulariza-se os clandestinos; associaes de imigrantes so autorizadas; instaura-se uma
licena de permanncia nica.75 O FN, aps quase uma dcada de existncia minscula,
passa a fazer forte oposio a essas medidas. Afirma seu crescimento impondo a idia da
defesa da nao francesa contra a invaso estrangeira ou ainda os franceses antes de
tudo. Alvo privilegiado, o imigrante da frica meridional e do Magreb, com sua cultura
muulmana; s os estrangeiros de origem europia, geralmente catlicos, so assimilveis.
Quanto ao judeu, este o inimigo interior que tem por objetivo dissolver a nao.76
A Inglaterra, por sua vez, tem em torno de 3,2 milhes de pessoas pertencentes a
minorias tnicas. Cerca de um milho so muulmanos, em geral indianos e paquistans.
Chegados nos anos 1950 do sub-continente indiano, eles possuem a cidadania britnica.
Pela lei de 1949, todos os indivduos da Commonwelth e das colnias eram considerados
membros da Coroa. Aps um ano de residncia no Reino Unido, adquiria-se a nacionalidade,
incluindo as vantagens sociais e o direito ao voto. O trmino da fcil prosperidade econmica
provoca duras mudanas legislativas. Em 1971, o Partido Conservador introduz a noo de
patriality: para dispor dos mesmos direitos do que os ingleses preciso nascer na Gr-
Bretanha ou ter um dos progenitores nascido no pas. A grande Lei de 1981, votada no
governo Thatcher e posta em vigor em 1983, consolidava e aprofundava as dificuldades. O
direito de residncia era reservado agora aos patrials: somente aos que residiam ou haviam
nascido em solo britnico antes de 1983.77 Hoje em dia, tarefa rdua transformar-se em
cidado britnico ou mesmo obter um visto de longa durao.
Na Alemanha Federal, suspendeu-se qualquer introduo de trabalhadores
imigrados a partir de novembro de 1973. A relao com os estrangeiros residentes remete
em muito prpria forma como o pas se concebe enquanto nao: o conjunto dos alemes
forma um ethnos, um grupo fundado sobre critrios inatos, herdados, e no um demos,
um grupo construdo sobre valores comuns adquiridos. Trata-se, bem entendido, de uma
concepo tnica de nao, que nos seus desvios interpretativos pode patrocinar excessos
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racistas. A aquisio da cidadania est diretamente vinculada ao direito de sangue e no
ao direito de solo.
Vtimas imediatas de tal pressuposto so os 1,8 milhes de turcos estabelecidos no
oeste da Alemanha, que compem em Berlim a maior comunidade turca vivendo no exterior
(cerca de 140 mil pessoas). Chamados nos anos 1960 por uma indstria florescente, apenas
uma parcela nfima conseguiu se naturalizar. O problema torna-se mais grave quando se
refere segunda gerao, nascida, escolarizada e que no conhece outra realidade alm da
alem. Uma srie de pressupostos exigida na aquisio da cidadania: dez anos de
permanncia no territrio, crena na ordem democrtico-liberal, honorabilidade nos seus
princpios pessoais. Em todo o caso, a nacionalidade , enfim, concedida apenas se a
candidatura for considerada interessante Alemanha. Na poro leste do pas, em 1991,
residia 120 mil trabalhadores vietnamitas e moambicanos, vindos a ttulo de cooperao
entre pases irmos. Atingidos em prioridade pela onda de desemprego e violncia, os
mesmos desencadearam um amplo repatriamento.78
Agravando a situao geral, em fins da dcada de 1970, o Terceiro Mundo enfrenta
um movimento de refugiados sem precedentes, seja pelo agravamento dos seus conflitos
internos, seja pela deteriorao de suas economias. Mesmo tendo a maior parte se acomodado
nessa poro do planeta, os pases ricos da Europa Ocidental tambm foram atingidos pela
migrao global, no momento exato em que os tempos difceis levam os pases de acolhida
a fechar suas portas e onde as conseqncias da pesada utilizao de trabalhadores imigrados
provocaram a ascenso da xenofobia.79
Por outro lado, a queda do comunismo sovitico e a abertura do leste europeu alm
de provocar uma crise quanto s solues poltico-ideolgicas de esquerda, contribuindo
para a legitimao de frmulas extrema direita liberou um certo contingente populacional
que at ento vivia confinado. O fator acentua a presso migratria e refora o temor dos
europeus ocidentais de que, se aes governamentais enrgicas no fossem tomadas a fim
de regularizar tais correntes de deslocamentos populacionais, o continente seria invadido
por uma massa incontrolvel. Em termos de recepo desses contingentes, a Alemanha foi
especialmente contemplada na medida em que possua, desde 1949, a mais liberal legislao
europia sobre direito de asilo, reflexo das seqelas do regime nazista. A peculiaridade fez
com que o pas recebesse um nmero considervel de indivduos proveniente de pases do
Leste. Ao longo de 1992, por exemplo, foram acolhidas 110.943 vtimas da guerra da
Iugoslvia, quatro vezes mais do que a Frana. Na totalidade, naquele mesmo ano, entraram
450 mil pessoas na Alemanha em condio de exlio, quantidade semelhante ao conjunto
recebido pelo restante da Europa. Aps longos meses de discusso, em novembro de 1992,
um acordo poltico modificou a legislao, restringindo o direito de asilo.80
Na verdade, respondendo, entre outros elementos, s prprias restries governamentais,
o nmero de imigrantes no continente europeu, nas ltimas dcadas, manteve-se
relativamente estvel. Em maio de 1974, avaliava-se em 8 milhes a populao ativa
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estrangeira (CEE, Sua, ustria, Sucia, Noruega) e em 14 milhes o nmero de imigrantes,
incluindo a famlia. Eram 9% na Alemanha Federal, 8% na Frana, 7,2% na Blgica, 3,2%
nos Paises Baixos.81 Estudos realizados pela Eurostat para o ano de 1991, calculavam em 10
milhes os estrangeiros ativos na CEE num conjunto de 343 milhes de habitantes.82
Esses dados demonstram que os imigrantes, em geral na categoria dos mais desprovidos,
sofrem sobremaneira os reflexos de uma Europa em recesso, pontuada por nveis relevantes
de desemprego, pelo enfraquecimento sistemtico da legislao social e pelas constantes
falhas do Estado-Nao em seu papel fundamental de regulador de conflitos e fomentador
de compromissos polticos. Assiste-se, assim, ao ressurgimento de ideologias raciais.
Como demonstra Pierre-Andr Taguieff em sua obra acerca da evoluo das idias
racistas83, na base do sentimento xenfobo atual encontra-se uma nova interpretao do
racismo. No sculo XIX, a discriminao racial se caracterizou na Europa a partir de dois
plos de identificao: um racismo interior, basicamente contra os judeus; um racismo
exterior, dirigido prioritariamente s populaes das colnias. Tratava-se de um racismo
universalista, que no aceitava a diferena. No final do sculo XX, as manifestaes racistas
visam, antes, os imigrados e seus descendentes. A novidade essencial estaria na emergncia
do racismo diferencialista, aquele que absolutiza o valor intrnseco da diferena. Essa
formulao encontraria suas origens justamente na deturpao de teorias antropolgicas e
culturalistas elaboradas inclusive para combater o racismo. Tais anlises, a exemplo das
reflexes de Lvis-Strauss, autorizam o relativismo cultural, a valorizao da diversidade
de culturas sem hierarquiz-las. Para o novo racismo, a incomensurabilidade de culturas
torna-se um fato evidente e uma norma positiva. A rejeio ao outro metamorfoseada em
direito diferena intergrupal. No discurso da extrema direita, a oposio a assimilao
dos imigrados se justifica na celebrao da disparidade cultural e de raas. Em nome do
respeito s identidades nacionais, elabora-se um discurso eficaz de marginalizao social.
As populaes de imigrantes, pelo bem comum, devem buscar suas origens no
repatriamento. Nota-se como o argumento se traduz na retrica lepeniana, por exemplo:
H uma multiplicidade de raas e de culturas no mundo e existe hoje uma espcie de
corrente utpica...que defende uma globalizao visando a estabelecer sobre o nosso planeta um
nivelamento pela base, uma mestiagem generalizada, destinada a reduzir definitivamente as
diferenas que existem entre os homens e, em particular, as diferenas raciais. Isto de uma
estupidez condenvel, porque as raas, na sua diversidade, foram criadas por Deus e por esse
fato certamente tem sua razo de ser...Ento que cada entidade deseje naturalmente se perpetuar
e marcar suas diferenas! verdade para os homens como o para os ces.84
Esse racismo considera que o grupo alvo deve ser necessariamente segregado e
excludo porque atua na dissoluo da homogeneidade cultural e social do conjunto
privilegiado. Sobretudo, nega-se a miscigenao, vista como degradante e aviltante na medida
em que destri a ordem natural das raas.85
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4. Concluso
Enfim, quando se observa a evoluo da extrema direita no Ps-Segunda Guerra
europeu possvel detectar a regularidade de sua ascenso no cenrio poltico, mas tambm
a relativa fraqueza de seus meios de perpetuao. At o momento, a gama dessas organizaes
no conseguiu ditar suas leis sociedade, nem adquiriu uma vocao governamental
continuada. Porm, elas atuaram no sentido de fomentar conflitos, sem fornecer qualquer
soluo plausvel ou aceitvel.
Mesmo que tributria de conjunturas poltico-econmicas especficas, a presena
episdica da direita extremista na Europa revela algo mais profundo, isto , a sobrevivncia
de uma cultura poltica fortemente autoritria, com suas frmulas intolerantes, sua bagagem
de nacionalismo excessivo e seu discurso racista. Essa cultura, ainda que minoritria,
perpassa as geraes e garante a fixao de seu ncleo duro. Elementos a favorecer sua
continuidade encontram-se em vrios componentes da realidade social: o conservadorismo
e os arcasmos sentimentais que parcela da sociedade cultiva como forma artificial de reforar
sua prpria identidade; at h pouco, a visibilidade construda de um mundo comunista
ameaando o Ocidente cristo; as aceleraes da modernidade descompassando um mais
rgido modo de vida; o fascnio pelos homens providenciais; o esprito de revanche contra
as decepes cotidianas.
No existe, efetivamente, um fator nico de explicao para o intermitente sucesso
da extrema direita. Talvez, no entanto, o medo possa sintetizar a questo fundamental que
congrega seu pblico de base. Temor na percepo inquieta do avenir, no ceticismo quanto
s respostas habituais da poltica tradicional, na recorrente sensao de anomia. A extrema
direita consegue justamente criar o hiperbolismo desse mal-estar social. De qualquer forma,
no se deve jamais subestimar os perigos que emanam desse tipo de movimento.
Notas
1 Uma interessante retrospectiva sobre a evoluo do FN pode ser acompanhada por meio dos vrios
nmeros do DOSSIER THMATIQUE DE PRESSE: LEXTRME-DROITE EN EUROPE. Paris: Public
INFO-Bibliothque Publique dInformation, Centre Georges Pompidou.2 A questo, porm, no deixava de provocar um certo desconforto, como demonstra a anlise de
Alain-Grard Slama: La Rpublique, aujourdhui, na plus vingt ans. Il semble que rien ne puisse
latteindre. Et pourtant, quand on repre, le nombre de groupuscules activistes voire franchement
nazis, qui attendent leur heure dans lombre, on frmit la pense quun homme comme Jean-Marie Le
Pen trouve encore les alibis moraux dont il a besoin pour runir quarante ans aprs, autant dintentions
de vote. Navons-nous ce point rien appris? SLAMA, Alain-Grard, Le Point, 28/5/1984, p. 15.3 O FN, nas eleies regionais de fevereiro de 1998, obteve 15,19% dos votos na Frana metropolitana,
mantendo a mdia dos ltimos pleitos. Nas eleies presidenciais de 1995, contou com 15,27% da
votao, 4,5 milhes de eleitores (em Estrasburgo somaram-se 24% dos votos). Nas legislativas de
maio de 1997 atingiu cerca de 15%, com 3,8 milhes de votos. Em meados de 1998, o partido se
mantinha em praticamente um quarto das circunscries. Em face desses resultados, o FN dispunha
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de certo grau de influncia poltica, chegando, em determinadas circunstncias, a ter ascendncia na
vitria ou derrota da direita republicana. Cf. Le Monde e Le Nouvel Observateur, edies de fevereiro
e de agosto de 1998.4 A direita republicana (encarnada nesse momento pelo Rassemblement pour la Rpublique RPR e
a Union pour la dmocratie franaise UDF), em meio a dificuldades internas de renovao de sua
estrutura e de seus quadros, bem como de atualizao de suas idias, confronta-se com cerca de 15%
de votos transferidos implacavelmente para o FN. Processo este que transforma o RPR e a UDF em
constantes candidatos derrota.5 O Presidente Jacques Chirac, que prudentemente resguardara-se na campanha das regionais de 1998,
observando a derrota em seu prprio bastio eleitoral (a grande regio da capital do pas), dirigiu-se
nao com o propsito de condenar o FN, classificando-o de racista e xenfobo.6 Jean-Marie Le Pen parece conhecer seu eleitorado: Les cinq mamelles lorigine de notre essor sont
toujours l: le chmage, la corruption, le fiscalisme, limmigration et linscurit. Alors je ne marrterai
quavec la mort. E acrescenta: Les peuples sont comme les chiens: ils ne vont pas vers ceux qui
naiment queux-mmes. LE PEN, Jean-Marie, Le Nouvel Observateur, 12-18/3/1999, p. 84.7 LExpress en ligne: dossier prsidentiel 2002. No primeiro turno (21/4/2002), o FN obtm 16,9% dos
votos e o Mouvement national rpublicain, de Mgret, 2,3%. Le Pen obtm 17,8% e 5.525.000 votos
em 5/5/2002, quando da votao do segundo turno.7 Alguns especialistas preferem nem mesmo consider-la como uma expresso categorizante, como
Pierre-Andr Taguieff: Elle a le sens que lui donne, en chaque occurrence, son utilisateur, en relation
avec une intention polmique [...] Ltiquette dextrme droite sapplique la quasi-totalit des phnomne
politiques et idologiques quil est convenable, selon le systme des valeurs partag par les libraux, les
sociaux-dmocrates et les communistes, de stigmatiser et de condamner. Instrument dillgitimation
dun adversaire [...] et non pas instrument de connaissance, terme polmique e non pas terme
conceptuel. TAGUIEFF, Pierre-Andr. Sur la Nouvelle Droite: jalons dune analyse critique. Paris:
Descartes et Cie, 1994, p. 314.8 VON BEYME, Klaus. The concept of political class: a new dimension of rechearch on elites?, West
European Politics, v. 19, n. 1, jan. 1996, London, p. 68-87.9 Ver HAUSS, Charles; RAVSIDE, David. The Development of New Political Parties, In: MAISEL,
Louis; COOPER, Joseph (org). Political Parties: Development and Decay. Beverly Hills: Sage, 1978;
LIJPHART, Arendt. Typologies of Democratic Systems, Comparative Political Studies, v. 1, n. 1,
Apr. 1968, Washington, p. 3-44; LIJPHART, Arendt. Changement et continuit dans la thorie
consociative, Revue internationale de politique compare, v. 4, n. 3, Louvain-la-Neuve, p. 679-697.10 EVANS, Jocelyn A.; IVALDI, Gilles. Les dynamiques lectorales de lextrme-droite europenne,
Revue politique et parlementaire, n. 1019, juil.-aot 2002, Lyon, p. 67-83. Segundo EVANS, J. A. e
IVALDI, G. (Quand la crise du consensus profite lextrme-droite. Le Figaro, Paris, 18-19/5/2002):
Lextrme-droite est un symptme da la crise des dmocraties de consensus en Europe. Cette crise est
dautant plus accrue que le modle de coopration entre les lites politiques a t institutionnalis.11 Nas palavras de Le Pen , Lextrme-droite, le mot est quivoque dans la mesure o il comporte le mot
extrme. Nos adversaires confondent volontairement, et dans lintention de tromper, une position
gographique sur lchiquier politique avec une position dextrmisme politique. Or notre philosophie,
notre principe daction et notre programme ne sont pas extrmistes et par consquent nous occupons
la place qui est libre.. LE PEN, J.- M. Pour une vrai revolution franaise, National-Hebdo, n. 62, 29
sept. 1985.
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EUROPES DES PATRIES: HISTRICO DA EXTREMA DIREITA EUROPIA
12 Ibid. O National-Hebdo, semanrio oficial do FN, reproduz desde 1984 o ponto de vista oficial do
partido. Com posies hostis comunidade judaica, sustentando te