da escola pÚblica paranaense 2009 - … · da educação nacional, inclui no currículo oficial da...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
Título: KAINGANG NO PARANÁ : o desafio entre a permanência e a mudança
Luiz Gonzaga Solak1 Rosângela Wosiack Zulian2
Nossa formação étnica inicial pode ser entendida como produto do encontro entre índios, portugueses, e um pouco mais tarde os negros africanos. O conceito de “brasileiro” surgiu da necessidade do estabelecimento de uma nova identidade gerada entre essas três etnias, porém se fez moldada nos ideais europeus que constituiu determinada negação dos elementos culturais indígenas, africanos e afro-descendentes. Sendo assim, a imagem e representação sobre os índios ainda possuem caráter negativo, ainda carregam características como primitivos, selvagens permanecendo a identificação com o elemento branco muito mais aceita e desejável dentro da sociedade. A Lei 11.645, de 10 de março de 2008, altera a 10.639/2003 no sentido da inclusão do ensino da Cultura Indígena no âmbito de todo o currículo escolar em especial nas áreas de educação artística, literatura e historia brasileira. Pretendemos através deste projeto de pesquisa buscar junto a comunidade indígena de Kaingang, localizada na aldeia de Queimadas, no município de Ortigueira, recuperar sua história local. Para isso trabalhamos com pesquisa de campo, utilizando diferentes fontes históricas, tais como documentos escritos, fontes orais, fotografias que serviram para elaboração do Caderno Temático, material de apoio aos professores e alunos, sendo que através deste buscamos desmistificar as representações negativas, discutir a contribuição do índio na formação da identidade brasileira. É essencial que os professores passem a trabalhar com textos que dinamizem a discussão e incitem ao exercício crítico, possibilitando ao aluno ampliar seu entendimento e sua referência em relação à ação política das camadas populares.
Palavras Chave: Índios; Kaingang; Aldeia de Queimadas; Cultura Indígena.
1 Introdução:
Nas últimas décadas o governo brasileiro tem desenvolvido políticas
públicas afirmativas com o objetivo de tentar recuperar o respeito a determinados
grupos, hoje denominados de minorias, como os indígenas. Durante séculos a
exploração desses grupos de brasileiros autóctones resultou em mortos ou
escravizados, tendo sua população reduzida drasticamente e suas terras
dominadas. Do ponto de vista antropológico, o eurocentrismo determinou a exclusão
desses povos que foram massacrados pela exploração e pelas doenças dos
1 Professor de História – Col. Est. Dr. Marcelino Nogueira 2 Professora, Drª da Universidade Estadual de Ponta Grossa
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brancos. A simples demarcação de terras não garantiu a sua sobrevivência e da sua
cultura, o que pode ser identificado na aldeia de Queimadas no município de
Ortigueira. Neste local observa-se que os índios foram obrigados a se adaptar às
condições de vida impostas pelo homem branco a partir da drástica redução de suas
reservas, o que interferiu diretamente na sua cultura, ou seja, produziu uma ruptura
nos costumes religiosos, na linguagem, no casamento, na agricultura, forçando-os a
buscar sua sobrevivência nas cidades.
Ao considerar a cultura indígena um elemento formador da identidade
nacional, entendemos como necessário valorizar a participação dos povos indígenas
na formação da história brasileira, alem de obrigatório a partir da Lei 11.645 de 10
de março de 2008.
Nesta ótica o Caderno Temático elaborado e intitulado “Kaingang no
Paraná”, construído a partir de uma pesquisa de campo na aldeia de Queimadas,
buscou trazer ao conhecimento dos professores e alunos as manifestações culturais
dos índios Kaingang do Paraná, utilizando ainda a literatura disponível sobre o tema
proposto.
Diante do que nos propomos demarcamos para o trabalho de pesquisa, o
período entre meados do séc. XVII até os dias atuais, período este que nos
possibilitou evidenciar a presença dos Kaingang no território paranaense, sua
resistência à ocupação pelo homem branco, bem como o conhecimento da cultura
deste povo na atualidade.
Este trabalho tem por objetivo apontar o caminho das transformações
estruturais da sociedade e sua influência no cotidiano e no espaço dos Kaingang;
refletir sobre a contribuição da população indígena na formação da sociedade
nacional; conhecer seu presente, registrando a vida indígena na sociedade brasileira
atual.
Este projeto pretende privilegiar conceitos como imaginário, desconstrução,
universo simbólico, exclusão, e focar os discursos construídos sobre o indígena do
aldeamento de Queimadas, buscando desta forma recuperar a historicidade dessa
comunidade e sua relação com a sociedade local.
Ao discutir esse relacionamento que trama, no nível discursivo, o conflito e a
harmonia, em metodologias de aproximação e coleta dessas historias, pretendemos
possibilitar ao alunado envolvido a visualização e a compreensão desse universo
cultural ainda ignorado e epidermicamente tratado pela literatura de área.
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2 Fundamentação
A Lei 11.645 de 10 de março de 2008 que estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Para cumprir o que
estabelece a referida Lei a Secretaria de Estado da Educação do Paraná também
incluiu nos conteúdos básicos da disciplina de História do Ensino Fundamental o
estudo dos povos indígenas e suas culturas.
Apesar do avanço nos estudos acerca da cultura indígena e de uma
legislação compensatória ao tratamento dispensado a essa minoria, observa-se
ainda, nos livros e nas escolas, o fenômeno da folclorização do índio, retratado
como um bom defensor da natureza, usando cocar e penas.
Ou seja, o principal constructo do conhecimento histórico das pessoas
comuns não vai alem do que lhes foi ensinado pela escola. E, ainda encontramos
um grande numero de professores que ainda utilizam-no como apoio para seu
trabalho, fazendo com que grande parte dos alunos tenha o mesmo como única
fonte digna de confiança.
Portando ele torna-se o portador de um saber acabado, inquestionável e
pronto para ser absorvido, o que dificulta e até mesmo impede à reflexão o
questionamento e a formação do pensamento crítico. Desta forma o professor acaba
se tornando um transmissor de conhecimentos e o aluno, como receptor passivo.
Ao constatarmos tal situação, motivamo-nos a discutir a temática indígena,
buscando desta forma auxiliar no cumprimento do que estabelecem a Lei 11.645 e
as Diretrizes no que diz respeito a priorizar as historias locais, ou ainda o estudo dos
povos indígenas no Paraná entre eles os Kaingang. Verificamos que ainda é pouco
o material de apoio encontrado em nossas escolas que referencia este povo, o qual
não é suficiente para desenvolver um estudo crítico e aprofundado acerca da
questão indígena nos seus diferentes aspectos.
Desta forma, nos propomos a contribuir para com a superação dessa lacuna
por nós constatada, com o fito de produzir um conhecimento que, precisa ser
aprofundado nas escolas, pois integra nossas raízes histórico-culturais.
Com o intuito de colaborar com a desconstrução dos discursos dominantes,
buscamos, através de um projeto de pesquisa, recuperar, junto à comunidade
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indígena Kaingang, localizada na aldeia de Queimadas, no município de Ortigueira,
a história dessa comunidade, através de pesquisa de campo, utilizando diferentes
fontes históricas, tais como documentos escritos, testemunhos, fotografias que
contribuíram para a elaboração de material de apoio a ser utilizado em sala de aula.
Escolhemos como recorte temático para o nosso trabalho o povo Kaingang
pelo fato de contarmos com a aldeia de Queimadas que está localizada no município
de Ortigueira, a uma distância de 70 km do município de Telêmaco Borba, onde
vivem cerca de 500 índios. Sua presença é freqüente no município, pois ali fazem a
venda de seu artesanato. Mesmo assim, pouco se sabe sobre a origem e a história
deste povo; dessa forma pode-se atribuir a discriminação que sofrem ao
desconhecimento da cultura dos mesmos.
Sabemos que nossa formação étnica inicial pode ser entendida como
produto do encontro entre índios, portugueses e, um pouco mais tarde, os negros
africanos. O conceito de “brasileiro” surgiu da necessidade dos colonizadores de
estabelecer uma nova identidade gerada entre essas três etnias. Nesta perspectiva
a identidade brasileira deveria reconhecer-se nas três matrizes étnicas, isto é com o
índio, com o português e com o negro. No entanto, foi moldada nos ideais europeus,
que construiu a negação dos elementos culturais indígenas, africanos e afro-
descendentes.
Sendo assim, a imagem e a representação sobre o índio são de caráter
negativo, ainda carregam características de primitivo e selvagem permanecendo a
identificação com o elemento branco muito mais aceita e desejável dentro da
sociedade.
A imagem que boa parte da população ainda tem da sociedade indígena é a
de indivíduos que vivem em pequenas aldeias isoladas na floresta, representando
um passado remoto, uma etapa evolutiva de nossa espécie. Ao consultar a literatura
que trata do assunto, encontramos textos que tratam o povo indígena como uma
sociedade que deixou apenas contribuições como: alimentação, folclore, vocabulário
ou alguns costumes. Dessa forma, o que fica entendido, é que na maioria dos
discursos a etnia não é compreendida como uma categoria cultural. Sua visibilidade
emerge quando colocada em interação e contraste com outros grupos,
operacionalizada dentro de contextos sociais comuns. Ela continua sendo entendida
com conotações raciais, ou seja, autoriza a diferenciação, como superiores e
inferiores, de povos e culturas. Estes discursos, possibilitados pela relação de poder,
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acabam reforçando a diferenciação entre os povos e culturas. Torres Santomé
(1995) alerta que
É preciso estarmos conscientes de que as ideologias raciais são utilizadas como álibi para a manutenção de situações de privilegio de um grupo social sobre outro. Essas ideologias são, com freqüência, acompanhadas de uma linguagem com aparência de cientificidade, com o fim de impedir que as raças ou grupos étnicos oprimidos possam exigir a modificação das estruturas sócio-políticas que perpetuam seu atual estado de inferioridade (p 186).
Nesta perspectiva buscar desmistificar as representações negativas,
aprender a respeitar essa cultura, discutir a contribuição do índio na formação da
identidade brasileira, seria um grande passo para a democratização das relações
sociais e étnicas no Brasil.
Cada povo indígena apresenta características próprias em relação aos
costumes, crenças e língua, uma história distinta de relacionamento com o
empreendimento colonial português e com o processo de constituição do Estado
Nacional Brasileiro. E, desse modo, inserem-se de distintas maneiras na sociedade.
A posse, o usufruto e o controle efetivo da terra pelos índios é hoje condição
indispensável para a sobrevivência dos povos indígenas. Um povo indígena sem
terras suficientes para exercer seu modo de ser e viver, se vê forçado a mudar, a
deixar de lado muitas características sociais e culturais que constituem sua
etnicidade. No limite, a etnia pode se desagregar em grupos familiares ou indivíduos
isolados que passam a buscar sua sobrevivência por conta própria.
Outra idéia equivocada ainda comum é a de que o índio vive na região
amazônica e nas florestas. Os índios hoje se encontram em todo o território
nacional, existem índios urbanos, grupos que foram viver nas cidades, que
passaram a usar roupas, instrumentos e utensílios dos brancos, que falam e
escrevem a língua portuguesa. Eles não ficaram presos ao passado colonial,
possuem sua própria trajetória histórica e continuam sendo índios, mesmo com
todas as mudanças sofridas ao longo do tempo.
Acreditava-se, até os anos de 1970, que os índios no Brasil não tinham
futuro nem passado.
Conforme aponta Manoela Carneiro da Cunha, seu passado não era objeto
dos historiadores, por motivos metodológicos. Pois como estudar povos sem escrita?
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Temia-se o campo das tradições orais, ou o mergulho na documentação produzida
pelos agentes da conquista: religiosos, administradores, viajantes, militares, etc.
A situação começou a mudar quando os índios passam a ter uma atuação
em nível nacional e internacional e a utilizar mecanismos jurídicos para fazer valer
seus direitos, principalmente os relacionados a terra.
Pode-se afirmar que a política indigenista do Brasil Império e República se
pautou, pelas necessidades da sociedade envolvente e não pela necessidade das
comunidades indígenas. Foram os interesses da sociedade nacional que moveram a
política indigenista do Estado brasileiro, e ela foi desenhada de acordo com os
interesses principalmente das elites agrárias nos movimentos de expansão de seus
domínios sobre as terras dos índios. O que esteve em jogo e ainda continua, é a
posse dos territórios indígenas.
Com o decreto nº 426, de 24/07/1845, houve uma tentativa de acelerar o
processo de integração das comunidades indígenas à sociedade emergente, pois
este regulamentava as missões de catequese dos índios e tinha como eixo central a
fixação das populações indígenas em determinadas áreas, impunha-lhes a tutela
governamental e instituía o paternalismo administrativo.
No entanto, essa tentativa de integração foi marcada por uma forte
resistência das comunidades indígenas do país inteiro, procurando manter seu
espaço vital de sobrevivência.
No Paraná a ocupação dos vastos territórios pertencentes aos índios esteve
na pauta dos governantes, bem como na ação cotidiana das populações das áreas
de fronteira da província.
No século XIX, aos poucos, os colonizadores foram incorporando os
territórios, habitados pelos Kaingang, ricos em pastagens dos Campos Gerais, os
Coran-bang-re3 (atual região de Guarapuava) e os Creie-bang-rê ( região de
Palmas), onde se implantaram as fazendas de criação; as florestas com seus ervais
e madeiras no sul, principalmente as florestas de araucárias, devastando-se os
campos de caça e de coleta de pinhão, e por ultimo as terras roxas do norte, com o
plantio do café e as terras do sudoeste e oeste da província transformada em
campos de agricultura. E hoje se justifica a ocupação das terras indígenas do vale
3 De acordo com Telêmaco Borba os Kaingang denominavam os campos de Guarapuava de Coran-bang-rê: Coran, dia, ou claro; Bang, grande; e Rê, campo. Palmas chamavam de Creie-bang-rê: Creie, pilão; bang, grande e Rê, campo. Actualidade Indígena, p. 118.
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do rio Tibagi em nome da necessidade de geração de energia com a construção de
barragens.
Os territórios pertencentes às comunidades indígenas Kaingang, Xokleng,
Xeta e Guarani, foram espaços submetidos a conquista e a ocupação. Mas apesar
do silêncio da historiografia oficial, as populações indígenas travaram inúmeras
batalhas, emboscadas e guerras contra os invasores de seus territórios. Muitos
índios foram mortos pelas armas de fogo dos brancos, mas também muitos brancos
morreram pelas flechas dos índios. Pode-se afirmar que as terras que foram doadas
pelo governo aos fazendeiros tiveram que ser conquistadas palmo a palmo.
Os Kaingang tiveram uma presença marcante no território paranaense,
sendo que esta denominação aparece na documentação bibliográfica a partir de
1882, inicialmente em trabalhos de Telêmaco Borba, sertanista que conviveu por
uma década com os Kaingang, tendo atuado como diretor do aldeamento Indígena
de São Pedro de Alcântara, também fundou o Toldo Indígena de Barreiro no
município de Reserva e ainda foi nomeado Diretor dos Índios no Amparo, município
de Tibagi e Frei Luiz de Cimitile, que atuou como missionário e diretor do
aldeamento Kaingang de São Jerônimo. Antes disso, aproximadamente a partir de
meados do século XIX eram denominados de Coroados.
Os Kaingang fazem parte de um povo pertencente à família lingüística Jê,
integrando, junto com os Xokleng, os povos Jê Meridionais. Sua cultura
desenvolveu-se à sombra dos pinheirais, ocupando a região sudeste/sul do atual
território brasileiro.
No Paraná eles ocuparam um vasto território no terceiro planalto
paranaense. Esse espaço ocupado pelas comunidades indígenas passa a ser
projetado como um espaço vazio improdutivo, pronto a ser ocupado pela economia
nacional produtiva.
Como forma de ocultar os conflitos indígenas no Paraná, Lucio Tadeu Mota
(1994) destaca alguns agentes dessa projeção, entre eles: a história oficial das
companhias colonizadoras; as falas governamentais e sua incorporação nos escritos
que fazem a apologia dessa colonização exaltando seu pioneirismo; os geógrafos
que escreveram sobre a ocupação nas décadas de 30 a 50 do século XX; a
historiografia sobre o Paraná produzida nas universidades e, por fim, os livros
didáticos, que são uma síntese das três fontes, repetindo para milhares de
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estudantes do Estado a idéia da região como um imenso vazio demográfico, até o
início da década de 30 do século XX, quando começa então a ser colonizada.
Segundo MOTA (1994) apesar de se construir a idéia do vazio demográfico
em várias regiões do Paraná, as evidências da existência de índios no que é hoje o
território paranaense remontam à pré-história. Escavações feitas por arqueólogos do
Departamento de Antropologia da Universidade do Paraná demonstram a existência
de povoamentos nas barrancas do rio Ivaí. O material lítico, colhido nesta região,
demonstra a existência de acampamentos indígenas há oito mil anos. Outras
escavações foram realizadas nas margens do rio Paraná e datadas em oito mil
anos, bem como no centro-leste, na região de Vila Velha, também com a mesma
idade.
A região compreendida no quadrilátero formada pelos rios Tibagi ao leste,
Paraná ao oeste, Iguaçu ao sul e Paranapanema ao norte por ser uma área de
terras férteis, rica em animais e arvores frutíferas, já se encontrava habitada por
milhares de índios antes da chegada do branco europeu ao continente. Tanto que
nesta região se desenvolveram as várias reduções jesuíticas espanholas dos
séculos XVI e da primeira metade do século XVII, que chegou a contar com 17
reduções, abrigando mais de duzentos mil índios Guaranis.
São vários os relatos que afirmam a presença dos Kaingang em território
paranaense. Telêmaco Borba, que por longo tempo conviveu com os Kaingang
como administrador do aldeamento de São Jerônimo em 1865, e em 1880 foi
nomeado diretor dos índios da cidade de Tibagi, escreve em sua monografia sobre
os Kaingang.
Dizem, estes índios, que seos antepassados habitavam o território das actuaes comarcas de Castro e Guarapuava, de onde dirigiam seos ataques aos habitantes das orlas do sertão e aos tropeiros e viajantes, que percorriam a estrada que do Estado do Rio Grande do Sul se dirigia a este. Quizeram opor-se ao povoamento de Guarapuava, que atacaram no principio; mas foram vencidos, dizem elles, em um grande combate onde perderam muita gente; depois desse desbarato continuaram seo velho systema de sorprehender traiçoeramente, tanto os desprevenidos habitantes dos campos de Palmas e Guarapuava, como aos descuidados tropeiros; mas neste seo modo de proceder, de vez em quando, soffriam grandes revezes e as represálias por parte dos habitantes daquellas regiões, coadjuvados pelos caciques Condá e Viry, eram-lhes sempre funestas. (BORBA, 1908, p.5.)
Na época acima relatada pelos antepassados Kaingang, a região de Castro
e Guarapuava, eram as vilas mais ocidentais da província paranaense e ponta de
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lança de ocupação dos territórios dos Campos Gerais e dos Campos de Guarapuava
pelas fazendas de gado.
Através dos relatos citados, ficou evidente a presença dos índios no território
paranaense, desconstruindo desta forma a idéia de um território desabitado
implantada pela classe dominante para justificar a ocupação das terras indígenas,
terras estas que não foram simplesmente ocupadas, como veremos a seguir:
A conquista dos territórios Kaingang foi feita em meio a reação permanente dos índios às vilas que brotavam em suas terras, às fazendas implantadas em seus campos, aos viajantes, tropeiros, comerciantes, aventureiros que cruzavam suas matas e campinas, às patrulhas da guarda nacional e provincial que percorriam suas terras e às tribos colaboracionistas que insistiam em indicar suas posições e persegui-los. (MOTA, 1994, p.93)
Durante os séculos XVIII e XIX, período, em que os Kaingang ofereceram
grande resistência à ocupação de seus territórios, os mesmos criaram técnicas de
combate, aperfeiçoaram formas de atacar e de manter o inimigo sobre pressão, pois
o inimigo era muito superior a eles.
A resistência Kaingang ocorre não apenas nos campos de Guarapuava, mas
também em outras regiões dos Campos Gerais. Saint-Hilaire, que era botânico e
naturalista francês, viajava por todo o Brasil e ao chegar à fazenda Fortaleza, que
era um ponto de defesa e local de reunião dos fazendeiros que planejavam
estratégias e perseguições aos índios e também uma das mais prósperas dos
Campos Gerais relata:
Frequentemente eles ali cometiam tropelias; perseguiam-nos, mataram alguns homens e tomava-lhes mulheres e crianças. Os negros do Sr. José Felix nunca iam trabalhar nas plantações sem levarem consigo armas de fogo (MOTA, 1994, p. 138).
Apesar da forte resistência dos Kaingang, foi inevitável a ocupação e
colonização do território paranaense e desta forma o capitalismo passou a produzir
um novo espaço geográfico propício à sua atuação e diferente do espaço tradicional
das comunidades indígenas. Diversas regiões do estado, como os Campos Gerais,
os campos de Guarapuava, o norte e oeste do Paraná passam a ser usados para a
produção de mercadorias e acumulação de riquezas.
A natureza se transformou pela ação do capitalismo, e o espaço que ganha
nova forma com a colonização, é também diverso daquele ocupado pelas
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comunidades indígenas, carregado de conteúdo social, histórico e até mesmo
religioso.
Para justificar a ocupação do território paranaense pela colonização
pioneira, construiu-se a idéia do “vazio demográfico”, que foi arquitetada e divulgada
por muitos que pensaram a história da região.
A História ignora importantes acontecimentos como as invasões, a
exploração, os conflitos e a resistência indígena, porém é inegável que os espaços
que hoje compõem o Paraná, pertenceram a comunidades indígenas, dentre elas a
Kaingang. Os Kaingang não assistiram passivamente à ocupação do seu território,
refugiaram-se em campos e matas distantes das vilas, de onde partiam para o
ataque, e mesmo aldeados, continuavam suas incursões contra os brancos. Foram
inimigos duros e terríveis, lutaram vigorosamente pelos seus territórios, por sua
segurança e pela liberdade, porém a força do progresso acabou confinando suas
comunidades a algumas reservas, que com o passar dos anos, como a de
Queimadas, ficaram drasticamente reduzidas. Atualmente a população indígena
Kaingang é estimada em mais de 29 mil índios, distribuídos em 30 aldeias, as quais
estão localizadas nos estados de São Paulo (2), Santa Catarina (5), Rio Grande do
Sul (12), e Paraná (11), e ainda mais cinco áreas reivindicadas que se encontram
em processo de análise, uma no Paraná e quatro no Rio Grande do Sul, conforme
indicado na tabela e mapa abaixo.
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ÁREA INDÍGENA UF Nº NO MAPA
POPULAÇÃO KAINGANG
Apucaraninha PR 3. 1.350
Barão de Antonina PR 4. 460
Cacique Doble RS 29. 820
Carreteiro RS 28. 350
Faxinal PR 9. 470
Guarita RS 20. 6.100
Ibirama SC 18. 20
Icatu SP 1. 15
Inhacorá RS 19. 1.010
Iraí RS 21. 350
Ivaí PR 8. 1.000
Kondá SC 17. 300
Ligeiro RS 27. 1.900
Mangueirinha PR 12. 1.500
Marrecas (Guarapuava) PR 10. 390
Mococa PR 6. 80
Monte Caseros RS 30. 80
Nonoai RS 23. 2.100
Palmas PR 13. 660
Pinhal SC 16. 120
Queimadas PR 7. 500
Rio da Várzea RS 22. 375
Rio das Cobras PR 11. 1.750
São Jerônimo da Serra PR 5. 380
Serrinha RS 24. 2.000
Toldo Chimbangue SC 15. 600
Vanuíre SP 2. 90
Ventarra RS 26. 270
Votouro RS 25. 1.200
Xapecó SC 14. 2.900
Áreas Reivindicadas
Total 29.140
Fonte: © 2006 Portal Kaingang - WebMaster (Adriana)
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3 Kaingang – a pesquisa
O governo do Estado do Paraná, através da Secretaria de Estado da
Educação, ao instituir o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE),
possibilitou aos professores do Estado um momento único para estudo e pesquisa.
Uma das etapas deste Programa é a elaboração de material didático bem como a
implementação na escola, onde optamos pela elaboração de um caderno temático
que teve como tema “Kaingang no Paraná”.
A pesquisa trouxe subsídios e fundamentação para a elaboração do
material didático-pedagógico o qual também foi utilizado durante o processo de
intervenção pedagógica junto aos alunos do Ensino Fundamental do Colégio
Estadual Dr. Marcelino Nogueira em Telêmaco Borba. Ela foi realizada a partir de
uma revisão teórica em torno da escassa biografia sobre o tema, seguido de uma
pesquisa de campo com a utilização de questionários e de entrevistas orais
(gravadas), acerca dos elementos históricos, culturais e artísticos comuns ao
cotidiano da comunidade indígena da Aldeia de Queimadas e arredores. Tal ação
possibilitou contribuir de forma significativa para a construção do conhecimento
histórico em sala de aula, bem como proporcionar um espaço para reflexões e
debates acerca do contexto sócio-cultural do povo indígena.
Na pesquisa foram abordados alguns aspectos da comunidade indígena de
Kaingang como: a língua falada, tipo de moradia, atividades econômicas, religião e
educação, com a perspectiva de estabelecer semelhanças e diferenças em relação
a outras sociedades.
A primeira etapa do nosso trabalho foi a elaboração do caderno temático,
sendo que para isso iniciamos a pesquisa bibliográfica em torno do tema “Kaingang
no Paraná”.
Para se estabelecer as semelhanças e diferenças da cultura indígena em
relação a outras sociedades ou até mesmo da sua cultura atual em relação à de
seus antepassados, optamos como recorte histórico a Aldeia de Queimadas,
localizada no município de Ortigueira, a 70 Km do município de Telêmaco Borba.
A aldeia de Queimadas, que inicialmente foi denominada Posto Indígena
Coronel Telêmaco Borba, teve sua delimitação original através do Decreto nº 591,
de 17/08/1915 pelo governo do estado do Paraná, sendo que sua área original era
de 26.000 hectares, e começou a sofrer reduções através de um acordo celebrado
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entre o governo do Paraná (Moyses Lupion) e o Serviço de Proteção aos Índios
(SPI). Em 1953 ocorreu uma redemarcação, feita pela Fundação Paranaense de
Colonização e Imigração (FPCI), reduzindo para 3.026 hectares. Atualmente a
mesma está localizada nas nascentes do Rio Barra Grande, afluente do Rio Tibagi,
a uma distância de aproximadamente 2 km da zona urbana de Ortigueira.
A escritura pública de doação das terras indígenas de Queimadas foi lavrada
em 17/10/1953, registrada no Cartório de Registro de Imóveis de Ortigueira em
1996, sendo que sua área atual é de 3.077 hectares.
Nossa pesquisa de campo teve inicio já em Telêmaco Borba, ao encontrar
uma índia Kaingang, acompanhada de sua filha de sete anos, moradora da aldeia de
Queimadas, vendendo seus artesanatos, em frente à minha residência.
Em uma conversa informal, já foi possível perceber, por exemplo, que o
costume de se deslocar entre as aldeias Kaingang ainda permanece, embora com
menor freqüência, pois ela mesma havia chegado recentemente da aldeia do rio das
Cobras, costume este trazido de seus antepassados que com freqüência
abandonavam suas aldeias à procura de chefes mais liberais e menos despóticos.
Percebeu-se também que entre elas o idioma falado era o Kaingang, que o
Português é utilizado somente quando se dirigem ao branco, ou seja sua Língua
permanece preservada. Na aldeia percebemos também que as crianças dominam e
usam basicamente no seu dia a dia o Kaingang e é na escola que elas são
apresentadas à Língua Portuguesa.
Ela comentou que sua vinda a Telêmaco Borba ocorre costumeiramente,
pois este município oferece mais possibilidade de comercio de seus artesanatos, os
quais são confeccionados pela família e vendidos a um preço médio de R$ 10,00 a
R$ 20,00. O dinheiro arrecadado com esta venda é revertido para a família.
No entanto, já encontramos também alguns pedindo dinheiro, ou comida,
normalmente as crianças, provavelmente influenciados pelo branco, já que ao
chegar nas cidades é o que observam nas ruas.
Observa-se nos estudos realizados pelo professor Lucio Tadeu Mota que os
primeiros contatos entre os Kaingang e o homem branco no Paraná não foram muito
amistosos, pois ocorreram através das expedições de conquista nos territórios
indígenas, obrigando-os a viver em áreas reservadas pelo estado. E isto se deu
ainda não pela generosidade do branco, mas pela luta continua e incansável pelas
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suas terras, pois pelos brancos essa etnia estaria hoje totalmente exclusa física e
socialmente e totalmente expropriada de suas terras.
Varias cidades paranaenses foram construídas sobre territórios
originalmente indígenas, dos Guarani, Kaingang, Xetá ou Xokleng.
A partir da invasão de seus territórios, os quais foram transformados em
fazendas e cidades, foi aumentando a dependência dos índios em relação às
cidades.
Com a destruição das matas e a expropriação da maior parte de seus
territórios de subsistência, os povos indígenas foram se tornando cada vez mais
dependentes das instituições indigenistas urbanas aumentando portanto sua ligação
e sua dependência com as cidades.
Essa ligação e dependência ficam bastante evidente no depoimento do índio
Kaingang Américo Rodrigues Taimpé, índio da Reserva indígena Barão de Antonina,
que diz: “... que não tem mais como o índio viver na reserva dele, porque ate então o
índio vivia na terra, agora o índio precisa viver da terra..”.(MOTA, 2008, p. 29).
Este depoimento retrata a realidade da maioria das aldeias do sul do Brasil,
principalmente aquelas que tiveram suas áreas reduzidas drasticamente como a de
Queimadas que possuía uma área original de 26.000 hec., onde viviam cerca de 52
índios em 1946 e atualmente conta com apenas 3.077 hec. e uma população de
aproximadamente 500 índios.
Nossa pesquisa na comunidade indígena de Queimadas, que teve como
objetivo a elaboração do caderno Temático, veio afirmar o depoimento do índio
Américo Taipe, pois lá presenciamos que a relação bem como a dependência dos
índios com as cidades atualmente é não apenas necessária, mas inevitável.
O que nos levou a essa conclusão foi exatamente o resultado da pesquisa
na qual, ao destacarmos alguns aspectos do cotidiano daquela aldeia, verificamos
que os índios se vestem como os brancos, se utilizam dos mesmos utensílios
domésticos do homem branco. Mesmo que ainda se alimentem de algumas poucas
caças encontradas nas terras da aldeia a base de sua alimentação hoje é o feijão, o
arroz, o milho, a batata doce, a mandioca, que apesar de plantadas na própria
aldeia, utilizam-se de assistência técnica e sementes adquiridas nas cidades.
De acordo com Telêmaco Borba, os Kaingang não possuíam habitação
permanente, costumavam se deslocar quase todos os anos à medida que iam se
esgotando os meios naturais de sua subsistência. Quando encontravam um lugar
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abundante em caça e mel, construíam ranchos de 25 a 30 metros de extensão,
cobertos com folhas de palmeiras sem nenhuma divisão interna, com uma pequena
porta em cada extremidade por onde só podia passar uma pessoa abaixada. No
centro destes ranchos costumavam acender uma fogueira para cada família.
Dormiam todos juntos sobre cascas de árvores com os pés voltados para o fogo.
Porem verificamos que na Aldeia de Queimadas a maioria já reside em casas de
alvenaria. Casas que fazem parte de um programa habitacional desenvolvido em
2006 pela Companhia Habitacional do Paraná (COHAPAR) especificamente para a
etnia indígena, as quais foram elaboradas em parceria com lideranças das
comunidades e indigenistas e seu projeto procurou garantir os traços arquitetônicos
da cultura indígena.
Mesmo estas casas oferecendo certa comodidade é comum ver ainda na
reserva, ao lado destas, algumas casas construídas com troncos de madeira e
cobertas com sape, pois para os Kaingang as casas de tijolos são geladas e não
oferecem a possibilidade de fazerem o tradicional fogo de chão, onde costumam se
aquecer e contar suas histórias.
A religião que predomina na Aldeia é a cristã, estando dividida entre a Igreja
Evangélica do Cristianismo Decidido localizada próximo a Aldeia e a Igreja católica
Nossa Senhora do Guadalupe localizada dentro da aldeia. Acredita-se que a adesão
a religião cristã influenciou fortemente os índios a abandonarem completamente
suas crenças e praticas culturais próprias, como o culto aos mortos como faziam
seus antepassados. Deixaram também de ser polígamos e hoje se casam no
religioso e no civil, normalmente na própria aldeia.
Utilizam-se ainda de ervas medicinais como: a hortelã, o cipó milome, folha
de pitanga, porem isso já não é mais suficiente para tratar as novas doenças
trazidas pelo homem branco. No caso da aldeia de Queimadas a mesma conta com
atendimento medico e dentário, que é feito no posto de saúde da aldeia.
A maior fonte de renda atualmente da comunidade indígena kaingang de
Queimadas é o artesanato, onde toda a família participa, não somente da confecção
dos objetos, mas também da venda. A produção dos artesanatos (cestos, trançados,
arcos, flechas, chocalhos) tem o objetivo de manter os traços da cultura Kaingang,
bem como auxiliar no orçamento das famílias.
Outras fontes de renda são as vendas de pinhão, algumas aposentadorias,
ou ainda funcionários públicos que trabalham na própria aldeia como Agente
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Indígena de Saneamento, funcionários do Posto de Saúde, Serviços Gerais e
Administrativo da escola e professores. Algumas famílias contam ainda com a ajuda
do Governo Federal do Programa Bolsa Família, destinado às famílias carentes.
A aldeia de Queimadas conta atualmente com uma escola, a qual oferta a
Pré Escola, o ensino fundamental séries iniciais (1ª a 4ª série) e este ano com o
término da construção da unidade nova da Escola Estadual Indígena Cacique
Crispin Gy Mu, foi implantado de forma gradativa o ensino fundamental séries finais
(5ª a 8ª série). Os funcionários contratados para os serviços administrativos e
serviços gerais bem como os professores das séries iniciais são todos indígenas
porem os professores das séries finais são brancos, pois na aldeia ainda não
existem professores indígenas com licenciatura.
Também foi observada nesta Aldeia a atração e a vontade de consumir
objetos criados pelas novas tecnologias do homem branco, como a televisão,
celular, aparelhos de DVD, eletrodomésticos e até mesmo algumas motos e carros.
A dependência dos índios em relação aos objetos desejáveis acabou criando a
necessidade de ganhar dinheiro para obtê-los levando os mesmos a incorporarem
cada vez mais as cidades em suas vidas.
Notamos que as cidades realmente exercem hoje um grande fascínio sobre
as comunidades indígenas em geral, pois é ali que se concentram as tecnologias do
branco, os grandes espaços de compra e venda os bancos, as instituições públicas,
as quais se dirigem para reivindicar seus direitos. Nas cidades, os índios vendem
seus produtos, compram aquilo que é necessário para sua sobrevivência, buscam
assistência técnica para suas lavouras.
As cidades passaram a se tornar mais importantes para os povos indígenas
uma vez que as condições atuais de vida nas áreas indígenas criaram uma
dependência crescente, dependência criada a partir da destruição das matas e da
expropriação da maior parte de seus territórios de subsistência.
4 A sala de aula: pesquisando e aprendendo sobre o s Kaingang
É fundamental que os conteúdos não fiquem atrelados apenas aos fatos que
têm relação com a oficialidade, com os homens apenas representados
institucionalmente, mas sim com o homem enquanto sujeito impulsionador, causador
e artífice social.
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É preciso fazer falar sujeitos que sempre estiveram excluídos dos conteúdos
ensinados, dos abandonados da historia, camponeses, pescadores, artesãos,
operários, negros, indígenas, culturas desprezadas, cujos gestos e trabalho são
estranhos à memória da escola.
Na busca pela desmistificação das representações negativas, ainda muito
presentes na sociedade atual e da discussão da contribuição do índio na formação
da identidade brasileira é que procuramos implementar nosso projeto junto a um
grupo de alunos envolvendo uma 7ª e duas 8ª séries do Ensino Fundamental do
Colégio Estadual Dr. Marcelino Nogueira, localizado no município de Telêmaco
Borba.
O primeiro encontro com o grupo teve como objetivo verificar qual
conhecimento tinham estes alunos em relação aos Kaingang. Para tanto elaboramos
algumas questões abrangendo aspectos como: localização da Aldeia de Queimadas,
a que etnia pertenciam, sobre a ocupação do território paranaense, se houve ou não
resistência a ocupação, e pedimos ainda que citassem algumas mudanças que
ocorreram na cultura Kaingang do inicio da colonização até os dias atuais.
Apesar das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná, bem como a
Proposta Pedagógica do Colégio estar contemplando o estudo dos povos indígenas,
entre eles os Kaingang, o que percebemos é que este tema foi trabalhado
superficialmente. O que nos chamou a atenção foi o fato que dos doze alunos
envolvidos, obtivemos apenas três respostas identificando os Kaingang como a etnia
pertencente a aldeia de Queimadas e quatro indicando o Paraná como sendo uma
das regiões ocupadas pelos Kaingang. As demais questões deixaram de ser
respondidas.
Mesmo esta etnia estando presente em nosso município quase que
diariamente na tentativa de vender seus artesanatos, os alunos praticamente
desconheciam a existência da Aldeia de Queimadas, bem como não identificavam
este povo como uma etnia indígena.
Esta constatação nos permitiu, portanto, delinear nosso trabalho de
implementação que ficou distribuído em três etapas, sendo: pesquisa bibliográfica,
pesquisa de campo e a apresentação dos resultados das pesquisas para suas
respectivas turmas.
Se a realidade não se esgota nunca, e se não é possível explicá-la
totalmente, isso equivale dizer que sempre existe o que descobrir o que, por outro
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lado, justifica a pesquisa como instrumento essencial para novas descobertas, de
novos campos de investigação. A pesquisa não é uma atividade isolada, mas uma
postura de investigar sempre o não desvendado, de rever sob outros prismas o já
conhecido.
Pesquisar significa dialogar com a realidade e, sobretudo, criar e emancipar.
Assim, vivenciar a realidade, dialogando com ela crítica e criativamente, faz da
pesquisa requisito de vida, progresso e cidadania. (HORN e GERMINARI, 2006, p.
94,95).
Desta forma iniciamos nossa implementação através da pesquisa, para os
alunos do desconhecido, e para isso recorremos tanto a biblioteca como ao
laboratório de informática do estabelecimento, o que despertou um grande interesse,
principalmente por parte daquele aluno que não tinha computador em casa. Os
encontros se davam duas vezes por semana no contra-turno, sendo que todas as
atividades eram orientadas e acompanhadas individualmente, pois o professor alem
de ter domínio sobre o objeto da história, deve ser capaz também de ensinar a
pesquisar, pesquisando com os alunos.
A principio organizamos um roteiro de pesquisa pedindo que fossem
destacadas as principais regiões ocupadas pelos Kaingang; como ocorreu o primeiro
contato dos Kaingang com o homem branco; os motivos que levaram os
colonizadores a invadir as terras indígenas no Paraná. Esta primeira atividade foi
importante pois os levou a um conhecimento prévio sobre os Kaingang.
Num segundo momento solicitamos que a pesquisa fosse voltada para o
modo de vida dos Kaingang no passado, para isso indicamos o documento de
Telêmaco Borba, Actualidades Indígenas, bem como parte do Caderno Temático já
finalizado, para que pesquisassem aspectos como vestuário, habitação, utensílios
domésticos, armas, alimentação casamento, instrumentos musicais, bebidas,
agricultura, jogos e enfeites.
Os alunos demonstraram grande interesse na pesquisa, pois os mesmos
desconheciam a cultura Kaingang, o que acabou por despertar também grande
curiosidade em conhecer pessoalmente a aldeia de Queimadas, pois a grande
maioria não conhecia os Kaingang ainda.
Motivados pelo conhecimento adquirido sobre a cultura Kaingang e a
curiosidade em conhecer como vivem atualmente, é que organizamos a visita até a
aldeia. Nesta visita os alunos foram orientados a observar os vários aspectos por
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eles já pesquisados, buscando então perceber suas vivências e sociabilidades
cotidianas e procurando identificar as mudanças e permanências ocorridas na
cultura deste povo.
Consideramos que a pesquisa de campo foi uma experiência muito rica para
os alunos, pois apesar do pouco tempo que permanecemos na aldeia, foi possível
através da observação bem como do contato de alguns índios da aldeia, perceber
alguns aspectos importantes na vida dos Kaingang, percebendo também as
mudanças e permanências na cultura deste povo.
Foi possível também levá-los a perceber que em cada época histórica e em
cada região do planeta, os homens possuem maneiras singulares de pensar e
realizar suas atividades familiares, religiosas, econômicas e políticas. Portanto,
também as sociedades indígenas possuem formas próprias de organização social,
com características específicas que formam uma grande diversidade cultural
indígena.
Utilizando-se de todo o material coletado durante as atividades de pesquisa
bibliográfica bem como a de campo, na Aldeia de Queimadas, os grupos passaram a
produzir os textos e organizar suas apresentações, sendo que os mesmos optaram
em organizar em forma de slides, utilizando-se das TVs Pen Drive.
Para organizar a apresentação foram necessários vários encontros, pois os
alunos demonstraram bastante dificuldade na produção de textos bem como no uso
das tecnologias, principalmente na produção dos slides.
A grande diversidade cultural indígena ainda não é totalmente compreendida
pela sociedade nacional que mantém algumas visões negativas dos índios, sendo
que o maior problema que podemos resumir é o do preconceito que leva as pessoas
a considerarem as populações indígenas em geral como selvagens e atrasadas.
Isso foi possível verificar durante as apresentações, que aconteceram nas
suas respectivas turmas, através de comentários e brincadeiras feitas pelos alunos
enquanto eram apresentados slides com imagens e fotos de indígenas, em alguns
casos relacionando as imagens e fotos com alguns colegas, chegando a causar até
mesmo pequenas discussões entre os colegas havendo, portanto em alguns
momentos a necessidade da intervenção do professor no sentido de estar
explanando sobre nossa formação étnica, fazendo com que os mesmos tivessem a
compreensão de que naquela turma mesmo poderíamos ter vários descentes
daquela etnia.
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5 Considerações finais
Ao constatar a necessidade de aprofundamento sobre o tema, Cultura
Indígena, que consta dos conteúdos a serem aplicados nas séries do Ensino
Fundamental e Médio e com o objetivo de desconstruir representações negativas
sobre as populações indígenas, especificamente a população existente na Aldeia de
Queimadas, é que debruçamo-nos à pesquisa. Ou seja, adequando a realidade
existente no referido grupo à sua necessidade de conhecer mais sobre os indígenas
existentes no Paraná.
Buscamos através deste Projeto de Pesquisa, somar-nos aos diferentes
grupos de teorias críticas que se empenham em socializar, ou seja, colocar os
princípios de igualdade de direitos a serviço das classes emergentes desta
sociedade. Procuramos abrir espaço para a expressão dos interesses populares,
buscando desvendar a realidade, desmistificando aquilo que a ideologia liberal
dominante naturaliza, provocando a exclusão, acirrando as desigualdades e
injustiças sociais.
Procuramos através da implementação deste projeto trazer, aos professores
e alunos, uma pequena contribuição para reflexão crítica em relação à diversidade
cultural do povo brasileiro, colaborando para a compreensão da sociedade indígena
em especial ao grupo Kaingang.
Além de se constituir em um instrumento para o trabalho pedagógico, visto
que nos empenhamos em contribuir com o currículo oferecendo material para uma
orientação pedagógica através da produção do Caderno Temático “Kaingang no
Paraná”, que trata de um tema ainda pouco estudado, procuramos também buscar
através dele a valorização e respeito à cultura indígena, em especial do grupo
kaingang, objeto de estudo dessa pesquisa.
A Lei 11.645, de 10 de março de 2008, torna obrigatória a inclusão do ensino
da Cultura Indígena, sendo que a mesma já se encontra inserida nas Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná. Porém, ao iniciarmos a implementação com os
alunos de 7ª e 8ª séries, percebemos que se a Cultura Kaingang foi trabalhada, o foi
de forma superficial, pois mesmo os alunos reconhecendo os povos indígenas como
sendo os primeiros habitantes do Paraná, não os consideram como os primeiros
possuidores dessas terras. Demonstraram ainda não ter informações sobre a
existência de conflitos durante a ocupação do território paranaense e principalmente
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a maioria dos alunos desconhecia os Kaingang, mesmo essa etnia fazendo parte de
71% da população indígena do Paraná e estando presente no município diariamente
na tentativa de vender seus artesanatos.
Percebe-se ainda que entre os alunos a imagem e representação sobre os
índios são de caráter negativo, ainda carregam características como primitivos,
selvagens permanecendo a identificação como elemento branco muito mais aceita e
desejável provocando assim um elevado índice de discriminação em relação a este
povo.
São estes alunos, cheios das idéias de seu tempo e por vezes com
concepções e atitudes geradas pelo preconceito e pela falta de conhecimento sobre
grupos sociais ou até mesmo temas que possam vir a ser discutidos, que nos
chegam à sala de aula.
Cabe, portanto, ao professor auxiliar para que esses indivíduos possam
retirar “a venda de seus olhos” e enxergar o porquê do uso de certos rótulos que
denigrem principalmente a imagem de africanos, afro-descendentes e indígenas.
Estes rótulos nós professores devemos buscar desconstruir, por meio da
apropriação de conhecimentos sobre a cultura e vida destes povos.
É importante ainda dizer que a implementação desse trabalho procurou
atender aos princípios das DCEs/SEED no que diz respeito ao respeito e
atendimento à diversidade, preocupando-se também com as questões de exclusão
desta sociedade, em especial a questão indígena.
É necessário somar esforços para efetivação de políticas públicas que
respondam as reais necessidades não apenas dos povos indígena, mas de todos
aqueles que por algum motivo permanecem excluídos da sociedade.
REFERÊNCIAS
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