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Doenças da Imunidade Aspectos Gerais do Sistema Imune Apesar de ser essencial para a sobrevivência, o sistema imune se assemelha a uma proverbial faca de dois gumes. Por um lado, estados de imunodeficiência tornam os humanos presas fáceis para infecções e eventuais tumores; por outro, um sistema imune hiperativo pode resultar em uma doença fatal, como no caso de reações alérgicas devastadoras à picada de uma abelha. E ainda em outros tipos de disfunções, o sistema imune pode perder a capacidade de distinguir entre o próprio e o não-próprio, resultando em reações imunes contra os próprios tecidos e células de uma pessoa (auto-imunidade). Trataremos de doenças causadas por uma imunidade muito baixa, bem como daquelas provocadas por uma reatividade imune exagerada. Também incluímos a amiloidose, doença em que uma proteína anormal, em alguns derivada de fragmentos de imunoglobulinas, é depositada nos tecidos. Primeiramente apresentamos uma revisão de alguns avanços na compreensão das imunidades inata e adaptativa e da biologia dos linfócitos, seguida por uma breve descrição dos genes de histocompatibilidade, uma vez que seus produtos são importantes para diversas doenças imunologicamente mediadas e para a rejeição de transplantes.

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Page 1: Doenças da Imunidade Aspectos Gerais do Sistema Imune Apesar de ser essencial para a sobrevivência, o sistema imune se assemelha a uma proverbial faca

Doenças da Imunidade

Aspectos Gerais do Sistema Imune

Apesar de ser essencial para a sobrevivência, o sistema imune se assemelha a uma proverbial faca de dois gumes. Por um lado, estados de imunodeficiência tornam os humanos presas fáceis para infecções e eventuais tumores; por outro, um sistema imune hiperativo pode resultar em uma doença fatal, como no caso de reações alérgicas devastadoras à picada de uma abelha. E ainda em outros tipos de disfunções, o sistema imune pode perder a capacidade de distinguir entre o próprio e o não-próprio, resultando em reações imunes contra os próprios tecidos e células de uma pessoa (auto-imunidade). Trataremos de doenças causadas por uma imunidade muito baixa, bem como daquelas provocadas por uma reatividade imune exagerada. Também incluímos a amiloidose, doença em que uma proteína anormal, em alguns derivada de fragmentos de imunoglobulinas, é depositada nos tecidos. Primeiramente apresentamos uma revisão de alguns avanços na compreensão das imunidades inata e adaptativa e da biologia dos linfócitos, seguida por uma breve descrição dos genes de histocompatibilidade, uma vez que seus produtos são importantes para diversas doenças imunologicamente mediadas e para a rejeição de transplantes.

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IMUNIDADES INATA E ADAPTATIVA

A função fisiológica do sistema imune é proteger o indivíduo contra patógenos infecciosos. Os mecanismos responsáveis por essa proteção podem ser divididos em duas categorias gerais (Figura 6-1) A imunidade inata (também chamada natural ou nativa) se refere a mecanismos de defesa que estão presentes antes mesmo de ocorrer uma infecção e que se desenvolveram para reconhecer microorganismos de maneira específica e para proteger os organismos multicelulares contra infecções. A imunidade adaptativa (também chamada adquirida ou específica) consiste em mecanismos que são estimulados por (e adaptados para) microorganismos e que também são capazes de reconhecer substâncias não-microbianas chamadas antígenos. A imunidade inata é a primeira linha de defesa por estar sempre pronta para prevenir e erradicar as infecções. A imunidade adaptativa se desenvolve após exposição aos microorganismos e é, ainda, mais poderosa no combate às infecções. Por convenção, o termo “resposta imune” se refere à imunidade adaptativa.

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Os principais componentes da imunidade inata são as barreiras epiteliais, que impedem a entrada dos microorganismos, as células fagocíticas (principalmente neutrófilos e macrófagos), as células matadoras naturais (NK, natural killer) e diversas proteínas do plasma, incluindo as proteínas do sistema do complemento. Os fagócitos são recrutados para locais de infecção, causando inflamação, e, nestes locais, as células ingerem os micróbios, sendo ativadas para destruir os patógenos ingeridos. Os fagócitos reconhecem os micróbios por meio de diversos receptores de membrana. Estes incluem receptores para resíduos de manose e peptídeos contendo N-formil metionina, que são produzidos pelos micróbios, mas não pelas células do hospedeiro, e receptores homólogos a uma proteína de Drosophila chamada Toll Diferentes receptores Toll (TLRs) estão envolvidos nas respostas a diferentes produtos microbianos. Ao ocorrer o reconhecimento de uma estrutura microbiana relevante, os TLRs sinalizam por meio de uma via comum, o que provoca a ativação de fatores de transcrição, particularmente o NFkB (fator nuclear kB). O NF-kB estimula a produção de citocinas e de diversas proteínas responsáveis pelas atividades microbicidas dos fagócitos. Os fagócitos internalizam os micróbios em vesículas, onde estes são destruídos por intermediários reativos de oxigênio e nitrogênio e por enzimas hidrolíticas.

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Observe que, na imunidade inata, o sistema do complemento é ativado pelo acoplamento com micróbios, usando as vias alternativa e da lectina; na imunidade adaptativa, ele é ativado pela ligação com anticorpos, usando a via clássica. Células de mamíferos expressam proteínas regulatórias que previnem a ativação inadequada do complemento. Outras proteínas circulantes da imunidade inata são a lectina ligante de manose e a proteína C reativa, e ambas revestem os micróbios para a fagocitose e para a ativação do complemento. O surfactante do pulmão é também um componente da imunidade inata, que fornece proteção contra micróbios inalados.

O sistema imune adaptativo é composto por linfócitos e seus produtos, incluindo os anticorpos. Os receptores dos linfócitos são muito mais variados que aqueles do sistema imune inato, e são capazes de reconhecer um amplo espectro de substâncias estranhas.

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CÉLULAS E TECIDOS DO SISTEMA IMUNEExistem dois tipos principais de imunidade adaptativa – a imunidade mediada por

células (ou celular), que é responsável pela defesa contra micróbios intracelulares, e a imunidade humoral, que protege contra micróbios extracelulares e suas toxinas (Figura 6-2). A imunidade celular é mediada por linfócitos T (derivados do timo), e a imunidade humoral é mediada por linfócitos B e por seus produtos secretados, os anticorpos. Todos esses mecanismos de imunidade adaptativa são capazes de causar danos ao hospedeiro e doenças subseqüentes.Linfócitos T

Os linfócitos T são gerados a partir de precursores imaturos no timo. As células maduras, naive, são encontradas no sangue, onde constituem 60 a 70% dos linfócitos, e nas zonas de células T dos órgãos linfóides periféricos, como as regiões paracorticais dos linfonodos e as bainhas periarteriolares do baço (Figura 6-3). A segregação das células T naive para esses sítios anatômicos ocorre porque essas células expressam receptores para citocinas atratoras, produzidas apenas nessas regiões dos órgãos linfóides. Cada célula T é programada geneticamente para reconhecer um antígeno específico ligado a uma célula, por intermédio de um receptor de célula T antígeno-específico (TCR).

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Linfócitos B

Os linfócitos B se originam de precursores imaturos na medula óssea. As células B maduras constituem 10 a 20% da população de linfócitos circulantes periféricos e estão presentes também nos tecidos linfóides, como linfonodos, baço ou tonsilas, e órgãos extralinfáticos, como o trato gastrointestinal. Nos linfonodos, são encontradas no córtex superficial, e, no baço, estão localizadas na polpa branca. Em ambos os locais, elas se agrupam no forma de folículos linfóides que desenvolvem centros germinativos fracamente corados na ativação (Figura 6-3C). As células B estão localizadas nos folículos, nas zonas de células B dos órgãos linfóides, porque expressam receptores para uma quimiocina produzida pelos folículos.

As células B reconhecem o antígeno por meio do complexo do receptor de antígenos de células B. As imunoglobulinas M (IgM) e IgD, presentes na superfície de todas as células B naive, constituem o componente de ligação com o antígeno do complexo do receptor das células B (Figura 6-5). Assim como nas células T, cada receptor das células B possui uma especificidade exclusiva de antígenos, derivada em parte dos rearranjos somáticos dos genes das imunoglobulinas. Assim, a presença de genes de imunoglobulina rearranjados em uma célula linfóide é usada como um marcador molecular de linhagem de células B.

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Macrófagos

Os macrófagos são integrantes do sistema fagocitário mononuclear; sua origem, diferenciação e papel na inflamação foram discutidos anteriormente. Precisamos apenas enfatizar aqui que os macrófagos exercem papéis importantes tanto na indução das respostas imunes quanto em sua fase efetora.

– Macrófagos que fagocitaram micróbios e antígenos protéicos processam os antígenos e apresentam fragmentos de peptídios para as células T. Assim, os macrófagos participam da indução das respostas imunes mediadas por células.

– Os macrófagos são importantes células efetoras em certos tipos de imunidade mediada por células, como na reação de hipersensibilidade tardia. Como mencionado anteriormente, os macrófagos são ativados por citocinas, principalmente o IFM-γ produzido pelo subgrupo TH1 de células CD4+. Essa ativação potencializa as propriedades microbicidas dos macrófagos e aumenta sua capacidade de destruir células tumorais.

– Os macrófagos são importantes também na fase efetora da imunidade humoral. Os macrófagos fagocitam micróbios que foram opsonizados (revestidos) por IgG ou C3b.

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Células Dendríticas

Existem dois tipos de células funcionalmente distintos que apresentam morfologia dendrítica. Ambos possuem numerosas projeções citoplasmáticas delgadas, às quais seu nome faz referência. Um dos tipos é denominado células dendríticas interdigitantes, ou apenas células dendríticas. Essas células são as apresentadoras de antígenos mais importantes para o início das respostas imunes primárias contra antígenos protéicos (Figura 6-6). Diversas características das células dendríticas definem seu papel-chave na apresentação de antígenos. Primeiro, essas células estão localizadas no lugar certo para a captura dos antígenos – abaixo dos epitélios, que são o local comum de entrada para micróbios e antígenos estranhos, e no interstício de todos os tecidos, onde os antígenos podem ser produzidos. As células dendríticas imaturas no interior da epiderme são chamadas células de Langerhans.

Em segundo lugar, as células dendríticas expressam vários receptores para capturar e responder aos micróbios (e outros antígenos), incluindo receptores de manose e TLRs. Terceiro , em resposta aos micróbios, as células dendríticas expressam o mesmo receptor de quimiocinas que as células T naive, sendo, portanto, recrutadas para as zonas de células T nos órgãos linfóides, que são a localização ideal para a apresentação de antígenos às células T que recirculam. Quarto, as células dendríticas expressam altos níveis de moléculas do MHC de classe II, bem como moléculas co-estimulatórias B7-1 e B7-2. Assim, elas possuem a maquinaria completa para a apresentar antígenos e para ativar as células T CD4+.

O outro tipo de células com morfologia dendrítica encontra-se nos centros germinativos dos folículos linfóides do baço, e linfonodos, sendo por isso denominado células dendríticas foliculares. Essas células possuem receptores de Fc para IgG e receptores para C3b e podem capturar antígenos ligados a anticorpos ou a proteínas do complemento. Essas células atuam nas respostas imunes já em andamento, apresentando antígenos às células B e selecionando, entre essas células, as que têm maior afinidade pelo antígeno, o que resulta no aprimoramento da qualidade da resposta imune humoral. As células dendríticas foliculares atuam também na patogênese da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).

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